Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1269/2024-T
Data da decisão: 2025-09-10  ISV  
Valor do pedido: € 1.826,45
Tema: ISV – art. 11º do CISV – Admissão de veículo automóvel usado de outro Estado Membro da EU – Incidência sobre a componente ambiental
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

1.     O art. 110º do TFUE estabelece a impossibilidade de fazer incidir, directa ou indirectamente, sobre produtos de outros Estados Membros da EU, imposições internas superiores às que incidem, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.

2.     Assim sendo, não é permitido que sejam mais onerados veículos usados provenientes de outros países da EU, do que veículos nacionais similares

3.     A nova redacção introduzida pelo art. 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro, no art. 11º, nº 1 do CISV, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, viola o art. 110º do TFUE (aplicável por força do art. 8º, nº 4 da CRP), padecendo de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa de redução aplicada à componente cilindrada à taxa de redução de ISV relativa à componente ambiental.

 

REQUERENTE: A...

REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

1 – RELATÓRIO

A.   - PARTES

A..., a seguir designado por Requerente, com o NIF..., residente na ..., ..., ...-... Póvoa do Varzim, veio deduzir, em 29/11/2024, impugnação da liquidação do ISV, nos termos do art. 99º do CPPT dirigida ao Presidente do CAAD, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida, requerimento esse que o Requerente apresentou devidamente assinado, juntando procuração e dois documentos

 

B. - CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

O pedido formulado foi aceite pelo Presidente do CAAD em 02/12/2024 e automaticamente notificado à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira nesta data, Requerida esta que designou juristas para a representar por despacho comunicado em 04/01/2025, tendo o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6°, nº 1, do RJAT, em 21/01/2025, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

 Em 21/01/2025, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11°, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6° e 7° do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 10/02/2025, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11° do Decreto-Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

C. - PRETENSÃO

O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral proceda à anulação parcial da  liquidação de ISV, adiante identificada, no valor de 1.826,45 euros, e, em consequência,

Determine a restituição daquela quantia, que resultou de indevida liquidação e foi paga pela Requerente

 D. - TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 28/09/2021, seguiram-se:

- Em 11/02/2025- Foi proferido pelo Tribunal despacho arbitral mandando notificar a Requerida para nos termos dos nºs 1 e 2 do 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e juntar o processo administrativo, notificação feita em 12/02/2025,

- Em 14/03/2025, a Requerida apresentou a Resposta e juntou o processo administrativo.

 - Em 02/04/2025, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho dispensando a realização da reunião a que alude o art. 18º do RJAT, fixando um prazo de 10 dias para as Partes apresentarem alegações escritas, facultativas e sucessivas, o que estas não fizeram.

 - Em 29/07/2025, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho a prorrogar por dois meses o prazo para a decisão arbitral e sua comunicação.

E. - PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

A fundamentar o seu Pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

- Apesar do Impugnante ter procedido ao pagamento do imposto liquidado, sem o qual não poderia legalizar o veículo para poder circular em Portugal, considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.

 - E isto porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11º do CISV – viola o art. 110º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdãos transitados em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia e por outras decisões proferidas por este Centro de Arbitragem.

 - Após historiar o imposto em causa e as vicissitudes por que passou durante a sua vigência, designadamente, no que respeita à desvalorização da componente ambiental.

 - Refere que antes de ser proferido o Acórdão do TJUE, proferido em 02.09.2021, que reconheceu que este Estado-Membro “Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º, TFUE”.

 - O legislador português, através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 – Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro – aprovou uma nova alteração ao art. 11º do CISV, mediante a qual foi introduzida uma tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo, com indicação das respetivas percentagens, conforme tabela D, nº 1 do art. 11º do CISV.

 - Todavia, as percentagens aplicadas à componente ambiental, são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto.

 - Ou seja, o legislador português acabou por reconhecer a ilegalidade que estava a praticar na liquidação do ISV, mas, apesar desse reconhecimento, continua a praticar essa mesma ilegalidade, embora por um valor inferior ao que vinha a ser praticado.

 - Assim, a norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, continua a violar frontalmente o art. 110º do TFUE, conforme foi já decidido pelo acórdão acima citado e pela demais jurisprudência do TJUE.

 - E também já declarada pelas decisões deste Tribunal Arbitral proferidas nos proc. 372/2021-T e 607/2021-T.

 - Mais recentemente foi proferida pelo TJUE, em 06.02.2024, a decisão no proc. nº C-399/23 no âmbito de um pedido de reenvio prejudicial, que considerou que “O artigo 110º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo de montante de um imposto sobre os veículos, quando é aplicado a um carro usado proveniente de um outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares no mercado nacional de veículos usados”.

 - Na sequência desta decisão, o STA tem também reconhecido esta violação do direito europeu, considerando porém que a mesma decisão não tem valor absoluto, mas apenas relativo, sendo necessário que do processo em que se discute a violação da norma do Tratado seja feita prova de que, de facto, o valor do imposto pago excede o valor do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares comercializados em Portugal.

 - Reconhecida como está a violação da norma do TFUE, importa apurar se no caso concreto do Impugnante, o valor do ISV liquidado excede o referido valor residual do ISV incorporado nos veículos semelhantes comercializados em Portugal. 

 - Entende o Impugnante, que a prova de que o imposto liquidado excede o valor residual do imposto incorporado no preço dos veículos similares comercializados em Portugal, resulta da prova documental disponível nestes autos.

 - Mas, em primeiro lugar, importa destacar que a correta interpretação do teor da decisão do TJUE, que esteve na base do acórdão do STA, não conduz à conclusão que os veículos usados introduzidos em Portugal, por força da violação do Tratado Europeu, têm de ser comercializados por um preço superior ao dos veículos equivalentes comercializados em Portugal.

 - Com efeito, a questão relevante é apurar se o montante do imposto cobrado pela administração fiscal portuguesa é superior ao valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares comercializados em Portugal e não apurar se o preço de comercialização do veículo usado importado é superior ao dos veículos usados similares comercializados em Portugal.

 - É este o teor da decisão proferida pelo TJUE no processo C-399/23, reproduzida na jurisprudência do STA.

 - Para que a referida questão possa ser respondida, importa, antes de mais, ter presente o que se entende por valor residual do ISV que se encontra incorporado no preço do veículo.

 - O ISV é liquidado e pago no ato de aquisição de um veículo novo ou usado, sendo um componente do preço global do veículo pago pelo adquirente, a par dos outros componentes, a saber, o preço líquido do veículo e o IVA

 - Assim, o valor residual do ISV corresponde ao montante do imposto que ainda é relevante após a depreciação do veículo ao longo do tempo.

 - Ou seja, o valor residual do ISV é calculado considerando a depreciação do veículo, sofrida ao longo dos anos de uso do mesmo, depreciação que afeta necessariamente todos os componentes do preço inicial do veículo, onde, necessariamente, se inclui o ISV pago.

 - Como se sabe, este imposto é calculado em função de duas componentes – a componente cilindrada e a componente ambiental. 

 - O art. 11º do CISV, na sua redação atual, prevê a aplicação de percentagens de redução, as previstas na tabela D anexa a este código, que estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos.

 - Tendo fixado percentagens diferentes a aplicar à componente cilindrada, que correspondem de facto à desvalorização média dos veículos, e à componente ambiental, sendo que as aplicadas a esta componente são inferiores.

 - Refira-se que a própria AT, através da Portaria 383/2003 de 14 de maio, definiu, para efeitos de liquidação de IRS, o coeficiente de desvalorização dos veículos automóveis, pelo que, deverá esta tabela ser tida também em consideração para se encontrar a desvalorização comercial média prevista no referido art. 11º do CISV.

 - Resulta daqui que o legislador nacional fixou uma tabela de desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional, tendo contudo optado, sem qualquer fundamentação, por aplicar uma desvalorização inferior à componente ambiental.

 - E é essa diferente desvalorização da componente ambiental que esteve na base da já referida decisão do TJUE (C-399/23 de 06.02.2024).

 - Da Declaração Aduaneira de Veículo – DAV resulta que o veículo em questão teve a sua primeira matrícula em 10.04.2014, tendo sido introduzido em Portugal em 13.04.2022, logo mais de 8 anos depois. 

 - Resulta também desse documento que o ISV liquidado sobre este veículo no estado de novo ascendia a € 17.859,17 (somatório da componente cilindrada e ambiental, sem as deduções pelos anos de uso).

 - Do mesmo documento, extrai-se ainda que a componente cilindrada foi desvalorizada em 65% e a componente ambiental desvalorizada em 43%. - O Impugnante introduziu em Portugal em 13.04.2022, o veículo automóvel ligeiros de passageiros, usado, marca Maserati, proveniente da Bélgica, estado membro da UE, a que foi atribuída a matrícula ...

 - Veículo a que foi atribuída a primeira matrícula em 10.04.2014.

- No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, o Impugnante procedeu à declaração aduaneira do referido veículo, tendo a AT liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 8.077,18, imposto que já foi pago pelo Impugnante.

 - Deste valor liquidado, € 3.345,01, corresponde à componente cilindrada e € 4.732,15, à componente ambiental.

 - Sendo que estes valores resultaram das reduções referentes ao número de anos de uso do veículo.

 - A percentagem de redução relativamente à componente ambiental foi inferior à aplicada à componente cilindrada, tudo conforme resulta da DAV.

 - O coeficiente de desvalorização aplicado pela AT à componente cilindrada é o correspondente à desvalorização média deste veículo automóvel pelo facto de ter mais de oito anos de uso. 

 - Desvalorização que corresponde também, embora inferior, à fixada na tabela da Portaria 383/2003 que prevê uma desvalorização para veículos com 8 anos de uso em 80%.

 - Sendo o valor do ISV pago, um componente do preço do veículo em novo, o valor residual deste imposto é o que resulta da desvalorização que o veículo sofreu, resultante do número de anos de uso do mesmo.

 - Considerando pois o valor do ISV pago no momento da aquisição de um veículo similar no estado de novo em Portugal – tenha-se presente que esta liquidação apenas tem por base a componente cilindrada e ambiental definidas na DAV, não sendo relevante o preço de comercialização do veículo – que, como resulta da DAV, ascende a € 17.859,17 e aplicando-se a desvalorização média de 65%, o valor residual do imposto à data da introdução do veículo em Portugal era de € 6.250,71.

 - Tendo o impugnante pago um ISV pelo valor de € 8.077,16, conforme resulta da DAV, conclui-se que pagou a mais de imposto € 1.826,45, relativamente ao montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares no mercado nacional de veículos usados.

 - Pelo que a AT quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração a totalidade do número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, ao não aplicar a mesma percentagem de desvalorização que aplicou à componente cilindrada. 

 - Tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu – art. 110º do TFUE – que, como tal, está ferida de ilegalidade.      

 - Face a esta manifesta ilegalidade, o Impugnante, em 26.02.2024, requereu junto da Alfândega de Faro, ao abrigo do disposto na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT, a revisão da liquidação do referido imposto liquidado referente ao veículo acima identificado.

 - Tal pedido de revisão foi indeferido por despacho proferido em 21.10.2024,

 - Ora, efetuado este pedido de revisão e tendo o mesmo sido indeferido, está o Impugnante em tempo de, nos termos do art. 99º do CPPT, impugnar esta liquidação

 - A alegada ilegalidade é, nos termos do disposto no art. 99º do CPPT, fundamento da impugnação judicial.

 - “Há, porém, fundamentos que são invocáveis tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial. Estão nestas condições a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a liquidação e a duplicação da coleta, previstas nas alíneas a) e g) do nº 1 do art. 204º deste Código. No que concerne à primeira, está-se perante aquilo que se designa por ilegalidade abstrata da liquidação, por a ilegalidade não residir no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita. Cabem aqui os casos de normas que violam regras de hierarquia superior como as normas constitucionais ou de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário, quando é feita aplicação de normas regulamentares” – Código do Procedimento e de Processo Tributário, anotado pelo Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, 3ª edição, anotação ao art. 99.

 - Verificado o cálculo do ISV, temos que relativamente à componente ambiental o ISV foi liquidado por mais € 1.826,45.

 - Excesso que resulta da aplicação da percentagem de redução inferior à que devia ter sido aplicada, ou seja, a mesma que foi aplicada na componente cilindrada. 

 - Assim seno, liquidação do ISV deve ser corrigida, reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de € 6.250,71.

 - Devendo ser restituído ao Impugnante o montante de € 1.826,45 pago a mais.

            Nestes termos deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental.

            Mais deve a AT ser condenada a restituir ao Impugnante a quantia de € 1.826,45 cobrada em excesso.

..  

F  - RESPOSTA DA REQUERIDA

- A Requerida veio defender-se por impugnação, o que fez nos termos e com os fundamentos, em síntese, adiante indicados:

 - O presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto na sequência do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV), decorrente da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2022/..., de 13/04/2022, praticado pelo Diretor da Alfândega de Braga.

 - Vem o Requerente agora impugnar o ato de liquidação por considerar que está ferido de um vício de ilegalidade no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2, fundamentando que a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – o Art.º 11º do CISV – viola o Art.º 110 Tratado de Funcionamento da União Europeia, conforme já foi declarado por acórdãos transitados em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia e por outras decisões proferidas por este Centro de Arbitragempor entender que deveria ser aplicada na componente ambiental a mesma percentagem de redução prevista para a componente cilindrada, pugnando pela sua anulação parcial e, consequente, a restituição do montante de 1.826,45 € pago em “excesso”.

 - A liquidação e o cálculo do montante de imposto em apreço foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características do veículo e conforme legalmente previsto na legislação nacional.

 - O regime do imposto sobre veículos encontra-se previsto no Código do Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 27 de junho, aplicável à data dos factos em litígio, com as últimas alterações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.

 - À introdução no consumo de veículos usados que sejam objeto de admissão no território nacional aplica-se, no âmbito do regime geral de tributação, o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do mesmo código, que, quanto às taxas do imposto, consagra, nas alíneas a) e b) do n.º 1, a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas ou pela taxa intermédia.

 - Além do artigo 7.º, o artigo 11.º do CISV (Taxas - veículos usados) estabelece as taxas aplicáveis aos veículos usados, que, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, (Lei do Orçamento para 2021), dispõe, para o que ora releva, o seguinte:

«Taxas – veículos usados

1 -O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados -Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

 - Considera o Requerente que a liquidação de ISV efetuada está “ferida de um vício de ilegalidade”, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, dado que a norma que está na base da liquidação (n.º 1 do art.º 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, na redação dada pelo art.º 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), “continua a violar frontalmente o Art.º 110.º do TFUE”.

 - Alega o requerente que esta norma (que sustentou a liquidação em causa), introduziu uma “tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo com indicação das respetivas percentagens (Tabela D). Todavia, as percentagens aplicadas à componente ambiental são inferiores às aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim o tratamento desigual entre as duas componentes do imposto”.

 - O Requerente sustenta “que o legislador português acabou por reconhecer a ilegalidade que estava a praticar na liquidação do ISV”, mas que continua a “praticar a mesma ilegalidade”, embora por um “valor inferior ao que vinha a ser praticado”.  Neste pressuposto, demanda a anulação do ato tributário de ISV liquidado a mais, na parte correspondente à componente ambiental.

 - Decorrendo dos elementos constantes do processo, nos presentes autos de impugnação arbitral, está em causa a legalidade da liquidação do ISV efetuada de acordo com a tabela D anexa ao artigo 11.º do CISV, na redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.

 - Importa, ab initio, referir que o ato de liquidação impugnado foi praticado tendo em consideração as normas estabelecidas no CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho na redação em vigor à data dos factos em causa, não podendo a AT deixar de aplicar normas com base num “julgamento” casuístico de alegada desconformidade com o direito comunitário.

 - De facto, o princípio constitucional da legalidade que entre nós vigora, exige que os impostos e os seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantia dos contribuintes) sejam obrigatoriamente criados por lei, em conformidade com o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 - Por outro lado, por força do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a atuação da AT encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, prevista no artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT), o que determina a sua expressa vinculação à lei, não podendo contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes, devendo este princípio ser entendido em sentido proibitivo ou negativo, pois são vedadas as atuações administrativas que contrariem a lei. O mesmo principio da legalidade encontra respaldo nos princípios gerais da atividade administrativa, quando se define que “os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins” (n.º 1 do artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo)

 - De facto, nos termos do artigo 8.º da LGT, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contraordenações fiscais, pelo que a AT não pode, sob pena de cometer uma ilegalidade, deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução do veículo no consumo.

 - Sendo, ademais, de realçar que o ISV é um imposto sobre o consumo nacional, não harmonizado comunitariamente, pelo que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, sobre inúmeras matérias, as quais se encontram expressamente previstas no artigo 165.º da CRP, nomeadamente, a criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

 - Ora, constando do CISV a disciplina legal do Imposto Sobre Veículos, que também determina a incidência e taxas deste imposto, e considerando que o ato tributário visado foi praticado ao abrigo do artigo 11.º daquele Código, a AT não pode contrariar ou desobedecer às disposições legais nele ínsitas.

 - Assim, o ato de liquidação em causa não pode ser considerado ilegal, desde logo, porque o mesmo foi efetuado de acordo com a disciplina legal aplicável, encontrando-se em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente.

 - Por outro lado, acresce referir que, não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária, relativamente à nova redação do mencionado artigo 11.º do CISV, a AT, vinculada ao princípio da legalidade, terá de proceder à tributação dos veículos usados de acordo com a legislação atualmente em vigor vertida no próprio Código de Imposto Sobre Veículos.

 - Não assistindo, deste modo, razão ao Requerente, porquanto se conclui que não foi proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária, relativamente ao artigo 11.º do CISV, na nova redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.

 - Da análise de todos os elementos constantes do processo, verifica-se , como se disse, que está em causa nos autos de impugnação, a liquidação do ISV efetuada de acordo com a tabela D anexa ao art.º 11º do CISV, na redação dada pelo art.º 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro.                                                                   

 - Cumpre salientar, igualmente, que no decurso do Processo nº C-169/2020 interposto no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pela Comissão Europeia contra o Estado Português (assente no facto do sistema de tributação dos veículos usados violar o disposto no art.º 110ºdo TFUE, uma vez que não considerava qualquer desvalorização na componente ambiental) e em momento anterior à prolação do Acórdão de 2 de setembro de 2021, o legislador português, através da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro (OE/2021), alterou o art.º 11º do CISV, introduzindo no seu nº 1, uma tabela com percentagens de redução de imposto da componente ambiental que juntamente com a tabela da componente cilindrada, estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, cumprindo assim, as exigências manifestadas no então Parecer Fundamentado que a Comissão enviou ao Estado Português, no sentido de conformar o sistema de tributação dos veículos usados em Portugal com o direito comunitário.                                                                                   

 - Com efeito, o que estava em causa no referido contencioso comunitário, era a circunstância de o Estado Português não aplicar qualquer desvalorização à componente ambiental, à semelhança do que já se encontrava previsto para a componente cilindrada..

 - Deste modo, ao ser estabelecida legalmente a tabela de desvalorização relativamente ao imposto resultante da componente ambiental, o legislador afastou a ilegalidade da norma e a (eventual) desconformidade da legislação nacional face ao direito comunitário.                                                                            

 -  A este propósito, importa, porém e ainda, sublinhar que no Acórdão de 2 de setembro (proferido no processo n.º C-169/2020), o TJUE não havia expressado o entendimento que a percentagem de redução de imposto a aplicar a ambas as componentes teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, tal como veio a suceder com a alteração ao nº 1 do art.º 11º do CISV, na redação dada pelo art.º 391º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, termos em que não colhe a tese do requerente quando refere que se mantém a violação do art.º 110º do TFUE.

 - Cita, para sustentar o alegado, jurisprudência do CAAD                                                                 

 - Para aquilatar da eventual desconformidade do Direito Interno (art.º 11º do CISV) com o Direito da UE (art.º 110º do TFUE), não basta apenas ao Requerente alegar que deve aplicar no cálculo de imposto a mesma percentagem de redução nas duas componentes (cilindrada e ambiental), apresentando-se a liquidação de ISV ferida de ilegalidade.                                                                            

 - Mas sim, impenderá sobre o Requerente a prova de facto de que, no caso concreto, o imposto incidente sobre o veículo objeto de legalização fiscal em território nacional, é superior ao valor residual do imposto incorporado no valor do veículo nacional similar presente no mercado nacional de veículos usados, conducente a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.

 - Com efeito a conjunção “se” vertida na parte final do despacho do TJ de 06/02/2024, impõe uma condição para que o facto ocorra, ou seja, faz-se depender a ilegalidade da legislação nacional (resultante da não desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada), da circunstância do montante do imposto cobrado sobre o referido veículo admitido de outro Estado-membro exceder o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados, conducente a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.

 - Aqui chegados, não colhe o alegado pelo Requerente que nos termos da jurisprudência do STA firmada no acórdão de 24.04.2024 é reconhecida a violação do Direito Europeu e da norma do TFUE.

 - E é na decorrência desta alegação, que vem então referir a necessidade de fazer prova no PP em apreço de que, de facto, o valor do imposto pago excede o valor do imposto residual incorporado no valor de veículos similares comercializados em Portugal.

 - Ora, analisadas as alegações do Requerente constata-se, todavia, que afinal a prova constante dos autos e que prova, no seu entender, que o valor do ISV liquidado excede o aludido valor residual do ISV incorporado nos veículos semelhantes comercializado em Portugal, é a própria DAV - Declaração Aduaneira de Veículo e o cálculo do ISV aí expresso ao abrigo das normas legais aplicáveis.

 - Com efeito, o Requerente limita-se a teorizar sobre o modo de aplicação das tabelas de redução do ISV constantes do n.º 1 do art.º 11.º na parte em que aquelas estabelecem um critério diferenciado para a redução do imposto pelo tempo de uso para a componente cilindrada e para a componente ambiental, para daí concluir da existência de uma discriminação entre o veículo objeto do pedido de pronúncia e os veículos usados nacionais similares presentes no mercado nacional, tendo em conta unicamente a diferença de desvalorização aplicada entre as duas componentes do ISV.

 - No entanto, nada alega de concreto que permitisse demonstrar que no momento da introdução no consumo em Portugal do veículo em causa, a aplicação do ISV conduziu a que o imposto que incidiu sobre o veículo excedesse o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, e, por força dessa circunstância, daí resulte o favorecimento da venda de veículos usados nacionais similares ao veículo introduzido no consumo no território nacional pelo requerente.

Assim, atento todo exposto, e também porque o tribunal está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, deve improceder o pedido formulado de anulação parcial da liquidação de ISV.

 - Peticiona o Requerente a restituição do imposto no total 1.826,45€, que, de acordo com a tese que defende, seriam devidos por conta do montante do imposto que teria sido pago em excesso. .

 - Ora, quanto a esta questão importa referir que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes e cálculo de imposto, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV.

 - Assim, incumbindo às alfândegas efetuar a liquidação do imposto, compete-lhes igualmente (neste caso) promover as diligências necessárias ao cumprimento das decisões arbitrais em sede de execução de julgado, designadamente, quanto ao cálculo dos montantes que, em caso de procedência da ação, venham a ser reembolsados ao sujeito passivo, até porque, a anulação parcial da liquidação irá determinar, em sede de ISV, a realização de uma liquidação de substituição. 

 - Nestes termos, e nos demais de Direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente.

 

G. - QUESTÕES A DECIDIR

Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

       1 -Questão Principal - Saber se a liquidação do Imposto Sobre Veículos realizada, nos termos do art. 11º do respectivo Código, com a dedução que foi reconhecida à componente ambiental, padece, ou não, de ilegalidade determinante de anulação parcial, no que a esta concerne.

      2 – E, se no caso de ser anulada, o Requerente tem direito à restituição do que pagou em excesso.

       3 - Em qualquer caso, responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

H. - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

 As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março

  O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

I. - MATÉRIA DE FACTO

 

I. 1 - FACTOS PROVADOS

 Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

1.     O Requerente introduziu em Portugal, em 13/04/2022, o veículo automóvel, ligeiro, de passageiros, usado, marca Maserati, Modelo M, 156, proveniente da Bélgica, a que foi atribuída a matrícula ...

2.     Veículo a que tinha sido atribuída a primeira matrícula em 10/04/2014

3.     O Requerente procedeu à declaração aduaneira do referido veículo (DAV nº 2022/..., de 13/04/2022), na Alfândega de Braga, tendo a AT liquidado o ISV pelo valor de 8.077,18 euros, que o Requerente pagou.

4.     Deste valor que foi liquidado pela AT, 3.345,01 euros correspondiam à componente cilindrada e 4.732,15 euros correspondiam à componente ambiental.

5.     O Requerente, em 04/03/2024, requereu junto da Alfândega de Braga a revisão oficiosa da liquidação do imposto. 

6.      Este pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho que foi notificado ao Requerente em  21/10/2024

7.     Em 29/11/2024, o Requerente entregou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral

 

I.- 2 - FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

            Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

 

 J. - MATÉRIA DE DIREITO

Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida ea sua fundamentação estão expostas, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. do Relatório desta Decisão.

O presente pedido de pronúncia arbitral tem como fundamento a ilegalidade do art. 11º do Código do Imposto sobre Veículos, relevante na liquidação impugnada, por violar o disposto no art. 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A questão em apreço consiste em saber se a liquidação de ISV relativa à viatura identificada nos autos padece, ou não, de ilegalidade parcial, como pretende o Requerente, ou, ao invés, se o acto de liquidação deste tributo deverá ser mantido na sua íntegra, não enfermando de qualquer ilegalidade.

Sobre a matéria, entende, em última análise, o Requerente que o normativo em apreço, aplicável aos veículos usados portadores de matrículas comunitárias, vai-se traduzir numa tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares no mercado nacional

 Ora, a questão em apreço, antes da alteração introduzida no art, 11º, nº 1 do CISV, pelo art. 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro, já foi apreciada em diversas decisões arbitrais proferidas pelo CAAD, nomeadamente as relativas aos processos nºs. 572/2018-T, 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 466/2019-T, 498/2019-T, 833/2019-T, 75/2020 e aos 297/2020-T, 588/2020-T e 432/2021-T, estas três últimas que foram proferidas pelo signatário, enquanto juiz singular, nas quais foram tomadas  decisões anulatórias com fundamento na incompatibilidade do disposto no art. 11º do CISV com a disposição do art. 110º do TFUE, segundo a qual "nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares."

Nestas circunstâncias, e por o Tribunal Arbitral considerar que se mantém os motivos decisivos que determinaram as decisões tomadas, passar-se-á a apresentar os fundamentos, entretanto, invocados.

  Analisada a situação, pode dizer-se que a lei portuguesa está a fazer incidir sobre este "produto" dos Estados-Membros uma imposição interna superior à que incide directa ou indirectamente, sobre os veículos usados nacionais, em clara violação do prescrito no art. 110º do TFUE.

Vejamos, então, quais as razões e fundamentos para se chegar a esta conclusão, aliás, vertidos nas referidas decisões do signatário e as quais estamos a acompanhar.

De acordo com o disposto no Código do ISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, "os veículos automóveis ligeiros de passageiros, (art. 2º, nº 1, alínea a), sendo "sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos" (art. 3º, nº 1 ).

O artigo 5º do Código do ISV, diz que constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal", sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional".

No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b, "o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares", sendo que" a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível" (nº 3).

Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que "a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)", sendo que nos termos do nº 3, "para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros ficam sujeitos ao processamento da DAV".

De acordo com o disposto no artigo 20º, nº 1 do Código do ISV, "os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV" nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.

 As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de C02 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7º a 11º do Código do ISV.

Assim, no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de C02 g/km.

O cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nºs 1 e 2 do Código do ISV dispõe que "o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com excepção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional".

Os nºs 3 e 4 do referido artigo 11º do Código do ISV referem que "sem prejuízo da liquidação provisória efectuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do nº 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula aí indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto, sob pena de se presumir" que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do nº 1 ".

Nos termos da decisão arbitral do processo nº 572/2018-T, que também  acompanhámos nas nossas decisões anteriores, em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.

A legalidade foi questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, "porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter proteccionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos".

O Acórdão do TJCE (de 22/02/01) denominado "Gomes Valente", proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do número de anos de uso.

"Neste âmbito (conforme se extrai daquela decisão), embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela reflectisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional".

Conforme resulta daquela decisão do CAAD "esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um EM aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional".

Acrescentando que "na sequência do designado Acórdão "Gomes Valente", a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adapte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório".

O actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um EM aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

"Quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstracto com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório", como se extrai da decisão que temos vindo a seguir.

 Em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do T JUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia. Refere aquela decisão que "o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental".

Contudo, o referido Acórdão veio declarar que "o artigo 90º, primeiro parágrafo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida - em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e - em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos membros, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação.

Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto", com resulta da decisão do CAAD a que aderimos. "Adicionalmente (acrescenta esta decisão), considerou-se que os Estados Membros (EM) têm liberdade para seleccionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das "importações" provenientes dos outros EM, ou de protecção em favor de produções nacionais concorrentes".

Assim, em termos gerais, é possível concluir que "no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos que possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados, semelhantes, já matriculados no território nacional".

 Mais acrescentando que "em 2009, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios".

 No que a Portugal diz respeito, "nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16/06/2016, acima já referido".

 Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que "as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático". A Decisão Arbitral nº 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, refere, neste âmbito que "apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos directos, o Tribunal de Justiça (T J) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia.

Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente a livre circulação de mercadorias (artigos 28º e seguintes do TFUE).

Ora, é precisamente através da protecção de cada uma destas liberdades, directamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades.

O direito português consagra uma cláusula de recepção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação.

Daqui decorre que “os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários podendo ser invocados perante os tribunais".

Enfatizando que "os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária”.

Esta superioridade decorre não só dos artigos 26º e 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP.

Apresenta-se, pois, como claro que, para que a Convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar.

Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas, sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa."

O artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que "nenhum EM fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente sobre produtos nacionais similares".

Nos termos da decisão, cuja fundamentação temos vindo a perfilhar, acrescenta-se que "sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados Membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da EU".

"Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a que cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.

E tanto assim é que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/201, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110° do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de: O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados Membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental.

Contudo, como refere a aludida decisão, não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C-200/15, de 16 de Junho de 2016, visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que "a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE".

E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redacção do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

Nesta conformidade, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90º do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios".

A situação descrita levou a Comissão Europeia a dar início a um procedimento contra Portugal, "por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados "importados" de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional".

Assim, de acordo com o artigo 4º do TFUE, as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados- Membros" (nº 1), sendo que "os Estados Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições da União" (nº 4). 

Nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do TFUE, "a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito.

A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adaptadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia".

Por sua vez, de acordo com o artigo 258° do TFUE, "se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações.

Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Assim sendo,  " se uma eventual  infracção à legislação europeia for identificada pela Comissão ou denunciada por queixa, esta última tenta resolver o problema que lhe está subjacente através do diálogo com o EM em causa, com o objectivo de encontrar uma solução rápida que esteja em conformidade com a legislação da UE e evitar assim o recurso a um processo formal por infracção.

No caso de o EM não concordar com a Comissão ou não tomar medidas para rectificar a eventual violação da legislação da UE, a Comissão pode abrir um processo formal por infracção, sendo que este processo compreende várias etapas.

Neste âmbito, a Comissão Europeia convida, através de notificação por carta, as autoridades nacionais do EM a pronunciarem-se sobre o problema de incumprimento identificado, no prazo máximo de dois meses, sendo que, em caso de ausência de resposta ou de resposta não satisfatória, a Comissão indicará as razões por que considera que o EM violou a legislação da EU e as autoridades nacionais dispõem de um prazo máximo de dois meses para dar cumprimento à legislação europeia".

Não obstante, em caso de ausência de resposta ou resposta não satisfatória, a Comissão pode pedir ao TJUE que abra um procedimento contencioso ao EM incumpridor, decidindo o TJUE, em média, no prazo de dois anos, sobre a existêncía, de uma infracção à legislação europeia".

 No âmbito dos autos a que nos estamos a reportar, Portugal não teve em conta nenhuma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados "importados" de outros EM, à revelia do disposto no artigo 110º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental.

Por seu turno o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16/06/2016, como se extrai da mencionada decisão arbitral, refere que "este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam a uma imposição superior do produto importado", sendo que "um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional"..

Reportando-nos, agora, à situação dos presentes há que dizer que, incindindo, como incide, o cálculo do ISV devido por veículos usados provenientes de outros EM, sobre as componentes de cilindrada e ambiental, a alteração legislativa introduzida pelo art. 391º, da Lei 75-B/2020, ao conceder, para o mesmo número de anos do veículo, uma percentagem de redução maior à componente cilindrada do que à componente ambiental, espelhando, de forma geral, percentagens maiores de redução para menor tempo de uso do que na componente ambiental, conforme resulta da Tabela D do art. 11º, nº 1 do CISV, contraria a ratio legis do art. 110º do TFUE.

Conforme resulta da Proposta de Lei 61/XIV, na parte a que a esta questão e alteração diz respeito é o próprio legislador nacional que indica que, na componente ambiental, a tributação de veículos importados de outros EM não tem em conta o tempo de uso dos veículos, mas sim a sua vida útil média remanescente, como métrica do horizonte temporal de poluição do veículo

Ao não atender à depreciação real do veículo “importado”, não de permite garantir que o montante do imposto não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar matriculado em território português.

Tanto mais que os veículos fabricados ou montados em Portugal e registados como novos neste EM estão sujeitos uma única vez ao imposto em causa, que engloba as duas componentes  - a cilindrada e a ambiental.

Na venda subsequente do veículo em causa, como veículo usado, o seu valor comercial é igual a uma percentagem  residual do seu valor inicial, em função da sua desvalorização (depreciação real e não média de vida até o abate) e inclui o montante residual do imposto pago.

Nesta conformidade, o Tribunal Arbitral, a exemplo da decisão arbitral tomada no processo nº 607/2021-T, também adere aos fundamentos adoptados .na decisão arbitral do processo nº 372/2021-T e não tem dúvidas em concluir que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, uma vez que calcula o imposto sobre veículos usados provenientes de outro Estado Membro da EU, sem tomar em linha de conta a sua depreciação, permitindo que o imposto calculado seja superior ao montante residual de veículos usados nacionais.

Termos em que se determina a anulação parcial do actos tributário de liquidação de Imposto sobre Veículos objecto do pedido, uma vez que padece de ilegalidade na parte em que procedeu à redução de ISV relativa à componente ambiental, nos termos em que o fez

Tem, assim, o Requerente direito ao reembolso da quantia paga em excesso, nos termos do art. 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, o qual, em linha com o art.100º da LGT, estabelece que a decisão arbitral a favor do sujeito passivo tem por efeito restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado

 

L.-DECISÃO

Atento o exposto, o Tribunal Arbitral decide:

Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV identificada nos autos, no montante total de 1.826,45 euros, e, consequentemente, condenar a Requerida a restituir à Requerente esta quantia, e

Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315°, nº 2) e 97º -A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 1.826,45 euros.

Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00   euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

Notifique-se o Ministério Público nos termos e para os efeitos dos arts. 280º, nº 3 da Constituição e 72º, nº 3,da Lei do Tribunal Constitucional e 185-Aº, nº 2, do CPTA, subsidiaramente aplicável

Lisboa, 10 de Setembro de 2025

 

O Árbitro

 

(José Nunes Barata)

 

(Redacção pela ortografia antiga)