SUMÁRIO:
A revogação do ato tributário pode ocorrer nos 30 dias subsequentes à notificação da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral. A revogação do ato tributário em momento posterior, aceite pelo contribuinte, determina a extinção da instância arbitral por inutilidade superveniente da lide, porquanto o fim visado foi plenamente atingido por outro meio.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dr. José Coutinho Pires e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
RELATÓRIO
A..., S.A., NIPC..., com sede na..., n.º..., ...-... Lisboa (“Requerente”), tendo sido notificada da liquidação n.º 2025..., referente a IRC de 2022, e da demonstração de acerto de contas n.º 2025..., com um valor a pagar de € 295.704.32, veio requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por “RJAT”), peticionando a anulação dos referidos atos tributários.
A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
No prazo previsto no artigo 10.º, n.º 3, do RJAT, foi dado conhecimento à AT do pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo atribuído.
O tribunal arbitral foi constituído em 3 de junho de 2025.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida solicitou inicialmente uma prorrogação do prazo, dado que os juristas designados pela AT não dispunham, à data, do processo administrativo (“PA”), o que não lhes permitia apresentar o contraditório.
Por despacho de 6 de julho de 2025 foi concedida a prorrogação solicitada.
Em 15 de julho de 2025, veio a Requerida apresentar requerimento para junção aos autos do ato de revogação total da liquidação de imposto impugnada, por despacho proferido pela Subdirectora-Geral dos Serviços do IRC, datado de 11 de julho de 2025.
A Requerente veio requerer, em consequência, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, o tribunal arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA ARBITRAL POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Relativamente à tempestividade da revogação do ato impugnado por parte da AT, cumpre, desde logo, convocar o disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, que determina o seguinte:
“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.” (sublinhado nosso)
No caso dos autos, foi remetido email automático à AT no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 3, do RJAT, informando da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo atribuído. Assim sendo, atenta a data da entrada do pedido de constituição do tribunal arbitral e do PPA (24 de março de 2025), dispunha a AT do prazo de 30 dias, contado da data em que foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, para, querendo, revogar o ato impugnado. Não foi isso, porém, o que sucedeu in casu, já que o ato impugnado apenas foi revogado em 11 de julho de 2025. Deste modo, não restam dúvidas de que o ato de revogação da liquidação de imposto impugnada não pode ter a consequência prevista no referido preceito do RJAT.
Não poderá também olvidar-se que, como também já referido, a Requerente, notificada para se pronunciar sobre a referida revogação, a aceitou, requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Com tal revogação e aceitação, parece evidente que se torna inútil o prosseguimento da presente lide, já que o fim visado pela Requerente com a instauração da instância arbitral foi plenamente atingido por outro meio, fora do âmbito do respetivo processo, embora na sua pendência.
Conforme explicam LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” – cfr. Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.
A este respeito, pronunciou-se também já́ o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30 de julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277.º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
Verifica-se, pois, no caso em apreço, a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do ato tributário objeto do presente processo, o que determina a extinção da correspondente instância, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões elencadas.
DECISÃO
Em face do exposto, decide este Tribunal julgar verificada a inutilidade superveniente da lide, determinando-se, em consequência, a extinção da instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, com custas a cargo da Requerida.
***
VALOR DA CAUSA: Fixa-se o valor do processo em € 295.704,32, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
***
TAXA DE ARBITRAGEM: Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a cargo da Requerida, por ter dado causa à ação arbitral.
CAAD, 1 de outubro de 2025
Os Árbitros,
Rita Correia da Cunha
José Coutinho Pires
Ricardo Rodrigues Pereira