Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 278/2025-T
Data da decisão: 2025-10-02  IRC  
Valor do pedido: € 59.805,83
Tema: IRC – Organismos de Investimento Coletivo não residentes; dividendos; retenção na fonte; livre circulação de capitais.
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Sumário:

I.              O artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação nele previsto aos OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, procede a um tratamento desfavorável dos OIC não residentes, o qual se afigura incompatível com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.

II.            A interpretação do TJUE sobre o Direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquela.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

            I. Relatório

1. No dia 21 de março de 2025, A..., organismo de investimento coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com sede em ... Munique, Alemanha, com o NIF português ..., representado por B... mbH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a pronúncia deste Tribunal relativamente:

(i) À ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... que teve por objeto a liquidação de retenção na fonte de IRC a seguir indicada;

(ii) À ilegalidade do ato de retenção na fonte de IRC, referente ao exercício de 2022, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos pagos por uma entidade residente em território português, no valor de € 59.805,83.

O Requerente juntou 5 (cinco) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.  

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT). 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 27 de março de 2025.

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14 de maio de 2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 3 de junho de 2025.

4. No dia 3 de julho de 2025, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a Resposta que aqui se dá por inteiramente reproduzida, na qual arguiu a exceção de caducidade do direito de ação e impugnou os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela procedência daquela exceção, com a sua consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas; na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do processo administrativo (doravante, PA).

 

5. No dia 23 de julho de 2025, o Requerente, devidamente notificado para o efeito, pronunciou-se nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos sobre a matéria de exceção alegada pela AT, bem como sobre os pontos 8 a 10 e 80 e 81 da Resposta. 

Posteriormente, em 10 de setembro de 2025, o Requerente juntou aos autos um documento alusivo aos pontos 80 e 81 da Resposta.

Notificada para o efeito, a Requerida não se pronunciou sobre tal documento.

6. No dia 10 de setembro de 2025, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a conceder prazo para as partes, querendo, apresentarem alegações escritas e a indicar o dia 3 de dezembro de 2025 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. As partes apresentaram as alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

 

II. Saneamento

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), do RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas. 

O processo não enferma de nulidades.

Conforme foi já referido, a Requerida arguiu a exceção de caducidade do direito de ação; no entanto, para apreciar e decidir essa questão afigura-se necessário, primeiramente, proceder ao julgamento da matéria de facto, fixando os factos provados e não provados, o que faremos seguidamente.

Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer. 

 

III. Fundamentação                             

III.1. De facto

§1. Factos provados

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com sede e direção efetiva na Alemanha, constituído sob a forma contratual e a operar ao abrigo do quadro regulatório e fiscal alemão, encontrando-se inscrito junto da Bundesanstal für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”) a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação (“BaFin-ID”) ... . [cf. https://portal.mvp.bafin.de/database/FondsInfo/?locale=en_GBe documento n.º 1 anexo ao PPA]

b) O Requerente tem residência fiscal na Alemanha, não dispondo de qualquer estabelecimento estável em Portugal, sendo sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]

c) O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... mbH, com sede e direção efetiva na Alemanha. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]  

d) O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal. [facto não controvertido]

e) No ano de 2022, o Requerente era detentor de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal: “C..., S.A.”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]  

f) No decurso do referido ano, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por aquela sociedade, no montante de € 398.705,50, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, à taxa de 15%, prevista na CDT Portugal/Alemanha, nos seguintes termos [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

Ano da Retenção

Valor bruto do dividendo (€)

Data de pagamento

Taxa de retenção na fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

2022

398.705,50

28.04.2022

15%

...

59.805,83

 

TOTAL

 

59.805,83

 

 

 

 

 

g) A aludida retenção na fonte de IRC, referente aos dividendos pagos pela entidade “C..., S. A.”, foi efetuada e entregue junto dos cofres da Fazenda Pública através da guia de retenção na fonte indicada na tabela constante do facto provado f), em 20.05.2022, pelo “D... PLC”, NIF... . [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]  

h) O Requerente suportou o IRC retido na fonte, em Portugal, a título definitivo, não tendo obtido qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo à aludida retenção na fonte de IRC, seja ao abrigo da CDT Portugal/Alemanha, seja ao abrigo da lei interna da Alemanha. [cf. documento junto pelo Requerente em 10.09.2025]

i) No dia 10.04.2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade do aludido ato de retenção na fonte de IRC relativo ao ano de 2022, autuada sob o processo n.º ...2024..., no Serviço de Finanças de Lisboa-..., nos termos e com os fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA e PA]

j) A referida reclamação graciosa foi indeferida por despacho proferido em 13.12.2024 pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências, nos termos e com os fundamentos constantes do documento n.º 5 anexo ao PPA e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf., ainda, PA]

k) O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da aludida reclamação graciosa, através de carta registada (RH ... PT), datada de 17.12.2024 e remetida em 19.12.2024, da Direção de Finanças de Lisboa. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]

l) No dia 21.03.2025, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. Factos não provados

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito. 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada.  

Conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório, a convicção do Tribunal resultou da apreciação crítica e de uma adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, do acervo probatório de natureza documental, incluindo o PA, que foi carreado para os autos, em conjugação com as alegações das partes nos respetivos articulados quando reportadas a factos pertinentes para a decisão que não se mostraram controvertidos.  

Importa, contudo, tecer algumas considerações adicionais sobre a formação da convicção do Tribunal quanto a alguns dos factos vertidos no probatório, por particularmente controvertidos, o que faremos de seguida. 

12. No concernente aos factos provados f) e g), o Tribunal considera que as dúvidas suscitadas pela AT em torno das retenções na fonte em causa nos autos estão totalmente esclarecidas e ultrapassadas pelo documento n.º 3 anexo ao PPA e pelos documentos constantes de fls. 31 a 33 do PA. 

Tais documentos permitem, efetivamente, comprovar que foram pagos ao Requerente, na data ali indicada, dividendos no valor bruto de € 398.705,50, sobre os quais incidiu retenção na fonte de IRC, à taxa de 15%, considerando este Tribunal que tais documentos são idóneos para comprovar que foi efetuado o pagamento dos ditos dividendos ao Requerente, na qualidade de beneficiário efetivo desses rendimentos e que os mesmos foram sujeitos a retenção na fonte a título definitivo. 

Com efeito, impõe-se reconhecer que, tendo ocorrido substituição tributária, o Requerente fez prova bastante, pois identificou quer o respetivo substituto tributário, quer o ato de retenção na fonte por referência aos rendimentos em causa (dividendos), à respetiva entidade pagadora, à data de pagamento, ao respetivo montante bruto, à taxa de imposto aplicada, ao valor da retenção na fonte e ao montante de dividendos líquidos que recebeu. Ora, essa identificação preenche os requisitos do artigo 74.º, n.º 2, da LGT, exonerando o Requerente de ulterior comprovação; uma vez feita essa identificação, poderia a Requerida tê-la impugnado, provando que as referências eram inexistentes ou erradas, o que não aconteceu, como resulta do próprio PA.

13. No respeitante aos factos provados a) e h), como ali é referido, a formação da convicção do Tribunal nesse sentido resultou, respetivamente, do documento n.º 1 anexo ao PPA e da consulta ao sítio da “BaFin” na Internet e do documento junto pelo Requerente em 10.09.2025, não tendo tais documentos sido impugnados pela Requerida. 

Acresce referir que, face à posição que assume a este propósito, estava na disponibilidade da Requerida lançar mão do mecanismo de troca de informações fiscais com as autoridades alemãs, nos termos do disposto no artigo 27.º da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha, para obter os esclarecimentos tidos por necessários quer quanto à natureza de OIC do Requerente e ao regime fiscal a que este está sujeito no seu país de residência, quer quanto a saber se o Requerente ali obteve ou não algum crédito de imposto relativo à aludida retenção na fonte de IRC atinente aos ditos dividendos recebidos em Portugal; contudo, a Requerida não o fez e deveria tê-lo feito, em cumprimento do princípio do inquisitório, vertido no artigo 58.º da LGT.  

A propósito do princípio do inquisitório, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[1] afirmam que o mesmo “justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da administração tributária (arts. 266.º, n.º 1, da CRP e 55.º da LGT) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).

            No domínio do procedimental, esta obrigação impõe que a administração tributária não aguarde pela iniciativa do interessado que formulou o pedido que deu origem ao procedimento, devendo ela própria tomar a iniciativa de realizar as diligências que se afigurem como relevantes para correcta averiguação da realidade factual em que deve assentar a sua decisão.     

Por outro lado, aquele dever de imparcialidade, reclama que a administração tributária procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. (…)

Este dever imposto à administração tributária de averiguar a verdade material não dispensa os interessados particulares da obrigação de colaborarem na produção de provas, como se prevê no art. 59.º da LGT.

No entanto, a falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício deste, susceptível de implicar a anulação da decisão nele tomada. (…)

A previsão desta obrigação da administração tributária de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos, pois apenas a insuficiência probatória de factos constitutivos dos direitos invocados pela administração tributária é valorada processualmente contra ela (art. 74.º, n.º 1, da LGT).”  

 Abordando, igualmente, o princípio do inquisitório, Joaquim Freitas da Rocha[2], caracterizando-o como um “verdadeiro dever de agir”, afirma que uma das suas principais consequências é a “nível da instrução, sendo certo que a indicação dos elementos de prova deve ser efetuada pelos interessados – designadamente mediante a aplicação das regras do ónus da prova –, a Administração não se deve cingir aos elementos apresentados, mas antes deve diligenciar no sentido de trazer para o procedimento todos aqueles que lhe pareçam indispensáveis à descoberta da verdade material, mesmo que desfavoráveis à atividade de arrecadação. (…), de modo algum se pode considerar que a AT está dispensada de considerar os meios de prova que tenha em seu poder e que beneficiem a outra parte quando esta os não apresenta, do mesmo modo que é de exigir que sempre que existam dúvidas, existe igualmente um dever de investigar.” O mesmo autor afirma ainda que a “nível das consequências da não atuação, comina-se com invalidade a decisão que assente num procedimento omissivo, pois a não atuação da Administração quando está legalmente obrigada a agir – isto é, quando a sua atuação se consubstancia num dever e não apenas num poder-dever (o que somente poderá ser aferido caso a caso) – pode consubstanciar uma violação do princípio da vinculação à verdade material.”[3]

Ainda segundo o mesmo autor, a forma juridicamente adequada de compatibilizar esse dever de investigar com as regras atinentes à repartição do ónus da prova (que estatuem que o ónus de provar os factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque), “passa por conceber as regras do ónus da prova num sentido subsidiário ou supletivo, aplicando-as apenas quando o princípio do inquisitório se afigure insuficiente. Significa isto que, em primeira linha, o agente administrativo deve proceder a todas as diligências necessárias e convenientes à descoberta da verdade material, e apenas quando tais diligências são insuficientes se deverá lançar mão das regras de ónus probatório”.[4]

O autor que vimos citando salienta, por fim, que “o dever de agir da Administração tem como correspetivo, na esfera jurídica do contribuinte, um interesse legalmente protegido à boa atuação da administração e à correta aplicação das normas”.[5]           

 

III.2. De direito

§1. Da exceção de caducidade do direito de ação

            14. A Requerida arguiu esta exceção estribada na seguinte argumentação:

“12.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a impugnação contenciosa de atos administrativos anuláveis deve ser intentada no prazo de três meses.

13.

De acordo com o n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, a contagem desse prazo obedece ao regime previsto no artigo 279.º do Código Civil (CC).

14.

O prazo para o órgão competente apreciar e decidir a reclamação graciosa é de 120 dias, contados nos termos do artigo 279.º do Código Civil de acordo com o art.º 20.º do CPPT.

15.

Atenta a circunstância de a reclamação graciosa não ter sido decidida no decurso do prazo legal para a decisão da mesma (120 dias), o facto que ocorreu em primeiro lugar foi indubitavelmente, o indeferimento tácito da reclamação graciosa (que ocorreu em 10.08.2024).

16.

Para efeitos de impugnação contenciosa, findou em 10.11.2024 tendo o PPA sido apresentado em 21-03-2025.

17.

Ora, a petição inicial nos presentes autos só deu entrada em tribunal depois do términus do prazo, pelo que é manifesto que foi apresentada muito para além do prazo legal previsto no artigo 58.º n.º 2 alínea b) do CPTA.

18.

E, o direito de ação caduca se não for exercido atempadamente.

19.

A intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral determina a caducidade do direito de ação.

20.

A caducidade do direito de requerer a constituição do tribunal arbitral, é uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da instância da Requerida – artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 577.º, todos do CPC, e 89.º, n.º 4, alínea k), do CPTA, aplicáveis ex vi o artigo 29.º, n.º 1, do RJAMT.”         

15. Pronunciando-se sobre esta exceção, o Requerente aduziu, nuclearmente, o seguinte:

“17. (…), considera a AT que não tendo o Requerente impugnado o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, já não poderia impugnar o indeferimento expresso.

(…)

19. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT:

“1 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos atos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.”

(…)

21. (…), nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 1, do CPPT:

“1 - A impugnação será apresentada (…) a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”.

22. De onde resulta que a impugnação pode ser apresentada no prazo de 90 dias a contar da formação da presunção de indeferimento tácito ou da notificação do ato de indeferimento expresso.

(…)

25. É, pois, inequívoco que impugnar o indeferimento expresso ou o indeferimento tácito de uma reclamação graciosa é uma opção do contribuinte. A formação da presunção do indeferimento tácito constitui uma garantia dos contribuintes, que não devem ficar ad eternum a aguardar por uma decisão da AT, não podendo constituir uma limitação ao seu direito de ação.

(…)

28. No presente caso, tendo a decisão de indeferimento expresso sido enviada, por carta registada simples, a 19.12.2024 (cf. print retirado do site dos CTT), o Requerente considera-se notificado da referida decisão a 23.12.2024, conforme decorre do disposto no artigo 39.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT: 

 

 

 

29. Sendo certo que o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, previsto no artigo 10.º do RJAT, terminaria a 21.03.2025.

30. Pelo que, dúvidas não restam que o pedido de pronúncia arbitral foi tempestivamente apresentado pelo Requerente a 21.03.2025, o que fundamenta a improcedência da exceção invocada pela Requerida, na medida em que o direito de ação do Requerente não havia caducado à data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral.”

            Cumpre apreciar e decidir.

16. O n.º 1 do artigo 57.º da LGT determina que “o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses, devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de actos inúteis”; conforme decorre do n.º 5 do mesmo artigo 57.º, sem prejuízo do princípio da celeridade e diligência, o incumprimento daquele prazo, “contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial”. Conforme estatuído no n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, “os prazos do procedimento tributário e interposição da impugnação judicial contam-se de modo contínuo e nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte”.

Assim sendo, no caso concreto, a AT deveria ter decidido a mencionada reclamação graciosa no prazo de quatro meses a contar do dia 10.04.2024 – data em que a mesma foi apresentada pelo Requerente no Serviço de Finanças de Lisboa-... (cf. facto provado i)) –, ou seja, até ao dia 10.08.2024. No entanto, tal não sucedeu, pelo que se formou então a presunção de indeferimento tácito dessa reclamação graciosa, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT e no artigo 106.º do CPPT. 

No entanto, aquela reclamação graciosa veio posteriormente a ser decidida, concretamente no dia 13.12.2024, data em que foi proferido o respetivo despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências (cf. facto provado j)). O Requerente foi notificado dessa decisão de indeferimento, através de carta registada, datada de 17.12.2024 e remetida em 19.12.2024, da Direção de Finanças de Lisboa (cf. facto provado k)), a qual se presume feita em 23.12.2024, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 38.º, n.º 3 e 39.º, n.º 1, do CPPT.   

Noutra ordem de considerações, resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado “[n]o prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”. Os factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT que importa aqui ter em consideração são os seguintes: “d) Formação da presunção de indeferimento tácito”; e “e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”.  

Conforme resultou provado, no dia 21.03.2025, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (cf. facto provado l)). 

17. Como afirmam Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade[6][n]o âmbito do procedimento de reclamação graciosa, recai o dever de decisão, devendo a Administração Tributária proferir uma decisão de deferimento ou indeferimento num prazo razoável, por força do princípio da celeridade, que corresponde, neste caso, ao prazo geral de 4 (quatro) meses previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT. A principal consequência do incumprimento deste prazo, ou seja, de uma não decisão da Administração Tributária, no prazo legalmente tido como razoável, será então a formação da presunção de indeferimento tácito nos termos do artigo 57.º, n.º 5 da LGT. Na verdade, a importância da presunção do indeferimento da pretensão do sujeito passivo ou de outro interessado, ou seja, da ficção do acto de indeferimento tácito, decorre do facto de esta ser geradora da possibilidade de recurso hierárquico, de impugnação judicial e de pedido de constituição de tribunal arbitral nos termos dos artigos 57.º, n.º 5 da LGT, 76.º, n.º 1 e 106.º do CPPT e artigo 2.º do RJAT, na medida em que se ficciona a existência de um acto cuja ilegalidade pode pôr em causa através destes meios tutelares.

No entanto, a presunção de indeferimento tácito deve ser entendida como uma garantia dos contribuintes e não como uma forma de desvincular a Administração que continua obrigada a decidir. Na verdade, o interessado, se preferir, pode aguardar pela decisão da Administração, ou seja, pelo deferimento ou indeferimento expresso. (…) o interessado tem a faculdade, e não o ónus, de interpor recurso hierárquico ou impugnar judicialmente o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa, (…)”   

A propósito das consequências da não impugnação do indeferimento tácito, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[7] afirmam que [o] indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas.

Tratando-se de uma faculdade de acesso à via contenciosa, da não impugnação do indeferimento tácito não advêm consequências negativas para o interessado, designadamente a não impugnação no prazo legal não tem como corolário a caducidade do direito de vir a impugnar o acto expresso de indeferimento quando ele, tardiamente, venha a ser praticado, não se formando por isso, o chamado caso decidido ou resolvido, isto é, a preclusão do direito de impugnação com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.

Por ter como objectivo permitir ao interessado reagir contra a inércia indevida da Administração, o indeferimento tácito deixa de ser relevante quando tal inércia deixar de existir por ser proferido, mesmo para além do prazo legal, um acto expresso de decisão da pretensão apresentada à administração tributária, pois este abre aos interessados a possibilidade impugnação contenciosa.

Embora decorridos (…) 4 meses (…) sobre a data em que a petição tenha dado entrada no serviço competente os contribuintes ou outros interessados tenham a faculdade de deduzir recurso hierárquico, impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) contra o presumido indeferimento, não há qualquer preclusão a nível de tais direitos de impugnação ou recurso, no caso de os interessados não usarem aquela possibilidade de recorrer aos tribunais.

Por isso, transcorridos os referidos (…) 4 meses, a administração tributária não está dispensada de produzir uma decisão expressa, como decorre do preceituado no art. 56.º da LGT, pelo que os interessados poderão aguardar que ela seja proferida para depois, eventualmente, a impugnarem por via graciosa ou contenciosa.”    

18. Volvendo ao caso concreto, temos pois que da não impugnação do indeferimento tácito da mencionada reclamação graciosa não advêm consequências negativas para o Requerente, designadamente não decorre daí a caducidade do direito de o Requerente impugnar o respetivo ato expresso de indeferimento – consubstanciado no despacho proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências, em 13.12.2024 –, como veio  efetivamente a fazer por via do presente processo.

Acresce que, como já vimos, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da aludida reclamação graciosa, através de carta registada, datada de 17.12.2024 e remetida em 19.12.2024, da Direção de Finanças de Lisboa, a qual se presume feita em 23.12.2024; ora, uma vez que o Requerente apresentou no dia 21.03.2025 o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, fê-lo dentro do prazo legal de 90 dias de que dispunha para o efeito, que terminou no dia 24.03.2025.

Nesta conformidade, sem necessidade de acrescidas considerações, afigura-se que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, pelo que a invocada exceção de caducidade do direito de ação é julgada improcedente.

 

§2. thema decidendum

19. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, consiste em determinar se a retenção na fonte de IRC, a título definitivo, sobre dividendos pagos a um OIC não residente em Portugal, como é o caso do Requerente, viola o Direito da União Europeia, estando concretamente em causa analisar o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), à luz do artigo 63.º do TFUE.

A resposta que for dada a essa questão será, naturalmente, determinante para o juízo a emitir quanto à (i)legalidade dos atos tributários controvertidos.

O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre a restituição ao Requerente do montante total de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos), referente a IRC retido na fonte, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

            

§3. As posições das partes

            20. A propósito da aludida questão jurídico-tributária, o Requerente alega, nuclearmente, o seguinte:

“19.º

(…), no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC.

23.º

De forma perentória e inequívoca, o TJUE declarou que:

“O artigo 63.° TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

24.º

Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, (…).

(…)

38.º

(…), nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF.

39.º

Por seu turno, nos casos de dividendos distribuídos a OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa, tais rendimentos estão isentos de imposto, ao abrigo do regime previsto (à data dos factos e ainda atualmente) no artigo 22.º do EBF.

(…)

40.º

Para efeitos de aferir se uma legislação como a que está em causa constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, urge responder às seguintes três perguntas:

(i) A legislação interna prevê uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes?

(ii) Essa diferença de tratamento é suscetível de estar abrangida pelo artigo 63.º do TFUE?

(iii) A diferença de tratamento que resulta da legislação interna é suscetível de dissuadir as entidades residentes noutro EM de realizarem investimentos naquele outro EM – Portugal?

41.º

Quanto à primeira questão, entende o Requerente que da matéria de facto e do acima exposto resulta inquestionável que existe uma diferença de tratamento conferida pela legislação fiscal portuguesa, entre os OIC residentes e os OIC não residentes, na tributação de dividendos de fonte portuguesa.

42.º

Concretamente, esta diferença de tratamento consubstancia-se no diferente tratamento fiscal que é conferido aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão isentos de imposto – e aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão sujeitos a retenção na fonte liberatória de IRC a uma taxa de 25%.

(…)

44.º

Ora, um tratamento desfavorável por um EM dos dividendos pagos a entidades não residentes face ao tratamento favorável reservado aos dividendos pagos às entidades aí residentes é inequivocamente suscetível de dissuadir as entidades não residentes de realizarem investimentos nesse EM e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE.

(…)

46.º

(…), concluindo-se, como se conclui, que uma legislação, como a que está em causa, que prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção na fonte liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são recebidos por OIC residentes noutro EM, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação em sede de imposto sobre o rendimento quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes nesse mesmo EM, é discriminatória à luz do princípio da liberdade de circulação de capitais, impõe-se aferir se essa legislação diz respeito a (i) situações objetivamente comparáveis e (ii) se não se pode justificar por qualquer razão imperiosa de interesse geral.

(…)

48.º

No que respeita à comparabilidade das situações, enquanto critério na avaliação da conformidade de determinado normativo com o Direito da UE, cumpre clarificar, em linha com o que vem sendo professado pelo TJUE, que a partir do momento em que um EM estende a sua soberania tributária a contribuintes não residentes, sujeitando, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre o rendimento, não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente a dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos contribuintes não residentes é comparável à situação dos contribuintes residentes (v., neste sentido, acórdãos de 14 de dezembro, Denkavit International e Denkavit France, C-170/05, parágrafo 35; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, parágrafo 56, de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C-10/14, C-14/14 e C-17/14, parágrafo 67 e de 17 de março de 2022, AlliaznGI-Fonds AEVN, C-545/19).

49.º

De facto, embora residentes e não residentes não estejam sempre numa situação comparável, são colocados nessa posição a partir do momento em que um EM opte por exercer o seu poder de tributação sobre ambos.

50.º

Efetivamente, a comparabilidade é aferida apenas tendo em consideração a extensão ou não da soberania tributária de um Estado aos contribuintes residentes num outro Estado, sendo irrelevante a eventual incidência de outros impostos, taxas ou tributos incidentes sobre os investimentos efetuados pelos OIC.

(…)

53.º

Ainda, no que respeita à justificação da existência de legislação interna restritiva, nomeadamente para assegurar a coerência do regime fiscal, entendeu o TJUE no referido processo AllianzGI-Fonds AEVN que haveria de averiguar se existia alguma vantagem fiscal suscetível de compensar o tratamento desfavorável concedido a determinados contribuintes.

(…)

55.º

(…), as razões que se prendem com a coerência do regime fiscal só podem ser invocadas quando existe uma relação direta entre o benefício fiscal concedido a um contribuinte e uma cobrança fiscal compensatória ao mesmo contribuinte.

(…)

57.º

No que em particular diz respeito ao caso idêntico ao dos autos, o TJUE expressamente negou a justificação pela coerência fiscal por inexistência do referido nexo direto, com fundamento no facto de estarem em causa tributos diferentes e contribuintes diferentes.

(…)

60.º

É entendimento pacífico e unânime que o Direito da UE prevalece sobre o direito ordinário nacional, quer esteja em causa legislação adotada anteriormente, quer estejam em causa atos legislativos, entre outros (neste sentido, v., entre outros, o acórdão de 14 de julho de 1964, Costa vs Enel, C-65/64 e, ainda, acórdão do STA de 03.02.2016, tirado no processo n.º 01172/14).

61.º

O primado do Direito da UE encontra ainda respaldo na CRP, cujo artigo 8.º, no seu n.º 4, estabelece (…).

62.º

A consequência jurídica do princípio do primado do Direito da UE é a não aplicação, em caso de conflito entre leis, das disposições internas contrárias à disposição comunitária bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária.

(…)

64.º

(…), o dever de anulação dos atos tributários ora sindicados decorre diretamente do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à presente data.

65.º

Neste sentido, atente-se que o Venerando STA já defendeu também que, atento o primado do Direito Internacional face ao Direito interno, a doutrina prevista em acórdãos do TJUE que declare a desconformidade de normas nacionais dos Estados Membros se aplica também aos factos tributários que tenham ocorrido em momento anterior, (…).

66.º

Nestes termos, tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE no passado dia 17 de março de 2022, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.”

            21. Por seu turno, a Requerida alega, essencialmente, o que resulta sintetizado nas seguintes conclusões que aduz:

“1. AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (ato claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.

2. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles oic e os fundos de investimentos constituídos e estabelecidos noutros estados-membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.

3. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.

4. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica.

5. Acrescentamos ainda que, admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE.

6. Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o acórdão gerritse, de 12 de junho de 2003 (processo c- 234/01).

É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo tribunal a quo, cabia à requerente ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no artigo 74.º da lgt e 342.º do código civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”.

7. No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a requerente não fez prova da discriminação proibida,

8. Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do código civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.

9. Recordando a este propósito os acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3belrs, de 7.05.”       

Cumpre apreciar e decidir.

 

§4. Enquadramento normativo

22. O artigo 22.º do EBF, na redação vigente em 2022 e nos segmentos normativos a considerar, estabelece o seguinte:

“Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1. São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

(…)

3. Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

(…)

10. Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

(…)”

            23. O artigo 63.º do TFUE estatui o seguinte:

“Artigo 63.º (ex-artigo 56.º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.” 

24. O artigo 65.º do TFUE, limitando a aplicação do disposto no citado artigo 63.º, estatui o seguinte:

“Artigo 65.º (ex-artigo 58.º TCE)

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; 

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. 

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados. 

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

4. Na ausência de medidas ao abrigo do n.º 3 do artigo 64.º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adotar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objetivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro.”

            §5. O caso concreto: subsunção normativa

25. A questão da discriminação entre OIC residentes e não residentes em Portugal e da alegada violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE foi analisada no acórdão AllianzGIFonds AEVN, proferido pelo TJUE, em 17 de março de 2022, no âmbito do processo C‑545/19, tendo ali sido, além do mais, entendido o seguinte:

“36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num EstadoMembro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, KölnAktienfonds Deka, C156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro EstadoMembro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).”

Destarte, constitui entendimento do TJUE que o aludido regime jurídico consubstancia uma discriminação que viola diretamente o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, uma vez que estabelece um regime de tributação menos favorável aos OIC não residentes quando comparado com o regime aplicável aos OIC residentes.

26. No entanto, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, designadamente nos acórdãos Futura Participations (Processo C-391/97), Marks & Spencer (Processo C‑446/03) e Denkavit II (Processo C‑170/05), a proibição da referida diferenciação pelo artigo 63.º do TFUE só se restringe aos casos em que ambas as situações sejam objetivamente comparáveis; neste mesmo sentido, no citado acórdão AllianzGIFonds AEVN foi aduzido o seguinte:

“40 Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os EstadosMembros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do EstadoMembro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida].”

Assim, importa então determinar se a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos à tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 11, do Código do IRC e ao Imposto do Selo (Verba 29 da TGIS), mas apenas a tributação em sede de IRC que não se verifica quanto aos OIC residentes, não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. A este respeito foi afirmado o seguinte no acórdão AllianzGIFonds AEVN:

“49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelhase à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

(…) a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida). (…)

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogadageral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.”

            Ainda a propósito da análise da comparabilidade objetiva das situações em apreço, foi afirmado o seguinte no acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN:

“60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.º 49 e jurisprudência referida).

(…) na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.º 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.”

            Atentas as citadas considerações vertidas no acórdão AllianzGIFonds AEVN, há que concluir que os dividendos auferidos por um OIC não residente, como é o caso do Requerente, devem ser tratados de modo equiparável aos dividendos auferidos por um OIC residente em situação análoga, isto é, não pode existir discriminação entre OIC residentes e não residentes no que respeita à tributação dos dividendos, sob pena de se verificar uma discriminação decorrente da “aplicação de regras diferentes a situações comparáveis”, tal como evidenciou o TJUE no acórdão ACT 4, proferido em 12 de dezembro de 2006, no âmbito do processo C‑374/04.

            27. Acresce referir que decorre igualmente da jurisprudência do TJUE que o princípio da livre circulação de capitais pode ser objeto de restrições, desde que motivadas por razões imperiosas de interesse geral, tais como a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional ou a necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros.

            Quanto à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o TJUE, no acórdão AllianzGIFonds AEVN, afirmou expressamente que para que tal justificação seja admissível “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78), sendo que, in casu, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte” (considerando 79). Consequentemente, afirma o TJUE que não existe uma relação direta “entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” (considerando 80), pelo que, a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”(considerando 81). 

Destarte, a tributação dos participantes de um fundo de investimento no respetivo Estado de residência (ou se os mesmos obtiveram um crédito de imposto), não é relevante para apreciar a questão sub judice; tanto mais que, como vertido na decisão arbitral proferida no processo n.º 463/2024-T:

A presente acção não foi intentada pelos investidores, nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição dos referidos investidores.

Por seu lado, o art. 22º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos juros ou dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC, residentes ou não residentes, e a situação fiscal dos seus detentores de participações.

Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC residentes para efeitos fiscais em Portugal, para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no art. 22º do EBF. 

Seria administrativamente impraticável, excessivamente oneroso, proceder-se a uma determinação caso a caso, totalmente particularizada, para cada OIC não-residente, ou investidor individual, com o único fito de aumentar as receitas tributárias dos Estados-Membros.

Tanto os fundos residentes em Portugal, como os não-residentes, podem ter titulares institucionais e individuais de todos os Estados da União Europeia e de terceiros Estados.

Será, portanto, administrativamente mais praticável, e muito menos oneroso, circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não-residentes a quem são pagos juros ou distribuídos dividendos, obtendo-se a informação relevante numa única determinação, sem necessidade de particularizar as situações de benefício económico último. 

Por outras palavras: considerando que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não-residentes a uma retenção na fonte dos rendimentos de capital que recebem, o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos, e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, o que deve ser considerado normal, até porque os investimentos transfronteiriços são um dos objectivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais no âmbito da União Europeia.

Em suma, o rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo, e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.”  

            No concernente à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros, o TJUE entendeu, no acórdão AllianzGIFonds AEVN, que “a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um EstadoMembro exercer a sua competência fiscal em relaçãàs atividades realizadas no seu território” (considerando 82); mais, “quando um EstadoMembro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos” (considerando 83). Nesta conformidade, concluiu o TJUE que “a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os EstadosMembros também não pode ser acolhida” (considerando 84).

28. Nesta conformidade, o TJUE, no acórdão AllianzGIFonds AEVN, decidiu o seguinte:

“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

29. Resulta do exposto que o “artigo 63.º do TFUE deve, pois, ser interpretado, no sentido de facilitar a liberdade de circulação dos investimentos mobiliários e de não criar entraves ao movimento de capitais. Por conseguinte, o artigo 22.º, n.º 1 do EBF acaba por estabelecer um tratamento discriminatório prejudicial ao circunscrever o regime de isenção de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional e penalizar as entidades que operem no território nacional mas que são constituídas segundo o direito de um outro Estado-Membro.

            Conforme se referiu, os Estados-Membros podem estabelecer distinções entre sujeitos passivos que se encontrem numa situação idêntica desde que isso não implique, segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3 do TFUE, uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais. De acordo com o acórdãoAllianzGIFonds AEVN, proferido pelo TJUE no âmbito do processo n.º C‑545/19, em 17 de Março de 2022, a diferença de tratamento fiscal apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objectivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão, de 10 de Fevereiro de 2011, proferido no âmbito dos processos n.º C-436/08 e n.º C-437/08). Ora, tal como resulta da jurisprudência do TJUE aplicável aos presentes autos, não se verifica que existam razões imperiosas de interesse geral que admitam o tratamento discriminatório prejudicial acima descrito ao OICVM não residentes em face dos OICVM residentes que se encontram em situações objectivamente comparáveis.

            Acresce ainda que as disposições dos tratados que regem a União Europeia são directa e obrigatoriamente aplicáveis na ordem jurídica interna, por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, prevalecendo sobre as normas do direito nacional, razão pela qual os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0188/15, em 1 de Julho de 2015.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 382/2021-T).

Importa, ainda, salientar que, como é consabido, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, em matéria de Direito Europeu (ver, neste sentido e entre outros, os acórdãos do STA de 26.03.2003, processo n.º 01716/02, de 09.11.2005, processo n.º 01090/03 e de 03.12.2008, processo n.º 0587/08); como é salientado no acórdão do STA, de 18.12.2013, proferido no processo n.º 0568/13:

“(…) atento o primado do direito comunitário (…), é vedado ao tribunal aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, sendo que, havendo acórdão interpretativo proferido pelo TJUE a decisão nele proferida retroage à data da entrada em vigor da respectiva norma, excepto se no próprio acórdão se dispusesse de forma diferente, como claramente se vê do seguinte trecho do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 10/05/2012, nos processos apensos C-338/11 a C-347/11:

«58. (…) segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267º TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se também se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2002, Barreira Pérez, C-347/00, Colet., p. I-8191, nº 44, e de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C-453/02 e C-462/02, Colet., p. I-1131, nº 41, e de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C-292/04, Colet., p. I-1835, nº 34).

59. Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., designadamente, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C-402/03, Colet., p. I-199, nº 51, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C-2/09, Colet., p. I-4939, nº 50).».”  

            30. Acolhendo expressamente a orientação adotada pelo TJUE no acórdão AllianzGIFonds AEVN, o STA, em acórdão proferido em 28.09.2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

1 – Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 – O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 – A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

31. A decisão adotada pelo TJUE no acórdão AllianzGIFonds AEVN, bem como a citada uniformização de jurisprudência pelo STA, ambas respeitantes ao pagamento de dividendos a OIC não residentes, são inteiramente aplicáveis ao caso concreto e, por isso, não podem deixar de repercutir-se no mérito da presente causa e, portanto, na decisão a ser proferida por este Tribunal. 

Assim, impõe-se concluir que quer o ato de retenção na fonte de IRC controvertido, no montante global de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos), quer o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... que o manteve são ilegais por radicarem no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF que, nos termos acima enunciados, viola o disposto no artigo 63.º do TFUE.

Tal vício invalidante tem por consequência a anulação do ato de retenção na fonte de IRC controvertido, no montante global de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos), e a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... que o manteve (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).    

 

§6. A restituição do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios

32. O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre a restituição ao Requerente do montante global de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos), referente a IRC retido na fonte, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”. 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas ou retidas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

33. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação quer do ato de retenção na fonte de IRC controvertido, quer do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., nos termos acima enunciados, há lugar à restituição das prestações tributárias indevidamente suportadas pelo Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Nesta conformidade, tem o Requerente direito à restituição do valor global de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos), referente ao IRC retido na fonte.

34. Para além da restituição do aludido montante global atinente a imposto que indevidamente suportou, tem ainda o Requerente direito a juros indemnizatórios.

Com efeito, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União Europeia tem como consequência não só o direito à restituição, como o direito a juros, sendo disso exemplo, entre outros, o acórdão proferido, em 18 de abril de 2013, no processo C-565/11, no qual foi afirmado o seguinte: 

“21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).”

Como resulta deste aresto, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo; no caso português, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios está plasmado no artigo 43.º da LGT que, nos segmentos a considerar, estatui o seguinte:

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

(…)

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(…)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 

(…)”

Neste conspecto, o STA uniformizou jurisprudência, no acórdão proferido em 28.05.2025, no processo n.º 78/22.6BALSB, nos seguintes termos:

«Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito.»

Nesta conformidade, tem, pois, o Requerente direito a juros indemnizatórios desde a data em que se verificou o indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...– o que sucedeu em 13.12.2024 –, até à data da emissão da respetiva nota de crédito a favor do Requerente, sobre a quantia total a restituir, que é de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos).

Os juros indemnizatórios são calculados à taxa legal supletiva, nos termos do disposto nos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, no artigo 559.º do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.      

*

35. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)     Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação;

b)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

(i)    Declarar ilegal e anular o controvertido ato de retenção na fonte de IRC, referente ao exercício de 2022, no montante total de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos), com as legais consequências;

(ii)   Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., com as legais consequências;

(iii) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir ao Requerente o montante de € 59.805,83(cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima enunciados, com as legais consequências;

(iv) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

V. Valor do Processo

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 59.805,83 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinco euros e oitenta e três cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros)cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de outubro de 2025.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 



[1] Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa: Encontro da Escrita, 2012, p. 488.

[2] Lições de Procedimento e Processo Tributário, 8.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2021, p. 140.

[3] Ibidem, p. 141. 

[4] Ibidem, pp. 141-142.

[5] Ibidem, p. 142.

[6] Contencioso Tributário, Procedimento, princípios e garantias, Volume I, Coimbra: Almedina, 2017, pp. 533-534.

[7] Ob. cit., pp. 483-484.