SUMÁRIO:
1. O artigo 63.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (“OIC”) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
2. Os n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao limitarem o regime neles previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, estabelecem uma discriminação arbitrária, suscetível de configurar uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
I. RELATÓRIO
A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., (doravante designado por “Requerente”), com sede em ... Frankfurt am Main, Alemanha, vem, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa ROF... e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") por retenção na fonte ocorridas nos anos de 2020 e 2021, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, bem como o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento do imposto indevidamente suportado/retido na fonte a calcular nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária ("LGT") e 61.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT") e a condenação da Administração Tributária nas custas do processo arbitral.
a) Tramitação
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.
2. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que a ora signatária foi nomeada pelo CAAD em 27 de maio de 2025.
3. As partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de o recusar, tendo o Tribunal ficado constituído em 17 de junho de 2025.
4. O Requerente não arrolou testemunhas e juntou à petição diversos documentos.
5. Tendo este Tribunal exarado despacho, a 18 de junho de 2025, a notificar o dirigente máximo do Serviço da Autoridade Tributária (“AT”) para no prazo de 30 dias apresentar Resposta, a 2 de setembro de 2025 veio a AT apresentar a sua Resposta, remetendo o processo administrativo a 4 de setembro de 2025.
6. Por despacho de 3 de setembro de 2025 foi prescindida a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, nos seguintes termos “No presente Processo não foram arroladas testemunhas, estando em causa a apreciação de matéria de direito, não se vislumbrando utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Nestes termos, se não se verificar oposição das Partes no prazo de 5 (cinco) dias, determina-se a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c), 19.º, n.º 2,e 29.º, n.º 2 do RJAT). Notifiquem-se ambas as Partes para, querendo, apresentarem alegações simultâneas, fixando-se o prazo de 10 (dez) dias, cuja contagem se inicia após o decurso do prazo de 5 dias referido no parágrafo anterior. A prolação da decisão arbitral ocorrerá até ao dia 31 de Outubro de 2025.” Nenhuma das partes se opôs.
7. O Requerente apresentou as suas alegações a 23 de setembro de 2025.
8. A Requerida apresentou as suas alegações a 24 de setembro de 2025.
b) O litígio
9. Alega o Requerente, resumidamente, que a não sujeição dos OIC residentes sobre os dividendos auferidos e a sujeição dos OIC não residentes a uma taxa de retenção na fonte de 25% importa um tratamento discriminatório, vedado pelas liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais, previstas nos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE"), o qual resulta num vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Nesta conformidade, a norma contida no n.º 4 do artigo 87.º e no artigo 94.º do Código do IRC, por ser totalmente discriminatória face ao disposto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), não deve ser aplicada ao caso concreto do Requerente por violar o primado do Direito da União Europeia e as liberdades fundamentais.
Termos em que conclui que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
Neste contexto, invoca abundante jurisprudência do TJUE e arbitral proferida em situações similares.
Como denota, “11.º Na ótica do Requerente – e conforme já foi confirmado pelo TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
(…)
17.º Em primeiro lugar e com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (processo n.º 93/2019-T), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, tendo o processo corrido termos junto do TJUE sob o n.º C-545/19.
18.º Ora, no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE2 se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC.
19.º Assim, da decisão supra decorre, inapelavelmente, a procedência do presente pedido, uma vez que a questão material controvertida se mostra integralmente resolvida por aquela instância comunitária. 20.º Com efeito, a matéria de facto e de direito subjacente ao referido processo decidido pelo TJUE é em tudo idêntica à objeto dos presentes autos.
(…)
26.º Nesse sentido vinham os tribunais arbitrais emitindo pronúncia de forma uniforme, designadamente, nos processos n.ºs 528/2019-T, 548/2019-T, 11/2020-T, 68/2020-T, 926/2019-T, 922/2019-T e 32/2021-T (cfr. decisões arbitrais disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/). O mesmo entendimento tem sido seguido pelos tribunais arbitrais em todos os processos que se encontravam suspensos a aguardar o veredito do TJUE no processo acima identificado e cuja suspensão foi, entretanto, levantada.”
10. A AT, na sua Resposta, invoca as seguintes exceções: “11. Conforme supramencionado, a Requerente apresentou o pedido de RO a 13-05-2024, sendo que, o prazo de apresentação do pedido de reembolso relativamente aos rendimentos auferidos e sujeitos a retenção na fonte, nos termos do artigo 98.º, n.º 7 do Código do IRC, precludia “no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto”, ou seja, no caso dos rendimentos de 2020 e de 2021, a 31-12-2022 e 31-12-2023, respetivamente.
12. Pelo que, quanto aos rendimentos e respetivas retenções na fonte dos anos de 2020 e 2021 o prazo havia precludido e o pedido seria sempre considerado intempestivo.
13. Atendendo o termo do prazo de entrega do imposto retido pelas guias dos períodos identificadas nos autos sempre se dirá que, o prazo previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT para o pedido por iniciativa do requerente já se encontrava ultrapassado, em relação às guias submetidas nos períodos de 2020 e 2021, na medida em que, tratando-se do (i) substituído tributário, (i) tendo a retenção na fonte sido efetuada a título definitivo e, (iii) tendo invocado retenção indevida de imposto, é de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 137.º do CIRC (norma especial face ao art.º 132.º n.ºs 3 e 4 do CPPT).”
Invoca ainda a AT a incompetência do Tribunal, no seguintes termos, “19. Ora, relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a Requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, tendo em conta que o pedido de revisão foi intempestivo, cf. supra.”
Na defesa por impugnação alega, essencialmente, que não se pode concluir que o Requerente seja um OIC, pelo que desde logo os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente em 2020 e 2021 não podem beneficiar do regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF.
Como refere a AT na sua resposta, “7. Desde logo não podemos concluir que a requerente é um OIC por não apresentar documento que comprove o enquadramento como OIC, nos termos da diretiva 2011/61/UE ou da Diretiva 2009/65/CE, emitido no país de origem pela autoridade de supervisão financeira ou regulador do setor de fundos de investimento, em igualdade de circunstâncias com os oic nacionais como alega no ppa;
8. Nos presentes autos constam ainda: I. as declarações (voucher) emitidas pelo agente pagador em Portugal (B...), para os períodos relevantes, atestando a data de distribuição dos dividendos, montante bruto dos dividendos distribuídos ao Requerente e imposto retidos na fonte em Portugal, bem como, os números das Guias de pagamento através da qual foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária; II. certificado de residência do requerente na Alemanha no ano de 2022, que apresenta o NIF Alemão... ;
9. Salienta-se que as retenções na fonte de IRC em causa neste PPA foram, alegadamente, entregue através das guias acima identificadas nos anos de 2020 e 2021, pelo B..., NIF..., na qualidade de substituto tributário, que apresentam valores muito superiores aos aqui solicitados, não sendo possível à AT conhecer os valores isoladamente.”
Invoca ainda a AT que, “50. A título prévio, sempre se dirá que, sendo a Requerente um organismo de investimento coletivo (OIC) e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
51. Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
(…)
63. Deste modo, e como se referiu, o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal.
64. Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
(…)
67. Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
68. Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
69. E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
(…)
72. Conforme antedito, não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
73. A administração tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada.”
No tocante aos juros indemnizatórios peticionados, invoca a Requerida que, “122. Em face do exposto e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
123. Com efeito, sobre este assunto, transcreve-se o resumo do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Proc. 0564/18.2BALSB): «Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP).»
(…)
125. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá, que devem os juros ser contados desde a data de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, conforme acórdão uniformizador de jurisprudência prolatado pelo STA no processo nº 78/22.6BALSB, de 28-05-2025: “Em face do exposto, impõe-se conceder provimento parcial ao recurso de uniformização de jurisprudência, no sentido seguinte: «Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito». Termos em que se impõe prover parcialmente o presente recurso de uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida no segmento sob censura.”
11. Nas suas alegações vem o Requerente reiterar a fundamentação já aduzida e alegar que, “9. (…), clarifique-se que, tal como já mencionado no artigo 2.º da p.i., o Requerente encontra-se inscrito junto da Bundesanstal für Finanzdienstleistungaufsicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação (“BaFin-Id”) ... (cfr. informação disponível em https://portal.mvp.bafin.de/database/FondsInfo/?locale=en_GB, mediante pesquisa pelo BaFinId ...).
10. Como resulta inequívoco da listagem disponível através do link3 acima e se copia abaixo para comodidade, o Requerente é um fundo de investimento (…).
11. Ademais, e atendendo às dificuldades identificadas pela Requerida na consulta da referida página, veja-se a informação disponível na página da Bloomberg (Pro-UI-Fonds SAA - LEI: 54...4X75), da qual resulta que o ora Requerente é um fundo (Sondervermögen), conforme print que se copia abaixo para comodidade de V. Exa.: (…)
17. (…) decorre, sem margem para dúvida, que foi efetuado o pagamento dos dividendos ao Requerente, que o Requerente é o beneficiário efetivo dos rendimentos, que os mesmos foram sujeitos a retenção na fonte e que o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal (cfr. documento n.º 2 junto à p.i.).
18. Adicionalmente, clarifique-se que é relativamente comum que sejam agregados, numa mesma guia de pagamento, vários pagamentos de dividendos, pelo que não se compreende que ilação pretende a Requerida retirar.
19. Em qualquer caso, para confirmação dos factos alegados pela Requerente, a Requerida pode cruzar a informação das guias de pagamento identificadas no documento n.º 2 junto à p.i. com as declarações Modelo 30 identificadas – o que fez, tendo sido possível à Requerida confirmar os valores objeto do pedido (cfr. artigo 6.º da Resposta).”
Quanto à exceção de inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte, alega o Requerente em suma que, “23. Para sustentar a sua posição, a Requerida cita a decisão arbitral do processo n.º 1000/2023-T, do coletivo de árbitros presidido pelo Juiz Conselheiro Dr. Carlos Alberto Cadilha e o voto de vencido do processo n.º 984/2023-T, proferido pelo mesmo Juiz Conselheiro4.
24. Refira-se, porém, com o devido respeito, que está em causa uma posição claramente isolada (vertida numa decisão arbitral e em alguns votos de vencido, autoria de dois Árbitros), pois esta mesma questão tem sido decidida unanimemente em casos em tudo semelhantes pelo STA (vejam-se, entre outros, os acórdãos do STA no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022, no processo n.º 0565/07, de 14.11.2007, no recurso n.º 26233, de 12.12.2001, no recurso n.º 1460/02, de 25.03.2005, recurso n.º 1461/02, de 19.02.2003, recurso n.º 1771/02, de 02.04.2003, recurso n.º 422/03, de 09.04.2003).
26. Ora, o artigo 78.º da LGT prevê a revisão do ato tributário por iniciativa: (i) do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade; ou,
(ii) da AT, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”
Neste sentido cita significativa jurisprudência do STA bem como doutrina.
Tal como nota o Requerente nas suas alegações, “46. Assim, em harmonia com a jurisprudência já existente sobre o tema em situações semelhantes, a revisão oficiosa do ato de retenção na fonte pode ser solicitada pelo contribuinte, com base em erro de direito imputável aos serviços, para além do prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, e, em concreto, no prazo de quatro anos a contar da data do ato tributário, i.e., a contar da data da retenção.
47. Face ao exposto, estando em causa uma retenção na fonte a título definitivo pelo substituto fiscal, o erro sobre os pressupostos de direito dessa retenção na fonte é suscetível de configurar erro imputável aos serviços para efeitos da apresentação, no prazo de 4 anos, de pedido de revisão oficiosa dos atos tributários, conforme expressamente decidido pelo STA, nomeadamente no acórdão tirado no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022.
48. Do acima exposto, resulta que é jurisprudência unânime e reiterada que a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do ato de liquidação, não obsta a que seja pedida a respetiva revisão oficiosa e seja impugnado contenciosamente o eventual ato de indeferimento desta.
49. Sendo inequívoco que “[o] artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa” (cfr. acórdão do TCAS de 13.12.2019, processo n.º 111/18.6BCLSB).”
Quanto à incompetência do tribunal arbitral, vem alegar em suma que, “59. (…), tendo em consideração o já anteriormente exposto quanto à alegada inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, inexistem dúvidas quanto à competência material do Tribunal Arbitral para conhecer da ilegalidade de atos tributários em causa.
60. Como se verá, é pacífico o entendimento de que um ato de indeferimento expresso ou tácito de um pedido de revisão oficiosa, que verse sobre a legalidade do tributo que o consubstancia, é um ato passível de apreciação pelo Tribunal Arbitral, sendo inúmeras as decisões jurisprudenciais neste sentido.”
12. Por sua vez, a AT nas suas alegações reitera o seu entendimento, invocando que, “1. As doutas alegações da Requerente, salvo o devido respeito, no seu cômputo geral, nada de novo acrescentam à tese que havia sido, pela mesma, desenvolvida no, igualmente douto, pedido de pronúncia arbitral.
2. Não suscitam, por isso, qualquer alteração à argumentação desenvolvida pela AT em sede de Resposta.
3. Argumentação, essa, que aqui reiteramos.
4. No demais não nos merece qualquer outro reparo o ato recorrido, dado que o mesmo resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável, ao contrário do alegado pelo contribuinte, aqui requerente.”
II. SANEAMENTO
1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
2. O objeto principal do processo reporta-se a uma matéria da competência dos tribunais arbitrais, conforme veremos infra, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
3. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal.
III. QUESTÕES DECIDENDAS
Conforme vimos, a questão decidenda consiste fundamentalmente em determinar se, como pretende o Requerente no seu PPA, se verificam os pressupostos necessários para que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento da revisão oficiosa, quer a ilegalidade das retenções na fonte em IRC suportadas nos exercícios de 2020 e de 2021.
IV. PROVA
1. Factos provados
Em face das posições das partes expressas nos articulados, bem como dos documentos integrantes do processo administrativo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:
a) O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no nosso país (cfr. documento n.º 1 junto à p.i. e informação disponível na página do BaFin e da Bloomberg).
b) Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente era detentor de um lote de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, tendo recebido, enquanto acionista dessas sociedades, dividendos sujeitos a tributação em IRC em Portugal, como Estado da fonte de obtenção dos mesmos (facto não controvertido, cfr. artigos 4.º a 6.º da p.i. e resulta ainda do documento n.º 2 junto à p.i.).
c) Os referidos dividendos recebidos no decorrer dos anos de 2020 e 2021 foram sujeitos a tributação em IRC por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista no n.º 4 do artigo 87.º do CIRC (cfr. documento n.º 2 junto à p.i.), nos seguintes termos:

d) A 13.05.2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020 e 2021 (ROF...), na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (cfr. cópia carimbada que se junta como documento n.º 3).
e) A 06.01.2025 (através de carta registada de 02.01), o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (cfr. documento n.º 4 que se junta).
2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que se considerem como não provados.
3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PPA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
V. DO MÉRITO
Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.
1. Das exceções
No que respeita à exceção de intempestividade do pedido, corroboramos o entendimento veiculado pelo Requerente.
O artigo 78.º da LGT prevê a revisão do ato tributário por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade ou da AT, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Tal como salienta o Requerente, é jurisprudência reiterada e pacífica do STA, que, tal como a Administração Tributária pode, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, também pode o contribuinte, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamentos (cfr. Acórdãos do STA com os números 0140/13, de 29.05.2013, 476/12 de 12.09.2012, 259/12 de 14.06.2012, 1007/11 de 14.03.2012).
No mesmo sentido vai a maioria da jurisprudência dos tribunais arbitrais.
Tal como nota o Requerente nas suas alegações, “46. Assim, em harmonia com a jurisprudência já existente sobre o tema em situações semelhantes, a revisão oficiosa do ato de retenção na fonte pode ser solicitada pelo contribuinte, com base em erro de direito imputável aos serviços, para além do prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, e, em concreto, no prazo de quatro anos a contar da data do ato tributário, i.e., a contar da data da retenção.
47. Face ao exposto, estando em causa uma retenção na fonte a título definitivo pelo substituto fiscal, o erro sobre os pressupostos de direito dessa retenção na fonte é suscetível de configurar erro imputável aos serviços para efeitos da apresentação, no prazo de 4 anos, de pedido de revisão oficiosa dos atos tributários, conforme expressamente decidido pelo STA, nomeadamente no acórdão tirado no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022.
48. Do acima exposto, resulta que é jurisprudência unânime e reiterada que a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do ato de liquidação, não obsta a que seja pedida a respetiva revisão oficiosa e seja impugnado contenciosamente o eventual ato de indeferimento desta.
49. Sendo inequívoco que “[o] artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa” (cfr. acórdão do TCAS de 13.12.2019, processo n.º 111/18.6BCLSB).”
Igualmente no que tange à exceção de incompetência do Tribunal Arbitral colhe o entendimento do Requerente pelos fundamentos aduzidos.
Com efeito, invoca a AT que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais se não forem precedidos de reclamação graciosa, pelo que, tendo o Requerente optado pelo procedimento de revisão oficiosa, no prazo de quatro anos, estar-lhe-ia vedada a possibilidade para dedução de pedido de pronúncia arbitral.
Ora, é pacífico o entendimento de que um ato de indeferimento expresso ou tácito de um pedido de revisão oficiosa, que verse sobre a legalidade do tributo que o consubstancia, é um ato passível de apreciação pelo tribunal arbitral, sendo maioritárias as decisões jurisprudenciais neste sentido tal como relevante doutrina citadas pelo Requerente..
2. Da ilegalidade das retenções na fonte em IRC suportadas nos exercícios de 2020 e de 2021
Como vimos, no caso em apreço o Requerente alega que sofreu retenções na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, as quais ocorreram no estrito cumprimento dos dispositivos legais mencionados, muito embora tais atos tributários de retenção na fonte se reputem de ilegais pela sua desconformidade com o Direito Europeu, o que implica, desde logo, a sua anulação e consequente reembolso do montante indevidamente retido acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
Neste contexto, como faz notar a Requerente, o TJUE produziu jurisprudência clara a concluir pela ilegalidade das diferenças desfavoráveis de tratamento, fiscais ou outras, comparativamente com o tratamento de OIC residentes, sendo que, “18.º Ora, no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE1 se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC.”
Com efeito, do regime acolhido no artigo 22.º do EBF, constata-se existir uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não são sujeitos a retenção na fonte nem tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória.
A questão que vem colocada foi respondida pelo TJUE no aludido Acórdão proferido no âmbito do Processo C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN, que se encontra disponível para consulta emhttps://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=AED083FA8FA02CE95E7517CE8B347E6D?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=422856, que damos como reproduzido.
Tal como enfatiza o Requerente, as questões prejudiciais colocadas ao TJUE no Processo n.º 93/2019-T, de 9 de julho de 2019, que deu origem ao pedido de reenvio ao TJUE, poderiam ser suscitadas de forma idêntica nos presentes autos.
Como o TJUE começou por salientar, no aludido Processo, “Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.° TFUE como do artigo 63.° TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afectar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.”
Ora, como o TJUE decidiu, “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Com efeito, como o TJUE conclui, “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes,” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 38).
Isto é, em conformidade com a decisão do TJUE, o regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes), não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais.
De salientar que a análise da forma como os proveitos gerados na esfera do OIC são distribuídos e tributados na esfera dos seus investidores é irrelevante para efeitos de apreciação da natureza discriminatória da legislação portuguesa e da factualidade em apreço, dado esta prever um tratamento fiscal autónomo e distinto para os OIC (residentes e não residentes) e os respetivos detentores de participações nos OIC.
Acresce que, tal como concluiu o TJUE, “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc-545/19, parágrafo 57).
Igualmente não se considera que uma tributação autónoma, com natureza anti-abuso, expressa e intencionalmente dirigida a entidades residentes em território português, seja considerada como parte integrante das regras gerais de tributação dos OIC residentes em Portugal.
De notar ainda que, como o TJUE concluiu, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 93)” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 79).
Como conclui, “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 81).
Ademais, como faz notar o Requerente, o tratamento discriminatório ora em análise já foi amplamente analisado, quer pelo TJUE , quer pelos Tribunais nacionais.
São diversas as Decisões similares favoráveis aos Requerentes, nomeadamente as exaradas nos Processos n.º 90/2019-T de 23 de Julho de 2019, n.º 528/2019-T, de 27 de Dezembro de 2019 n.º 549/2019-T, de 20 de Abril de 2020, n.º 548/2019-T, de 26 de Junho de 2020, n.º 11/2020-T, de 6 de Novembro de 2020, n.º 922/2019-T, de 11 de Janeiro de 2021, n.º 32/2021-T, de 5 de Novembro de 2021, n.º 215/2021-T, de 16 de Dezembro de 2021, n.º 133/2021-T, de 21 de Março de 2022, n.º 625/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 675/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 547/2019-T, de 24 de Abril de 2022, n.º 132/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 593/2021-T, de 26 de abril de 2022, n.º 821/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 717/2021-T, de 27 de Abril de 2022, n.º 368/2021-T, de 28 de abril de 2022, n.º 566/2020-T, de 2 de Maio de 2022, n.º 576/2019-T, de 8 de Maio de 2022, n.º 28/2021-T, de 18 de Maio de 2022, n.º 623/2021-T, de 24 de Maio de 2022, n.º 734/2021-T, de 7 de Junho de 2022, nº 641/2020-T, de 13 de Julho de 2022, n.º.721/2019-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 620/2021-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 121/2022-T, de 15 de Julho de 2022, n.º 99/2019-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 711/2021-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 746/2021-T, de 26 de Setembro de 2022, n.º 640/2020-T, de 3 de Outubro de 2022, n.º 34/2021-T, de 18 de Novembro de 2022, n.º 440/2022-T, de 22 de Novembro de 2022, n.º 45/2022-T, de 23 de Fevereiro de 2023, n.º 505/2022-T, de 9 de Março de 2023, nº 439/2022-T, de 10 de Março de 2023, n.º 661/2022-T, de 14 de Abril de 2023, n.º 660/2022-T, de 16 de Junho de 2023, n.º 765/2022-T, de 21 de Junho de 2023, n.º 801/2022-T, de 3 de Julho de 2023 e n.º 11/2023-T, de 31 de Agosto de 2023, n.º 861/2024-T, de 23 de Dezembro de 2024 e n.º 277/2025- T, de 23 de Julho de 2025, relativas todas eles a casos idênticos ao do ora Requerente.
Acresce que o próprio Supremo Tribunal Administrativo veio emitir um Acórdão uniformizador no sentido acima referido, concluindo que “a interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2024, de 26 de Fevereiro).
Destarte, constatando-se, como começámos por enfatizar, que as questões prejudiciais objeto de reenvio para o TJUE no aludido processo são em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, e tendo em vista o princípio do primado do Direito da União Europeia, conclui-se pela total procedência do presente pedido.
VI. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Peticiona o Requerente que, tendo sido pago, na totalidade, o imposto alegadamente devido, através das retenções na fonte efetuadas, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, maxime, do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o seu direito a juros indemnizatórios.
Nestas circunstâncias, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.
Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410:
“Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPPT.
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)
O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”
No caso concreto a AT dispunha dos elementos necessários para corrigir o ato e não o fez, pelo que se conclui precisamente pela existência de erro de direito.
Note-se ainda que, nomeadamente, ao direito a juros indemnizatórios não se opõe o facto de as liquidações impugnadas serem operadas por uma entidade privada na qualidade de substituto tributário, porquanto é inequívoco que essa entidade exerce, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do CIRC, um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, tendo as referidas liquidações por retenção na fonte sido operadas no exercício efetivo desse poder.
Neste contexto, entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios relativamente aos atos em causa nos exercícios de 2020 e 2021, por se encontrarem verificados os respetivos requisitos, devendo os juros ser contados desde a data do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa ROF... até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
VII. DECISÃO
Termos em que se decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020 e de 2021, acima identificados e dados como provados, num montante total de € 34.650,02, declarando ilegal a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa ROF... e, em consequência, anular os atos tributários impugnadosordenando a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios relativamente à quantia de €34.650,02, contados desde a data do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa ROF... até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
Fixa-se o valor do processo em € 34.650,02 (trinta e quatro mil, seiscentos e cinquenta euros e dois cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 24.º, n.º 4 do RJAT e 4.º, n.º 5, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00, a cargo da Requerida.
Lisboa, 3 de outubro de 2025
A Árbitra
Clotilde Celorico Palma