DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
1. Na admissão de um veículo usado proveniente de outro Estado-membro, cabe ao Requerente provar que a diferente desvalorização do ISV nas componentes cilindrada e ambiental é desconforme com o direito comunitário em razão de ter excedido o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
2. A conformidade da legislação nacional com o Direito Europeu, pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos usados importados.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., com o número fiscal ..., com residência em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Leiria, vem, nos termos do artigo 95.º da Lei Geral Tributária (LGT), artigo 99.º do Código do Procedimento e Processo Administrativo (CPPT) e artigos n.ºs 1.º e 2 º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, impugnar a liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) que recaiu sobre a admissão de um veículo usado proveniente de um país da União Europeia, por si admitido e introduzido no consumo, nos termos e com os fundamentos, que adiante se enunciam.
2. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 30.04.2025, e visa a anulação parcial do ato de liquidação do ISV praticado pela Chefe da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, requerendo a restituição da quantia cobrada em excesso, no montante que totaliza 5 279,99 € e o reconhecimento do direito ao recebimento dos respetivos juros indemnizatórios, oferecendo prova testemunhal.
3. Nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa constituiu o Tribunal Arbitral Singular em 15.07.2025.
4. Nesta mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, por Despacho Arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto parte requerida, foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, remeter cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
5. Nessa resposta, em 22.07.2025, a Requerida veio defender a legalidade da liquidação, com a consequente improcedência do pedido de anulação parcial das liquidações de ISV e do inerente pedido de juros indemnizatórios, e manifestar a sua oposição à prova testemunhal oferecida. Na mesma ocasião juntou cópia do processo administrativo.
6. Considerando que o Requerente indicou duas testemunhas, foi solicitado que indicasse as respetivas profissões e a matéria de facto sobre que iriam depor, tendo o mesmo vindo a responder em 04.09.2025, dispensando uma e esclarecendo que a outra exercia atividade na área de consultoria de gestão. Analisada a pretensão, por despacho arbitral de 07.09.2025 foi a mesma rejeitada, dado que a testemunha se propunha depor sobre questões de direito e não sobre factos.
7. No mesmo Despacho Arbitral foi concedido um prazo de dez dias, a correr simultaneamente para o Requerente e a Requerida, facultativamente, alegarem.
8. Em 22.09.2025, o Requerente apresentou alegações, tendo reiterado e esclarecido a sua pretensão. Por seu turno, a Requerida, em 17.09.2025, apresentou as suas alegações, tendo dado por integralmente reproduzido o aduzido em sede de resposta e reiterado a improcedência do pedido arbitral,
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
III – DA POSIÇÃO DAS PARTES
10. O REQUERENTE, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, diz o seguinte:
10.1. Em 17.03.2022 admitiu e introduziu no consumo o veículo usado da marca «Porsche», proveniente da República Federal da Alemanha, onde lhe tinha sido atribuída a primeira matrícula definitiva em 31.08.2016.
10.2. Para o efeito, apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, onde foi aceite em 17.03.2022 com o n.º 2022/..., tendo o ISV sido pago no montante de 23 224,30 €.
10.3. Não se conformando com a liquidação no que respeita ao cálculo da componente ambiental do ISV, apresentou em 28.02.2024 um pedido de revisão do imposto na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz expondo a sua discordância, no que diz respeito ao seu cálculo, o qual foi objeto de despacho de indeferimento pelo Diretor da Alfândega de Aveiro, em 28.01.2025,
10.4 Considera que o artigo 11.º do CISV, na versão aplicada, consubstancia uma discriminação não admitida pelo artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), pelo que os atos tributários efetuados com base no referido normativo são ilegais, pois ainda que as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 tenham introduzido uma redução do imposto a pagar por referência à componente ambiental, não teve em consideração a totalidade do número de anos de uso do veículo, o que resulta numa discriminação negativa no que se refere aos veículos usados provenientes de Estados Membros da União Europeia e admitidos em território português face aos que são matriculados e comercializados em Portugal.
10.5 Assim, no seu entender, o ato de liquidação do ISV deverá ser revisto e restituída a parte do imposto excessivamente paga, no montante de 5.279,99 €, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, tudo por força do artigo 100.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) em matéria de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade e do artigo 61.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
11. Em alegações facultativas, enunciou diversos acórdãos do Tribunal de Justiça que se tem pronunciado sobre o artigo 11.º do CISV, caso do acórdão proferido no processo C-200/15, de 16.06.2016 e C-169/2020, assim como o Parecer do Ministério Público no processo 84/22.0BALSB, concluindo pela ilegalidade dos atos de liquidação fundados no referido artigo 11.º, esclarecendo que o que se peticiona é a desaplicação da norma no caso concreto, por se desviar das normas constitucionais e não uma declaração de inconstitucionalidade da norma, e reiterando o reconhecimento a juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 61.º, n.º 3 do CPPT.
12. Por seu turno, a REQUERIDA em resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a par da cronologia dos factos inerentes à admissão do veículo, em termos de impugnação, veio dizer o seguinte.
12.1 A título de questões prévias, refere que o Tribunal Constitucional nunca declarou a inconstitucionalidade e a ilegalidade com força obrigatória geral do n.º 1 do artigo 11.º do CISV e tece considerações sobre a inserção do artigo 110.º no TFUE e as suas implicações com as regras de concorrência e com o normal funcionamento do mercado interno.
12.2 Em termos do direito, salienta que o ato de liquidação foi praticado tendo em consideração as normas estabelecidas no CISV, não podendo a AT deixar de aplicar as referidas normas com base num «julgamento» de alegada desconformidade com o direito da União Europeia, salvo se houvesse uma declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral ou esteja em causa o desrespeito de normas constitucionais diretamente aplicáveis nos termos e para os efeitos do artigo 282.º da CRP, assim sendo obrigada pela sua vinculação à observância do princípio da legalidade, conforme decorre do artigo 8.º da LGT.
12.3 A redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, dada pelo artigo 391.º da Lei n-º 75-B/2020, de 31 de dezembro, incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu e reflete a doutrina que resulta do Despacho do Tribunal de Justiça prolatado no processo n.º C-169/20, porquanto já prevê que à semelhança do que sucedia com a componente cilindrada também a componente ambiental seja considerada para efeitos de redução do ISV dos veículos usados.
12.4 Fundamenta a legalidade da diferenciação das percentagens de redução do ISV por anos, com a transcrição de alargados excertos das decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 209/2021-T, de 10.12.2021 e 349/2022-T, de 25.10.2022, e alude ao facto de a Requerente, muito embora discordando do montante apurado através da liquidação provisória prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, não ter recorrido ao método de avaliação previsto no n.º 3 do mesmo artigo.
12.5 Na senda do pugnado na decisão arbitral prolatada no processo n.º 349/2022-T, refere que tendo o Requerente alegado que o montante de imposto excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis já matriculados em território nacional, importaria comprovar tal asserção, demonstrando em que medida, apesar de lhe ter sido aplicada a redução em vigor, ainda assim, no caso concreto, o montante de imposto excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis já matriculados em território nacional.
12.6 Sobre a conformidade da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, pronunciou-se o TJUE no processo C-399/23 (processo Ósoquim), que o Supremo Tribunal Administrativo (STA) densificou através do acórdão de 24.04.2024, proferido no processo 25/23.8 BALSB, no qual se concluiu do seguinte modo:
«(…)
Assim sendo, importa apenas concluir no sentido da anulação da decisão arbitral recorrida
III CONCLUSÃO
A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados Membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.
IV DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em, tomando conhecimento do mérito do presente Recurso, conceder provimento ao mesmo e anular a decisão arbitral recorrido.».
12.7 Segundo o referido acórdão do STA, para aquilatar da eventual desconformidade do direito nacional com o direito da união europeia não basta à Requerente, para fundamentar a ilegalidade da liquidação fundada na violação do artigo 110.º do TFUE, alegar apenas que as percentagens aplicadas à componente cilindrada são inferiores às que são aplicadas à componente ambiental, impendendo sobre si a prova de que, de facto, no caso concreto, o imposto incidente sobre o veículo objeto de legalização fiscal em território nacional é superior ao valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados, conducente a favorecer a venda dos veículos usados nacionais, e bem assim em que medida tal se traduz numa distorção da concorrência e obstáculo ao «funcionamento do mercado interno».
12.8 Impende sobre o Requerente o dever de provar a alegada quantia cobrada em excesso em sede de ISV, o que não sucedeu, sendo que de acordo com o artigo 344.º do Código Civil as regras do ónus da prova só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação da prova ou convenção válida, situações que não se verificam no caso concreto.
12.9 Nos termos do despacho do TJUE, de 06.02.2024 (Processo C-399/2023 – Ósoquim) e da densificação efetuada pela jurisprudência do STA vertida no acórdão de 24.04.2024 (processo 25/23.8 BALSB) a determinação da conformidade ou não do direito interno com o Direito da União dependerá da avaliação que se faça, em face do caso concreto, entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.
12.10 Relativamente à questão do pedido de restituição de quantia certa, menciona a Requerida que compete ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes e cálculo do imposto, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV, sendo tal tarefa da competência das alfândegas ou delegações aduaneiras.
12.11 Finalmente sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, refere a Requerida que em consonância com abundante e consolidada jurisprudência do STA, e dos próprios tribunais arbitrais, caso o Tribunal Arbitral se decida pela anulação parcial das liquidações, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 01.03.2024, face ao estabelecido na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, só haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido.
13.1 Em alegações facultativas, a Requerida salienta que os atos de liquidação em apreciação foram praticados em consonância com as normas legais em vigor, não podendo, à luz do princípio da legalidade, abster-se de proceder à sua aplicação.
13.2 Anota que a conjunção «se» vertida na parte final do despacho do TJUE de 06.02.2024 impõe uma condição para que o facto ocorra, ou seja faz-se depender a ilegalidade da legislação nacional (resultante da não desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada), da circunstância do montante do imposto cobrado sobre o referido veículo admitido de outro Estado-membro exceder o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados, por forma a, comprovadamente, favorecer a venda dos veículos usados nacionais, não se retirando da argumentação do Requerente os factos que o mesmo pretende dar como provados.
13.3 Sobre a questão do pedido de restituição de quantia certa, reitera o que já expressara na resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
IV - DOS FACTOS
14. Não há factos que sejam declarados não provados.
15. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, este Tribunal Arbitral dá como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:
15.1 O Requerente, em 17.03.2022, por via da apresentação na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz de DAV, a que foi atribuído o n.º 2022/..., procedeu à admissão do veículo ligeiro de passageiros da marca «Porsche», Modelo 92A, com o n.º de chassis..., de 4134 centímetros cúbicos de cilindrada e 215 g/Km de emissões de dióxido de carbono, com a anterior matrícula definitiva da República Federal da Alemanha, ..., atribuída pela primeira vez em 31.08.2016, a que coube a matrícula nacional ... .
15.2 O veículo move-se a gasóleo, foi declarado aos serviços aduaneiros como tendo 119 461 quilómetros no conta quilómetros, e teve um valor de aquisição de 47 990 €.
15.3 O referido veículo foi sujeito às liquidações do ISV n.º 2022/..., em 17.03.2022, no montante de 22 029,08 €, e 2022/..., em 18.03.2022, no montante de 1195,22 €, correspondendo 7 384,28 € a título de componente cilindrada, e 15 840,02 €, a título de componente ambiental, tendo a referida importância sido paga.
15.4 O imposto foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para os veículos novos, com uma redução de 52% na componente cilindrada, por força da aplicação de uma tabela em função dos tempos de uso, até dez anos, aplicável aos veículos de cinco a seis anos de uso, e uma redução de 28% na componente ambiental, por força da aplicação de uma tabela escalonada, em função dos tempos de uso, até quinze anos, aplicável aos veículos com quatro a seis anos de uso.
15.5 Em 01.03.2024, o Requerente apresentou na Alfândega de Aveiro um pedido de revisão oficiosa, de devolução da diferença entre o ISV pago por conta da admissão do veículo e o que deveria ter sido pago, tendo em conta as recentes decisões dos tribunais arbitrais e do Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual foi indeferido por despacho do referido diretor, em 28.01.2025.
15.6 Em 30.04.2025 foi apresentado um pedido de pronúncia arbitral visando a anulação parcial do ato de liquidação do ISV praticado pela Chefe da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz e requerendo a restituição da quantia cobrada em excesso, no montante que totaliza 5 279,99 €, assim como o reconhecimento ao direito ao recebimento de juros indemnizatórios.
16. Os factos foram selecionados a partir da informação disponibilizada pelas Partes, por via da apresentação de cópia da DAV que suportou a introdução no consumo e do respetivo processo administrativo, tendo o Tribunal Arbitral formado a sua convicção tendo em conta o relevo jurídico que a referida documentação assumiu para a decisão.
V - QUESTÕES A DECIDIR:
17. No entendimento do Tribunal Arbitral a questão a decidir é a seguinte:
- Determinar se a tributação em ISV a que foi sujeito o veículo do Requerente, efetuada nos termos do artigo 11.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CISV, na redação dada pela Lei n.º 75-B/ 2020, de 31 de dezembro, baseada em reduções diferenciadas do imposto residual em função dos tempos de uso do veículo, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental, foi efetuada de acordo com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária e nacional decorrente da sua interpretação.
- Em caso de procedência do pedido de pronúncia, promover a anulação da liquidação e da decisão de indeferimento do pedido de revisão que abriu caminho para a apreciação em sede arbitral, bem como arbitrar juros indemnizatórios.
VII – O DIREITO NACIONAL E COMUNITÁRIO
A - A Legislação nacional
18. A admissão do veículo foi sujeita a uma liquidação do ISV prevista no artigo 11.º do CISV, sob a epígrafe «Taxas – veículos usados», na redação dada pela Lei n.º 75-B/ 2020, de 31 de dezembro, o qual preceitua o seguinte:
«1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:
TABELA D
Componente Cilindrada
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 1 ano
|
10
|
Mais de 1 a 2 anos
|
20
|
Mais de 2 a 3 anos
|
28
|
Mais de 3 a 4 anos
|
35
|
Mais de 4 a 5 anos
|
43
|
Mais de 5 a 6 anos
|
52
|
Mais de 6 a 7 anos
|
60
|
Mais de 7 a 8 anos
|
65
|
Mais de 8 a 9 anos
|
70
|
Mais de 9 a 10 anos
|
75
|
Mais de 10 anos
|
80
|
Componente ambiental
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 2 anos
|
10
|
Mais de 2 a 4 anos
|
20
|
Mais de 4 a 6 anos
|
28
|
Mais de 6 a 7 anos
|
35
|
Mais de 7 a 9 anos
|
43
|
Mais de 9 a 10 anos
|
52
|
Mais de 10 a 12 anos
|
60
|
Mais de 12 a 13 anos
|
65
|
Mais de 13 a 14 anos
|
70
|
Mais de 14 a 15 anos
|
75
|
Mais de 15 anos
|
80
|
2 - ...
3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto.
ISV = V X U X C
VR UR
em que
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela, bem como ao agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º;
U é o número de dias de tempo de uso da viatura;
UR é a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV.
4 - ...»
B - O Direito Comunitário
19. O artigo 110.º do TFUE (antes 90.º e 95.º noutras redações dos Tratados) diz o seguinte:
«1) Nenhum Estado -Membro pode fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
2) Além disso, nenhum Estado-Membro pode fazer incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções».
C – A Jurisprudência comunitária
20. Ao longo dos últimos trinta anos, diversos acórdãos comunitários apreciaram a problemática da importação dos veículos usados entre os diversos Estados-membros, a qual assume bastante acuidade dado que o regime fiscal de tributação automóvel a nível automóvel não se encontra harmonizado a nível da União Europeia e existe uma panóplia de regimes de tributação. Por isso, há atualmente um conhecimento bastante razoável sobre os limites interpretativos do artigo 110.º do TFUE sobre este tipo de imposições.
21. O ISV é um imposto interno, com características de imposto de registo ou matrícula, que tem de se conformar com as normas dos Tratados e com a interpretação que delas fazem os órgãos comunitários. Essa conformação impõe-se por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP que, em matéria de direito internacional, estabelece que «As disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.».
22. Foi na sequência de uma questão posta a título pré-judicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que, por via do acórdão de 22.02.2001, Processo C-393/98, (Gomes Valente), foi obtida uma clarificação dirigida especificamente à legislação portuguesa. No referido acórdão foi referido que a aplicação de uma tabela de redução de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria necessariamente contrária ao artigo 95.º, contudo, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a tabela forfetária refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, em termos de que, em nenhum caso, pudessem ser superiores ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.
23. No seguimento da publicação do referido acórdão, o então Imposto Automóvel, passou a contemplar também a opção dos proprietários dos veículos poderem solicitar um método, baseado no valor comercial do veículo, inicialmente determinado por comissões de peritos, mais tarde por mera prova documental, em que o imposto a pagar fosse igual ao IA residual incorporado em veículos da mesma marca, modelo e sistema de propulsão ou, na sua falta, de veículos idênticos ou similares, introduzidos no consumo em Portugal no mesmo ano da data de atribuição da primeira matrícula, em detrimento da pura aplicação da tabela de reduções por anos de uso.
24. Igualmente como reflexo do referido acórdão, através do n.º 1, do artigo 34.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, pela primeira vez foram escalonados os dez anos de uso para fixar as percentagens de redução, desde os 20% para os veículos com 1 a 2 anos, até aos 80% para os veículos com mais de dez anos, variando as referidas percentagens consoante o crescente número de anos de uso.
25. Este sistema de tributação baseado numa tabela de redução do ISV em razão dos anos de uso ou na alternativa da determinação do imposto incorporado no valor comercial do veículo, embora mantendo a matriz, sofreu ao longo do tempo vicissitudes, com diversas intervenções do Tribunal de Justiça da União Europeia apontando desconformidades à legislação nacional.
26. Ao tempo da admissão do veículo do Requerente vigorava no ordenamento jurídico nacional a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que deu uma nova redação ao artigo 11.º do CISV, tendo sido fixadas percentagens de redução por tempos de uso do veículo diferenciadas em função da componente cilindrada (redução máxima de 80% para veículos com mais de dez anos) e da componente ambiental (redução máxima de 80% para veículos com mais de 15 anos), tendo tal facto sido justificado com razões ambientais resultantes da maior longevidade dos veículos.
27. Chamado novamente a apreciar a conformidade da referida legislação com o direito europeu, o TJUE através do Despacho de 6 de fevereiro de 2024, processo C-399/23, da Oitava Secção, acordou que «O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados».
28. Pouco tempo antes, e continuando a visar a legislação portuguesa num aspeto mais particular da tributação, tinha já a mesma Oitava Seção do Tribunal de Justiça, em acórdão de 16.11.2023, processo C-349/22 se pronunciado no mesmo sentido, reiterando o alcance do artigo 110.º do TFUE. Acordou o referido tribunal que:
«22. O artigo 110.º TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados-membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C-76/14, EU:C:2015:2016, n.º 28). Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar é calculada de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (imposto sobre Veículos), C-169/20. EU:C:2021:679, n.º 34 e jurisprudência referida)].
23. Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.º TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados e, por conseguinte, obriga cada Estado-Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.º 56, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C-640/17, EU:C:2018:275, n.º 17)
VIII - FUNDAMENTAÇÃO
29. Importa referir que a diferenciação da percentagem de redução por tempo de uso consoante as componentes cilindrada e ambiental, estratificadas por escalões, que é objeto do pedido de pronúncia arbitral e suportou o ato impugnado já não se encontra em vigor.
Com efeito, a Lei n.º 45-A/2024, de 31 de dezembro, alterou o artigo 11.º do CISV e estabeleceu percentagens de redução ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional segundo escalões de, até 1 ano a mais de 10 anos, nas percentagens de 10% a 80%,
Esta alteração legislativa teve como causa próxima a prolação do despacho proferido no âmbito do processo C-399/23, de 6 de fevereiro, pelo TJUE. Isto não invalida a necessidade de o Tribunal Arbitral apreciar o pedido de pronúncia, uma vez que se mostram preenchidos todos os pressupostos para a apreciação da legalidade do ato tributário praticado no domínio da anterior legislação.
30. O Requerente entende que a alteração efetuada pela Lei do Orçamento de Estado para 2021, fixando percentagens de redução aplicadas à componente ambiental inferiores às da componente cilindrada, induz um tratamento desigual entre as duas componentes de que resulta uma tributação mais onerosa por comparação aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, transcrevendo em seu abono as conclusões do Tribunal de Justiça nos processos C-200/15 e C-169/2020 e um excerto de um parecer do Ministério Público proferido no âmbito do processo n.º 84/22.0BALSB.
31. Conforme o Despacho do Tribunal de Justiça de 6 de fevereiro de 2024, processo C-399/23 (Ósoquim) a desvalorização da componente cilindrada e da componente ambiental não podem ser diferentes, se da soma de tal tributação resultar que o montante do imposto cobrado excede o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
32. Sobre o conceito de similar pronunciou-se o TJUE no acórdão, de 15 de março de 2001, (Comissão/ França) em termos de que «Produtos, como as viaturas, são similares na aceção do artigo 95.º, primeiro parágrafo (atual 110.º) do Tratado, quando as suas propriedades e as necessidades que satisfazem os coloquem numa relação de concorrência, dependendo o grau de concorrência entre dois modelos da medida em que haja satisfação de diversas exigências, nomeadamente em matéria de preço, dimensões, conforto, resultados, consumo, longevidade e fiabilidade. O veículo de referência deve ser idêntico em todos os aspetos ao veículo usado importado, ou seja, deve ser do mesmo modelo e do mesmo tipo que o veículo importado e deve ser similar em todas as suas outras características, podendo eventualmente ser retificado tendo em conta a inflação.».
33. Por outro lado, na sequência da publicação do referido Despacho C-399/23 (Ósoquim), o Pleno da Secção de Contenciosos Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 24.04.2024, Processo 025/23.8BALSB, densificou a interpretação da referida jurisprudência tendo acordado que «A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor do ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados Membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.».
Nele se explicitou que a conformidade da legislação nacional com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras do TJUE por, «determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais», ou seja, «pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos usados importados.» (In VI).
34. Daqui resulta que a preocupação sobre a conformidade da lei nacional com o direito comunitário não tem tanto a ver com o facto de as percentagens das reduções nos escalões das duas componentes serem diferentes em função dos concretos anos de uso e/ou em função dos diferentes tempos de uso ou da antiguidade do veículo mas sim com o facto do somatório dos montantes resultantes da aplicação de cada uma delas não poder exceder o montante residual de imposto incorporado em veículo nacional usado, inicialmente admitido como novo em território nacional.
35. O Requerente elaborou uma contagem baseado nas diferentes percentagens de redução das componentes, concluindo por um pagamento indevido de 5279,99 euros, sem fazer qualquer prova que demonstrasse a ilegalidade da tributação a que o veículo foi sujeito, Por isso, está em causa determinar se essa tributação em ISV, baseada em reduções diferenciadas do imposto residual em função dos tempos de uso, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental, foi efetuada de acordo com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária e nacional.
36. A solução mais consentânea e mais segura para fazer essa prova é oferecida pelo n.º 3 do artigo 11.º do CISV implicando, designadamente, por um lado, o apuramento do valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor e, por outro lado, o apuramento do preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez.
Entre o preço do veículo novo, que na ocasião incorporou o ISV por inteiro, e o preço do veículo usado é estabelecida uma relação percentual de depreciação do respetivo valor intrínseco, sendo o ISV nele incorporado desvalorizado na mesma proporção.
É certo que o n.º 3 do artigo 11.º do CISV tem em consideração outros fatores, designadamente os fatores U e UR que interferem no cálculo do imposto por este meio alternativo, mas os mesmos serão de desconsiderar quando o resultado obtido a partir da sua inserção ponha em causa a jurisprudência consolidada resultante dos acórdãos comunitários.
37. No setor automóvel existem publicações, algumas de carácter mensal, normalmente gravitando na órbita de associações de automóveis a que se acede por assinatura ou consulta individual que executam um trabalho de divulgação dos preços de mercado dos veículos usados, tanto na perspetiva da compra como no da venda, sendo um meio auxiliar na fixação de preços de referência nas transações dos veículos, numa base de uma utilização normal do veículo na ordem dos quinze mil quilómetros anuais.
Não se trata da indicação de preços fixos, mas simplesmente de preços de orientação, cujo acolhimento por parte dos destinatários depende das estratégias comerciais de cada agente económico, pelo que não se pode considerar que sejam meios idóneos para restringir ou falsear a concorrência.
Esta informação que durante muito tempo era fornecida em papel é, atualmente, também disponibilizada em plataformas eletrónicas, simplificando o processo de divulgação.
Esta referência às «publicações especializadas no setor» nasceu com a Lei 85/2001, num tempo em que ainda não estava generalizada a venda de veículos por via eletrónica, sendo, na ocasião, o meio mais comum, a sua divulgação nas páginas de anúncios dos jornais diários, e transitou para o CISV sem alterações.
Sucede que desde a publicação do CISV, a divulgação assegurada pelas publicações especializadas do setor passou gradualmente a coexistir com a divulgação de preços de venda de automóveis por empresas que se dedicam elas próprias à comercialização de veículos, a partir da utilização de plataformas eletrónicas, os quais reportam práticas comerciais próprias, com base em fatores de avaliação que internalizam o seu próprio lucro.
Trata-se de uma evolução natural, compatível com o progresso tecnológico que nesta, como noutras áreas, se verificou, e que, pelo facto de a lei não se referir expressamente a essa forma de determinação do preço dos automóveis usados em território nacional, não pode nem deve ser excluída.
Todavia, a informação proveniente de tais plataformas tem de ser vista com uma maior cautela, pois, consoante os objetivos que se prossigam, é mais permeável à fraude e não está imune a manipulações.
38. No caso dos autos, o Requerente não desenvolveu qualquer diligência tendente a confrontar as tributações do veículo que admitiu e do seu émulo ou similar que circula em território nacional desde 2016, de forma que, em função das cotações dos veículos, pudesse estabelecer uma diferenciação de tributação legalmente injustificada à luz do direito europeu, tendo-se limitado à mera argumentação das percentagens de redução do ISV.
Constata-se que o veículo é possuidor de uma muito elevada cilindrada e de um elevado nível de emissões de CO2 e está dentro de um nicho de mercado específico, onde de qualquer forma é possível obter valores de mercado comparativos.
O veículo regista 119 461 quilómetros no respetivo conta quilómetros, o que, para um veículo com quase seis anos de antiguidade significa uma utilização normal e praticamente quotidiana.
No caso de um veículo similar ao do Requerente, novo, introduzido no consumo em 31.06.2016, teria ficado sujeito às taxas previstas na Lei n.º 7 – A/2016, de 30 de março, que, independentemente do valor pelo qual o veículo tivesse sido comercializado, teriam determinado um pagamento de 35 646,84 €, do qual 14 645,89 € proveniente da componente cilindrada e 21 000,95 € da componente ambiental.
Por seu lado, as taxas do ISV de um veículo novo, sobre o qual foram efetuadas as reduções por anos de uso do veículo do Requerente, determinaria um ISV de 37 383,05 €, ou seja, no período de antiguidade do veículo, teria havido um aumento global da tributação deste modelo de veículo ou de similar de outra marca, de cerca de 4,8%, o que permite ter a perceção de que o ritmo de crescimento do ISV, no caso concreto, não terá acompanhado o valor da inflação no referido período, a qual terá duplicado, ou mesmo triplicado.
39. Na medida em que o ISV se incorpora no preço do veículo novo, a desvalorização comercial do veículo em função dos anos de uso faz deslizar igualmente de forma constante o imposto residual nele incorporado. No caso do veículo do Requerente, usado, com cinco a seis anos de uso, com uma utilização considerada normal, a redução do ISV calculada a partir das taxas atuais de um veículo novo, atento o facto de terem sido atualizadas em valor inferior ao da inflação, significa que, em termos relativos, o ISV do veículo do Requerente é inferior ao do veículo novo, admitido em 2016.
Com efeito, em abstrato, é atualmente menos onerosos adquirir um veículo novo com as características do do Requerente, se ele ainda for comercializado, do que se o tivesse adquirido em 2016, uma vez que, atenta a inflação, o peso percentual do ISV e do IVA a ele associado, em termos relativos, fez diminuir o respetivo preço de venda ao público, resultando, indiretamente, por efeito da aplicação das taxas de redução, um favorecimento fiscal na respetiva admissão.
Assim, o Tribunal Arbitral não dispõe de elementos que lhe permitam asseverar, como sustenta o Requerente, de que a liquidação do ISV do veículo tenha sido efetuada com base em legislação, mais concretamente taxas e tabelas de redução, desconforme com o direito comunitário, designadamente com o artigo 110.º do TJUE, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça, secundada pelo acórdão do STJ, de 24.04.2024.
40. O acórdão do STA refere que a aferição da legalidade, «pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos usados importados.», ou seja, a desigualdade entre as componentes não é, só por si, critério, para aferir da ilegalidade das tabelas de redução, contudo, o Requerente não fez essa demonstração, nem a prova testemunhal que tinha apresentado, de qualquer modo, o poderia fazer. Referenciando uma data de primeira matrícula, não há assim um tratamento fiscal mais desvantajoso do veículo usado admitido relativamente a veículo novo introduzido no consumo em território nacional.
41. Donde, dando resposta à questão sub judice, este Tribunal Arbitral conclui, por isso, que, no vício da desconformidade com o direito comunitário, não se mostra provado que as percentagens de redução diferenciadas consoante as componentes, tenham implicado o pagamento por parte do Requerente de uma imposição em sede de ISV superior ao da parcela residual de imposto incorporada em veículo similar existente no mercado nacional, pelo que é de manter a liquidação nos precisos termos em que foi efetuada.
Esta decisão prejudica, e torna inútil, a apreciação das demais questões elencadas pelo Tribunal Arbitral como «thema decidendum».
VIII – DECISÃO
41. Nestes termos, julga o Tribunal Arbitral Singular o seguinte:
a) Manter o ato de liquidação impugnado, por a referida liquidação efetuada ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, na redação dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com remissão para o artigo 7.º, n.º 1 do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, não se mostrar desconforme com o direito comunitário, designadamente com o artigo 110.º do TFUE, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, e com a jurisprudência comunitária e nacional dele decorrente, em razão de não ter ficado provado que o imposto resultante das diferentes reduções por anos de uso, segundo as componentes ambiental e cilindrada, excedeu o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
b) Condenar o Requerente no pagamento das custas processuais arbitrais.
IX – VALOR
42. Nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA, aplicável por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, é fixado o valor do processo em 5 279,99 € (cinco mil duzentos e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos).
X – CUSTAS PROCESSUAIS.
43. Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º, n.º 1, as custas arbitrais são fixadas no valor de 612 € (seiscentos e doze euros), a pagar pelo Requerente.
Notifiquem-se as partes.
Lisboa, 24 de setembro de 2025.
O Árbitro Singular
António Manuel Melo Gonçalves