Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1285/2024-T
Data da decisão: 2025-10-01  IRS  
Valor do pedido: € 4.125.000,00
Tema: IRS; Regime de transparência fiscal; Benefício fiscal por dedução à coleta do IRC; SIFIDE II
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Sumário:

A dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS.

DECISÃO ARBITRAL

I.          Relatório

A..., com o número de identificação fiscal (“NIF”) ... e com morada na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa (“Requerente”),  requereu, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º e na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), a constituição de tribunal arbitral singular com designação de árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), relativo ao ano de 2023, com o número 2024..., de 04-07-2024, na parte em que não considera a totalidade do benefício fiscal relativo ao SIFIDE.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

A)     Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente Tribunal Arbitral singular, em 11-02-2025, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

B)     História Processual

O Requerente pretende a anulação do ato de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2023, com o número 2024..., no montante de 96.128,64 €, materializada na nota de cobrança n.º 2024... .

Como fundamento da sua pretensão, o Requerente alega, em síntese, que a sociedade de advogados de que é sócio e sujeita ao regime de transparência fiscal, realizou um investimento consubstanciado na subscrição de 100 unidades de participação do fundo B..., Fundo de Capital de Risco (“B...”), pelo valor de € 100.000, o que lhe confere alegadamente o direito a um benefício fiscal em sede de SIFIDE II. Alega que, sendo-lhe imputada a sua quota-parte do referido crédito de imposto, a dedução à sua coleta de IRS não está sujeita aos limites previstos no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS. Sustenta, ainda, que, tratando-se de um benefício fiscal apurado na esfera da sociedade (em sede de IRC), a sua dedução na esfera do sócio (em sede de IRS) não se rege pelas regras e limites do Código do IRS, mas sim pelas regras do Código do IRC, tendo como único limite a própria coleta que seria devida pela sociedade, se esta não fosse fiscalmente transparente. Assim, entende o Requerente que tendo presente os regimes legais da transparência fiscal e do SIFIDE e, bem assim, o “edifício teleológico” de ambos, só se poderá concluir que a dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, regendo-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”) e, consequentemente, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS, ou qualquer outro limite, devendo ser aceite na íntegra, até à concorrência da coleta, determinada nos termos do Código do IRC. Deste modo, considera o Requerente que a liquidação impugnada é ilegal por erro sobre os pressupostos de direito, devendo ser determinada a sua respetiva anulação.

O Requerente juntou 8 documentos, procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial.

Foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.

A Requerida apresentou a sua resposta na qual defende a legalidade do ato de liquidação. Sustenta a Requerida que o benefício fiscal SIFIDE II, ainda que apurado na esfera de uma sociedade em regime de transparência fiscal e imputado ao sócio, ao ser deduzido na coleta de IRS deste, se enquadra na alínea k) do n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS e, como tal, está sujeito às limitações quantitativas estabelecidas no n.º 7 do mesmo artigo. A Requerida alega que, tendo o Requerente um rendimento coletável superior ao último escalão de IRS, o montante total das deduções à coleta (incluindo o SIFIDE) está limitado a um teto máximo, e que a liquidação foi efetuada aplicando corretamente esse limite legal. Invoca, ainda, o princípio da neutralidade fiscal, argumentando que a interpretação do Requerente criaria um tratamento mais favorável e injustificado para os profissionais em sociedade face aos que exercem a atividade em prática individual. A Requerida protestou juntar o Processo Administrativo e conclui pela improcedência do pedido, com a consequente manutenção do ato de liquidação na ordem jurídica. 

II.          Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

III.         Matéria de Facto

A)     Matéria de Facto Provada

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

i)                O Requerente é sócio da sociedade de advogados “C...– Sociedade de Advogados, SP, RL”;

ii)              A referida sociedade encontra-se, com referência ao ano de 2023, sujeita ao regime de transparência fiscal, sendo os rendimentos da mesma imputados aos seus sócios;

iii)             No ano de 2023, a referida sociedade de advogados subscreveu 100 unidades de participação do Fundo B..., pelo valor de € 100.000;

iv)             O Fundo B... é um fundo de investimento de capital de risco que investe, através de instrumentos de capital próprio e quase-capital, em pequenas e médias empresas portuguesas que desenvolvam projetos de I&D;

v)              O Fundo B... consta da lista de Fundos certificados pela Agência Nacional de Inovação (“ANI”), publicamente divulgada no website da ANI relativo ao SIFIDE;

vi)             Em 24-05-2024, a sociedade submeteu junto da ANI a candidatura para efeitos de SIFIDE, na qual indicou, entre outros elementos, no campo relativo a “Participação no capital de entidades e contributos para fundos destinados a financiar a I&D”, a subscrição acima referida, com o objetivo de investimento em empresas de I&D;

vii)            O Requerente submeteu a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2023;

viii)           Na referida declaração, o Requerente inscreveu no campo 902 do quadro 9 do anexo D (“Transparência fiscal – Imputação de rendimentos – Herança indivisa – Imputação de rendimentos”) o valor de € 41.250, correspondente a 50% do valor calculado do benefício fiscal SIFIDE;

ix)             O Requerente foi notificado da liquidação de IRS, tendo sido desconsiderada a dedução à coleta correspondente ao benefício fiscal SIFIDE pelo valor declarado;

x)               Em 30-08-2024, o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS;

B.     Matéria de Facto Não Provada

Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

C.     Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

IV.        Questão a decidir

A questão que cabe apreciar no âmbito do presente processo, prende-se com a legalidade do ato de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2023, número 2024..., e, em consequência, determinar se a dedução à coleta de IRS de um crédito fiscal (neste caso, o SIFIDE II), que foi gerado no âmbito de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do Código do IRC, e subsequentemente imputado ao sócio, está ou não sujeita aos limites quantitativos globais aplicáveis às deduções à coleta, previstos no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS.

V.         Matéria de direito

a.     Da legalidade do ato de liquidação de IRS

O presente processo arbitral centra-se numa questão fundamental de interpretação e articulação entre diferentes regimes do direito fiscal português, nomeadamente o do IRC e o do IRS. O cerne do litígio reside, assim, na aplicação do benefício fiscal SIFIDE II, gerado no seio de uma sociedade de advogados sujeita ao regime de transparência fiscal, à coleta de IRS de um dos seus sócios, o ora Requerente.

O Requerente sustenta que o facto de o benefício fiscal, consubstanciado no crédito fiscal de SIFIDE II, ter sido gerado na esfera da sociedade de advogados de que é sócio, o crédito é, na sua perspetiva, um benefício de índole empresarial, cujas regras de apuramento e limites são exclusivamente definidos pelo Código do IRC e pelo CFI. Argumenta que o regime de transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do Código do IRC, funciona como um mero veículo de imputação. Assim, tal como o rendimento da sociedade é imputado ao sócio, também o direito à dedução do crédito fiscal passa da sociedade para o seu sócio, mantendo a sua identidade e regime jurídico de origem. Consequentemente, defende que a sua dedução na coleta de IRS não pode estar sujeita aos limites de natureza pessoal previstos no artigo 78.º do Código do IRS, tendo como único limite a própria coleta que seria devida pela sociedade se esta não fosse transparente.

Em sentido oposto, a Requerida adota uma perspetiva focada no imposto onde a dedução é efetivamente concretizada. No entendimento da Requerida, no momento em que o crédito fiscal é inscrito na declaração de IRS para abater à coleta do Requerente, este "entra na esfera" do Código do IRS, tornando-se, para todos os efeitos, uma dedução à coleta nos termos do seu artigo 78.º. Como tal, e em aplicação do princípio de que não pode, onde o legislador não distinguiu, o intérprete fazê-lo, o benefício fica inevitavelmente sujeito aos limites quantitativos globais aí previstos, aplicáveis a contribuintes com rendimentos mais elevados. A Requerida sustenta ainda que a interpretação do Requerente violaria o princípio da neutralidade fiscal, criando um tratamento de favor injustificado para profissionais em sociedade face aos que exercem a título individual.

Cabe, pois, a este Tribunal Arbitral decidir e determinar se a dedução à coleta de IRS de um crédito fiscal (neste caso, o SIFIDE II), que foi gerado no âmbito de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do Código do IRC, e subsequentemente imputado ao sócio, está ou não sujeita aos limites quantitativos globais aplicáveis às deduções à coleta, previstos no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS.

Ora, conforme resulta do artigo 38.º, n.º 1, do CFI, na redação em vigor à data dos factos, «[o]s sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2025, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base – 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental – 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1 500 000,00.»

 

O n.º 3 do aludido normativo estipula que «[a] dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior

Apenas podem beneficiar da referida dedução os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições previstas no artigo 39.º do CFI:

a)     O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

 

b)     Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

A alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, para que remete o n.º 3 do citado artigo 38.º do CFI, estabelece o seguinte: «[a] liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem o artigo 120.º e artigo 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;»

O n.º 2 do referido preceito legal prevê que «[a]o montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.»

Por sua vez, o n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC estabelece que «[a]s deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.»

 

Por fim, o artigo 78.º do Código do IRS estabelece o seguinte, na redação vigente à data relevante dos factos e no que aqui interessa:

«1 – À colecta são efectuadas, nos termos dos artigos subsequentes, as seguintes deduções relativas:

(…)

k) Aos benefícios fiscais.

(…)

7 – A soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h), k) e m) do n.º 1 não pode exceder, por agregado familiar, e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas:

a) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável igual ou inferior ao valor do 1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite;

b) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do primeiro escalão do n.º 1 do artigo 68.º e igual ou inferior ao valor mínimo do primeiro escalão do n.º 1 do artigo 68.º-A, o limite resultante da aplicação da seguinte fórmula:

c) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor mínimo do primeiro escalão do n.º 1 do artigo 68.º-A, o montante de 1 000 €.

(…)»

Ora, após a exposição do principal quadro normativo aplicável in casu, importa primeiramente referir que não está em causa a elegibilidade para o benefício fiscal do SIFIDE II, surgindo as divergências entre Requerente e Requerida apenas quanto ao facto da aplicabilidade ou não dos limites a que alude o nº. 7 do artigo 78.º do Código do IRS.

Como é possível constatar, o artigo 38.º do CFI estabelece que a dedução do benefício fiscal do SIFIDE à coleta de IRC, com remissões para o artigo 90.º do Código do IRC e, no seu n.º 2, menciona as deduções e, entre elas, constam os benefícios fiscais dedutíveis à coleta de IRC.

Por outro lado, o facto de o n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC estabelecer que as deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal a que alude artigo 6.º do mesmo diploma, são imputadas aos respetivos sócios ou membros e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no citado artigo 6.º, permite concluir que o legislador transferiu as referidas deduções para o IRS, dado que o n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC não fixa qualquer limitação à dedução dos benefícios fiscais em sede de IRS.

No caso das sociedades transparentes não há propriamente uma coleta de IRC, pois só são tributadas em IRS (para além de tributações autónomas), mas o n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC pressupõe que a coleta de IRC seja calculada virtualmente, para poder ser determinado o montante que é imputado aos sócios.

Acresce que o facto de o SIFIDE constituir um benefício fiscal determinado no âmbito do IRC, por isso de natureza empresarial e transferido para os sócios das sociedades transparentes por força da imputação prevista no artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC, ficam afastados os limites de deduções à coleta estabelecido no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS, que são deduções de âmbito pessoal.

Como se diz na decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 336/2020-T, «[o] facto de a dedução à colecta ser “virtual” ou “técnica”, por decorrer da “isenção técnica” de IRC e ser imputável aos sócios, não obsta à sua transferibilidade para estes. Não apenas, porque o normativo do n.º 5 do artigo 90.º assim o determina, mas fundamentalmente pelo facto de tal corresponder a todo o edifício em que se encontra estruturado o regime da transparência fiscal. Com efeito, a matéria colectável, a colecta e a dedução à colecta são produto da regra de “isenção técnica” que enforma o regime da transparência fiscal. Sendo sujeitas a uma fórmula uniforme de imputação aos sócios, pessoas singulares ou colectivas, nos mesmos termos e condições em que o seria na ausência do regime de transparência. Apenas assim se assegura a neutralidade fiscal ínsita a esse regime».

Assim, a dedução à coleta de IRS de um crédito fiscal de SIFIDE II, que foi gerado no âmbito de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do Código do IRC, e subsequentemente imputado ao sócio, não está sujeita aos limites quantitativos globais aplicáveis às deduções à coleta, previstos no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS.

Nesse sentido, atente-se ao decidido na decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 221/2024-T, de 20-09-2024, onde se refere que «[n]o caso das sociedades transparentes não há propriamente colecta de IRC, pois só são tributadas em IRS (para além de tributações autónomas), mas o n.º 5 do artigo 90.º do CIRC pressupõe que a colecta de IRC seja calculada virtualmente, para poder ser determinado o montante que é imputado aos sócios.»

Veja-se, ainda, ao decidido na decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 260/2023-T, de 27-09-2024, onde se concluiu que «[a] dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6º do Código do IRC, é imputada aos respetivos sócios ou membros referidos  no seu nº 3, em conformidade com o nº 5 do artigo 90º, não lhe sendo aplicável o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS.»

Por fim, importa atende ao decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 07-06-2023, processo n.º 1301/21.0BEBRG, onde se conclui que «a dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS».

Em consonância com o anteriormente exposto, é forçoso concluir que a dedução à coleta de IRS de um crédito fiscal (neste caso, o SIFIDE II), que foi gerado no âmbito de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do Código do IRC, e subsequentemente imputado ao sócio, não está sujeita aos limites quantitativos globais aplicáveis às deduções à coleta, previstos no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS.

Deve assim concluir-se que o ato de liquidação de IRS impugnado enferma de vícios determinativos da sua ilegalidade devendo, em consequência, ser anulado, com as demais consequências legais.

b.     Do reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

Como resulta dos factos dados como provados, o Requerente pagou a quantia liquidada, pedindo no pedido de pronúncia arbitral o seu reembolso, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». 

No caso em apreço, concluiu-se, nos termos acima expostos, que a liquidação de IRS impugnada padece do vício de violação de lei que lhe é imputado no pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daquele ato é imputável à Requerida, que o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, tem o Requerente direito ao reembolso da quantia paga indevidamente, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, atualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

c.      Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».

Em face da solução dada à questão relativa à dedução à coleta de IRS de um crédito fiscal (neste caso, o SIFIDE II), e ao pedido de reembolso do imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, nomeadamente as relativas ao alegado vício de falta de fundamentação e da alegada preterição de audição prévia e violação do princípio da participação.

VI.        Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:

a)     Julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, anulando-se parcialmente o ato de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2023, com o número 2024..., no montante de 96.128,64 €, materializada na nota de cobrança n.º 2024...;

 

b)     Julgar procedente o pedido de devolução ao Requerente do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

VII.        Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 41.250,00, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VIII.       Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em  2.142,00 de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, ficando o referido montante, na íntegra, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 01 de outubro de 2025

 

O Árbitro,

 

Sérgio Santos Pereira