Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 407/2014-T
Data da decisão: 2015-01-19  IRS  
Valor do pedido: € 78.880,80
Tema: IRS – tributação de mais-valias imobiliárias; reinvestimento; ineptidão da petição inicial
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 407/2014 – T

Tema: IRS – tributação de mais-valias imobiliárias; reinvestimento; ineptidão da petição inicial

 

I.          RELATÓRIO

“A”, contribuinte fiscal número … e mulher, “B”, contribuinte fiscal número …, residentes na Rua …, n.º …, …, Lisboa, doravante designados por Requerentes, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando:

(i)                 a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS número 2013 … e de juros compensatórios número 2013 …;

(ii)               a condenação da Autoridade Tributária (AT) à devolução do valor de € 50.000,00, já pago, acrescido de juros indemnizatórios; e

(iii)             o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, ao abrigo do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT.

 

Para fundamentar o seu pedido alegam, em síntese:

 

a)      Por escritura pública outorgada em 22.06.2006, os Requerentes compraram, pelo valor de € 200.000,00, um lote de terreno para construção, com a área de 1184 m2, sito na .., …, freguesia de …, concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;

b)      No indicado terreno foi construído pelos Requerentes uma moradia, tendo para o efeito recorrido a empréstimo bancário junto do Banco “C”, S.A., no valor total de € 505.818,69;

c)      À moradia construída veio a ser atribuído o Valor Patrimonial Tributário de € 342.650,00;

d)     A moradia a que se alude em c) anterior veio a ser vendida em 12 de Janeiro de 2011, pelo valor de € 800.000,00, tendo parte deste valor (€ 508.757,51) sido utilizado para pagamento do empréstimo contraído junto do Banco “B”, S.A. e a que se alude em b) anterior;

e)      Em 27 de Dezembro de 2011, os Requerentes adquiriram, pelo valor de € 375.000,00, a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … a …, freguesia da …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, tendo para o efeito contraído empréstimo junto do Banco “D”, no valor de € 320.000,00;

f)       A anterior proprietária desta fracção – “E” – Sociedade de Operações Imobiliárias, S.A. - apresentou, em 13 de Maio de 2011, uma declaração Modelo 1 de IMI com fundamento em “Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído”;

g)      A indicada declaração Modelo 1 de IMI foi instruída com o Projecto de remodelação/ampliação do prédio da Lapa, aprovado por Despacho do Senhor Vereador da Unidade de Coordenação Territorial da Câmara Municipal de Lisboa n.º …/…/2011, de 21 de Julho de 2011;

h)       Tendo, assim, sido apresentada muito antes da conclusão das obras de remodelação do prédio, o que permitiu à indicada “E” – Sociedade de Operações Imobiliárias, S.A. constituir o prédio em propriedade horizontal e, desta forma, vender as fracções autónomas assim constituídas;

i)        Nos termos do contrato celebrado entre os Requerentes e a sociedade vendedora da fracção, as obras de remodelação a levar a cabo no interior da fracção a adquirir pelos Requerentes seriam executadas por estes, a expensas suas, o que veio efectivamente a suceder;

j)        As obras executadas pelos Requerentes importaram no pagamento da quantia de € 296.800,00, o qual foi efectuado em 3 prestações anuais: uma, em 2011, no valor de € 74.200,00; outra, em 2012, no valor de € 95.400,00 e uma ultima em 2013, no valor de € 127.200,00;

k)      Os Requerentes declararam o reinvestimento efectuado, tendo procedido à inscrição da mais–valia obtida com a venda da moradia a que se alude em b) anterior no quadro 4 do Anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS e accionado o regime do reinvestimento do quadro 5 da mesma declaração, por referência ao valor reinvestido no ano de 2011 (€ 74.200,00);

l)        Procedimento que repetiram aquando do preenchimento das declarações relativas aos anos seguintes (2012 e 2013);

m)    A AT desconsiderou o reinvestimento declarado, entendendo não ter ficado comprovado o domicilio fiscal, nos termos do disposto no artigo 19º da LGT, conjugado com o artigo 10.º n.º 5 do CIRS, nem os encargos com a valorização do bem e as despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos do artigo 51.º, CIRS;

n)      Assim, foram os Requerentes notificados dos actos de liquidação de IRS relativos ao exercício de 2011, no valor global de € 112.852,80, sendo € 108.615,32 a título de imposto e € 4237,48 a título de juros compensatórios, bem como da liquidação relativa ao exercício de 2012, de que resultou um valor global a pagar de € 11.191,25;

o)      Os Requerentes liquidaram parcialmente a liquidação de IRS a que se alude em n) anterior, pagando o valor de € 50.000,00;

p)      Em 30 de Julho de 2013, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra os referidos actos de liquidação respeitantes ao exercício de 2011;

q)      Os Requerentes foram notificados do projecto de deferimento parcial da reclamação graciosa, nos termos do qual a AT projectava aceitar o reinvestimento parcial de € 85.000,00, relativo à diferença entre o valor de aquisição da fracção (€ 375.000,00) e o valor do empréstimo bancário contraído para a sua aquisição (€ 290.000,00), e rejeitar o reinvestimento do valor de € 294.180,30, respeitante às obras de remodelação levadas a cabo, defendendo para tanto que, tendo a sociedade vendedora apresentado declaração Modelo 1 de IMI em data anterior à aquisição da fracção pelos Requerentes, as obras não foram levadas a cabo pelos Requerentes mas sim por aquela sociedade;

r)       Os Requerentes exerceram o direito de audição, invocando que o prédio havia sido adquirido “em planta” e que as obras de remodelação/reabilitação foram executadas por si em data posterior à respectiva aquisição;

s)       Por ofício notificado aos Requerentes, datado de 12/03/2014, a AT converteu em definitivo o projecto de decisão, indeferindo, assim, o reinvestimento relativo às obras realizadas pelos Requerentes, que defende serem obras de remodelação e não obras de beneficiação, não sendo, por isso, o valor suportado com tais obras considerado para efeito de reinvestimento;

t)       Na sequência da decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes, foram estes notificados dos actos de liquidação correctivos de IRS e juros compensatórios, dos quais decorre o valor global a pagar de € 78.880,80;

u)      Com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança dos valores respeitantes às liquidações 2013…, 2013…e 2013…, os Requerentes constituíram hipoteca voluntária sobre o prédio a que se alude em e) anterior.

Para além do erro sobre os pressupostos, que os Requerentes invocam enfermarem as liquidações em crise, os Requerentes imputam ainda, quer aos actos de liquidação em crise, quer ao Ofício n.º …, datado de 22/05/2013, mediante o qual a AT notifica os Requerentes das correcções efectuadas à declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2011, o vício de falta de fundamentação, invocando ainda, quanto a estes actos, preterição de formalidade legal essencial, pelo facto de a AT não ter concedido aos Requerentes o direito de pronúncia previamente à sua elaboração.

Já quanto à decisão da reclamação graciosa apresentada, imputam-lhe os Requerentes o vício de omissão de pronúncia, pelo facto de esta não se ter pronunciado sobre os elementos novos carreados pelos Requerentes para os autos aquando do exercício do direito de audição prévia.

Os Requerentes juntaram 37 documentos, não tendo arrolado testemunhas.

Os Requerentes optaram por não designar árbitro pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação dos seguintes árbitros: Ex.mo Senhor Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Dr. Alberto Amorim Pereira e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, que foram aceites pelas partes.

O tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06 de Agosto de 2014.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Na defesa por excepção, invocou em síntese que os actos de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnados foram anulados, na sequência da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes, tendo deixado, em consequência, de existir na ordem jurídica.

Na defesa por impugnação, sustenta, em síntese, não se verificar qualquer dos imputados vícios de falta de fundamentação, preterição de formalidade legal essencial, omissão de pronúncia ou erro sobre os pressupostos de que depende a aplicação do regime do reinvestimento previsto no artigo 10.º, n.º 5, a) do CIRS.

Conclui, peticionando a procedência da excepção dilatória invocada e, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância ou, quando assim se não entenda, a improcedência do pedido com a inerente absolvição da Requerida do pedido.

A Requerida juntou o processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT foi dispensada, sem oposição das partes, tendo sido ordenada a notificação dos Requerentes para, querendo, dizerem por escrito, no prazo de 10 dias, o que se lhes oferecesse sobre a matéria de excepção alegada pela Requerida.

Em sede de resposta à matéria de excepção, os Requerentes pugnam pela improcedência da excepção dilatória arguida pela Requerida.

Não foram apresentadas alegações escritas por nenhuma das partes.

 

 

II.          SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

III.         QUESTÕES A DECIDIR:

As questões a decidir são as seguintes:

 

(i)                 conhecer da excepção dilatória de inimpugnabilidade das liquidações em crise, arguida pela Requerida;

(ii)               determinar se os actos tributários praticados enfermam do vício de falta de fundamentação;

(iii)             determinar se se verificou preterição da formalidade essencial da audição dos Requerentes previamente à prática dos actos tributários;

(iv)             determinar se a decisão sobre a reclamação graciosa apresentada padece do vício de omissão de pronúncia;

(v)               determinar se ocorreu erro na verificação dos pressupostos de que depende a aplicação do regime de reinvestimento previsto no artigo 10.º, n.º 5, a) do CIRS.

 

 

IV)                 MATÉRIA DE FACTO:

 

a.                       FACTOS PROVADOS:

 

Com relevo para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      Por escritura pública outorgada em 22.06.2006, os Requerentes compraram, pelo valor de € 200.000,00, um lote de terreno para construção, com a área de 1184 m2, sito na …, …, freguesia de …, concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;

b)      No indicado terreno foi construído pelos Requerentes uma moradia, tendo para o efeito recorrido a empréstimo bancário junto do Banco “C”, S.A., no valor total de € 505.818,69;

c)      À moradia construída veio a ser atribuído o Valor Patrimonial Tributário de € 342.650,00;

d)     A moradia a que se alude em c) anterior veio a ser vendida em 12 de Janeiro de 2011, pelo valor de € 800.000,00, tendo parte deste valor (€ 508.757,51) sido utilizado para pagamento do empréstimo contraído junto do”C”, S.A. e a que se alude em b) anterior;

e)      Em 27 de Dezembro de 2011, os Requerentes adquiriram, pelo valor de € 375.000,00, a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … a …, freguesia da …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, tendo para o efeito contraído empréstimo junto do Banco “D”, no valor de € 320.000,00;

f)       Em 13 de Maio de 2011 foi apresentada pela então proprietária da fracção a que se alude em e) anterior uma declaração Modelo 1 de IMI com fundamento em “Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído”;

g)      A indicada declaração Modelo 1 de IMI foi instruída com o Projecto de remodelação/ampliação do prédio da Lapa, aprovado por Despacho do Senhor Vereador da Unidade de Coordenação Territorial da Câmara Municipal de Lisboa n.º …/…/2011, de 21 de Julho de 2011;

h)      À data da aquisição da fracção por parte dos Requerentes não haviam sido ainda efectuadas as obras de remodelação previstas para esta fracção, aprovadas por Despacho do Senhor Vereador da Unidade de Coordenação Territorial da Câmara Municipal de Lisboa n.º …/…2011, de 21 de Julho de 2011;

i)        As obras de remodelação a que se alude em h) anterior foram executadas pela sociedade “F – Construções, L.da”, a pedido dos Requerentes, tendo importado no pagamento do valor global de € 296.800,00, que os Requerentes pagaram em três prestações anuais: uma, em 2011, no valor de € 74.200,00; outra, em 2012, no valor de € 95.400,00 e uma ultima em 2013, no valor de € 127.200,00;

j)        Os Requerentes declararam o reinvestimento efectuado, tendo procedido à inscrição da mais–valia obtida com a venda da moradia a que se alude em b) anterior no quadro 4 do Anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS e accionado o regime do reinvestimento do quadro 5 da mesma declaração, por referência ao valor reinvestido no ano de 2011 (€ 74.200,00);

k)      Procedimento que repetiram aquando do preenchimento da declaração relativa ao ano de 2012;

l)        Por oficio n.º GI…, datado de 13/12/2012, foi o Requerente marido notificado de que, relativamente à declaração de rendimentos Modelo 3, exercício de 2011, se verificou a existência da seguinte incorrecção:

Deve comprovar todos os valores declarados no anexo G e inserir no quando 8 do mesmo anexo, a alienação das acções da entidade “C”, S.A. (NIF …), no valor de 37,58”;

m)    No oficio a que se alude em l) anterior, a Requerida notificou ainda o Requerente para, querendo, exercer o direito de audição prévia, fixando-lhe, para o efeito, o prazo de 10 dias;

n)      Em 15/01/2013, os Requerentes apresentaram declaração de rendimentos de substituição, inserindo no quadro 8 do anexo G a alienação das acções do “C”, S.A.;

o)      Por oficio n.º GI…, datado de 04/03/2013, foi o Requerente marido notificado de que, relativamente à indicada declaração de rendimentos, se constatou a existência da seguinte incorrecção:

residência do titular diferente do imóvel objecto do reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarados”;

p)      No oficio a que se alude em o) anterior, foi o Requerente marido notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar o duplicado da declaração de rendimentos em causa e todos os documentos comprovativos da sua situação pessoal e familiar, bem como dos elementos quantitativos associados às situações assinaladas, bem como para, querendo, exercer o direito de audição prévia, fixando-lhe, para o efeito, o prazo de 15 dias;

q)      Na sequência da notificação a que se alude em o) anterior, os Requerentes apresentaram cópia da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS e outros documentos;

r)       Por oficio n.º GI…, datado de 15/04/2013, foi o Requerente marido notificado de que, da análise efectuada aos documentos apresentados, se verificou a seguinte incorrecção:

“Comprovar despesas/encargos aquisição/alienação do bem transmitido. Documentos comprovativos da aquisição do imóvel de habitação própria da freguesia de Sintra, artigo …, bem como distrate bancário com montante em dívida à data da alienação. Escritura do imóvel objecto reinvestimento”;

s)       No oficio a que se alude em r) anterior, a Requerida notificou ainda o Requerente para, querendo, exercer o direito de audição prévia, fixando-lhe, para o efeito, o prazo de 15 dias;

t)       Por requerimento datado de 08/05/2013, o Requerente marido prestou esclarecimentos e juntou cópias dos seguintes documentos: amortização do empréstimo; cópia da escritura de compra do lote de terreno para construção, a que se alude em a) anterior e cópia da escritura de compra da fracção a que se alude em e) anterior;

u)      Na sequência dos esclarecimentos e documentos apresentados pelo Requerente marido, a Requerida notificou o Requerente marido, por oficio n.º…, datado de 22/05/2013, de que não ficou comprovado o domicilio fiscal, nos termos do disposto no artigo 19.º da LGT, conjugado com o artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, nem os encargos com a valorização do bem e as despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos do artigo 51.º, CIRS, pelo que foi desconsiderado o reinvestimento declarado, sendo elaborado um documento de correcção através de declaração oficiosa de rendimentos;

v)      No seguimento da correcção efectuada, foram os Requerentes notificados dos actos de liquidação de IRS relativos ao exercício de 2011, no valor global de € 112.852,80, sendo € 108.615,32 a título de imposto e € 4237,48 a título de juros compensatórios, bem como da liquidação relativa ao exercício de 2012, de que resultou um valor global a pagar de € 11.191,25;

w)    Em 30 de Julho de 2013, os Requerentes procederam ao pagamento parcial das liquidações a que se alude em v) anterior, tendo pago o valor de € 50.000,00;

x)      Tendo, na mesma data, apresentado reclamação graciosa contra os referidos actos de liquidação respeitantes ao exercício de 2011;

y)      Por oficio .n.º…, datado de 07/02/2014, foram os Requerentes notificados do projecto de deferimento parcial da reclamação graciosa, nos termos do qual a Requerida projectava aceitar o reinvestimento parcial de € 85.000,00, relativo à diferença entre o valor de aquisição da fracção a que se alude em e) anterior (€ 375.000,00) e o valor do empréstimo bancário contraído para a sua aquisição (€ 290.000,00), e rejeitar o reinvestimento do valor de € 294.180,30, respeitante às obras de remodelação levadas a cabo, defendendo para tanto que, tendo a sociedade vendedora apresentado declaração Modelo 1 de IMI em data anterior à aquisição da fracção pelos Requerentes, as obras não foram levadas a cabo pelos Requerentes mas sim por aquela sociedade;

z)      Os Requerentes exerceram o direito de audição, nos termos constantes do documento junto com a petição inicial sob o número 34;

aa)   Por oficio n.º…, datado de 12/03/2014, foram os Requerentes notificados do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, com os fundamentos constantes do projecto de decisão previamente notificado, tendo sido, em consequência, elaborado o respectivo documento de correcção;

bb)  O que originou a anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios reclamadas e a sua substituição pela liquidação oficiosa de IRS n.º 2014…, de que resultou imposto e juros compensatórios a pagar no montante global de €78.880,80;

cc)   Com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º …, os Requerentes constituíram hipoteca voluntária sobre o prédio a que se alude em e) anterior.

 

 

 

FACTOS NÃO PROVADOS:

 

Não há factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

 

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

 

A convicção sobre os factos provados baseou-se nas posições assumidas pelas partes, na prova documental junta pelos Requerentes e no PA junto aos autos.

 

V.          DIREITO:

(i)                 Da excepção de inimpugnabilidade das liquidações em crise:

 

Como questão prévia ao conhecimento do mérito do pedido formulado pelos Requerentes, questiona a AT a impugnabilidade das liquidações em crise nos presentes autos, isto é, as liquidações de IRS número 2013… e de juros compensatórios número 2013….

 

Vejamos.

 

Conforme resulta dos factos provados – cfr. ponto bb) -, as liquidações de IRS n.º 2013 … e de juros compensatórios n.º 2013… vieram a ser anuladas e substituídas pela liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2014 ….

 

Tal anulação veio justamente a ocorrer na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa oportunamente apresentada pelos aqui Requerentes contra as liquidações de IRS e de juros compensatórios a que supra se alude.

 

Anuladas as ditas liquidações, estas deixaram de existir na ordem jurídica. E se deixaram de ser juridicamente existentes, parece manifesto não poderem estas ser impugnadas, por evidente falta de objecto.

 

E se assim é, por maioria de razão, encontra-se este tribunal arbitral impossibilitado de conhecer da sua legalidade.

 

Pelo que assiste razão, neste ponto, à Requerida.

 

Mas, sem prejuízo do exposto, entendemos que, mais do que a mera inimpugnabilidade das liquidações, estamos aqui perante uma verdadeira ineptidão da petição inicial, por contradição insanável entre a causa de pedir e o pedido.

 

Senão vejamos:

 

No artigo 6.º da petição inicial, os Requerentes delimitam o objecto do pedido de pronúncia arbitral, o qual, segundo alegam, tem por base os seguintes actos tributários:

a)      Acto de liquidação adicional de IRS n.º…; e

b)      Decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes.

 

Analisado o conteúdo de todo o requerimento de pedido de pronúncia arbitral verifica-se que, efectivamente, e ao contrário do que a final os Requerentes peticionam, os actos sobre os quais estes pretendem que o tribunal arbitral se pronuncie são os actos de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa e o acto de liquidação subsequente (liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2014…) e não os actos de liquidação de IRS n.º 2013… e de juros compensatórios n.º 2013….

 

E que assim é resulta, sem qualquer margem para dúvidas da própria alegação dos Requerentes, maxime da constante dos artigos 48.º, 50.º e 51.º do requerimento de pronúncia arbitral, nos quais é, ademais, invocado:

 

a)      que a reclamação graciosa por si apresentada veio a ser julgada parcialmente procedente;

b)      que, na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, foram os actos de liquidação de IRS n.º 2013… e de juros compensatórios n.º 2013… anulados;

c)      que, anulados os indicados actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, veio a ser emitida nova liquidação de IRS e de juros compensatórios, com o n.º 2014…; e

d)     que, não se conformando com a decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, vêm os Requerentes apresentar o presente pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

Aliás,

 

Também pelo valor atribuído à causa pelos Requerentes - € 78.880,80 – se conclui que a liquidação sobre cuja legalidade estes pretendiam que o tribunal arbitral se pronunciasse era justamente a liquidação emitida na sequência da anulação das liquidações impugnadas, isto é, a liquidação n.º 2014…, da qual resultou um valor a pagar no montante de € 78.880,80.

 

Resulta, pois, sem qualquer margem para dúvidas, de todos os factos alegados pelos Requerentes e do valor por estes atribuído à causa, que o objecto do requerido pedido de pronúncia arbitral é a decisão proferida na reclamação graciosa por si apresentada e a liquidação emitida nessa sequência e não as liquidações anteriormente emitidas e que foram objecto de anulação por parte da Requerida, na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes.

 

Sucede, porém, que,

 

Não obstante o exposto, os Requerentes concluem o pedido de pronúncia arbitral nos seguintes termos:

 

 “Nestes termos, deve ser declarada a ilegalidade dos actos de liquidação de IRS n.º 2013 … e, bem assim, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 …, emitidos pelo Exmo. Senhor Director-Geral dos Impostos, porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis com as necessárias consequências legais, designadamente (i) o reembolso do valor de € 50.000 já pago, acrescido de jruos indemnizatórios, bem como (ii) o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, ao abrigo do disposto nos artigos 53.º da Lei Geral Tributária e 171.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que também se peticiona”.

 

Conclui-se, assim, que, não obstante resultar do requerimento apresentado pelos Requerentes que os actos tributários que estes pretendiam impugnar eram os actos de deferimento parcial da reclamação graciosa por si apresentada e o acto de liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2014 …, a verdade é que, o que foi efectivamente peticionado pelos Requerentes foi a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS n.º 2013 … e de juros compensatórios n.º 2013 ….

 

Por onde se verifica a existência de contradição insanável entre a causa de pedir e o pedido.

 

Na verdade,

 

Conforme é sabido, a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento jurídico ao efeito jurídico pretendido[1]. Nas palavras de ANSELMO DE CASTRO, é o facto jurídico que está na base da pretensão[2].

 

In casu, a causa de pedir é a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes e a consequente anulação das liquidações de IRS n.º 2013… e de juros compensatórios n.º 2013… e emissão da nova liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º  2014 ….

 

Por seu turno, o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor[3].

 

No caso dos autos, o pedido é a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS n.º 2013 … e de juros compensatórios n.º 2013…, com as consequências legais, isto é, a devolução do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios e o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

Manifesta é, assim, a contradição entre o pedido e a causa de pedir, o que  determina a ineptidão da petição inicial – cfr. artigo 186.º do Código de Processo Civil.

 

Note-se que é ao pedido, necessariamente fundado na causa de pedir invocada, que o tribunal dá resposta quando profere a sentença de mérito. Ele (o pedido) constitui, assim, o objecto do processo[4].

 

Conforme já explicava ALBERTO DOS REIS[5], a nulidade prevista para a ineptidão da petição inicial resultante da contradição entre o pedido e a causa de pedir tem o seu paralelismo no (então) artigo 668.º, n.º 3 (actual 615.º, n.º 1, c)): a sentença é nula quando os fundamentos estiverem em oposição com a decisão.

 

Continua este autor explicando que “a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e o significado duma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão.

 

A petição inicial, para ser uma peça bem elaborada e construída, deve ter a contextura lógica dum silogismo, deve poder reduzir-se, em esquema, a um raciocínio, com a sua premissa maior (razões de direito), a sua premissa menor (fundamentos de facto) e a sua conclusão (pedido).

 

Nesta ordem de ideias, conclui o mesmo autor: “é da essência do silogismo que a conclusão se  contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada.

 

Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir.(…) Se o autor formula um pedido que, longe de ter a sua justificação na causa de pedir, está em flagrante oposição com ela, a inépcia é manifesta.”

 

Aplicados ao caso dos autos os ensinamentos de ALBERTO DOS REIS, parece manifesto não estarmos perante qualquer silogismo, já que a conclusão (o pedido) não é, sob qualquer prisma, o corolário lógico das premissas (as razões de facto e de direito, isto é, a causa de pedir).

 

Bem ao invés, nos presentes autos, o pedido está em evidente contradição com a causa de pedir, não sendo a sua decorrência lógica. Nas palavras de ALBERTO DOS REIS, no caso dos autos, o pedido “briga” com a causa de pedir.

 

Ora,

 

A evidente contradição entre o pedido formulado nos presentes autos e a causa de pedir não pode ter outro efeito que não a ineptidão da petição inicial.

 

E isto, por muito que se possa defender que, da causa de pedir se depreende, com suficiente clareza, qual o pedido.

 

No caso dos autos, da causa de pedir depreende-se sem qualquer margem para dúvidas qual o pedido.

 

Mas a verdade é que este pedido não chegou a ser formulado, não podendo o tribunal arbitral substituir-se às partes para convolar o pedido por estas formulado pelo pedido que, segundo julga, estas pretendiam formular.

 

Isto porque o pedido é justamente o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir[6].

 

A convolação do pedido formulado por aquele que resulta, como corolário lógico, da causa de pedir redundaria, afinal, na condenação em objecto diverso do pedido, o que é absolutamente vedado a qualquer tribunal, mesmo aos tribunais arbitrais que, pese embora a maior flexibilidade processual que possam admitir, se encontram sempre e só vinculados ao direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade (cfr. artigo 2.º, n.º 2 do RJAT).

 

Cumpre ainda aqui referir que os Requerentes, notificados para se pronunciarem sobre a excepção invocada pela Requerida, discorrem acerca do objecto imediato e mediato do pedido formulado, alegando que, contrariamente ao invocado pela Requerida, o objecto imediato do pedido formulado não são as liquidações de IRS n.º 2013… e de juros compensatórios n.º 2013…, mas sim a decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada.

 

Segundo alegam, isto mesmo decorre do teor do artigo 6.º do requerimento inicial, já supra referido.

 

Assiste razão aos Requerentes quando alegam que do artigo 6.º do requerimento inicial decorre, sem qualquer margem para dúvidas, que estes pretendiam impugnar a decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa.

 

Mas o certo é que, pese embora tal decorra directamente do indicado artigo 6.º e, de resto, de todo o conteúdo do requerimento de pronúncia, a verdade é que os Requerentes concluem o seu requerimento pedindo não a apreciação da legalidade da decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa por si apresentada, mas apenas e só a apreciação da legalidade das liquidações de IRS n.º 2013… e de juros compensatórios n.º 2013….

 

Este, por mais justificações e teorias que sejam apresentadas, é facto incontornável e que o tribunal não pode, de forma alguma, ignorar.

 

Ainda no referido requerimento de pronúncia sobre a excepção invocada pela Requerida, os Requerentes mostram-se “disponíveis” para ampliar o pedido caso a tal sejam convidados pelo tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, c) do RJAT.

 

“Sugerindo”, ainda, uma nova redacção para o pedido, na qual vêm incluir a declaração de ilegalidade da decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada.

 

Mas sem contudo incluir esta “nova redacção”, que configuraria, afinal, uma verdadeira ampliação do pedido inicial, no petitório do articulado de resposta à excepção, no qual peticionam, singelamente, a improcedência da excepção invocada e o prosseguimento dos autos até final, com conhecimento do mérito.

 

Ora, manifestamente não podem os Requerentes, como fizeram, pedir ao tribunal que os convide a ampliar o pedido por forma a que estes o façam.

 

A notificação efectuada para responder, querendo, à excepção, terá necessariamente de ter esse sentido, nenhuma lógica tendo que, na resposta à excepção, na qual os Requerentes descortinam a hipótese de procedência da excepção, estes se limitem a alegar que poderão vir a ampliar o pedido, caso a tanto sejam convidados pelo tribunal.

 

O que os Requerentes deveriam, nesta sede, era ter requerido, ainda que a título meramente subsidiário, a ampliação do pedido inicial, por ser esta legalmente admissível – cfr. artigos 264.º e 265.º do Código de Processo Civil.

 

Não o tendo feito, nenhum efeito prático poderá ter esta manifestação de disponibilidade para ampliar o pedido e muito menos a sugestão efectuada de nova redacção do pedido inicial.

 

Isto, repete-se, sem que os Requerentes se possam socorrer do comando do artigo 18.º, n.º 1, c) do RJAT, nos termos e pelas razões já expostas.

 

De tudo quanto ficou exposto, verifica-se a existência de uma contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir, sendo, por via disso, a petição inicial inepta, o que determina a nulidade do processo – artigo 186.º do Código de Processo Civil.

 

A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e determina a absolvição da Requerida da instância – cfr. artigos 577.º, 578.º e 576.º, todos do Código de Processo Civil.

Pelo que, pese embora não tenha sido arguida pela Requerida a excepção de ineptidão da petição inicial, sendo esta de conhecimento oficioso, o tribunal arbitral deve dela conhecer.

 

Em face do exposto, declara-se a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial.

 

O conhecimento do mérito da causa fica prejudicado pela verificada nulidade de todo o processo, pelo que o tribunal arbitral se abstém de sobre ele se pronunciar.

 

VI.                  DISPOSITIVO:

 

Em face do exposto, decide-se:

a)           Declarar inepta a petição inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir;

b)           Declarar, em consequência, a nulidade de todo o processo;

c)            Absolver a Requerida da instância.

***

Fixa-se o valor do processo em € 112.852,80, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, por ser este o valor dos actos impugnados.

***

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 3060,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes, por serem a parte vencida.

 

***

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2015,

 

Os Árbitros,

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

Alberto Amorim Pereira

Marcolino Pisão Pedreiro, com voto de vencido.

 

 

***

.

Declaração de voto de vencido do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

Voto vencido a presente decisão, pelas razões, de facto e de Direito, que passo a enunciar.

 

MATÉRIA DE FACTO

 

1.Considero erradamente dada como provada a alínea bb) da matéria de facto, com os fundamentos que se seguem.

A al. aa), que precede a alínea em causa, tem a seguinte redação:

Por oficio n.º …, datado de 12/03/2014, foram os Requerentes notificados do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, com os fundamentos constantes do projecto de decisão previamente notificado, tendo sido, em consequência, elaborado o respectivo documento de correcção;

Na sequência desta, a al. bb), que contém o facto objeto da discordância, tem o seguinte conteúdo:

“O que originou a anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios reclamadas e a sua substituição pela liquidação oficiosa de IRS n.º 2014 …, de que resultou imposto e juros compensatórios a pagar no montante global de €78.880,80;

 

Todavia, decorre dos documentos constantes de páginas 305 e 306 do processo administrativo documentos comprovativos de que as liquidações objeto do procedimento de reclamação graciosa não foram anuladas, mas apenas parcialmente anuladas.[7]

Na verdade, do documento designado “Notas de cobrança – Demonstração de compensação”, relativamente a estas liquidações, consta “Parcialmente anulada”.

E consta ainda:

Valor emitido: € 112.852,80

Valor anulado: € 33.972,00

Valor regularizado: € 50.000

Valor em dívida: € 28.880,80

Por outro lado, do documento de fls. 306, denominado “Consultar Certidão de dívida – Detalhe” constam os seguintes dados relativamente à certidão de dívida e ao processo executivo respeitantes ao IRS dos Requerentes de 2011 e respetivos juros compensatórios e coimas:

N.º do processo de execução fiscal: 2013

Certidão de dívida: 2013

Data da instauração: 22.08.2013

Valor total da Dívida: € 62852,80

Valor anulado: € 33.972,00

O processo de execução fiscal reflete, portanto, esta anulação parcial e são as liquidações reclamadas, parcialmente anuladas, que continuam a constituir titulo executivo e que vigoram na ordem jurídica.

Na verdade, se as liquidações reclamadas não tivessem permanecido na ordem jurídica, o processo executivo instaurado em 2013 que as teve como título executivo, não poderia deixar de ser declarado extinto por força da anulação daquele.

Vistas as coisas na perspetiva das denominadas liquidações de IRS e juros compensatórios, n.ºs 2014… e 2014…”, efetuadas em 21.04.2014, não poderiam estas constituir titulo executivo dum processo de execução instaurado em data anterior (22.08.2013), à da sua existência.

Dos documentos indicados, constantes do próprio processo administrativo resulta, pois, que o ato de liquidação n.º 2013… e o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2013…, de 15.06.2013, não foram anulados, mas parcialmente anulados, inexistindo qualquer documento donde conste que os mesmos foram totalmente anulados.

Aliás, não poderia deixar de assim, ser sob pena de violação da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa e que foi de deferimento parcial, como resulta das razões jurídicas que a seguir se enunciam.

 

MATÉRIA DE DIREITO

 

2. Decorre  do art. 68º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário que “o procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial  dos atos tributários”.

Significa isto, a meu ver, que em caso de deferimento total da reclamação a consequência é a anulação e consequentemente desaparecimento do ato tributário da ordem jurídica e que, em caso de anulação parcial, o ato tributário é anulado na parte afetada pela ilegalidade e apenas nessa parte.

Decorre, pois, deste preceito que, em caso de deferimento parcial da reclamação, a anulação do ato não é total, mas parcial. Na restante parte, o ato permanece na ordem jurídica.

O que implica que as liquidações n.ºs 2013… e o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2013…, de 15.06.2013 permaneceram na ordem jurídica, na medida do indeferimento parcial.

Esta medida do indeferimento parcial corresponde, também, às denominadas liquidações de IRS e juros compensatórios,  n.ºs 2014… e 2014…, de 21.04.2014, que são  exatamente as liquidações números 2013… e 2013…,  de 15.06.2013 expurgadas da anulação parcial decidida em sede de reclamação graciosa.[8]

 

3. Por outro lado, as liquidações corretivas não têm qualquer conteúdo decisório/inovatório, (que emergiu, sim, das liquidações de 15.06.2013 e da decisão que as anulou  parcialmente), e não visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, não se subsumindo no conceito de ato administrativo em que consiste  o ato administrativo de liquidação.

Estas liquidações corretivas não são mais do que a expressão quantitativa da decisão de anulação parcial proferida na reclamação graciosa em conjugação com a liquidação objeto da mesma e que a  ATA  identificou com numeração especifica e não, como se afiguraria mais correto e conforme a realidade jurídica em causa, como “liquidação n.º 2013… alterada de acordo com a decisão de anulação parcial no procedimento de reclamação graciosa n.º (…)” ou expressão equivalente.

Todavia, a designação ou numeração dada a esta expressão quantitativa da decisão de anulação parcial não afasta a realidade de continuarmos a estar perante as liquidações objeto da reclamação graciosa, amputadas da parte aí anulada (como resulta dos documentos constantes do processo administrativo).

 

4. O entendimento de que as liquidações de 15.06.2013, cujo pedido de anulação foi objeto de deferimento parcial no procedimento de reclamação graciosa, foram (totalmente) anuladas não encontra, pois, acolhimento, no art. 68.º, n.º 1 do CPPT, nem na decisão proferida na reclamação graciosa, nem como vimos no próprio processo administrativo. Bem pelo contrário.

Por outro lado, mesmo que se entendesse que as liquidações corretivas seriam atos administrativos, os mesmos seriam meramente confirmativos pelo que os atos impugnáveis sempre seriam a decisão que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa bem como as liquidações de 15.06.2013, na parte em que  não  foram anuladas.

 

5. Acresce que o entendimento de que as liquidações corretivas seriam atos administrativos de liquidação impugnáveis, enquanto tal (isto é, enquanto atos autónomos e desligados das liquidações parcialmente anuladas da decisão que determinou a sua anulação parcial) conduziria a resultados não queridos pelo ordenamento jurídico, claramente contrários do princípio da eficiência no procedimento tributário[9] e, em geral, do princípio da racionalização da administração pública[10], uma vez que conduziria a permitir nova reclamação graciosa [11] sobre a mesma questão e idênticos fundamentos sobre que a anterior reclamação já se havia pronunciado.

Efetivamente, caso se tratasse de verdadeiros atos administrativos de liquidação com carácter inovador, produtores de efeitos jurídicos, nada permitiria limitar as garantias de defesa do contribuinte, designadamente a possibilidade de dedução de nova reclamação graciosa. Tal redundaria, todavia, numa duplicação de atividade administrativa, inaceitável face aos princípios mencionados e que implicaria, também, novas diligências procedimentais por parte do contribuinte, que no essencial seria a repetição das anteriormente desenvolvidas, o que consistiria, também, numa oneração suplementar e indevida do contribuinte.

 

6. Por outro lado, a serem impugnáveis as liquidações corretivas e não as liquidações parcialmente anuladas tal traduzir-se-ia na impossibilidade de sindicar judicialmente as ilegalidades imputadas à própria decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa  incidente sendo que, no caso concreto, no pedido de pronuncia arbitral foi imputado a esta decisão o vício de omissão de pronuncia que, deixaria assim de ter qualquer relevo, deixando de ser sindicável pelos tribunais, por mera decisão da Requerida, o que não se afigura aceitável à luz do art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e das garantias dos contribuintes legalmente consagradas.

 

7. Acontece ainda  que decorre do art.  56.º, n.º 2, al. a) da Lei Geral Tributária que não existe dever de decisão quando a administração tributária já se tenha pronunciado, há menos de dois anos, sobre  idêntico pedido  do mesmo autor com idêntico objeto e  fundamentos, situação que se verificaria no caso em apreço e que, consequentemente, inviabilizaria a possibilidade de dedução de reclamação graciosa contra as liquidações corretivas.

Do mesmo modo, como atos meramente confirmativos da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa, as liquidações corretivas não poderiam ser objeto de impugnação.

Com efeito, como escrevem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim “Quanto aos atos confirmativos de actos administrativos anteriores já executivos ou executórios, a ausência da sua “executoridade”  é evidente:  deve-se ao facto de ser o acto “confirmado” que deve ser executado, não o acto que se limita a confirmá-lo, o qual não tem relevo jurídico substantivo, procedimental e processual autónomos.

O interesse da categoria do acto confirmativo (para além de didático) cinge-se praticamente ao da sua relevância contenciosa –para rejeitar os recurso que dele se interponham -, negando autorizada doutrina que tais actos possam ser considerados actos administrativos, por não terem efeito jurídico inovatório (criador, modificativo ou extintivo) de relações ou situações jurídico-administrativas.” (Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição Atualizada, Revista e Aumentada, Almedina, 1997, pag. 715).

Visto à luz do art. 95.º, n.º 1  da Lei Geral Tributária, os atos lesivos para os Requerentes não consistem nas liquidações corretivas  mas sim nas liquidações parcialmente anuladas e  no indeferimento parcial da reclamação graciosa, que definiram juridicamente a posição da AT.[12]

 

8. Na identificação do objeto do pedido de pronuncia arbitral os Requerente indicam:

-O ato de liquidação n.º 2013…de 15.06.2013, no valor de € 112.852,68.

- O Ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2013…, no valor de € 4.237,60.

- A decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa notificada ao contribuinte em 12.03.2014.

No pedido manifestam a pretensão de que aqueles atos administrativos de liquidação sejam anulados.

É certo que, no art. 50.º do pedido de pronuncia arbitral os Requerentes referem que “Na sequência da decisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de lisboa, foram notificados dos competentes actos de liquidação correctivos de IRS e juros compensatórios n.ºs 2014… e 2014 …”.

Mas, se dúvidas houvesse, sobre os atos objeto do pedido de pronúncia arbitral o art. 51.º esclarece, logo de seguida, que “ Não se conformando com a decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra os supra referidos actos de liquidação (…) vêm os Requerentes apresentar o presente Pedido de constituição do Tribunal Arbitral”.

 

Na decisão arbitral afirma-se que:

 

“(….) resulta, sem qualquer margem para dúvidas da própria alegação dos Requerentes, maxime da constante dos artigos 48.º, 50.º e 51.º do requerimento de pronúncia arbitral, nos quais é, ademais, invocado:

 

a)      que a reclamação graciosa por si apresentada veio a ser julgada parcialmente procedente;

b)      que, na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, foram os actos de liquidação de IRS n.º 2013… e de juros compensatórios n.º 2013… anulados;

c)      que, anulados os indicados actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, veio a ser emitida nova liquidação de IRS e de juros compensatórios, com o n.º 2014…; e

d)     que, não se conformando com a decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, vêm os Requerentes apresentar o presente pedido de constituição de tribunal arbitral.”

 

Vejamos se assim é.

Dos artigos 48.º, 50.º e 51.º do pedido de pronúncia arbitral consta o seguinte:

 

Art. 48.º

“Não obstante os esclarecimentos prestados, por Ofício n.º …de 12.03.2014 a Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa converteu em definitivo o projecto de (in)deferimento parcial da Reclamação Graciosa (Cfr. cit. Documento n.º 1), insistindo no entendimento (infundado) de que as despesas suportadas na realização de obras no prédio da Lapa não têm a natureza de obras de beneficiação, mas sim a natureza de obras de remodelação”

 

Art. 50.º

“Na sequência da decisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de lisboa, foram notificados dos competentes actos de liquidação correctivos de IRS e juros compensatórios n.ºs 2014.. e 2014…, ambos referentes ao ano de 2011, a que corresponde o acto de demonstração de acerto de contas n.º 2014…, da qual decorre que a importância (alegadamente) em dívida foi reduzida oficiosamente pela administração tributária dos anteriores € 124.743,13 para os actuais € 78.880,80 (cfr. Documentos n.º 35).”

 

Art. 51º

“ Não se conformando com a decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra os supra referidos actos de liquidação de IRS e Juros compensatórios, a qual –como aqui se demonstra – se encontra em manifesta discordância com a generalidade dos princípios e normas aplicáveis e, bem assim, com a realidade dos factos,  vêm os Requerentes apresentar o presente Pedido de constituição do Tribunal Arbitral, o que fazem com base nos seguintes argumentos de Direito:”

A meu ver, não resulta daqui que os Requerentes tenham afirmado que na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, os actos de liquidação de IRS n.º 2013 … e de juros compensatórios n.º 2013 … tenham sido anulados. Bem pelo contrário, os mesmos são identificados como objeto do pedido de pronúncia arbitral e os Requerentes pedem expressamente a sua anulação e designam por os atos em causa como “actos de liquidação correctivos de IRS e juros compensatórios, n.ºs 2014… e 2014…”. Em rigor, corrigir não significa anular mas si emendar ou modificar.

Não há, pois, no meu entender, contradição entre o pedido e a causa de pedir[13].

A existir alguma dúvida sobre a hipotética existência de tal contradição, a mesma resulta, sobretudo, de na correção às liquidações reclamadas em cumprimento da decisão proferida na reclamação graciosa não se ter mencionado tal facto, mas conferido novos números a estas aparentes novas liquidações, que não tem, na minha opinião, a natureza de atos tributários de liquidação, como acima referi e sendo, apenas, a expressão quantitativa da decisão proferida na reclamação graciosa sobre as liquidações de 15.06.2013, parcialmente anuladas por aquela.

 

9. Ainda que se possam detetar alguns lapsos no pedido de pronuncia arbitral (v.g. a identificação correta das liquidações, mas com a indicação do valor inicial e não com o valor resultante das anulações parciais) resulta claramente do mesmo que o que os Requerentes desejam ver eliminado da ordem jurídica são a decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa e as liquidações que dela foram objeto, na parte em que não foram anuladas, o que resulta claro quer da identificação da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa, quer dos atos de liquidação de IRS n.º 2013… e de juros compensatórios n.º 2013…, quer ainda dos actos de liquidação correctivos de IRS e juros compensatórios, n.ºs 2014…e 2014 … e, ainda, do próprio valor do pedido indicado, que consiste efetivamente no valor da liquidação reclamada amputada da parte anulada pela decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa. Esta últimas “liquidações” são, em substância, as iniciais, amputadas da parte anulada.

10. Entendo ainda, que da circunstância dos Requerentes não terem formulado expressamente na conclusão da petição o pedido de anulação da decisão que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa[14] não resulta a ineptidão da petição na medida em que tal decisão está identificada como objeto do pedido de pronúncia arbitral (art. 6.º do pedido de pronúncia arbitral), sendo-lhe inclusivamente imputado vício próprio conducente à sua anulação, devendo, portanto, considerar-se efetuado, ao menos de modo implícito, o pedido sua anulação.

O próprio legislador ao enumerar as competências dos tribunais arbitrais, explicita a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, mas não as decisões que indeferem reclamações graciosas contra aqueles atos. Tal competência, não expressa, deduz-se das disposições conjugadas do n.º1 do art. 10.º do RJAT e do art.102,.º do CPPT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, in “GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, 2013, pag. 121).

Não se me afigura, pois, que tendo os Requerentes pedido a declaração de ilegalidade da liquidação e tendo identificado claramente na petição como objeto do pedido de pronúncia arbitral também a decisão de indeferimento da reclamação graciosa ocorra dúvidas sobre o pedido ou sobre a causa de pedir ou, ainda, qualquer contradição entre as mesmas.

11.  Acresce ainda, que o principio “pro actione”, corolário do princípio constitucional  da tutela judicial efetiva  impõe que “as normas processuais  devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas” (art. 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) afigurando-se-me que, também à luz deste princípio,  tem  o Tribunal o dever de interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas, sobretudo em casos como o presente em que não existem dúvidas sobre a real e substantiva  pretensão dos Requerentes e das razões fácticas e jurídicas que estão na base da mesma.

 

12. Por ultimo, pela razões expostas, entendo que o valor do processo deveria ter sido o indicado pelos Requerentes -€ 78.880,80-, que corresponde ao valor dos atos de liquidação n.ºs 2013… e 2013…, tal como resulta da sua anulação parcial, retratada nos atos de liquidação corretivos, e não o valor de € 112.852,80, que corresponde aos valor das liquidações sub judice  antes da sua anulação parcial.

 

 

13. Em resumo e no essencial, entendo que os Requerentes impugnaram corretamente os atos tributários vigentes na ordem jurídica (liquidações e decisão que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa delas interposta), que não procede a invocada  exceção de inimpugnabilidade  dos atos objeto do pedido de pronúncia arbitral e, ainda,  que não existe qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.

A meu ver, inexiste qualquer obstáculo ao conhecimento do pedido.

 

Lisboa, 19.01.2014

 

O árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZESSA E SAMPAIO E NORA, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, página 245.

[2] ARTUR ANSELMO DE CASTRO, “Direito Processual Civil Declaratório”, Volume I, Almedina, 1981, página 204.

 

[3] ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZESSA E SAMPAIO E NORA, op. e loc. cit.

[4] Neste sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1º, Coimbra Editora, 1999, página 322.

[5] “Comentário ao Código de Processo Civil”, Volume 2º, Coimbra Editora, 1945, página 381.

[6] ARTUR ANSELMO DE CASTRO, op. cit, página 201.

[7] O que está em consonância com o  art. 68º,n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário e, também, com a  decisão proferida em sede de reclamação graciosa.

[8] Doravante, para simplificar passarei  a  referir-me amiúde  às liquidações números 2013… e 2013…,  de 15.06.2013, como “liquidações parcialmente anuladas” e às liquidações  n.ºs 2014… e 2014 …”, de 21.04.2014, como “liquidações corretivas”.

[9] Cfr. art. 46.º do Código de Processo e de Procedimento Tributário.

[10] Art. 267.º, n.º 5 da Constituição da Republica Portuguesa (Cfr. J.J. Gomes Canotilho-Vital Moreira, CONSTITUITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Vol II, pags. 813-814.

[11] E tal é, aliás,  indicado na notificação efetuada aos requerentes, como resulta do documento n.º 35, junto com a petição inicial.

[12] Como também já escrevia  Marcelo Caetano “o acto confirmativo não tem força executória própria: não tira, nem põe nas situações criadas pelo acto confirmado. Toda a obrigatoriedade e o vigor coercivo resultam do acto executório confirmado”  (MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Vol. I, Almedina, 10ª Edição, Revista e Actualizada pelo Prof. Doutor Freitas do Amaral, pag. 452). É o que se passa com as liquidações corretivas que, como se referiu, consubstanciam  apenas as liquidações parcialmente anuladas, exprimindo apenas a conjugação das primitivas liquidações com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sem qualquer conteúdo inovador.

[13] De referir que, a meu ver e contrariamente aos sustentado na decisão,  a causa de pedir nos presente autos não  é a “decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes e a consequente anulação das liquidações de IRS n.º 2013 … e de juros compensatórios n.º 2013 … e emissão da nova liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º  2014 …” pois como refere ARTUR ANSELMO DE CASTRO “Nas acções de anulação a causa de pedir é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (art. 498.º, n.º 4)” (Direito Processual Civil Declaratório”, Volume I, Almedina, 1981, página 208).

Na verdade , nos termos do art. 581.º, n.º 4, do CPC (antes art. 498.º, n.º 4) “ (…) a causa de pedir (…) nas ações (…) de anulação (…) é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.

 

[14] Sendo que, à cautela, na resposta à reclamação apresentada pela Requerida vieram os impugnantes requerer ao tribunal que na eventualidade de considerar  ocorrer incorreção do pedido, os notificar ao abrigo do art. 18º, n.º 1, al. c) do RJAT, para o aperfeiçoamento da sua peça processual com vista à ampliação do pedido, sugerindo desde logo a seguinte nova redação para o pedido:

Nestes termos, deve ser declarada a legalidade (i) da Decisão de (in)deferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada pelos Requerentes, proferida pela Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa e notificada aos Requerentes por Ofício n.º …, de 12 de março de 2014 e, bem assim, (ii) dos actos de liquidação n.ºs 2013… e 2013…, tal como rectificados pelos actos de liquidação correctivos n.ºs 2014… e 2014… emitidos na sequência daquele decisão, tudo com as legais consequências”.

Também por esta razão entendo que, a haver algum vício da petição, o mesmo não deveria ter deixado de ser  considerado sanado, designadamente  ao abrigo das disposições contidas nos arts. 16.º, al. f) e 18.º, n.º 1, al. c), à interpretadas à luz do princípio “pro actione”.