Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 108/2025-T
Data da decisão: 2025-09-25  IRC  
Valor do pedido: € 1.540.198,71
Tema: IRC – Dedutibilidade de gastos – artigo 23.º do CIRC.
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SUMÁRIO: 

I. Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, não é exigido que os gastos precisem ser indispensáveis à obtenção de rendimentos, devendo apenas avaliar-se, se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial da Requerente, a qual tem, por definição, o escopo lucrativo, e, é, nesse sentido, sujeita a IRC.

II. O conceito de indispensabilidade previsto no artigo 23.º do Código do IRC deve ser interpretado como abrangendo os custos suportados no interesse da empresa ou no exercício das atividades inerentes ao seu objeto social. Apenas os custos que decorram de decisões alheias a esse interesse ou que revelem ausência de conexão com a atividade societária deverão ser excluídos da dedutibilidade fiscal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., S.A., sociedade com sede na ..., n.º ..., ...-... ..., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ... (doravante, apenas “Requerente”), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (RJAT), requereu a constituição de Tribunal Arbitral coletivo.

O pedido arbitral tem por objeto a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., apresentada em 6 de maio de 2024, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2019, exarado no Ofício n.º ...-DJT/2024, de 29 de outubro de 2024, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, bem como a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2023-... e da demonstração de acerto de contas n.º 2023-..., referentes ao mesmo exercício.

É Requerida A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (AT).

 

1.1. Do Pedido

 “Nestes termos, e tendo em linha de conta todos os factos e argumentos expostos, solicita respeitosamente a Requerente a este Douto Tribunal que o pedido de pronúncia arbitral objeto do presente requerimento seja julgado integralmente procedente, determinando-se, em conformidade, a anulação da Decisão de Indeferimento e da subjacente Liquidação Adicional, nos termos peticionados.”

 

1.2. Tramitação processual

A Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) em 28-01-2025, o qual foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 30-01-2025.

A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2 do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a) e 3 do artigo 6.º do RJAT.

A nomeação foi aceite dentro do prazo e nos termos legalmente previstos.

Em 18 de março de 2025, as Partes foram devidamente notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado qualquer vontade de recusa, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 07-04-2025, tendo sido, no mesmo dia, proferido despacho arbitral que determinou à Requerida a apresentação de Resposta, no prazo de 30 dias.

A Requerida juntou o processo administrativo (PA) e apresentou Resposta em 20-04-2025, na qual se defende por impugnação, mantendo toda a fundamentação aduzida em sede de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

Por Despacho Arbitral de 1 de setembro de 2025, considerando que a matéria de facto não se apresenta controvertida, foi dispensada a produção de prova testemunhal. Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais, consagrados nos artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), foi igualmente dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma.

Quanto às alegações foi decidido: “Estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação do acórdão”.

Em 17 de setembro de 2025, a Requerente apresentou requerimento de oposição ao teor do Despacho Arbitral de 1 de setembro de 2025. 

Requerimento que foi indeferido por Despacho Arbitral de 25 de setembro de 2025.

 

2. Saneamento

O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

3. Posição das partes

3.1. Posição da Requerente

A Requerente sustenta que a controvérsia em apreço é de natureza essencialmente jurídica, centrando-se na interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IRC. Defende que os gastos em causa servem diretamente o interesse da A..., S.A., na medida em que visam assegurar condições de exploração mais favoráveis e a redução de custos futuros.

Alega, ainda, que os equipamentos adquiridos pelo valor simbólico de €1,00 já se encontravam devidamente registados na contabilidade desde o exercício de 2017, tratando-se de uma regularização jurídica e não de uma operação geradora de enriquecimento injustificado.

Sublinha que a vantagem reconhecida pela própria Autoridade Tributária - a poupança obtida -  é indissociável da contrapartida assumida pela Requerente, não podendo, por isso, ser dissociada da lógica empresarial subjacente à dedutibilidade dos custos.

Afirma no PPA: “Conforme se avançou, a AT concluiu no RIT (cf. p. 23 do RIT) que os “Outros gastos e perdas não especificados”, no valor de € 3.085.199,71, não poderiam ser deduzidos na sua totalidade, mas apenas pelo valor de € 1.545.000,00, porque o valor remanescente “não foi incorrido ou suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.”

E avança ainda, no ponto 59. da Decisão de Indeferimento, que “o gasto foi incorrido no âmbito da prossecução de objetivos alheios.”

Importa, no entanto, recordar que o disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) contém uma imposição de fundamentação dos atos tributários e dos atos administrativos em matéria tributária que é, também, uma exigência constitucional, com assento no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

Resulta claro que a intenção legislativa da Comissão da Reforma do IRC foi a de trazer para o Código do IRC a linha interpretativa da jurisprudência e da doutrina, sublinhando que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas a IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios”4

Em qualquer caso, o que importa ressalvar é que a AT não está, como nunca esteve, autorizada a formular juízos de valor sobre as decisões empresariais, nem a sindicar a bondade e/ou oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

(...)

ao contrário do que defende a AT, decorre não só da Lei, mas também do entendimento da doutrina e da jurisprudência, que um gasto decorrente de uma decisão de gestão que visa, com total normalidade, diminuir perdas, não tem a sua dedutibilidade vedada pelo disposto no artigo 23.º do CIRC,

Pelo que se deve considerar que a correção materializada na Liquidação Adicional, e mantida na Decisão de Indeferimento, é ilegal, devendo, por isso, ser anulada.”

 

3.2. Posição da Requerida

Na Resposta apresentada, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a improcedência do pedido arbitral, aderindo ao teor do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como às informações que lhe servem de fundamento, constantes do Processo Administrativo n.º 1, que junta aos autos.

Também se pronuncia sobre o pedido subsidiário feito pela Requerente no PPA, considerando que este deve improceder por não ter sido objeto da Reclamação Graciosa.

 

3. Fundamentação matéria de facto

3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a)             A Requerente é uma sociedade comercial anónima que desenvolve a sua atividade no âmbito do setor da saúde, através da prestação de serviços médicos e de internamento hospitalar no A... e, bem assim, nas Clínicas de Cantanhede, da B... (...), da Figueira da Foz, da Covilhã e de Pombal; (facto não controvertido).

b)             Na sequência da análise interna efetuada à Requerente (OI2023...) na qual foi proposto ação inspetiva externa, a qual teve início em 14 de setembro de 2023, com a assinatura da ordem de serviço por C..., com o NIF ..., na qualidade de contabilista certificado (CC); (cfr. RIT).

c)             Até 9 março de 2017 a Requerente era detida pela sociedade D... SGPS, S.A. (NIPC...), encontrando-se inserida no Grupo E...; (cfr. RIT)

d)             Ao abrigo do contrato de compra e venda de ações celebrado em 9 de março de 2017, entre a D... SGPS, S.A. e a F... SGPS, S.A., como vendedoras, a G..., S.A. (a “G...”), como garante, e a sociedade H..., S.A. (a “H...”, NIPC...), como compradora, o capital social da Requerente1 foi adquirido, na totalidade, por esta última sociedade; (cfr. - Contrato” Anexo I do RIT, junto com o PPA como doc. n.º 2).

e)             Ao abrigo do Contrato, a H... adquiriu também o capital social das sociedades I..., S.A. (NIPC...), e J..., S.A. (NIPC...); (cfr. RIT).

f)              Em março de 2018, a sociedade K..., S.A. (NIPC...) adquiriu o controlo da H... e, por essa via, a Requerente passou a integrar o designado Grupo L...; (cfr. RIT).

g)             Na data a que se reportam os factos, a Requerente exercia já a sua atividade de prestação de serviços médicos e internamento hospital primordialmente no mesmo equipamento, (atual) A... (anteriormente designado M...), sem prejuízo de outros serviços médicos prestados em clínicas que também integram o Grupo L...; (cfr. RIT).

h)             O exercício de tal atividade assentava num contrato de cedência de exploração desse estabelecimento de saúde, que havia sido celebrado em 2012, com outra sociedade do Grupo E... .

i)              Assim, por ocasião da celebração do Contrato, foi celebrado um novo contrato de cedência de exploração do estabelecimento de saúde entre a Requerente e a G..., por um período de 20 anos, renovável automática e sucessivamente por períodos de 5 anos, nele reconhecendo as Partes que, para além do imóvel, a generalidade dos elementos que constituíam o estabelecimento hospitalar explorado pela Requerente continuariam a ser propriedade da G...; (cfr. contrato anexo ao RIT).

j)              O preço da cessão, ascendeu, nos termos do ponto 6 daquele contrato, a 36.000.000,00€. No período de vinte anos e o pagamento seria efetuado, da seguinte forma:

(i) “Com a celebração deste Contrato, a N... paga à G..., por conta do preço da cessão da exploração, a quantia de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que será imputada por ordem de vencimento às primeiras 33 (trinta e três) prestações mensais, bem como ao valor correspondente a um terço da 34.ª (trigésima quarta) prestação mensal”.

(ii) “Considerando o adiantamento de prestações mensais estabelecido no parágrafo anterior, a parte remanescente do preço será paga em 207 prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira destas devida no 34.º (trigésimo quarto) mês de vigência deste Contrato com o valor de € 100.000,00 (cem mil euros) e as restantes 206, com o valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) cada uma” – pontos 6.2.1 e 6.2.2 do contrato de cedência de exploração.

De acordo com o estipulado neste contrato, a G... emitiu a fatura n.º FA 2017/4, datada de 2017-03-31, à N..., no valor de 5.000.000,00€, acrescido de IVA no montante de 1.150.000,00€. Esta fatura respeita à cedência de exploração da O... (O...), bem como dos referidos equipamentos, relativo ao período compreendido entre abril de 2017 e dezembro de 2019 e um terço do mês de janeiro de 2020, ou seja, antecipação de rendas mensais (150.000€ X 33 meses + 1/3 X 150.000€ = 5.000.000€).

Em março de 2018 a K..., SA, NIPC ...  adquiriu o controlo sobre a H..., pelo que, a partir desta data, a entidade inspecionada passou a estar inserida no Grupo L... . Este grupo é controlado pela P..., Ltd através da Q..., SA.

Em 20-12-2018 a sociedade alterou a sua designação social de N..., SA para A..., SA.

Em 19 de julho de 2019 foi celebrado um acordo (Acordo Quadro - anexo 2) entre a H..., a A..., (ex. N...), e a I..., todas sociedades do Grupo L... e as sociedades do Grupo E... (D... SGPS e F... SGPS e a G...). Conforme consta do referido acordo, a sua finalidade era a de resolver os diferendos existentes entre as partes, decorrentes do Contrato de Compra e Venda de Ações celebrado entre a  D... SGPS e F... SGPS, na qualidade de vendedoras e a sociedade H... na qualidade de compradora, da totalidade das ações das sociedades I..., J... e da N... (atual A...).

Resultou daquele acordo, entre outras situações, a revogação do contrato de cedência de exploração e a celebração de um contrato de sublocação entre a sociedade A... e a G... .

Em 27-12-2019 através de um processo de fusão a A... incorporou as sociedades I... e a J..., tendo esta operação sido realizada com referência a 1-01-2019. No período em análise, o capital social da A..., ascendia a 2.000.000,00€, representado por 2.000.000 de ações de valor nominal de 1,00€, sendo totalmente detido pela sociedade H...; (cfr. RIT pág. 14).

k)             A requerente afirma que após a celebração do Contrato foram identificadas diversas questões que geraram divergências entre as sociedades vendedoras e a sociedade compradora das partes de capital que foram objeto do Contrato; (cfr. PPA.)

l)              Em concreto, a H... (compradora) entendia que as entidades do Grupo E... (vendedoras) violaram várias declarações e garantias previstas no Contrato, e que a incorreção de declarações e garantias constituía as vendedoras na obrigação de indemnizar a compradora por todos os danos daí resultantes. (cfr. PPA.)

m)           Os factos que, no entendimento da H..., consubstanciavam violações, pelas entidades do Grupo E..., das declarações e garantias constantes do Contrato, foram listadas numa primeira comunicação enviada pela primeira às segundas; (cfr. doc. 6 junto com o PPA).

n)             Nesse documento foram listados os factos e fundamentos pelos quais a H... entendia que as declarações e garantias previstas no Contrato haviam sido violadas pelas entidades do Grupo E..., aí se incluindo, para além do mais, a identificação de créditos em dívida por parte de entidades relacionadas do Grupo E..., e que as mesmas se recusavam a pagar.

o)             Do RIT consta nomeadamente o seguinte:

“No período de tributação de 2019, o sujeito passivo entregou a declaração periódica de Rendimentos Modelo 22 do IRC (Mod. 22 IRC), a que alude o artigo 120.º do CIRC e foi igualmente entregue a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES), prevista no artigo 29.º do CIVA e no artigo 121.º do CIRC.

O resultado liquido do período declarado foi negativo no montante de 3.736.026,01€ e o resultado fiscal foi também negativo no montante de 2.857.000,53 €[1], conforme espelhado nos quadros seguintes:

 

 

 

Da análise à demonstração dos resultados por naturezas verifica-se que as rubricas de “Imparidade de dívidas a receber” (1.620.259,75€) e de “Outros gastos e perdas” (3.445.516,85€), evidenciam valores elevados quando comparados com outras contas daquela demonstração financeira. Para esta última rubrica releva essencialmente o montante de 3.103.807,93€ inscrito no campo A8103 do quadro 061-A, do anexo A da IES, a título de Outros Gastos e Perdas – outros não especificados (Contas 6887 e 6888).

No que respeita aqueles gastos, nos comentários da IES apresentada pela sociedade, consta a seguinte informação relativa à Certificação Legal de Contas que foi emitida com reservas:

 

“Bases para opinião com reservas

A Entidade reconheceu na demonstração de resultados do exercício de 2019 perdas no montante global de 4.506 milhares de Euros (1.421 milhares de euros na rubrica "Imparidade de dívidas a receber, líquida" – Nota 17 e 3.085 Milhares de euros na rubrica "Outros gastos e perdas operacionais" - Nota 9) referentes a transações realizadas sob a gestão do anterior acionista com entidades relacionadas e com entidades terceiras. A nossa Certificação Legal de Contas relativa ao exercício findo em 31 de dezembro de 2018, emitida em 19 de julho de 2019, inclui uma reserva por limitação de âmbito relativa a este assunto, não tendo a Entidade efetuado o tratamento retrospectivo previsto na IAS 8 - Políticas Contabilísticas, Alterações de estimativas contabilísticas e erros. 

Consequentemente, em 31 de dezembro de 2019 o prejuízo do exercício encontra-se sobreavaliado em 4.506 milhares de euros e os resultados transitados negativos encontram-se subavaliados no mesmo montante.”

No intuito de clarificar aqueles gastos à luz das normas contabilísticas e fiscais foram solicitados esclarecimentos, assim como documentos e elementos contabilísticos e fiscais de suporte e com relevância no que se refere ao apuramento do Resultado Tributável de 2019, nomeadamente:

- Processo de documentação fiscal elaborado nos termos do artigo 130º do CIRC (dossier fiscal);

- Relatório de contas e gestão;

- Balancetes;

- SAF-T (PT) (Standard Audit File for Tax Purposes) da contabilidade do período de 2019.

 

Durante o decurso do presente procedimento de inspeção, o contabilista certificado, representante nomeado pelo sujeito passivo para as relações com a AT, nos termos do artigo 52º do RCPITA, apresentou a documentação e prestou os esclarecimentos solicitados, tendo apresentado o SAF-T (PT) da contabilidade em 14-09-2023.

Foi efetuada uma análise de coerência entre os valores declarados na Mod. 22 de IRC, os relevados nos balancetes analíticos e ainda na IES. Da análise das demonstrações financeiras apresentadas pela sociedade e refletidas nas declarações fiscais anteriormente citadas e bem assim da documentação apresentada e esclarecimentos prestados, durante o presente procedimento inspetivo, verificaram-se situações passíveis de correção, que se encontram descritas no capítulo seguinte (V).

 

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

V.1. Imparidade de dividas a receber

Relativamente a imparidade de dividas a receber, foram reunidos os seguintes elementos/documentos, com relevância fiscal para a apreciação do gasto:

- Extratos contabilísticos das contas SNC 6511 – Perdas por imparidade em dividas a receber de clientes e SNC 76211 – Reversões de perdas por imparidade em dividas a receber de clientes (anexo 3); - Mapa resumo do qual constam os montantes das dividas a receber de clientes relativos a créditos em mora à data de 31-12-2019, indicando, por cliente, as faturas e respetivas datas de vencimento, bem como o tempo de mora e a respetiva percentagem de dedução para efeitos fiscais e quadro com a “Determinação do limite da provisão para créditos em mora” (anexo 4).

Da análise aqueles elementos verifica-se que, na conta SNC 6511, encontra-se reconhecido um gasto no montante de 1.676.286,11€ e na conta SNC 76211, foi reconhecido um rendimento no montante de 56.026,36€.

Assim, verifica-se que o valor inscrito no campo A5010 - Imparidade de dívidas a receber (perdas/reversões), do Quadro 03-A (Demonstração de Resultados por Natureza) do anexo A da IES, de 1.620.259,75€ (1.676.286 -11€ 56.026,36€), é o que resulta da diferença entre os saldos daquelas duas contas.

Do mapa que consta do já referido anexo 4, que se resume no quadro infra, os alegados créditos de cobrança duvidosa em mora à data de 31-12-2019, ascendem a 1.425.035,29€ e encontram-se reconhecidos na conta SNC 6511 através dos seguintes movimentos contabilísticos:

· 2019-12-31 00030 120680, de 31-12-2019, no montante total de 1.420.835,29€ (463.280,00€ + 505.215,00€ + 452.340,14€), e

· 2019-02-28 00030 20016, de 28-02-2019, no montante de 4.200,00€.

Do quadro infra, consta também o limite fiscal para as perdas por imparidade de dividas de clientes determinado pelo sujeito passivo com relação aqueles créditos.

 

Relativamente ao restante montante no total de 251.250,82€ (1.676.286,11€ - 1.425.035,29€), também reconhecido na referida conta SNC 6511, através de diversos movimentos contabilísticos, não nos foram apresentados quaisquer elementos/documentos. Conforme esclarecimento prestado pelo CC C..., aqueles lançamentos que totalizam 251.250,82€ (pág. 6 do anexo 4) referem-se a uma estimativa de imparidades de clientes que é efetuada mensalmente, e não a dívidas em concreto, desconhecendo-se a que clientes, faturas e tipo de créditos respeitam e ainda se forem efetuadas diligências para o seu recebimento.

No que respeita aos valores em divida, constantes do Quadro 5, relativos aos clientes S..., T... e U..., os mesmos foram considerados como créditos de cobrança duvidosa em dezembro de 2019, conforme se constata através da análise aos extratos contabilísticos das respetivas contas de clientes de conta corrente (contas SNC 21) e de clientes de cobrança duvidosa (contas SNC 217), a seguir indicadas.

- Cliente S...– conta SNC 2111100018 e SNC 2171100018;

Cliente T... -conta SNC 211112000028 e SNC 217112000028;

- Cliente U...– Conta SNC 2111100029 e SNC 2171100029

 

De facto, no que toca aqueles clientes os referidos montantes refletidos a débito das respetivas contas correntes de clientes, foram em dezembro de 2019, transferidos para as contas de clientes de cobrança duvidosa (crédito das contas SNC 211 por contrapartida do débito das contas SNC 217).

 

Já no que toca ao cliente R..., o montante de 4.200,00€ foi considerado como uma dívida prescrita conforme consta no lançamento contabilístico da imparidade reconhecida na conta SNC 6511, cujo descritivo é “prescrição de dívida”.

Da análise detalhada às dividas de clientes acima descritas e que constam do mapa apresentado pela sociedade, que originaram o reconhecimento de imparidades, constata-se o seguinte:

 

Cliente S..

O montante em divida, no total de 463.280,00€, é titulado pelas faturas com os números 156, no montante de 422.100,00€ e data de vencimento de 27-05-2018 e numero 45, no montante de 41.180,00€ e data de vencimento

de 15-03-2019.

 

Cliente T...

O valor em dívida deste cliente ascende a 505.215,15€ e encontra-se titulado por diversas faturas referentes aos anos de 2012 a 2018. De facto, a primeira fatura constante do mapa que nos foi apresentado, tem data de vencimento de 6-11-2012 e a última de 30-06-2018. Verifica-se assim, que a sociedade objeto de inspeção emitiu regularmente faturas para o cliente em análise ao longo de vários anos (sete), não evidenciando a contabilidade qualquer pagamento relativo àquelas faturas, que as faturas foram emitidas entre os anos de 2012 e 2018 e a imparidade apenas foi constituída em 2019.

 

Cliente U...

No que respeita a este cliente, o montante em dívida que totaliza 452.340,14€ resulta de várias faturas relativas aos anos de 2014 a 2018. Efetivamente, a primeira fatura tem data de vencimento de 18-12-2014 e a última de 7-08-2018. Também neste caso, foram emitidas faturas com regularidade ao longo de 5 anos, sem que se encontre reconhecido na contabilidade o pagamento das mesmas.

 

Cliente R...

Relativamente a este cliente o mapa apresentado apenas nos dá a informação de que à data de 31-12-2019 a dívida se encontrava em mora há 1461 meses, tratando-se por isso de um crédito bastante antigo.

De acordo com a NCRF 27 as dividas a receber de clientes são um ativo financeiro. Nos termos desta norma, após o reconhecimento inicial, uma entidade deve mensurar este instrumento financeiro, em cada data de relato, ao custo amortizado menos qualquer perda por imparidade (§11, NCRF 27).

De acordo com §24 da mesma norma, em cada data de relato, uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados. Se existir uma evidência objetiva de imparidade a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados.

(...)

Tal como referido anteriormente, no período de tributação de 2019, foram reconhecidas na conta SNC 6511, perdas por imparidade, no montante total de 1.676.286,11€, das quais 1.425.035,29€, se referem a dívidas de clientes relacionadas com créditos em mora, conforme mapa que nos foi apresentado, (ver anexo 4), relativamente às quais não foi cumprido todo o normativo fiscal, associado à contabilização de perdas por imparidade de dividas a receber de clientes, nomeadamente no respeitante ao regime do acréscimo (artigo 18º do CIRC).

De facto, à data de 31-12-2019, a maioria dos créditos encontrava-se em mora há já bastante tempo, havendo indícios de poderem já existir provas objetivas de imparidade no final de períodos económicos anteriores.

Quanto às provas objetivas de imparidade e à existência de diligências efetuadas para a cobrança das dívidas, conforme exigido na alínea c) do n.º 1 do artigo 28º-B do CIRC, as mesmas não constam do dossier fiscal e também não nos foram apresentadas durante o decurso da ação inspetiva, apesar de solicitadas e de a sociedade ter sido notificada para o efeito.

 

Relativamente ao remanescente do montante de 251.250,82€ (1.676.286,11€ -1.425.035,29€), também reconhecido na referida conta SNC 6511, como esclarecido pelo CC C..., o montante respeita a uma estimativa de imparidades, não nos tendo sido apresentados quaisquer elementos/documentos. Assim, não foi possível aferir a que tipo de créditos respeitam, nomeadamente se resultam da atividade normal da sociedade, conforme estipulado na alínea a) do nº1 do artigo 28º-A do CIRC.

Resulta assim do exposto, que, por não cumprir com os normativos legais anteriormente citados [artigo 18º e alínea a) do n.º 1 do artigo 28º-A e alínea c) do n.º 1 do artigo 28º-B, todos do CIRC], o montante de 1.676.286,11€ (1.425.035,29€ + 251.250,82€), reconhecido na conta SNC 6511, não pode ser aceite como gasto fiscal no período de 2019, nos termos do artigo 23º do CIRC. 

Atendendo a que, para efeitos de apuramento do resultado fiscal do período de tributação de 2019, o sujeito passivo havia já acrescido ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, no campo 718, a título de perdas por imparidade em créditos não fiscalmente dedutíveis, o valor de 349.192,17€, o montante objeto de correção é de 1.327.093,94€, conforme quadro seguinte:

 

 

V.2. Outros gastos e perdas não especificados

A conta SNC 688883-Outros gastos e perdas-Outros não especificados-Acordo Grupo F... SGPS, do período de tributação de 2019, regista um saldo a débito no montante de 3.085.199,71€, resultante dos seguintes movimentos contabilísticos:

 

 

V.2.1. Esclarecimentos prestados relativamente ao reconhecimento do gasto de € 3.085.199,71

Conforme esclarecimentos prestados pelo CC no âmbito da presente ação inspetiva, bem como da análise documental, o gasto em causa resulta dos factos a seguir relatados.

Em 9 de março de 2017, a H..., adquiriu as participações no capital social das sociedades A... (objeto de análise), I... e J..., às sociedades D... SGPS e F... SGPS, pertencentes ao Grupo E... .

No contexto daquela transação, a  H...(entretanto adquirida pela sociedade K..., SA, passando a pertencer ao Grupo L...), identificou diversos factos que na sua opinião, consubstanciavam violação das declarações e garantias previstas no âmbito daquele contrato de aquisição das referidas sociedades, o que, no seu entendimento, constituía as vendedoras na obrigação de compensar o Grupo L... .

Para além disso, e na sequência da referida transação foram identificados pela H... um conjunto de créditos que as três sociedades (A... , I... e J...) detinham sobre várias entidades pertencentes ao Grupo E..., sendo o seu pagamento recusado pelas entidades em causa.

Assim, em 9 de março de 2018, a H..., de forma concertada com o A..., apresentou à D... SGPS e F... SGPS uma reclamação (anexo 1 do Acordo Quadro) pelos factos que no seu entendimento, consubstanciavam uma violação das cláusulas previstas no contrato de compra e venda de ações atrás referido e ainda pela existência de créditos em divida por parte das entidades que integravam o anterior grupo acionista (Grupo E...), que as mesmas se recusavam a pagar.

A reclamação apresentada visava tentar recuperar o maior montante possível dos valores em causa, (créditos em dívida e compensação monetária por violação contratual).

No anexo A daquela reclamação consta um mapa com os créditos que as sociedades A..., I... e J..., detinham sobre as entidades relacionadas, que integravam o anterior Grupo D..., cujo montante total ascendia a 3.422 (valores arredondados aos milhares de euros).

Neste contexto a A... e a sua acionista H... conseguiram chegar a um acordo (Acordo Quadro, na contabilidade também denominado Acordo Grupo V...) com a D... SGPS e com a F... SGPS, que, no seu entendimento, lhes permitiu serem ressarcidas de parte dos créditos que se encontravam por liquidar e compensada pela violação contratual, atrás referida, da seguinte forma:

·recebimento em dinheiro dos montantes de 438.686,00€ e de 92.132,00€ (este valor refere-se à sociedade I..., entretanto integrada por fusão na A... com efeitos a 1-01-2019);

· alteração do contrato de cedência de exploração do espaço hospitalar que a A... explora na cidade de ..., para contrato de sublocação, no âmbito da qual se procedeu a uma redução do respetivo preço;

· aquisição de um conjunto de equipamentos em estado de uso pelo valor de 1,00€.

Assim, e conforme esclarecimento prestado, o gasto registado em rubricas de outros gastos não especificados no montante de 3.085.199,71€ reflete os valores que se revelaram necessários suportar pela A... em resultado do acordo alcançado com a D... SGPS e com a F... SGPS, para que se conseguissem obter as vantagens económicas referidas no parágrafo anterior, que no entendimento da sociedade, concorrem para a geração de rendimentos tributáveis.

 

V.2.2. Análise do Acordo Quadro

Como já referido, em 19 de julho de 2019, foi celebrado um Acordo Quadro (em anexo 2), com a intervenção de 6 sociedades, três delas pertencentes ao Grupo L... (H..., I... e A..., entidade inspecionada) e as outras três que integram o Grupo E... (G..., F... SGPS e D... SGPS). 

Este acordo foi celebrado com a finalidade de resolver os diferendos existentes, decorrentes do Contrato de Compra e Venda de Ações, anteriormente referido (das sociedades A..., I... e J...), celebrado em 9 de março de 2017, entre a D... SGPS, e F... SGPS (vendedoras) e a sociedade H... (sociedade mãe da A...) na qualidade de compradora.

Aqueles diferendos haviam conduzido à apresentação, por parte da H..., em 9 de março de 2018, de uma reclamação por violação contratual e ainda por terem sido identificados créditos sobre entidades que se encontravam, antes da celebração do contrato de compra e vendas de ações, numa relação de grupo com as sociedades que controlavam as sociedades adquiridas, dividas essas que conforme referido naquela reclamação não haviam sido incluídos naquele contrato de compra e venda de ações.

Para além disso, aquando da identificação dos factos que, na opinião da H..., consubstanciaram violações das declarações e garantias inerentes ao contrato de compra e venda de ações, aquela entidade procedeu à execução da garantia bancária entregue pela F... SGPS e  D... SGPS, nos termos da cláusula 7 daquele contrato de compra e venda de ações, tendo em março de 2019, o Banco W..., SA (instituição de crédito emitente da Garantia Bancária), procedido ao pagamento de 2.000.000,00€, para a conta bancária da H... .

Decorrente do Acordo Quadro, o contrato de cedência de exploração em vigor entre a G... e o A... foi revogado (cerca de 2 anos e 4 meses após o seu inicio) e na mesma data (19 de julho de 2019) foi celebrado um contrato de sublocação (anexo 4 do Acordo Quadro), constando do ponto 2.3. do mesmo, que a “(…) sublocação tem apenas o Imóvel por objeto, uma vez que todo o equipamento instalado no Imóvel é utilizado e explorado pela A... a título próprio e exclusivo”, 

No âmbito do Acordo Quadro ficou estabelecido nos pontos 4.4 e 4.5, que com a revogação do contrato de cedência de exploração, não haveria lugar à devolução, por parte da G..., do valor correspondente às prestações mensais já pagas em adiantado até dezembro de 2019 e um terço da prestação de janeiro de 2020 e no que concerne aos equipamentos e bens existentes no estabelecimento hospitalar e propriedade da G..., seriam, naquela data, vendidos ao A..., que os comprou, pelo preço de 1,00€ (um Euro).

Com vista a regular a correta afetação dos montantes recebidos pela H..., no âmbito do Acordo Quadro (2.000.000,00€), tendo em conta o proporcional de danos suportados por cada uma das partes, foi acordado entre a H..., a A... e a I... que a A... receberia o montante de 438.686,00€ e a I... 92.132,00€, montantes que foram transferidos, em 31-12-2019, para as respetivas contas bancárias das sociedades.

 

V.2.3. Análise ao gasto de 3.085.199,71€ - Lançamentos na conta SNC 688883

Da análise à contabilidade do período de 2019, documentação de suporte e esclarecimentos prestados no âmbito da ação inspetiva, no que respeita a esta temática, de acordo com o quadro 7, que se reproduz novamente, temos a tecer as considerações a seguir explanadas

 

V.2.3.1. Movimento contabilístico a débito de 2.830.864,76€ (doc. nº 120329)

O lançamento contabilístico com o nº 2019-12-31 00030 120329 (anexo 5), datado de 31-12-2019, que originou o reconhecimento de um gasto na conta SNC 688883-Outros gastos e perdas-Outros não especificados-Acordo Grupo F... SGPS, no montante de 2.830.864,76€ (Quadro 7), com o descritivo de “Acordo Grupo F... SGPS” é o que se resume de seguida:

 

 

Este lançamento contabilístico, traduziu-se na anulação dos saldos de clientes, fornecedores e outros devedores e credores, que eram até à data do contrato de compra e venda de ações anteriormente referido (9-03-2017), entidades relacionadas, uma vez que pertenciam todas ao Grupo E... .

Em 31-12-2019, com base no Acordo Quadro, os saldos daquelas contas, quer devedores (dívidas da A...), quer credores (créditos da A...) foram anulados tendo como contrapartida o reconhecimento de um gasto, no montante de 2.830.864,76€.

Da análise aos extratos contabilísticos daquelas contas que servem de suporte ao movimento contabilístico antes referido, verifica-se que os montantes constantes do quadro infra respeitam a saldos originados por movimentos contabilísticos, com bastante antiguidade.

A maioria dos créditos não resultam da atividade normal da sociedade, como é o caso, por exemplo dos créditos da conta SNC 278110001-X..., S.A., no montante de 998.849,58€, que se referem a empréstimos efetuados pela N... à X... SA, de uma forma direta ou através do pagamento de faturas a fornecedores da X... SA, conforme consta do descritivo dos movimentos contabilísticos que os suportam.

O mesmo sucede com os créditos da conta SNC 278110003-F... SGPS, SA, no montante total de 315.910,29€, que respeitam a empréstimos efetuados pela N... à F... SGPS, entre os anos de 2012 e 2017 e das contas SNC 278110006-... - C. Medicina Dentária, SNC 278110008 Y..., Lda, e SNC 278110009- Z...., Unip., cujos créditos respeitam a empréstimos da  N...àquelas entidades. Os créditos então anulados não são, à luz do artigo 41º do CIRC, considerados como créditos incobráveis, uma vez que não se enquadram em nenhuma das situações elencadas naquele dispositivo legal, nomeadamente por não resultarem de processo de execução, processo de insolvência ou processo especial de revitalização, entre outros.

Nos termos dos artigos 28º-A e 28º B do CIRC, também não poderiam ser reconhecidos como perdas por imparidade em dividas a receber, porque, parte deles não resultam da atividade normal da sociedade e por outro lado, nenhum daqueles créditos se encontra reconhecido na contabilidade como créditos de cobrança duvidosa.

 

V.2.3.2. Movimento contabilístico a crédito de 438.686,00€ (doc. nº 120529)

O crédito na conta SNC 688883-Outros gastos e perdas-Outros não especificados-Acordo Grupo F... SGPS, no montante de 438.686,00€ (Quadro 7) cujo descritivo é “Acordo Grupo V...” tem como contrapartida o débito da conta SNC 1212 – Depósitos à ordem – W...- conta 45504855535 (movimento contabilístico nº 2019-12-31 00030 120529, datado de 31-12-2019 – anexo 6). Este lançamento respeita ao valor recebido pela A..., em resultado da afetação do montante recebido pela H..., no âmbito do Acordo Quadro, conforme anteriormente referido. Contabilisticamente o crédito na conta de gastos, tem o mesmo efeito do reconhecimento de um rendimento.

 

V.2.3.3 Movimento contabilístico a crédito de 693.020,95€ (doc. nº 121049)

O lançamento contabilístico com o nº 2019-12-31 00030 121049, datado de 31-12-2019, que originou o reconhecimento de um gasto na conta SNC 688883-Outros gastos e perdas-Outros não especificados-Acordo Grupo F... SGPS, no montante de 693.020,95€ (Quadro 7) resulta da incorporação por fusão da I... no A..., que como já referido, teve efeitos contabilísticos a 1-01-2019.

Aquele lançamento tem como suporte documental o extrato contabilístico da conta SNC 68886 – Acordo Grupo F... SGPS (anexo 7), da contabilidade da sociedade I..., cujo saldo é devedor, no montante de 693.020,95€, resultante dos seguintes lançamentos contabilísticos:

 

F...

F...

I...

 

Por sua vez, o lançamento contabilístico na contabilidade da I... o, com o nº 2019-12-31 00030 120001 (anexo 8), que reflete um gasto no montante de 785.152,95€, é o que se resume de seguida:

 

I...

 

 

 

 

D...

D...

F...

GG...

F...

I...

 

Na contabilidade da I..., este lançamento contabilístico, traduziu-se na anulação de saldos de fornecedores e outros devedores e credores, que eram até à data do contrato de compra e venda de ações anteriormente referido (9-03-2017), entidades relacionadas, uma vez que pertenciam todas ao Grupo E... .

À semelhança do mencionado relativamente ao A..., em 31-12-2019, os saldos daquelas contas foram todos anulados por contrapartida do reconhecimento de um gasto, no montante de 785.152,95€.

Da análise aos extratos contabilísticos daquelas contas, verifica-se que, os valores constantes do quadro infra respeitam a saldos originados por movimentos contabilísticos, com bastante antiguidade.

A maioria dos créditos não resultam da atividade normal da sociedade, como é o caso, por exemplo dos créditos da conta SNC 272111- Juros a receber - empréstimo, no montante de 843.796,58 €, que se referem a juros decorrentes de empréstimos efetuados pela I... à F... SGPS, reconhecidos entre os anos de 2012 e 2017.

À semelhança do também referido relativamente ao A..., os créditos então anulados na contabilidade da I..., não são, à luz do artigo 41º do CIRC, considerados como créditos incobráveis, nomeadamente por não resultarem de processo de execução, processo de insolvência ou processo especial de revitalização, entre outros, e também não são perdas por imparidade de dividas a receber à luz dos artigos 28º-A e 28º B do CIRC, nomeadamente porque, não resultam da atividade normal da sociedade e não se encontram reconhecidos na contabilidade como créditos de cobrança duvidosa.

Na contabilidade da I..., o crédito na conta SNC 68886- Acordo Grupo F... SGPS, da contabilidade da sociedade I..., no montante de 92.132,00€, cujo descritivo é “Acordo Grupo F... SGPS” tem como contrapartida o débito da conta SNC 1212 – Depósitos à ordem –...- conta 2934.906 (lançamento contabilístico com o nº 2019-12-31 00030 120058, datado de 31-12-2019 - anexo 9). Este lançamento respeita ao valor recebido pela I..., em resultado da afetação do montante recebido pela H..., no âmbito do Acordo Quadro.

Contabilisticamente o crédito na conta de gastos, tem o mesmo efeito do reconhecimento de um rendimento.

Decorre assim do exposto, e em resultado da incorporação por fusão da I... no A..., que o gasto de 693.020,95€ reconhecido na conta SNC 688883-Outros gastos e perdas-Outros não especificados-Acordo Grupo F... SGPS (movimento nº 2019-12-31 00030 121049 da A...), cujo descritivo é “Incorporação por fusão – IMA”, teve por base, a anulação de saldos de fornecedores e outros devedores e credores, que eram até à data do contrato de compra e venda de ações anteriormente referido (9-03-2017), entidades relacionadas, uma vez que pertenciam todas ao Grupo  E... e do recebimento em dinheiro de 92.132,00€, no âmbito do Acordo Quadro.

 

V.2.4. Revogação do contrato de cedência de exploração e celebração do contrato de sublocação

Como referido, no âmbito do Acordo Quadro, foi revogado o contrato de cedência de exploração relativo ao estabelecimento O... que vinha a ser utilizado pelo A... para o exercício da sua atividade.

Refira-se que aquele contrato abrangia para além do próprio imóvel, a generalidade dos equipamentos que permaneciam na titularidade da G... .

Recorde-se que o contrato de cedência de exploração tinha uma duração de 20 anos, correspondente a 240 prestações mensais. O valor de cada prestação ascendia a 150.000,00€, tendo sido pago à cabeça o valor de 5.000.000,00€, que foi imputado às primeiras 33 prestações mensais, e a um terço da 34ª (período de abril de 2017 a janeiro de 2020).

Na sequência da revogação do contrato de cedência de exploração foi celebrado um contrato de sublocação do qual consta no seu ponto 2.3., que a “(…) sublocação tem apenas o Imóvel por objeto, uma vez que todo o equipamento instalado no Imóvel é utilizado e explorado pela A... título próprio e exclusivo”.

No ponto 8.1 do contrato de sublocação ficou estabelecido que a renda mensal a pagar pelo A... à X... pela sublocação seria de 142.500,00€. Conforme pontos 9.1 e 9.2 daquele contrato, a primeira renda que se venceria no mês de fevereiro de 2020 ascenderia a 114.606,91€ e apenas a partir de março de 2020 a renda mensal passaria a 142.500,00€.

Com a alteração dos contratos (cedência para sublocação), e tendo em conta que faltavam 206 prestações para o seu termo, a redução do valor da prestação, de 150.000,00€ para 142.500,00€, no montante total de 1.545.000,00€ (206 * 7.500,00€) traduz o que o A... deixou de pagar relativamente ao equipamento que se encontrava abrangido pelo contrato de cedência de exploração.

Importa referir que na contabilidade da A..., o contrato de cedência de exploração foi, em 2017, registado como um contrato de locação financeira. Conforme informação constante da IES daquele período, o valor do ativo foi calculado com base no valor presente das rendas futuras por um prazo de 20 anos, o que originou o reconhecimento de um ativo no montante total de 19.796.193,00€.

Relativamente ao imóvel, foi, em 31-12-2017, reconhecido, na conta SNC 432313-Edificios e outras construções, o montante de 17.816.573,00€ , e no que respeita ao equipamento, na conta SNC 43331-Equipamento básico- Direitos de utilização, o montante de 1.979.619,00€ (movimento contabilístico de 2017, com o nº 2017-12-31 00030 121185 – anexo 10). 

Conforme mapa de depreciações e amortizações de 2019 (anexo 11), ao imóvel foi atribuída a vida útil de 20 anos e ao equipamento 4 anos. Desde março de 2017, inclusive, tanto o edifício como o equipamento têm vindo a ser depreciados, respetivamente, pelas taxas de 5% e 25%. As depreciações do imóvel relativas a 2017 e 2018, ascendem a um total de 1.633.185,89€ e as do equipamento a 907.325,49€.

No período de 2019, as depreciações do imóvel ascenderam a 890.828,67€ e as do equipamento a 494.904,81€.

 

V.2.5. Aquisição do ativo fixo tangível por 1,00 €

Ainda no âmbito do Acordo Quadro (ponto 4.5.) foi acordado entre as partes que os equipamentos e bens cuja lista se encontra anexa ao contrato de cedência de exploração, os que são propriedade da G... (conforme listados no anexo 7 do Acordo Quadro), foram, na data do contrato vendidos por aquela entidade à A..., que os comprou pelo preço de 1,00€ (um euro).

Note-se que da listagem do referido anexo 7 do Acordo Quadro, os bens vendidos foram os que se encontram identificados com os códigos 0020001 a 0042, uma vez que os outros não eram propriedade da G... .

O reconhecimento deste Ativo foi efetuado, em 31-12-2019, por aquele montante (1,00€) a débito da conta SNC 43311-Equipamento básico, por contrapartida do crédito da conta SNC 7821-Outros Rendimentos e ganhos- Descontos de pronto pagamento obtidos (movimento nº 2019-12-31 00030 120714).

Apesar de solicitada, não nos foi apresentada a fatura que titula aquela aquisição, nem a mesma se encontra anexa àquele lançamento contabilístico.

Refira-se que estes equipamentos e bens já se encontravam reconhecidos na contabilidade da A..., desde 2017, pelo valor de 1.979.619,00€ e vinham a ser depreciados desde então (ponto V.2.4).

Conforme referido no ponto anterior, com a alteração do contrato de cedência de exploração para sublocação, e bem assim da redução do preço da renda de € 150.000,00 para 142.500,00 mensais, o valor de 1.545.000,00€ traduz o que A... deixou de pagar pelos equipamentos e bens referidos, que eram por si já utilizados, no âmbito do contrato de cedência de exploração.

 

V.2.6. Conclusão da análise

Face ao exposto, e em forma de resumo, sintetizam-se de seguida os factos relevantes para a apreciação da situação em apreço – reconhecimento do gasto de 3.085.199,71€ na conta SNC 688883.

Na sequência do contrato de compra e venda da totalidade das ações das sociedades A..., I... e J..., celebrado em 9 de março de 2017, entre a H... (detentora da totalidade do capital social da A...), como compradora e a  D... SGPS e F... SGPS(ambas pertencentes ao grupo E...) como vendedoras, foram identificadas, por parte da compradora (pertencente ao Grupo L...) situações que, no seu entendimento consubstanciavam violação das declarações e garantias previstas no referido contrato e que constituíam as vendedoras na obrigação de compensar o Grupo L... .

Em paralelo, nas sociedades A... e I...(incorporada por fusão na A... com efeitos a 1-01-2019) foi também identificado, um conjunto de créditos detidos sobre entidades que integravam o Grupo E..., que aquelas se recusavam a pagar.

No decurso das negociações (apresentação de uma reclamação por parte da H... e várias reuniões), as partes lograram chegar a acordo (Acordo Quadro) que do lado da compradora, tinha como principal objetivo obter uma compensação por violação contratual e a recuperação dos créditos em dívida, anteriormente referidos.

A compensação obtida pelo A..., no âmbito do Acordo Quadro, conforme esclarecimentos prestados e análise efetuada, traduziu-se no seguinte:

a) recebimento em dinheiro dos montantes de 438.686,00€ e de 92.132,00€ (valor referente à sociedade I..., entretanto integrada por fusão na A... com efeitos a 1-01-2019);

b) alteração do contrato de cedência de exploração do espaço hospitalar que a A... explorava na cidade de ..., para contrato de sublocação, no âmbito da qual se procedeu a uma redução do respetivo preço;

c) aquisição de um conjunto de equipamentos em estado de uso pelo valor de 1,00€.

 

Relativamente ao recebimento em dinheiro, contabilisticamente, o valor foi abatido aos créditos em divida, por parte das entidades que integravam o anterior Grupo E..., para com as sociedades A... e I... . Deste modo, a compensação obtida foi reconhecida na medida em que o valor em dívida foi reduzido (pontos V.2.3.2 e V.2.3.3).

Quanto à alteração do contrato de cedência de exploração para sublocação, tal como já foi demonstrado (ponto V.2.4), a vantagem obtida pelo A... é quantificável, no valor de 1.545.000,00€, que traduz o que o A...  deixou de pagar relativamente aos equipamentos e bens que se encontravam abrangidos pelo contrato de cedência de exploração.

A terceira vantagem obtida, e que também é quantificável, refere-se à aquisição de equipamentos em estado de uso, cujo valor de aquisição foi de 1,00€, evidenciada na contabilidade pelo registo daquele ativo (ponto V.2.5).

Da análise efetuada conclui-se que o Ativo adquirido por 1,00€, já se encontrava reconhecido na contabilidade da A..., desde 2017 e vinha a ser depreciado desde aquele ano (ponto V. 2.4).

Deste modo, a compensação obtida pelo A..., no âmbito do Acordo Quadro, para além das quantias recebidas em dinheiro, cujo montante foi abatido ao total dos créditos detidos sobre empresas do grupo D..., consubstancia-se na aquisição dos equipamentos e bens em estado de uso, que comprou pelo preço de 1,00€ (que já se encontravam reconhecidos na sua contabilidade desde 2017 e se encontravam a ser depreciados) e que está diretamente relacionado com o valor que o A... deixou de pagar relativamente aqueles equipamentos e bens (1.545.000,00€) por efeito da alteração do contrato de cedência de exploração para contrato de sublocação.

Assim, do total do gasto de 3.085.199,71€, reconhecido em rubricas de outros gastos não especificados, (conta SNC 688883), à luz do artigo 23º do CIRC, considera-se gasto fiscal o montante de 1.545.000,00€, na medida em que foi este o encargo fiscal suportado no âmbito do Acordo Quadro, para obter as vantagens económicas acima enunciadas.

Decorre assim do exposto, que à luz do normativo citado, o remanescente do valor de 1.540.199,71€

(3.085.199,71€ - 1.545.000,00€), não concorre para a formação do Lucro Tributável de 2019, porque não foi incorrido ou suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

V.3. Resumo das correções ao Resultado Fiscal

De acordo com o exposto nos pontos anteriores, as correções meramente aritméticas propostas ao Resultado Fiscal de IRC no período de 2019, ascendem a € 2.867.293,65, conforme quadro seguinte:

Decorrente das correções efetuadas, o Lucro Tributável apurado ascende a 10.293,12€, conforme quadro seguinte:

 

Tendo em conta os prejuízos dedutíveis no âmbito do n.º 2 do art.º 52.º do CIRC, a Matéria Coletável corrigida ascende a 3.087,94€ [10.293,12€ – (10.293,12€ * 0,70)].”

 

p)             Na sequência da notificação do RIT, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC n.º 2023..., de 27 de novembro de 2023, e a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., de 29 de novembro de 2023, que apurou o montante de € 4.277,95 a reembolsar; (cfr. “Liquidação Adicional”, junta com o PPA como doc. 4 e RIT).

q)             Em 06-05-2024 a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa (RG), que teve por objeto, exclusivamente, a correção relativa a “Outros gastos e perdas não especificadas”, no valor de € 1.540.199,71; (cfr. doc. junto com o PPA e PA).

r)             Na decisão de Indeferimento da RG, a AT entende que nomeadamente o seguinte:

“31. Conforme refere o RIT, no contexto da operação de compra e venda do capital social da ora Reclamante, a H..., identificou diversos factos que na sua opinião, consubstanciavam violação das declarações e garantias previstas no âmbito do contrato relativo àquela operação, o que, no seu entendimento, constituía as vendedoras na obrigação de compensar o Grupo L... .” (realce no original)

37. Do Acordo-Quadro consta que a sua finalidade era resolver os diferendos existentes entre as partes, decorrentes do Contra de Compra e Venda de Ações celebrado, em março de 2017, entre a D... SGPS e F... SGPS, na qualidade de vendedoras e a sociedade H... na qualidade de compradora, da totalidade das ações das sociedades I..., J... e da N... (atual A...).”

38. Tendo resultado daquele acordo, entre outras situações, a revogação do contrato de cedência de exploração, relativo ao imóvel onde o A... desenvolve a atividade e a celebração de um contrato de sublocação entre a sociedade A... e a G... .”

50. Ainda no âmbito do Acordo Quadro (ponto 4.5.) foi acordado entre as partes que os equipamentos e bens, que faziam parte da Unidade Hospitalar, objeto da cedência de exploração, seriam nesta data transmitidos para A... pelo preço de € 1,00, contudo, e conforme ficou demonstrado no RIT, os mesmos já se encontravam reconhecidos na contabilidade da Reclamante, desde 2017, pelo que valor de € 1.979.619,00 e vinham a ser depreciados desde então.”

59. De facto, de tudo o exposto verifica-se que o Acordo-Quadro foi celebrado não só no interesse da Reclamante mas, acima de tudo, no interesse do Grupo L..., e que por isso o gasto reconhecido pela Reclamante, no montante de € 1.540.199,71 (€ 3.085.199,71 - € 1.545.000,00), não concorre à luz do referido artigo 23.º do CIRC, para a formação do Lucro Tributável de 2019, porque não foi incorrido ou suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, que é o mesmo que dizer, que o gasto foi incorrido no âmbito da prossecução de objetivos alheios.” 

s)              A 4 de outubro de 2024, foi proferido o projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, notificado através do Ofício n.º ...-DJT/2024, de 3 de outubro de 2024, da Divisão de Justiça Tributária da UGC; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).

t)              A Reclamação Graciosa foi indeferida por Despacho da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes de 29 de outubro de 2024, notificado através de carta registada com a mesma data; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).

 

3.2. Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

O juiz (ou árbitro) não está vinculado ao dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, cabendo-lhe antes selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da causa de pedir que sustenta o pedido formulado. Compete-lhe, assim, decidir se tais factos se encontram provados ou não provados, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ambos aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

Por outro lado, nos termos do princípio da livre apreciação da prova, incumbe ao Tribunal formar a sua convicção sobre a factualidade relevante com base na análise crítica dos meios de prova produzidos, ponderando-os à luz da sua experiência e conhecimento da realidade envolvente.

Assim, o presente Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à matéria de facto provada, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, nos termos do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como a prova documental constante dos autos.

 

4. Matéria de direito

4.1. Questões a decidir

No presente Processo Arbitral está em causa a apreciação da dedutibilidade, para efeitos fiscais, dos gastos incorridos pela Requerente, à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), o qual consagra a regra geral de dedutibilidade fiscal dos gastos que contribuam para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora.

A outra questão relevante a apreciar é a do ónus da prova, nos termos dos artigos 74.º e 75.º da Lei Geral Tributária (LGT), que impõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o encargo de demonstrar que os gastos em causa não cumprem os requisitos de dedutibilidade fiscal.

Em concreto, há que analisar se cabe à AT provar que tais gastos não possuem nexo causal com a atividade da Requerente nem com a obtenção de rendimentos, ainda que não se exija uma conexão direta com um rendimento específico.

E, se nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, são fiscalmente dedutíveis os gastos que contribuam para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, a exclusão da dedutibilidade apenas se justificará quando a AT consiga demonstrar, com base em elementos objetivos e consistentes, que os gastos não foram efetivamente incorridos ou que foram realizados exclusivamente no interesse de terceiros, sem qualquer benefício para a Requerente.

 

4.2. Apreciação

O artigo 23.º CIRC, e na redação em vigor em 2019, dispõe: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

A reforma de 2014 eliminou a “indispensabilidade” em sentido estrito; o critério é a conexão com a atividade e o interesse da empresa, e não um juízo de mérito sobre a gestão.

 

1) Correções fiscais propostas pela AT no RIT (relativo ao exercício de 2019)

O RIT apontou duas correções (convertendo o prejuízo fiscal de €2.857.000,53 em lucro tributável de €10.293,12) (RG):

(a) Imparidade de dívidas a receber – €1.327.093,94 (RG);

(b) “Outros gastos e perdas não especificadas” – €1.540.199,71, resultantes de um gasto total de €3.085.199,71 ligado ao Acordo-Quadro que resolveu litígios da aquisição e converteu a anterior cedência de exploração em sublocação, incluindo a transmissão de equipamentos por €1,00 (RG e PPA).

A AT aceitou apenas €1.545.000,00 por entender traduzir a “vantagem económica” (poupança) da nova sublocação, desconsiderando o remanescente €1.540.199,71 ao abrigo do artigo 23.º CIRC por alegado interesse alheio (grupo), conforme a Decisão de Indeferimento - Of. n.º ...-DJT/2024, de 29-10-2024).

 

2) Correções aceites na Reclamação Graciosa (RG) e as mantidas pela AT

A Requerente na Reclamação Graciosa impugnou apenas a correção (b) de €1.540.199,71, não abrangendo a imparidade (a), que assim ficou aceite e consolidada (RG). Como suprarreferido a AT indeferiu a RG e manteve a correção (b), conforme a decisão de indeferimento da RG).

 

3) Fundamentação jurídica da RG (correção €1.540.199,71)

O contexto económico-jurídico do gasto: o Acordo-Quadro pôs termo a divergências da aquisição (2017/2018), garantiu sublocação do imóvel em condições mais favoráveis, e a transmissão de equipamentos por €1,00, em contrapartida da limitação/renúncia a outras pretensões indemnizatórias; o total de €3.085.199,71 foi reconhecido no exercício de 2019 como “outros gastos e perdas”, sendo indeferida pela AT a parcela de €1.540.199,71.

Como  suparreferido, relativamente ao teor do artigo 23.º do CIRC, a reforma de 2014 eliminou a “indispensabilidade” em sentido estrito; sendo o critério a conexão com a atividade e o interesse da empresa, não um juízo de mérito sobre a gestão.

Assim, a AT não pode substituir-se à gestão avaliando oportunidade/mérito; basta que o gasto seja real, suportado e ligado à exploração da “fonte produtora”, tem de respeitar a autonomia e a gestão dos sujeitos passivos.

No que respeita ao Acordo-Quadro, importa sublinhar a sua natureza unitária, não sendo juridicamente admissível a sua fragmentação com vista à aceitação exclusiva da componente de “poupança” (€1,545M), em detrimento das restantes obrigações. Tal poupança decorre da existência de uma contrapartida - consubstanciada em renúncias ou limitações - que, por sua vez, origina o dispêndio remanescente, conforme resulta dos factos dados como provados por este Tribunal Arbitral.

Importa salientar, quanto à evidência contabilística, que os valores se encontram devidamente suportados em registos, sendo que os créditos em causa se tornaram incobráveis em virtude do acordo celebrado. Conforme resulta da exposição constante no Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e no Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa (RG), a Autoridade Tributária (AT) não contestou a efetividade dos registos contabilísticos, tendo apenas questionou a dedutibilidade fiscal dos gastos neles inscritos.

Conforme já referido, a Requerente sustenta no Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) que a controvérsia em apreço é de natureza eminentemente jurídica, centrando-se na interpretação do artigo 23.º do CIRC. Alega que os gastos incorridos servem diretamente os interesses da A..., na medida em que visam garantir condições de exploração mais favoráveis e a redução de custos futuros. Ora, do teor do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e do Despacho de indeferimento da RG, importa salientar que a Autoridade Tributária (AT), ao qualificar o acordo celebrado, não contestou a sua existência ou validade, mas antes questionou a natureza dos gastos para efeitos de dedutibilidade fiscal. Refere a Requerente que “acima de tudo, no interesse do Grupo L...” não se podem sustentar face à realidade económica da A... . Sublinhe-se que os equipamentos por €1,00 já estavam contabilizados desde 2017 (regularização jurídica, não “enriquecimento”) e que a vantagem aceite pela AT (poupança) é indissociável da contrapartida. 

A Requerente sustenta que a invocação do “interesse do Grupo L...” não se revela compatível com a realidade económica da A..., enquanto entidade jurídica autónoma. Importa sublinhar que os equipamentos contabilizados por €1,00 já se encontravam registados desde 2017, no âmbito de uma regularização jurídica, não configurando qualquer forma de enriquecimento injustificado. Acresce que a vantagem reconhecida pela Autoridade Tributária - designadamente a poupança de €1,545M - é indissociável da contrapartida assumida no acordo, sendo esta relação de reciprocidade essencial para a compreensão da natureza e da substância económica da operação.

 

Assim, este Tribunal Arbitral reconhece fundamento à pretensão da Requerente, julgando procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como a anulação parcial da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2019, na parte correspondente ao montante de €1.540.199,71.

 

5) Jurisprudência do CAAD relevante (artigo 23.º CIRC; reestruturações; “interesse do grupo”)

A orientação dominante nas decisões do CAAD desde 2014 tem sido no sentido de interpretar o artigo 23.º do Código do IRC como exigindo uma conexão efetiva entre os gastos e a atividade ou interesse direto da empresa. Nesse enquadramento, a Autoridade Tributária apenas poderá excluir despesas que se revelem manifestamente alheias à atividade empresarial ou que não estejam devidamente comprovadas. Não é admissível a utilização do artigo 23.º como uma norma de carácter geral “anti abuso”, sobretudo quando estão em causa operações Intra grupo, as quais devem ser apreciadas à luz das disposições específicas aplicáveis, designadamente as relativas aos preços de transferência.

Relativamente aos encargos associados a processos de reestruturação ou aquisição, quando orientados de forma racional à geração ou garantia de rendimentos, pronunciou-se o Tribunal Arbitral no Processo n.º 624/2022-T. Nesse aresto, foi afirmado que os encargos financeiros decorrentes de operações de aquisição ou de fusão inversa são fiscalmente dedutíveis, desde que, à data em que foram incorridos, se mostrassem aptos a potenciar rendimentos futuros para a entidade adquirente.

É afirmado nessa decisão arbitral:

“(...) Embora a nova redação tenha afastado o requisito de indispensabilidade do gasto, continua a ser exigível, para a sua relevância fiscal, a conexão entre os gastos e o interesse empresarial, ainda que não significando uma necessária relação causal entre os gastos e os rendimentos.

Tem-se como assente e constitui entendimento jurisprudencial firme que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, apenas podendo desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (cfr. acórdão do STA de 24 de setembro de 2014, Processo n.º 0779/12, e, no mesmo sentido, o acórdão do STA (Pleno) de 27 de junho de 2018, Processo n.º 01402/17).

Nessa mesma linha de entendimento, o STA, referindo-se ao antigo conceito de indispensabilidade, e chamando a atenção para o carácter casuístico do seu preenchimento, formula o seguinte critério:

“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução, mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

Vindo o mesmo aresto a concluir que, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa” (acórdão de 29 de março de 2006, Processo n.º 1236/05).

Em síntese conclusiva, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).

É nesse âmbito compreensivo que se enquadra a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 30 de junho de 2013).”

No que respeita ao ónus da prova, nos termos dos artigos 74.º e 75.º da Lei Geral Tributária (LGT), impõe-se afirmar que incumbe à Autoridade Tributária (AT) demonstrar a não dedutibilidade fiscal dos gastos contabilisticamente registados. Neste sentido, importa destacar o entendimento vertido no Processo n.º 79/2022-T, cujo sumário estabelece que: “É à AT que cabe demonstrar que o gasto contabilisticamente registado não é fiscalmente dedutível. Reverte contra a AT a dúvida fundada sobre a dedutibilidade fiscal do gasto contabilisticamente registado nos termos da lei.”

E, mais afirma: 

Nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 

58. Por outro lado, nos termos do nº 1 do art. 75º da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. 

(...)

60. Cabe ao contribuinte demonstrar perante a administração fiscal, através da contabilidade, a realidade dos gastos em que incorreu.

61. É à AT, no entanto, que cabe demonstrar o gasto contabilisticamente registado não ser fiscalmente dedutível. Reverte contra a AT a dúvida fundada sobre a dedutibilidade fiscal do gasto contabilisticamente registado nos termos da lei.

65. Outra solução contrariaria o sentido do nº 1 do art. 23º do CIRC. 

66. Implicaria, por outro lado, uma intromissão não justificada nos critérios de gestão da empresa a ideia, implícita na posição da Requerida, de que, a partir do momento em que a empresa regista, ainda que pontualmente, por exemplo, no termo do exercício, excedentes de tesouraria, os encargos com empréstimos bancários anteriormente contratados deixam de poder ser aceites como custos de exercício por não caberem no conceito de gasto do nº 1 do art. 23º do CIRC.”

 

Da análise do RIT  e da decisão de indeferimento da RG, conclui-se que a Autoridade Tributária (AT) não conseguiu demonstrar a não dedutibilidade dos custos em causa, os quais foram devidamente registados pela Requerente na sua contabilidade, sem que a esta tenha sido apontada qualquer irregularidade.

O artigo 23.º do Código do IRC não constitui uma norma “anti abuso” de aplicação genérica. Conforme decidido no Processo n.º 695/2015-T, quando a divergência é de natureza económica - como sucede, por exemplo, com preços ou juros praticados em operações Intra grupo - a análise deve ser efetuada com base nas normas específicas aplicáveis, designadamente as relativas aos preços de transferência, não podendo o artigo 23.º ser utilizado para justificar uma exclusão ampla de custos devidamente registados na contabilidade.

 

Assim, impõe-se concluir que a Autoridade Tributária (AT) apenas poderia ter excluído os gastos em causa se tivesse demonstrado que os mesmos careciam de qualquer afinidade com a atividade da Requerente, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC. Neste sentido, importa referir o entendimento vertido no Processo n.º 37/2023-T, segundo o qual apenas podem ser excluídos os custos que não apresentem qualquer conexão com a atividade desenvolvida, o simples enquadramento “de grupo” não basta para negar a dedução.

 

Em síntese, a divergência entre as partes reside exclusivamente na interpretação jurídico-fiscal dos factos à luz do artigo 23.º do Código do IRC. A Autoridade Tributária (AT) não alegou, nem provou, a existência de qualquer atuação concertada entre as entidades envolvidas com vista à obtenção de um acordo fraudulento. Do mesmo modo, não logrou provar que o montante em causa carece de conexão com a atividade da Requerente ou que foi despendido exclusivamente em benefício de terceiros.

Pelo exposto, este Tribunal Arbitral considera o pedido arbitral integralmente procedente.

 

5. Do pedido subsidiário - a relevância do valor das lojas

A Requerente no PPA peticiona como pedido subsidiário:

“a correção imposta pela AT no RIT relativamente a Outros gastos e perdas não especificadas, no valor de € 1.540.199,71, resulta do facto de a AT ter optado por dividir as diferentes “vantagens económicas” resultantes do Acordo-Quadro, para a ora Requerente, aceitando apenas os gastos atribuíveis àquelas que considerou serem vantagens “efetivas”

Em concreto, e tal como resulta do ponto 49. da Decisão de Indeferimento, do valor total do gasto que a ora Requerente considerou fiscalmente dedutível, no valor de € 3.085.177,71, a AT aceitou a dedutibilidade do montante de € 1.545.000,00, que em seu entendimento “traduz o que o A... deixou de pagar relativamente ao equipamento que se encontrava abrangido pelo contrato de cedência de exploração”, mas não o valor remanescente,

Com efeito, tal como resulta do Considerando H) do Acordo-Quadro (cf. Anexo 2 do RIT):

“No contexto das negociações que têm decorrido entre as Partes, com finalidade de resolver os diferendos existentes no contexto do Contrato de Compra e Venda de Ações e do Contrato de Cedência de Exploração, as Partes resolveram chegar a acordo quanto à Reclamação e quanto à revogação do Contrato de Cedência de Exploração, mediante o pagamento dos € 2.000.000,00 (dois milhões de Euros) decorrente de execução da garantia referida no Considerando (D) e a celebração de um contrato de sublocação conforme previsto neste Acordo Quadro referente ao Imóvel (incluindo as Lojas), bem como à revogação da Autorização de Utilização;” (realce da Requerente)

Sublinhando-se que, para efeitos do Acordo-Quadro (vd. definição na p. 3) “«Lojas» significa os espaços identificados e com a configuração e limites constantes da planta constante do Anexo 6 ao presente Acordo-Quadro.”

Quer isto dizer, portanto, que para além da exploração do estabelecimento hospitalar, tal como já estava contemplada no contrato de cedência de exploração, ao abrigo do Acordo- -Quadro e, subsequentemente, do contrato de sublocação, a Requerente passou a dispor de um título jurídico para explorar também várias lojas, o que antes não sucedia,

O que, evidentemente, também traduz uma “vantagem económica” para a Requerente.

Essa vantagem ascende, de acordo com a estimativa da Requerente, ascende a € 437.264,52.

Ora, partindo desta valorização – que, como se avançou, foi efetuada por uma entidade independente, e de acordo com as práticas normais de mercado para efeitos de avaliação de imóveis ao justo valor –, facilmente se conclui que à disponibilização das lojas é atribuível, pelo menos, o valor de € 437.264,52, conforme se alcança do quadro-resumo que se junta como Doc. n.º 17.

E este valor – ou, segundo a AT, esta “vantagem económica” – não existiria para a ora Requerente se não tivesse sido celebrado o Acordo-Quadro.

Por todo o exposto, caso este Douto Tribunal não admita a dedutibilidade do gasto corrigido pela AT, no valor de € 1.540.199,71, por todos os factos e fundamentos supra expostos – o que apenas se admite a benefício de raciocínio, e sem conceder –,

Deve, ainda assim, ser considerado procedente o presente pedido subsidiário, no sentido da anulação parcial da correção contestação, pelo valor de – pelo menos – €437.264,52, decorrente do alargamento da área de exploração do estabelecimento hospitalar, ao abrigo do contrato de sublocação”.

 

Tendo este Tribunal Arbitral decidido pela total procedência do pedido principal formulado pela Requerente, fica prejudicada a análise do pedido subsidiário.

Com efeito, o pedido subsidiário foi formulado pela Requerente apenas para o caso de improcedência do pedido principal, cfr. artigo 554, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º e).

 

6. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral e, em consequência:

a) Anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2024...;

b) Anular a Liquidação Adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2023-... e demonstração de acerto de contas n.º 2023-..., referentes ao exercício de 2019;

c) Condenar a Autoridade Tributária ao pagamento das custas do processo.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 296.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao presente processo o valor de €1.540.198,71, conforme indicado pela Requerente, sem que tenha havido oposição por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.502,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 25 de setembro de 2025

 

Os Árbitros

 

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)

 

 

(João Cruz – Adjunto)

 


(André Festas da Silva – Adjunto)

 



[1] Este resultado compreende as correções efetuadas pela IT, ao abrigo das ordens de Serviço internas OI2020... e OI2021..., no montante total de 367.323,80€ que foram regularizadas voluntariamente pelo sujeito passivo. O prejuízo fiscal inicialmente declarado pela sociedade foi de 3.224.324,33 €.