SUMÁRIO
1. A derrama municipal é um imposto que incide sobre os rendimentos tributáveis e não isentos de IRC, na proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes, bem como não residentes com estabelecimento estável em Portugal, que aí exerçam atividade comercial, industrial ou agrícola.
2. Os rendimentos gerados fora do território nacional devem ser excluídos da base de cálculo da derrama municipal.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na..., n.º..., ..., ...... Lisboa, apresentou, em 20-01-2025, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa em que pretendia fosse declarada a ilegalidade parcial das autoliquidações de IRC, no que respeita à derrama municipal, relativamente aos exercícios de 2021 e 2022, no valor total de 1.084.628,92 €.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-01-2025.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 11-03-2025 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 31-03-2025.
3.4. Na sequência da renúncia de um dos árbitros-adjuntos, o Sr. Presidente do Conselho Deontológico procedeu, por despacho de 09-05-2025, à sua substituição, a qual se efectivou em 28-05-2025.
3.5. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.6. Por despacho de 09-06-2025 foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e as partes notificadas para apresentarem alegações, querendo.
3.7. As partes apresentaram alegações tendo nelas reiterado as suas posições.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade parcial com o acto de liquidação de IRC impugnado, no que respeita à derrama municipal dos exercícios de 2021 e 2022, sendo objecto imediato do seu pedido a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentado relativamente ao mesmo, sustentando, em suma, que:
Em 29 de Agosto de 2022, procedeu à apresentação da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 referente ao exercício de 2021, sendo que apresentou ainda declarações de substituição.
E em 29 de Agosto de 2023 procedeu à apresentação da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 referente ao exercício de 2022, sendo que apresentou ainda declaração de substituição.
A requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2021 e 2022, tendo sido notificada do indeferimento da mesma.
Os actos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os actos de autoliquidação de IRC (derrama municipal) da requerente relativos aos exercícios de 2021 e 2022, na medida em que estas autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama municipal indevidamente suportada sobre rendimento obtido no estrangeiro.
Pretende que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação de IRC e que sejam consequentemente anulados –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à parte dos referidos actos de autoliquidação que reflectem a liquidação indevida de derrama municipal suportada sobre rendimentos obtidos no estrangeiro, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 556.421,45 (2021) e € 528.207,47 (2022), num total de € 1.084.628,92.
O lucro tributável por si apurado por referência aos citados períodos de tributação de 2021 e 2022 teve em consideração rendimentos obtidos no estrangeiro, partes integrantes do resultado líquido do exercício da requerente inscrito nas suas Declarações de Rendimentos IRC Modelo 22, decorrentes de prestações de serviços a sociedades integrantes do grupo multinacional F... sedeadas e a operar fora de Portugal (no estrangeiro), designadamente serviços de manutenção e otimização de torres e outros equipamentos de telecomunicações, gestão e operacionalização de redes de telecomunicações, suporte técnico na operacionalização dos sistemas informáticos de telecomunicações, realização de testes em equipamentos e redes, etc.
A consideração dos referidos rendimentos obtidos no estrangeiro no apuramento da derrama municipal da requerente em cada um dos exercícios de 2021 e 2022 em causa, resultou de imposição do próprio sistema informático da AT, porquanto no quadro 3, do Anexo A (“Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC obriga-se a proceder à indicação do lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração.
Concretamente, quanto ao exercício de 2021 foi liquidada derrama municipal em excesso no montante de € 556.421,45, na medida em que a derrama municipal apurada no montante de € 1.090.394,26 (campo 364 do quadro 10)não seria apurada não fora a inclusão automática na base tributável pela Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 de todos os rendimentos, incluindo os obtidos no estrangeiro que ascenderam a € 37.323.782,25.
E quanto ao exercício de 2022, foi liquidada derrama municipal em excesso no montante de € 528.207,47, na medida em que a derrama municipal apurada no montante de € 1.765.672,09 (campo 364 do quadro 10) não seria apurada não fora a inclusão automática na base tributável pela Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 de todos os rendimentos, incluindo os obtidos no estrangeiro que ascenderam a € 35.438.573,28.
Resulta do artigo 18º do RFAL que a derrama municipal, constituindo uma receita municipal (nos termos do artigo 14.º do daquele regime), tem como base relevante para o seu apuramento o lucro tributável sujeito e não isento de IRC que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica.
É evidente que a derrama municipal tem unicamente por referência os rendimentos imputáveis aos municípios situados em território português e não quaisquer rendimentos que sejam imputáveis a outras localizações, resultando claro da letra da lei que o âmbito de sujeição da derrama municipal se encontra limitado ao lucro tributável imputável a rendimentos gerados em cada um dos municípios existentes em território nacional e nos quais o sujeito passivo desenvolva a sua actividade.
Resultando forçosamente, a contrario sensu, que sobre os rendimentos gerados fora da circunscrição geográfica de Portugal não deverá incidir qualquer derrama municipal.
A parcela do lucro tributável que corresponda a rendimentos auferidos fora do território nacional e, por inerência, fora da circunscrição de cada um dos municípios do território português (como é o caso dos rendimentos obtidos no estrangeiro por serviços prestados a não residentes), deverá encontrar-se excluída de tributação em sede de derrama municipal.
Esta é a conclusão que se impõe, e que tem vindo a ser propugnada pela jurisprudência dos tribunais judiciais superiores e dos tribunais arbitrais nesta matéria.
Do exposto resulta inequivocamente, em consonância com a jurisprudência fixada pelo STA e unanimemente seguida pelos tribunais arbitrais, que são ilegais as autoliquidações de IRC (derrama municipal) respeitantes aos exercícios de 2021 e 2022 da requerente, por violação do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro (Regime Financeiro das Autarquias Locais), na redacção em vigor à data dos factos, na medida em que incorporam derrama municipal liquidada em excesso (porque liquidada sobre rendimentos obtidos no estrangeiro) no montante de € 556.421,45 (2021) e de € 528.207,47 (2022), num total de € 1.084.628,92 de derrama municipal aqui em causa suportada em excesso pela requerente.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, nos seguintes termos:
- A questão a dirimir consiste em determinar se os rendimentos obtidos no estrangeiro devem ser, ou não, excluídos no cálculo da derrama municipal das sociedades residentes em território nacional, subtraindo-os ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC apurado, conforme arguido pela Requerente.
A Requerente pretende excluir, simplesmente, o total das prestações de serviço efectuadas a partir de Portugal para clientes no estrangeiro e que resultam directamente do exercício do seu objeto social, rendimentos para os quais contribuiu tanto o seu património (ativos e passivos), como toda a sua estrutura organizacional, com sede e direcção efectiva em território nacional e cujos gastos suportados afectaram negativamente o apuramento do resultado tributável.
Não se concebe, pois além de total ausência de suporte legal, é por demais evidente que para a obtenção de tais rendimentos referentes a prestações de serviços efectuadas a partir do território nacional para clientes no estrangeiro, foram inevitavelmente suportados pela Requerente, conforme evidenciado no apuramento do resultado líquido do exercício, evidenciado na demonstração de resultados, gastos directos e indirectos, por exemplo gastos com pessoal, gastos com fornecimentos e serviços externos, depreciação e amortizações de activos utilizados no exercício de toda a actividade, encargos financeiros suportados com a aquisição dos activos, e demais encargos suportados.
O entendimento defendido pela Requerente e por alguma jurisprudência apresenta, para além do mais, incongruências relevantes porquanto, colide com disposições legais vigentes no nosso ordenamento jurídico bem como fundamentos doutrinais plasmados em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e por outro lado obrigará a outras operações e meios de prova para dar cumprimento cabal ao entendimento defendido de que a derrama municipal não incidirá sobre a parcela da lucro tributável atinente aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
Sucede que não estamos perante estabelecimentos estáveis situados no estrangeiro, mas tão somente perante prestações de serviços realizadas pela Requerente a partir do território nacional, para adquirentes/clientes localizados fora de Portugal.
Ou seja, claramente, o lugar onde efectivamente é levada a cabo a atividade geradora do rendimento é no território nacional, não sendo relevante, para o caso, o local onde se situa a entidade devedora ou a pagadora.
Acresce ainda referir que, a derrama municipal é, desde 2007, um adicionamento relativamente ao IRC, na medida em que deixou de incidir sobre a colecta deste imposto para passar a incidir sobre o lucro tributável. Significa isto que poderá haver lugar ao pagamento de derrama municipal sem que haja lugar ao pagamento de IRC.
Pelo que, e como é bom de ver, terão de ser aplicadas em sede de derrama municipal, as regras de incidência previstas pelo legislador para o IRC, conforme artigo 4.º, n.º 1, do CIRC, relativo à extensão da obrigação de imposto, determina que “[r]elativamente às pessoas colectivas e outras entidades com sede ou direcção efectiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.
Questão diferente, e igualmente fundamental para a lide, é perceber se os rendimentos de fonte estrangeira foram efectivamente gerados no exterior, na medida em que são imputáveis a estabelecimento estável situado no estrangeiro, ou se são apenas oriundos do exterior.
Sem conceder, a aceitar-se a hipótese no que toca ao expurgo da base de incidência da derrama municipal do lucro tributável comprovadamente obtido em resultado dos rendimentos imputáveis a estabelecimento estável no estrangeiro, para efeitos de cálculo de derrama municipal, no que se refere às exigências de prova, entendemos, salvo melhor opinião, as mesmas não se encontram verificadas nos presentes autos.
Não se concebe o entendimento perfilhado pela Requerente quando pretende retirar ao lucro tributável (que é composto pela diferença entre rendimentos e gastos, ajustado pelas variações patrimoniais e outros previstos no CIRC (Quadro 07 da Modelo 22) uma parcela de rendimentos brutos (prestações de serviços efectuadas a clientes estrangeiros) sem qualquer consideração sobre os gastos suportados nessa actividade que originou os rendimentos.
Assim, e sem conceder, entendemos que a Requerente não cumpriu o ónus da prova que lhe compete, uma vez que junta somente, as declarações de rendimento Modelo 22 IRC (DM22) e Informação Empresaria Simplificada (IES) dos exercícios de 2021 e 2022 (já na posse da Requerida), não juntando quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado naquelas operações realizadas para clientes estrangeiros.
Acresce que se o crédito por dupla tributação internacional pode ser deduzido à fracção da coleta da derrama municipal originado por rendimentos obtidos no estrangeiro é porque na base de cálculo da derrama estão incluídos não só os rendimentos (e gastos) provenientes do território Português, mas também os que tiveram origem no estrangeiro.
A aplicar-se o disposto no n.º 1 e n.º 2 do Art.º 18.º º do RFALEI, o cálculo utilizado pela Requerente, não é uma hipótese prevista na lei, somente o cálculo relativo ao lucro tributável com base na proporção definida na lei.
II – SANEAMENTO
6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. Não foram suscitadas excepções que obstem à apreciação da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se como provados, de acordo com o juízo que o tribunal considera com relevo para apreciação e decisão da causa (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território português sendo sujeito passivo de IRC.
b) Em 29-08-2022 apresentou declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - Modelo 22, referente ao exercício de 2021, tendo apresentado declarações de substituição em 26-05-2023 e 15-11-2023.
c) Nessa declaração de rendimentos, a Requerente declarou, no campo 364, do quadro 10, o montante de 1.090.394,26 € a título de derrama municipal.
d) Em 29-08-2023 a Requerente apresentou declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2022 e uma declaração de substituição em 24-10-2024.
e) Nessa declaração de rendimentos, a Requerente declarou, no campo 364, do quadro 10, o montante de 1.765.672,09 € a título de derrama municipal.
f) O lucro tributável apurado por referência aos aludidos anos de 2021 e 2022 teve em consideração rendimentos obtidos no estrangeiro, os quais integraram o resultado líquido daqueles exercícios da Requerente.
g) Os rendimentos com fonte no estrangeiro resultaram de prestações de serviços a sociedades integrantes do grupo multinacional F... sedeadas e a operar fora de Portugal – a B... Ltd, e a C... Ltd, no Reino Unido, e a D..., na Albânia – designadamente, serviços de manutenção e optimização de torres e outros equipamentos de telecomunicações, gestão e operacionalização de redes de telecomunicações, suporte técnico na operacionalização dos sistemas informáticos de telecomunicações, realização de testes em equipamentos e redes, etc, e de uma nota de crédito emitida à E... .
h) Os rendimentos obtidos no estrangeiro através daquelas entidades ascenderam aos seguintes montantes:
Em 2021:
Em 2022:
i) A derrama municipal calculada pela Requerente relativamente aos rendimentos com fonte no estrangeiro foi de 556.421,45 €, na declaração relativa ao exercício de 2021 e de 528.207,47 €, relativa ao exercício de 2022.
j) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto autoliquidado nas aludidas declarações de rendimentos.
k) A Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente às autoliquidações de IRC respeitantes aos exercícios de 2021 e 2022, a qual foi tramitada sob o n.º ...2024... .
l) Tal reclamação graciosa foi objecto de despacho de indeferimento do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por subdelegação de competências, em 21-10-2024, o qual concluiu nos seguintes termos:
(…)






m) A Requerente foi notificada de tal despacho de indeferimento por registo postal expedido em 23-10-2024.
B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, bem como do processo administrativo junto aos autos.
- Matéria de Direito
A questão a apreciar no presente pedido arbitral reconduz-se em determinar se os rendimentos provenientes de fonte estrangeira auferidos pela Requerente, nos exercícios fiscais de 2021 e 2021, devem ou não ser integrados na base de incidência da derrama municipal.
Ou seja, em saber se se a derrama municipal, constante do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (RFALEI), incide apenas sobre o lucro tributável, em sede de IRC, gerado na área geográfica em que as pessoas colectivas tenham a sua sede em território nacional ou, também, sobre o lucro tributável que resulte do exercício da sua actividade económica no estrangeiro.
No que ao caso releva, dispõe o artigo 18º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (RFALEI):
“Derrama
1 - Os municípios podem deliberar lançar uma derrama, de duração anual e que vigora até nova deliberação, até ao limite máximo de 1,5 /prct., sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.
2 - Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50 000 o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.
(…)
13 - Nos casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 125.º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.
Em abono da sua tese, argumenta a Requerente que a derrama municipal apenas deve incidir sobre os rendimentos imputáveis aos municípios situados em território português, pelo que os rendimentos de fonte estrangeira, por não serem gerados na circunscrição de nenhum daqueles municípios, deverão ficar fora do seu âmbito de incidência.
Por seu turno, sustenta a Requerida que a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica de cada município (sendo que caso não seja possível a repartição entre diferentes municípios, a mesma é devida apenas em função da área da sede do sujeito passivo). Para assim concluir que, inexistindo qualquer norma que disponha no sentido de que os rendimentos provenientes do exterior estão excluídos de tributação, deverá aquele tributo recair também sobre o lucro tributável (diferença entre os rendimentos e gastos) apurado em operações económicas realizadas no estrangeiro.
Relativamente à questão em apreço temos presente o Acórdão do STA, de 13-01-2021, proferido no processo n.º 03652/15.3BESNT 0924/17, no sentido de que a derrama municipal - ainda que por regra incida sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC – tem de, quando possível, efectuar a destrinça entre os rendimentos gerados na área geográfica do município que a lança (cobra) e os rendimentos que foram obtidos fora do território português, sendo que estes últimos devem ser excluídos daquela base de incidência.
Não olvidamos, de igual modo, o que decidiu o mesmo Supremo Tribunal, em acórdão de 02-04-2025, proferido no processo n. 0560/22.5BEALM, que considera que os montantes pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo fora do território nacional (sejam dividendos, juros, ou contrapartida da prestação de serviços fora do território nacional), que não sejam imputáveis a sucursal ou estabelecimento estável do sujeito passivo no estrangeiro, incluem-se no âmbito de incidência da derrama municipal.
Todavia, perfilhamos o que se defende no primeiro dos arestos citados, quando dispõe:
- Numa formulação sintética, a discórdia reside na questão de saber se, para efeitos de autoliquidação de derrama municipal, incidente, consensualmente, sobre “o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)” (Cf. art. 14.º n.º 1 da Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro (Lei da Finanças Locais, em vigor no ano de 2010).), há (ou não) lugar, no respetivo cálculo/apuramento, à destrinça entre rendimentos tributáveis com (e sem) origem em atividades exercidas nos municípios/freguesias portuguesas.
Em breve excursão legislativa (pelos tempos mais próximos), o artigo (art.) 18.º n.º 1 da Lei n.º 42/98 de 6 de agosto, que estabeleceu o regime financeiro dos municípios e das freguesias, na sequência de o art. 16.º alínea (al.) b) identificar como receita dos municípios “O produto da cobrança de derrama lançada nos termos do disposto no artigo 18.º;”, permitia-lhes que, anualmente, pudessem lançar uma derrama, até ao limite máximo de 10% sobre a coleta do IRC, que proporcionalmente correspondesse ao rendimento gerado na sua área geográfica … Este diploma foi, expressamente, revogado, pelo art. 64.º n.º 1 da Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro - intitulada Lei das Finanças Locais (LFL) (Presentemente, esta, também, se encontra, já, revogada, vigorando, desde 1 de janeiro de 2014, o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI), estabelecido pela Lei n.º 73/2013 de 3 de setembro, cujos arts. 14.º al. c) e 18.º n.º 1, no essencial, reproduzem, “ipsis verbis”, os arts. 10.º al. b) e 14.º n.º 1 da LFL.)-, cujos arts. 10.º al. b) e 14.º n.º 1 passaram a estatuir:
“O produto da cobrança de derramas lançadas nos termos do disposto no artigo 14.º;”
“Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica …”»
Atento a esta evolução legislativa, o STA, com expressão, entre outros, no acórdão de 2 de fevereiro de 2011 (0909/10) (Que se debruçou, nuclearmente, sobre hipótese de anulação de derrama, autoliquidada em declaração de rendimentos de IRC, respeitante ao exercício de 2008, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.), desde logo, perfilhou e explicitou, o entendimento de que com a Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro, a partir do início desse ano, a derrama passava a ser calculada por aplicação de uma taxa ao lucro tributável, em vez da coleta, de IRC, perdendo, assim, a natureza de imposto extraordinário e deixando de ser um adicional ao IRC para passar a ser um adicionamento. “A circunstância, porém, de a derrama sempre ter prefigurado um mero imposto adicional, assente sobre as regras de incidência e liquidação dos impostos da administração central, levou a que a sua disciplina legal se mantivesse relativamente ligeira. (…). É certo que, de acordo com a actual redacção da LFL de 2007, se trata claramente de um imposto autónomo em relação ao IRC, pois todos os seus elementos estruturantes ora resultam da lei (sujeito activo, margem de taxas) ou obedecem à intervenção da autarquia local (tributação ou não, taxas concretas), apenas comungando, para efeitos do seu cálculo e por simplicidade de gestão, de uma incidência objectiva comum (…)”.
Posto isto e realçando, sobretudo, este cariz de tributo autónomo relativamente ao IRC, para solucionar a questão que nos ocupa, importa começar por mencionar que a comparação dos quadros legais (sucessivos), enformadores da cobrança de derrama(s) municipal(ais), permite extrair, com objetividade, estas premissas:
- sempre (nas Leis n.ºs 42/98, 2/2007 e (73/2013)) esteve (e está) presente a previsão e exigência, de o IRC sobre que recai a percentagem de derrama seja a proporção correspondente “ao rendimento gerado na sua (do município) área geográfica”; aliás, neste aspeto particular, a Lei n.º 1/87 de 6 de janeiro (Revogada pela Lei n.º 42/98 de 6 de agosto.), ainda, era mais incisiva e precisa, estabelecendo que os municípios podiam lançar uma derrama…, “na parte relativa ao rendimento gerado na respectiva circunscrição”;
- comummente àquelas três leis, por referência à redação da Lei n.º 2/2007 (aqui, aplicável), há de considerar-se: “2 - …, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria colectável superior a (euro) 50000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado …”. “5 - Nos casos não abrangidos pelo nº 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direcção efectiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 117º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.”;
- desde a redação inicial, o art. 18.º da Lei n.º 73/2013 de 3 de setembro (RFALEI) estabeleceu a regra, inalterada até hoje, de que “(…) Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1, quando uma mesma entidade tem sede num município e direção efetiva noutro, a entidade deve ser considerada como residente do município onde estiver localizada a direção efetiva.”.
Neste momento, dirigindo, já, atenções para a situação julganda, podemos afirmar, com segurança, que a rte, no exercício de 2010, estando coletada pelo exercício de atividade sujeita e não isenta de IRC, possuindo sede (Nada se provou (ou consta dos autos), quanto a, eventual, direção efetiva noutro local.) no município de Oeiras (………… - Edifício …….., ……….), com um lucro tributável de € 65.181.876,87, tinha, em princípio, de apurar e pagar (o que, efetivamente, fez), derrama municipal, na importância de € 938.619,03 (€ 65.181.876,87 x 1,44%). Assim, legitimava e impunha, o art. 14.º n.º 1 da Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro ao dispor que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola …”. A dúvida reside, apenas, em saber se o lucro tributável, a operar como base de incidência da derrama, é o montante mencionado ou, perante a comprovação de que esse valor integra, comporta, a importância (global) de € 52.079.027,80, obtida fora do território português (no estrangeiro), deve ser o de € 13.102.849,07 e, consequentemente, a derrama, devida, fixar-se em € 188.681,03 (€ 13.102.849,07 x 1,44%), portanto, num montante inferior ao autoliquidado (-749.938,00).
Antecipando o resultado, entendemos que a razão está do lado da rte.
Como emana do antes exposto e, destacadamente, das premissas acima expressas, o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar “o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município” envolvido e/ou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se “o rendimento (que) é gerado no município”, em que se situa a sede …
Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecia a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à “proporção”, à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.
Além de esta se nos apresentar como a interpretação que melhor respeita a letra da lei, julgamos, também, ser a que melhor respeita os, mais lógicos, objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente, por exemplo, num preâmbulo à Lei n.º 2/2007 (aplicável, neste caso) (No âmbito da Lei n.º 42/98 de 6 de agosto a derrama podia ser lançada “para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro. A, precedente, Lei n.º 1/87 de 6 de janeiro (art. 5.º n.º 6) só admitia o lançamento de derrama “para acorrer ao financiamento de investimento ou no quadro de contratos de reequilíbrio financeiro”.), certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e devem respeitar “os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material” (Artigo 5.º da Lei Geral Tributária (LGT).), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo…
Ademais e em situações, como a que nos ocupa, de, isoláveis, parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo; por um lado, assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a “massa salarial”, ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo.).
Obviamente, não é incorreto afirmar (como na sentença recorrida) que, na LFL, “nada … se refere à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas …, a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do nº 1, do artº 4º, do CIRC, …”. Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta, concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, “relativamente ligeira”. Ora, neste cenário, compete ao juiz aplicar, sempre, a lei de forma geral e abstrata, mas sem deixar de atentar, casuisticamente, em particularidades justificativas de, pela via jurisprudencial, se ir completando o puzzle, assumidamente, incompleto, da tributação, dos sujeitos passivos de IRC, em derramas municipais. Deste modo, assumimos que o lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)”.
Tal tem sido também o entendimento adoptado e seguido por diversa jurisprudência arbitral, designadamente nas decisões proferidas, por exemplo, nos processos n.º 31/2024-T, 315/2024-T, 1156/204 ou 1121/2024.
Diz-se neste último acórdão:
“Não se ignora a existência de jurisprudência arbitral e até judicial em sentido divergente, como avançado pela Requerida.
No entanto, não pode este tribunal concordar com os fundamentos invocados nessa jurisprudência, por entender não representarem a melhor interpretação da letra e do espírito da lei.
Isto porque, independentemente dos muitos e válidos argumentos avançados por tal jurisprudência, não se consegue escapar ao que, no entender deste coletivo, resulta de forma clara da letra da lei, designadamente do artigo 18º nº 1 do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, isto é, a relação direta entre a derrama municipal com os rendimentos gerados na área geográfica de cada município.
É, aliás, esta a única interpretação possível da citada norma, face ao que dispõe o número 2 do mesmo artigo, que determina o critério de repartição de receita relativamente a sujeitos passivos com estabelecimento estável ou representação local em mais do que um município.
Ora, se nesta hipótese a lei impõe que a repartição da receita entre os vários municípios abrangidos seja determinada pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional, mal se entenderia que aqui fossem incluídos os rendimentos de fonte estrangeira.
Nem se podendo defender, como faz a Requerida, que nesta hipótese seria de aplicar o número 13 da mesma norma, já que este preceito apenas se aplica a rendimentos obtidos no território nacional e já não a rendimentos de fonte estrangeira, como os rendimentos em causa nos autos.
Razão pela qual não aderimos a tal jurisprudência invocada pela Requerida, concluindo-se pela ilegalidade das autoliquidações de IRC e derrama municipal impugnadas, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de reclamação graciosa apresentados”.
Também o presente Tribunal Arbitral adere a tal entendimento, ou seja, o de excluir do lucro tributável sujeito e não isento de IRC, a parcela do lucro tributável obtido fora do território nacional.
A tal não obsta o facto de a Requerida, em sede de resposta, ter suscitado a questão de a Requerente não ter alegadamente cumprido com o ónus da prova a que estava obrigada, por força do artigo 74º, n.º 1, da LGT, para demonstrar que haveria – efectivamente – uma parcela do seu lucro tributável gerada no estrangeiro.
Sucede que esse pretenso ónus da prova não pode sobrepor-se, sem mais, ao artigo 75º, n.º 1, da LGT, quando determina que as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal gozam de uma presunção de veracidade e de boa-fé.
Daí que, pelo contrário, competiria à Requerida carrear para os autos elementos susceptíveis de abalar tal presunção, por suposta verificação de qualquer das situações previstas no n.º 2 do referido dispositivo legal, o que não fez.
Razão pela qual, sem necessidade de mais considerandos, deve proceder a pretensão da Requerente.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Ora, o direito a juros indemnizatórios vem consagrado no art. 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.
No caso em apreço, estamos perante um erro resultante de autoliquidação. Apesar de assim ser, como decidiu o STA, “ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde então (passando a constituir um erro dos serviços), e a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago” (Acórdão do STA DE 09-12-2021 – Proc. 01098/16.5BELRS).
Pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios, nos termos decorrentes do atrás exposto.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade dos actos de autoliquidação de IRC, na parte respeitante à derrama municipal, relativamente aos anos de 20201 e 2022, e, também, em consequência, declarar a ilegalidade do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
b) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 1.084.628,92 € (um milhão oitenta e quatro mil seiscentos e vinte e oito euros e noventa e dois cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 14.994,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 30 de Setembro de 2025
Os Árbitros
Fernando Araújo
(Presidente)
Luís Ferreira Alves
(Vogal)
António A. Franco
(Relator)