SUMÁRIO
1. O sinal num contrato de promessa é algo comum na prática contratual e surge como uma forma de antecipação do pagamento do preço devido, tendo, por isso, natureza confirmatória relativamente ao posicionamento das partes em relação ao contrato.
2. No contrato promessa de compra e venda, atento o disposto no artigo 441º do Código Civil, essa entrega antecipada de valores presume-se, sempre, como tendo a natureza de sinal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 350º do Código Civil.
3. O simples facto de um promitente comprador incumprir o prazo para a celebração do contrato definitivo, não acarreta automaticamente, que as quantias entregues a título de sinal passem a ser do promitente-vendedor e que o contrato-promessa se considera resolvido, pois que, além da declaração resolutiva e de fazer seu o valor do sinal, terá que ocorrer perda do interesse do credor, o que deve ser apreciado objectivamente (artigos 236º, 436º e 838º do CC).
Os Árbitros Dr. Juiz José Poças Falcão (Árbitro-Presidente), Dr. Augusto Vieira (Árbitro-Vogal Relator) e Prof.ª Doutora Sónia Martins Reis (Árbitro-Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:
1. Relatório e saneador
A..., NF ... e B..., NF ..., casados entre si, residentes na Rua ..., n.º ..., ..., doravante designados por “Requerentes”, vieram nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2014..., respeitante a IRS do ano de 2010, bem como contra a liquidação de juros compensatórios e respetiva demonstração de acerto de contas, no montante de € 527 569,66, uma vez que tiveram pendente, desse 2015, o processo de impugnação judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pelo que ao abrigo do nº 1 do artigo 268º da Lei n.º 82/2023, de 29/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2024, transferiram o processo para o CAAD.
Os Requerentes terminam pedindo que o Tribunal Arbitral proceda à:
“... a anulação da liquidação adicional de IRS, da liquidação de juros compensatórios e da demonstração de acerto de contas respeitantes a 2010, com fundamento em
(i) ilegalidade e inconstitucionalidade, na medida em que a correção não se encontra devidamente fundamentada,
(ii) ilegalidade e inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade e da tipicidade, por incorreta subsunção dos factos às normas jurídicas, em concreto por não se demonstrar quer a lesão, quer os alegados “lucros cessantes”, que também não se encontram quantificados.
Pedem ainda que sejam “os Requerentes indemnizados por quaisquer montantes já pagos, bem como pela garantia indevidamente prestada”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT em31/12/2024.
Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18/02/2025, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10/03/2025.
Por Despacho Arbitral, de 11/03/2025, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, foi notificada a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo.
A Requerida apresentou em 22.04.2025 a Resposta e, na mesma data, remeteu cópia do Processo Administrativo constante de três ficheiros.
Por Despacho Arbitral de 23.04.2025 foram os Requerentes convidados, face à Resposta da AT, a indicar se mantinham interesse na produção de prova testemunhal arrolada e, em caso afirmativo, quais os factos de entre os alegados que pretendiam provar ou contraprovar com os depoimentos das testemunhas arroladas.
Em 12.05.2025 foi proferido Despacho Arbitral dispensando a reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT), e uma vez que os Requerentes nada disseram face ao convite para informar se mantinham a formulação do pedido de inquirição e, em caso afirmativo, indicarem quais os factos, que consideravam controvertidos e passíveis da produção desse meio de prova, foi indeferida a produção de prova testemunhal considerando-se a pedida inquirição um ato processual inútil ou desnecessário e, como tal, não permitido à luz do disposto no artigo 130º, do CPC, aplicável ex viartigo 29º, do RJAT.
No Despacho Arbitral atrás referido foram ambas as partes convidadas a apresentar, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, alegações finais escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito, formulando expressamente as respetivas conclusões.
Em 16.05.2025 os Requerentes apresentarem um requerimento alegando que a sua ilustre mandatária não tinha recebido qualquer email do CAAD, alertando para o proferimento
deste despacho de 23.04.2025 e da necessidade de o consultar no sistema de gestão processual e que por esse motivo, os Requerentes não tomaram, atempadamente, conhecimento do aludido requerimento. E acrescentaram que mantinham interesse na produção de prova testemunhal, com vista a provar factos que consideraram relevantes.
Por Despacho Arbitral de 19.05.2025 foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) notificada para exercer, querendo, o direito ao contraditório relativamente ao requerimento apresentado, tendo a AT respondido, em 28.05.2025, referindo que nada tinha a opor à produção da prova testemunhal arrolada pelos Requerentes.
Em 29-05-2025 os Requerentes apresentaram alegações condicionadas referindo o seguinte: “caso venha a ser realizada inquirição de testemunhas, as presentes alegações sejam dadas por não escritas, concedendo-se prazo aos Requerentes para apresentarem novas alegações, que tenham em conta a prova testemunhal produzida”, reiterando o que já tinham referido no pedido de pronúncia arbitral.
Em 02.06.2025 a AT também apresentou alegações sustentando o que já havia referido na Resposta.
Por Despacho Arbitral de 04.06.2025 foi agendado o dia 15 de julho de 2025, com início pelas 14:30, para audiência de inquirição das testemunhas indicadas e a apresentar pelas partes, após o que seriam estas notificadas para apresentação de alegações complementares escritas.
Em 25.06.2025 os Requerentes vieram requerer a alteração do rol de testemunhas, dispensando as arroladas e indicando uma nova testemunha em substituição, juntando ainda um documento.
Por Despacho Arbitral de 26.06.2025 foi deferida a alteração/substituição do rol de testemunhas e notificada a Requerida para usar, querendo, a mesma faculdade e foi admitida a junção do documento considerando as razões invocadas.
Por requerimento de 30.06.2025 veio a Requerida (1) opor-se à admissão da junção do documento e manifestar a sua surpresa face ao despacho proferido sem contraditório, (2) referir que não dispensava uma testemunha que os Requerentes arrolaram e, entretanto, dispensaram.
Em 11.07.2025 foi proferido o seguinte Despacho Arbitral: “Analisado o requerimento apresentado nos autos pela Requerida em 30-6-2025, extrai o Tribunal de útil, a implícita arguição de nulidade do despacho proferido em 26-6-2025, que, sem audição prévia da Requerida, deferiu o pedido formulado pela Requerente de alteração/substituição do rol de testemunhas e admitiu a junção de documento, considerando válidas as razões invocadas para a junção tardia. Ora sendo arguida uma nulidade processual e não sendo caso para o seu indeferimento liminar, deve ser ouvida a parte contrária antes da decisão do Tribunal – cfr., entre outras disposições, os artigos 149º, 195º e 199º-1, do CPC, ex vi artigo 29º, do RJAT.
Assim sendo e sem o Tribunal se debruçar sobre determinadas considerações menos ortodoxas e mesmo aparentes insinuações inusitadas feitas no douto requerimento da AT, decide-se: a) Notificar a Requerente para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar sobre o citado requerimento da AT e, em consequência, b) Dar sem efeito a diligência marcada para 15 de julho de 2025”.
Em 14.07.2025 veio a Requerida suscitar que a primeira parte do Requerimento de 30.06.2025 fosse considerada não escrita uma vez que teve origem em lapso, mas manteve a posição de não dispensa de uma testemunha que os Requerentes arrolaram inicialmente e, entretanto, dispensaram.
Em 18.07.2025 os Requerentes vieram pronunciar-se pela falta de suporte legal que permita à Requerida opor-se a que uma testemunha por si arrolada fosse dispensada e substituída por outra.
Em 28.07.2025 foi proferido o seguinte despacho arbitral:
“I -Ponderando o teor dos últimos requerimentos apresentados pelas partes na sequência dos despachos de26-6-2025 e 11.7-2025 e reanalisando o processo, entende o Tribunal não subsistir matéria factual relevante e controvertida, designadamente passível da prova testemunhal requerida.
Assim e porque se considera ser essa diligência probatória um ato inútil ou mesmo impossível por falta de objeto, ponderado, designadamente, o disposto no artigo 130º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT, à luz do princípio da autonomia da condução do processo e no respeito pelos princípios que o enformam, decide-se dispensar a requerida produção de prova testemunhal, ficando sem efeito ou prejudicado o decidido em I, do despacho de 26-6-2025.
II – Tendo os Requerentes protestado “juntar documentos comprovativos do pagamento do imposto e da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, procuração forense e documentos com maior qualidade de impressão”, deverão proceder a essa junção no prazo de 5 (cinco) dias.
III – Estando alegado no artigo 119º, do PPA que “sendo, em 16 de Dezembro de 2014, assinado um “Acordo de resolução do contrato-promessa de transmissão de quotas e prestações suplementares celebrado em 12 de Junho de 2012”, o qual gerou a (alegada) obrigação de restituição à promitente adquirente de valores pagos aquando da celebração do contrato-promessa, convidam-se os Requerentes a juntar o escrito que eventualmente formaliza o sobredito contrato no prazo de 5 (cinco) dias.
IV - Os Requerentes não juntam igualmente o documento nº 16 - (artigos 28º a 32º da PPA) a que responde a AT nos artigos 10º a 25º da Resposta. São assim convidados a fazer essa junção no aludido prazo ou justificarem a sua omissão.
V – Será ulteriormente assegurado o direito ao contraditório relativamente aos documentos que vierem a ser juntos na sequência do decidido supra.
VI – Relativamente à junção de documento admitida pelo despacho de 26-6-2025, ponto II, considerando a arguição de nulidade decorrente da não pronúncia prévia da parte contrária, indefere-se a nulidade arguida considerando que o documento, embora não apresentado no momento processual certo, ou seja, com o pedido de pronúncia arbitral, ainda assim pode ser admitido, considerando, por um lado, a sua, pelo menos aparente relevância para a boa decisão da causa e, por outro, que foi apresentado até 20 dias antes da data em que se realizaria a audiência final[1] – Cfr artigo 423º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT.
Com efeito, equivalendo a inquirição de testemunhas em processo arbitral à data da audiência final referida no artigo 423º, do CPC, verifica-se que a citada inquirição havia sido marcada para 15-7-2025 e o pedido de junção do citado documento foi formulado em 25-6-2025, ou seja, exatamente 20 dias antes da inquirição.
Reconhece-se a razão da Requerida quando doutamente reage à não notificação prévia para pronúncia sobre a admissibilidade da junção, considerando que o Tribunal omitiu a dispensabilidade da pronúncia - cfr artigo 3º-3, do CPC.
Todavia, a pronúncia da Requerida a posteriori permite agora, na ponderação também dos argumentos aduzidos, validar o sobredito despacho pelas razões invocadas à luz dos princípios do aproveitamento dos atos e da economia processual”.
Em 05.09.2025 os Requerentes, além do mais, juntaram o Documento nº 16 indicado nos artigos 31º e 32º do PPA e o teor dos Documentos 6 e 11 juntos com o PPA com maior qualidade de impressão conforme protestado juntar.
Por despacho de 05.09.-2025, foi a Requerida convidada “... para, na sequência do despacho de 28-7-2025 (ponto V), exercer o seu direito ao contraditório. Prazo: 8 (oito) dias)”
Em 22.09.2025, a Requerida respondeu à junção de Documentos referindo o seguinte: “Os Requerentes entendem que esta decisão vem reforçar a posição que sustentam, uma vez que a sobredita sentença determina a data em que deve ser considerado extinto o contrato de cessão de exploração. Porém, o douto tribunal arbitral não poderá ignorar que, à pág. 119 do referido documento, é concluído o seguinte: « ... consideramos pelo exposto, como provado que a ré incumpriu de forma definitiva o contrato promessa conferindo aos promitentes vendedores o direito de fazerem seu o sinal paqo (artigo 442º nº 2)...”. Promitentes vendedores, leia-se, os Requerentes.
Assim, salvo outra e melhor opinião, não se vislumbra como pode vir a ser determinada a anulação da liquidação de IRS em dissídio, na medida em que a tributacão do sinal é devida. Facto que resulta, clara e inequivocamente, de um documento junto pelos próprios Requerentes. O Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro determinou, sem margem para dúvidas, que os Requerentes puderam fazer seu o montante recebido a título de sinal”.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo e foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e o Tribunal é competente.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) Em 13.11.2007 foi constituída a sociedade C... LDA, com o NIPC..., com o capital social de € 530.680,00 e tendo como sócias B... e D..., cada uma com uma quota de € 251.843,00, correspondente a 50% daquele capital social – conforme artigo 2º - I da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
B) A sociedade C... LDA tinha por objecto a “exploração de farmácia”, designadamente o estabelecimento sito na ... (“Farmácia ...”) e um posto avançado deste estabelecimento sito na ... que em 2009 obteve alvará próprio junto do INFARMED como Farmácia ...- conforme artigo 2º-II da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
C) Em Janeiro de 2010, os Requerentes eram sócios, juntamente com D... e E..., da sociedade C..., Lda. e em 12 de Maio de 2010, os sócios da sociedade reuniram-se em assembleia geral e deliberaram admitir mais 3 novos sócios e transformaram a sociedade em anónima, pelo que esta passou a denominar-se C..., S.A. – conforme artigos 6º e 7º do PPA, artigo 2º-II da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e documento nº 4 em anexo ao PPA;
D) Entretanto no dia 27 de Maio de 2010, quatro acionistas da sociedade (B... e marido A...; D... e marido E...), enquanto promitentes-vendedores celebraram um contrato-promessa de compra e venda de ações da Sociedade com o promitente-comprador F..., solteiro, correspondente à parte do capital social que integrava a sua participação financeira de cada um dos promitentes-vendedores e que pressupunha a prévia transformação em sociedade anónima, para que, aquando da alienação das partes sociais, a sociedade fosse apenas proprietária do estabelecimento de farmácia sito ... com o alvará n.º ... emitido pelo INFARMED – conforme artigo 9º do PPA, documento 6 em anexo ao PPA e artigo 2º-IV da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
E) O contrato-promessa de compra e venda de ações estabelecia, entre outras, as seguintes cláusulas:
O pagamento de €200.000,00 a cada um dos promitentes-vendedores, no momento da assinatura do contrato-promessa de compra e venda de ações, a título de sinal e princípio de pagamento;
O pagamento de €1.285.000,00 a cada um dos promitentes-vendedores, aquando da celebração do contrato de compra e venda de ações;
A cisão da sociedade, para que, no momento da celebração do contrato prometido, a C... fosse apenas proprietária da Farmácia ..., com o alvará n° ...; e a celebração do contrato de venda de ações deveria ser realizada até ao dia 31 de Julho de 2010.
- conforme artigo 10º do PPA, documento 6 em anexo ao PPA e artigo 2º-VI da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
F) Consta do Registo Comercial a Inscrição 2 - AP. 1/2010-06-09 9:13:51 UTC - AUMENTO DO CAPITAL, TRANSFORMAÇÃO EM SOCIEDADE ANÓNIMA E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS). Montante do aumento: 414.00 Euros. Modalidade e forma de subscrição: Em numerário, com entrada de novos sócios: quanto a 207,00 pelo novo sócio A..., casado com B... no regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua ..., nº..., ..., nif. ...; quanto a 107,00 pelo novo sócio E..., casado com D... na comunhão de adquiridos, residente na Rua ..., Coimbra, nif....; e quanto a 100,00, pela nova sócia, G..., divorciada, residente na Rua ..., nº..., Coimbra, nif. ... . Capital após o aumento: 504.100,00 Euros Artigo(s) alterado(s): Todo o articulado. FIRMA: C..., S.A. NIPC:.. NATUREZA JURÍDICA: SOCIEDADE ANÓNIMA. OBJECTO: Exploração de farmácia. CAPITAL: 504.100,00 Euros. Data de Encerramento do Exercício: 31 Dezembro. AÇÕES: Número de ações: 504100 Valor nominal: 1.00 Euros Natureza: Nominativas – conforme artigo 8º do PPA, documento nº 5 em anexo ao PPA e artigo 2º-VII da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
G) A sociedade C..., S.A. promoveu a operação de cisão prevista, passando a deter unicamente o estabelecimento denominado “Farmácia...”, detentor do alvará do INFARMED para a atividade de farmácia com o nº...– conforme artigo 11º do PPA e não impugnação especificada;
H) Em 31 de Agosto de 2010, a sociedade C..., S.A., e F..., celebraram um contrato de cessão de exploração do estabelecimento de farmácia, referente à Farmácia..., com início em 1 de Setembro de 2010 e termo em 2 de Dezembro de 2010, estipulando-se uma prestação mensal de € 7.500,00, acrescida de IVA à taxa legalmente em vigor – conforme artigo 12º do PPA, Documento n.º 7 em anexo ao PPA e artigo 2º-IX da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
I) Ainda em 31.08.2010, entre o cessionário da exploração F... e a sociedade H..., UNIPESSOAL, LDA, NIPC ... (...), foi celebrado um contrato de cessão da posição contratual, relativo ao contrato de cessão de exploração do estabelecimento de farmácia, onde consta nomeadamente que “o Segundo Contratante poderá ceder a posição que lhe é conferida pelo presente contrato, desde que o faça relativamente à entidade que eventualmente a indicar para a outorga do contrato prometido de compra e venda de ações da Primeira Contratante, prestando esta, desde já e pelo presente escrito, as devidas autorizações e consentimento a tal cessão” – conforme artigo 13º do PPA e artigo 2º-X da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
J) Também em 31.08.2010 F... cedeu a sua posição contratual no contrato de promessa de compra e venda de ações a H..., UNIPESSOAL, LDA, NIPC ... – conforme documento junto com o requerimento de 25.06.2025;
K) Finalmente e ainda no dia 31 de Agosto de 2010, os 4 accionistas referidos em D) celebraram com F... um aditamento ao referido contrato-promessa de compra e venda de ações, no qual se estipulavam, em alteração ao inicialmente previsto, as seguintes condições:
Pagamento de €850.000,00 a cada um dos promitentes-vendedores, a título de reforço do sinal, a pagar no ato da assinatura do aditamento;
Pagamento do montante de € 422.500,00 a cada um dos promitentes- vendedores, deduzido das rendas (50% em relação a cada um dos promitentes-vendedores), líquidas de IVA, que viessem a ser pagas pelo promitente-comprador à sociedade C..., S.A., em virtude da locação do estabelecimento de farmácia (Farmácia..., com o alvará n° ...); A celebração do contrato de venda de ações deveria ser realizada até ao dia 3 de Dezembro de 2012 - - conforme artigo 14º do PPA, artigo 2º-VIII da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e Documento junto com o requerimento dos Requerentes de 25.06.2025 e Documento nº 6 junto com o PPA;
L) Após os promitentes-vendedores terem marcado local, dia e hora para a celebração do contrato prometido e a H... não ter comparecido, os Requerentes, juntamente com os demais acionistas da sociedade, apresentaram uma notificação judicial avulsa, em 10 de Dezembro de 2012, requerendo a interpelação judicial da H... para a celebração do citado contrato de compra e venda de ações, a ocorrer no dia 20 de Dezembro de 2012, pelas 11 horas, constando no ponto 19 “o não comparecimento da Requerida no dia, hora e local a designar para a realização da escritura da compra e venda de ações será entendido pelos Requerentes como intenção da Requerida em não cumprir, em definitivo, os contratos celebrados (...)” – conforme artigo 15º e 16º do PPA, documento nº 8 em anexo ao PPA e artigos 2º-XI a XIII da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e Documento nº 9 em anexo ao PPA;
M) Não obstante a notificação judicial avulsa ter sido bem-sucedida, tendo a sociedade H... sido regularmente notificada, os seus representantes não compareceram na data fixada para a celebração do contrato de compra e venda de ações – conforme artigo 17º do PPA e artigo 2º-XIV da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
N) Entretanto, em data não apurada, a H... apresentou, junto do Tribunal Judicial da Mealhada, um Processo Especial de Revitalização (“PER”), o qual correu termos sob o n° .../13...TBMLD, tendo sido designado como Administrador Judicial Provisório o Sr. Dr. I..., tendo ocorrido o seguinte:
a) Os Requerentes, dando cumprimento ao disposto no artigo 17°-D do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), apresentaram, em 20 de Agosto de 2013, a competente Reclamação de Créditos junto do Administrador Judicial Provisório, na qual reclamaram o montante global de EUR 402.382,88, correspondente a EUR 388.750,00,
b) relativos ao valor em dívida a título de preço pela venda das ações (EUR 422.500,00) subtraído de 50% do montante das rendas pagas pela H... (EUR 33.750,00 = EUR 67.500,00 / 2), acrescido de juros de mora vencidos até à data de nomeação do Administrador Judicial Provisório (EUR 12.866,03) e de juros de mora vencidos até à apresentação da Reclamação de Créditos (EUR 766,85).
c) No âmbito do PER, o crédito dos Requerentes, no valor de €402.382,88, foi reconhecido na Lista Provisória de Créditos a que alude o artigo 17°-D, n° 2 do CIRE.
d) Tendo-se a referida Lista tornado definitiva, por decisão judicial.
- conforme artigos 18º a 22º do PPA, Documentos 9 a 12 juntos com o PPA e artigo 2º-XV a XVIII da contestação apresentada pela AT no processo judicial n.º 302/15.1BEAVR, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro;
O) Em 03.08.2024 foi proferida sentença no processo 426/130TBMLD – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central de Aveiro – Juiz 2, (em processo instaurado em 29.08.2023, e em que é A. a Sociedade C... S.A e R. a H...) nos pontos 17º e 18º da matéria de facto provada consta: “17º ... em 01/09/2010, a Ré, depois da outorga do contrato de cessão da posição contratual aceitou e recebeu do cedente o estabelecimento e passou a explorá-lo, por sua exclusiva conta, direcção e interesse, nele passando, habitual diária e consecutivamente, a adquirir directamente aos fornecedores os medicamentos, produtos e artigos que entendia vender na Farmácia e a vender aos utentes desta os medicamente s e todos os outros produtos de venda em farmácia que nele se comercializam, recebendo os respectivos preços, tudo em seu próprio e exclusivo proveito. 18º Situação que ainda se mantém até ao presente” – conforme Documento nº 16 junto com o requerimento de 05.09.2025 e artigos 30º e 31º do PPA;
P) Por ofício n°..., de 27 de Outubro de 2014, os Requerentes foram notificados de um projecto de RIT referente a uma ação de inspeção tributária quanto ao exercício de 2010, no qual foram propostas correções à matéria coletável resultante da declaração de rendimentos (Modelo 3) apresentada pelos Requerentes para o ano de 2010, no montante de €1.050.000,00, fazendo acrescer este valor como rendimento da Categoria G, com base na seguinte fundamentação:
"(…) face ao não cumprimento de uma obrigação por parte da promitente compradora (H...), decorrente do contrato promessa e aditamento (...), a sujeito passivo B... teve a “faculdade de fazer sua a coisa entregue” (os 1.050.000,00 euros a título de sinal), nos termos do n° 2 do artigo 442° do Código Civil, o que se configura como uma indemnização por lucros cessantes prevista no n° 1 do artigo 564° do Código Civil';
"(…) estamos perante um verdadeiro incremento líquido do património individual do sujeito passivo B..., na medida em que viu o seu património aumentado em 1.050.000,00 euros, sem que tenha havido qualquer consequente redução de bens ou direitos da mesma, uma vez que continua a deter 50% da propriedade da empresa C... S.A.”;
"(…) estamos perante uma indemnização por lucros cessantes, na medida em que se trata de um verdadeiro acréscimo patrimonial líquido, ou seja, a indemnização substitui, não perdas de património, mas ganhos que teriam afluído a esse património se o incumprimento do contrato-promessa não tivesse ocorrido";
“(…) ainda que, para a sujeito passivo B..., o direito a considerar como seu o sinal constituído pela promitente compradora apenas se constitua em dezembro de 2012, aquando da resolução do contrato por via do incumprimento definitivo, as regras especificas de tributação desta categoria de rendimentos [Categoria G], previstas no n° 4 do artigo 9º do Código do IRS, estabelecem que o rendimento respeita ao ano em que os valores foram recebidos pela beneficiária.";
“o montante de 1.050.000,00 euros, recebido pelo sujeito passivo B..., em 21 de maio de 2010 e 31 de agosto de 2010 {...), constitui um rendimento tributável do ano de 2010, na esfera da categoria G de IRS, a título de incrementos patrimoniais, previstos na alínea b) do n° 1 e no n° 4, ambos do artigo 9º do Código do IRS”.
- conforme artigo 23º do PPA e PA junto pela Requerida;
Q) Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia em 12 de Novembro de 2014, alegando, nomeadamente, o seguinte:
“Todo o PROJECTO assenta na consideração que relativamente a B... e marido A... o contrato-promessa de compra e venda de ações referido no PROJETO está resolvido e que estes fizeram seus o sinal e reforço de sinal recebidos – tal não aconteceu, como se demonstrará.”
Nos termos no disposto no artigo 442. ° do Código Civil, o incumprimento do promitente-comprador da obrigação de pagamento a que se encontrava vinculado, não faz automaticamente com que as quantias entregues a título de sinal passem a ser do promitente-vendedor e que o contrato-promessa seja resolvido, na medida em que é necessário que o promitente-vendedor assim o declare, comunicando a sua decisão ao promitente-comprador;
Os Requerentes nunca comunicaram à H... que consideravam o contrato-promessa resolvido e que faziam suas as quantias entregues a título de sinal;
A notificação judicial avulsa não constitui uma declaração de resolução do contrato-promessa de compra e venda de ações, sendo apenas a interpelação admonitória que se considera exigível antes da declaração de resolução contratual, caso o promitente-vendedor a venha a fazer, o que não se verificou até à presente data;
A Autoridade Tributária tem conhecimento da apresentação, por parte da promitente-compradora (H...), de um Processo Especial de Revitalização, que correu termos no Tribunal Judicial da Mealhada sob o n° .../13...TBMLD, no qual os ora Requerentes reclamaram o crédito (tendo por base o valor do preço que a promitente-compradora ainda não pagou), o qual foi reconhecido na Lista Provisória de Créditos;
Caso o contrato-promessa estivesse definitivamente incumprido, tendo os Requerentes feito suas as quantias entregues a título de sinal, não poderiam ver o seu crédito sobre a H... reconhecido no PER, pelo que se conclui que o contrato-promessa não está definitivamente incumprido”.
- conforme artigo 24º e Anexo 12 do PA junto pela AT;
R) Através do Ofício n° ..., datado de 9 de Dezembro de 2014, os Requerentes foram notificados do Relatório de Inspeção Tributária no qual se mantinham as correções projetadas, com base nos seguintes fundamentos:
“(…) segundo o n° 1 do artigo 436° do Código Civil “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte” (...), o que demonstra uma faculdade e não uma obrigatoriedade como alega a sujeito passivo (…)”;
“[É] certo que, como alega a sujeito passivo, o mero incumprimento, por parte da promitente compradora, do pagamento do preço convencionado não provoca a resolução “automática” do contrato. Com efeito, a partir do momento em que uma das partes não cumpre o clausulado do contrato de promessa, constitui-se apenas em mora perante o credor.
No entanto, esta situação em mora converte-se em incumprimento definitivo através da denominada interpelação admonitória, que consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida”;
“(…) as promitentes vendedoras fixaram um derradeiro prazo para a celebração da escritura de compra e venda (20 de Dezembro de 2012) (…)", sendo que “(…) a notificação judicial avulsa (...) e o requerimento das partes vendedoras [os sócios dos Requerentes] (...) são perentórios ao requerem (sic) que “o não comparecimento da requerida (...) será entendido pelos requerentes como intenção da requerida em não cumprir, em definitivo, os contratos celebrados (...), sem necessidade de qualquer outra interpelação admonitória para o efeito””, razão pela qual se conclui que “a notificação judicial avulsa alude à consequência de se considerar que a compradora não pretende cumprir o contrato em definitivo, caso não comparecesse à escritura, e abstendo as partes vendedoras de qualquer outro ato tendente à concretização da mesma. Assim, não restam dúvidas quanto às consequências legais e aos factos jurídico-tributários decorrentes da notificação judicial avulsa";
"(…) nunca foi argumentado pelos SIT que as partes vendedoras não pretendiam cumprir o contrato de promessa, sendo essa a postura defendida na notificação judicial avulsa (...). Contudo, tal instrumento define um prazo (até dia 20 de dezembro de 2012) quanto à pretensão das promitentes vendedoras manterem tal predisposição para a celebração da escritura, que se configurava como uma segunda oportunidade para a promitente compradora, uma vez que o incumprimento contratual já tinha ocorrido no dia 03 de dezembro de 2012, momento em que se constituiu em mora";
“(…) as partes vendedoras mantiveram interesse no cumprimento integral do contrato de promessa até ao dia 20 de dezembro de 2012, sendo que após essa data consideraram o contrato como definitivamente incumprido, sem necessidade de qualquer outra ação, decorrendo daí todas as inferências jurídico-tributárias associadas.”
“(…) quantia essa que se encontra na esfera dos seus patrimónios individuais, face ao incumprimento definitivo do contrato de promessa.”
“(…) não se considera consequente a exposição manifestada pela sujeito passivo em sede de direito de audição, não sendo de rever as correções propostas no projeto de relatório, pelo que o presente relatório mantém inalterados a forma e valores de tributação”.
E conclui: “Face ao projeto de relatório e a tudo o que se contraditou em sede de apreciação do direito de audição exercido pela sujeito passivo, é de considerar que as promitentes vendedoras consideraram o contrato de promessa definitivamente incumprido, em 20 de dezembro de 2012, com a não comparência da promitente- compradora após notificação judicial avulsa, pelo que se verifica um incremento patrimonial sujeito a tributação no período de 2010, conforme decorre da alínea b) do n.° 1 e do n.º 4, ambos do artigo 9º do Código do IRS”.
- conforme artigo 25º do PPA e RIT – folhas 1 a 13 do PA junto pela Requerida;
S) Na sequência do RIT, os Requerentes foram notificados, no dia 11 de Dezembro de 2014, da Demonstração de Liquidação de IRS, da Demonstração de Liquidação de Juros e da Demonstração de Acerto de Contas, todas referentes ao ano de 2010, das quais resultava o montante de €527.569,66 a pagar até 14 de Janeiro de 2015 – conforme artigo 26º do PPA e Documento nºs 1 a 3 em anexo;
T) Em paralelo com a apresentação da impugnação judicial que correu termos com o n.º 302/15.1BEAVR, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro foi apresentado um requerimento junto da Requerida, através do qual se requereu (i) a conversão da penhora efetuada em prestação de garantia, (ii) a prestação parcial de garantia através do penhor das ações detidas pelos Requerentes na sociedade C..., S.A., e (iii) a dispensa parcial de prestação de garantia, pedido que não logrou ser deferido, tendo as penhoras sobre o bens dos Requerentes continuado até à presente data – conforme documentos 1 e 2 juntos com o requerimento de 05.09.2025 apresentado pelos Requerentes;
U) Em 31-12-2024, os Requerentes apresentaram no CAAD o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no SGP do CAAD.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não se provou, face ao standard da prova aplicável, objetivamente, que os promitentes-vendedores tenham perdido definitivamente e inequivocamente o interesse na prestação (realização do contrato definitivo) nos termos do artigo 808º - 2 do CC.
Também não se provou que os Requerentes, enquanto promitentes-vendedores tenham clara e inequivocamente, através de declaração/interpelação admonitória dirigida ao promitente-comprador, rescindido o contrato de promessa e comunicado que faziam seu o sinal entregue.
A prova de tais factos competia à AT nos termos do artigo 74º-1 da LGT.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental que resulta dos documentos juntos com o PPA e que integram o Processo Administrativo junto com a Resposta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
É pacífico na doutrina e jurisprudência que “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.03.2020, processo n.º 19/17.2BCLSB).
Efetivamente, sem prejuízo da posição assumida pela Requerida a propósito de alguns dos factos carreados para os autos pela Requerente, considera este Tribunal que a prova documental apresentada tem valor objetivo e a respetiva informação se tem por verdadeira.
3. Síntese da posição das Partes
No essencial, os Requerentes alegam os seguintes vícios:
POSIÇÃO DOS REQUERENTES
· Falta de fundamentação
a) Que no Relatório da Inspeção Tributária, e perante os factos descritos, (i) fazem uma interpretação do artigo 442.º do Código Civil (“CC”), (ii) equiparam o sinal a uma indemnização, (iii) definem, fazendo apelo à doutrina e à jurisprudência, as noções de “indemnização” e “lucros cessantes”, (iv) qualificam o facto de a Requerente ter feito seu o sinal como incremento patrimonial e (v) concluem tratar-se de uma indemnização por lucros cessantes, tributados nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 9.º do Código do IRS.
b) Contudo, há algo que os SIT não fazem: identificar quais os danos sofridos pela Requerente, ou quais os lucros cessantes, e qual o seu valor, no entender daquela entidade.
c) Por outras palavras, os SIT enquadram o valor recebido pela Requerente como “indemnização por lucros cessantes”, mas não esclarecem de que lucros cessantes se trata, nem mesmo qual o respetivo valor,
d) Uma vez que, no limite, o que se admite apenas por hipótese, e sempre sem conceder, poderia considerar-se que o valor de €1.050.000,00 corresponde, parcialmente, a uma indemnização, mas seria sempre necessário identificar qual a lesão sofrida pelos Requerente, qual o valor do dano/lucro cessante e, assim, objectivamente determinar qual o montante da suposta indemnização.
· Da errónea fundamentação e qualificação do ato tributário:
a) Entendem os SIT que “(…) estamos perante uma indemnização por lucros cessantes na medida em que se trata de um verdadeiro acréscimo patrimonial líquido, ou seja, a indemnização substitui, não perdas de patrimoniais ganhos que teriam afluído a esse património se o incumprimento do contrato-promessa não tivesse ocorrido”, mas os Requerentes entendem que os montantes que lhes foram pagos revestem a natureza de sinal e não podem, por isso, ser tratados como indemnização.
b) Primeiro porque o sinal, no entendimento quer da doutrina, quer da jurisprudência, pode ter uma natureza confirmatória ou penitencial do contrato-promessa.
c) Depois porque resulta do contrato-promessa junto como Documento n.º 6 que os valores pagos tiveram a natureza de sinal e princípio de pagamento,
d) Acresce que tal entendimento é o sufragado pela Autoridade Tributária veio já, na Informação Vinculativa proferida no processo n.º 26220, com despacho de 2024-12-17, do Subdiretor-Geral da Área Gestão Tributária - IR, por delegação, que defende a natureza confirmatória do sinal.
e) Por último porque decorre do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil que são lucros cessantes “os benefícios que o lesado deixou de obter em função da lesão”. Neste caso, não pode deixar de se concluir que o valor pago aos Requerentes não se destinou a ressarcir benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão, até porque os Requerentes não tiveram uma verdadeira lesão resultante da actuação da H..., na medida em que: (1) O valor de €1.050.000,00 foi pago a título de sinal; (2) Mantiveram na sua esfera patrimonial as ações da C..., S.A..
f) Pelo que se conclui que não estamos perante uma indemnização, em concreto, uma indemnização por lucros cessantes.
g) Quanto muito, admitir-se-ia uma qualificação do referido rendimento como mais-valias (correspondente ao preço das ações), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS. Neste caso, o suposto rendimento seria tributado através da aplicação de taxas liberatórias, nos termos do artigo 72° do Código do IRS. O que não pode, repete-se, é considerar que estamos perante uma indemnização por lucros cessantes, quando os factos não preenchem o tipo legal correspondente.
· Da alegada resolução do contrato-promessa de compra e venda de ações por parte dos Requerentes:
a) Diz-se no RIT que ocorreu a resolução do contrato-promessa de compra e venda das ações da C..., porquanto “as partes vendedoras mantiveram interesse no cumprimento integral do contrato de promessa até ao dia 20 de dezembro de 2012, sendo que após essa data consideraram o contrato como definitivamente incumprido, sem necessidade de qualquer outra ação, decorrendo daí todas as inferências jurídico-tributárias associadas”. Ora, os Requerentes não aceitam a posição assumida pelos SIT, que aqui contestam, por não corresponder à realidade dos factos e por se mostrar manifestamente ilegal, à luz da conjugação do disposto nos artigos 224. °, 236. ° e 442. ° do Código Civil, a argumentação sufragada pelos.
b) O que se referiu na notificação judicial, a saber: Com efeito, da análise do teor do referido ponto 19. da notificação judicial avulsa constata-se que se escreveu o seguinte: "O não comparecimento da Requerida no dia, hora e local a designar para a realização da escritura da compra e venda de ações será entendido pelos Requerentes como intenção da Requerida em não cumprir, em definitivo, os contratos celebrados (...)”, ou seja, decorre da letra do requerido pelos Requerentes que a perda do interesse era da promitente-adquirente (no caso, a H...) e não dos Requerentes.
c) Ora, o artigo 442°, n° 2, 1. ª parte do Código Civil determina que “(S]e quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue".
d) Contudo, tal como reconhecem os SIT, o simples facto de a promitente-compradora não cumprir a obrigação a que se encontrava adstrita, não é suficiente para que, automaticamente, as quantias entregues a título de sinal passem a ser dos promitentes-vendedores e que o contrato-promessa fique resolvido, Na medida em que é exigível (i) a verificação do incumprimento definitivo do contrato-promessa, nos termos do artigo 808° do Código Civil e que (ii) o interessado (no caso, os Requerentes) assim, o declarem, nos termos do artigo 236° do Código Civil.
e) No caso concreto, verifica-se que, não obstante os Requerentes terem fixado uma data para a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações (20 de Dezembro de 2012), jamais estes comunicaram à H... a resolução do contrato, porquanto mantiveram o interesse na celebração do referido contrato, representando a sua falta à escritura uma mora contratual.
f) E não se diga, como fazem os SIT, que a declaração a que respeita o citado preceito legal “demonstra uma faculdade e não uma obrigatoriedade como alega a sujeito passivo", na medida em que essa não é a interpretação efetuada pela doutrina e jurisprudência.
g) Ou seja, os Requerentes não efetuaram a declaração a que alude o artigo 436° do Código Civil, porquanto jamais intimaram formalmente a promitente-compradora (H...) para o facto de, em caso de incumprimento da celebração da escritura, considerarem a obrigação como definitivamente incumprida.
h) Conclui-se, portanto, que os Requerentes jamais informaram a promitente-compradora (H...) que a falta de comparência à escritura de compra e venda de ações implicaria, necessariamente, o incumprimento definitivo do contrato, razão pela qual, terá, forçosamente, de se concluir que não se verificou, no caso sub judice, a interpelação admonitória, e que os Requerentes mantinham interesse na celebração do contrato definitivo.
i) Aliás, foi justamente o facto de os Requerentes não terem resolvido o contrato-promessa e terem estado em negociações, com vista à celebração do contrato prometido, que levou a que os mesmos tivessem reclamado créditos no âmbito do PER (processo sob o n° .../13...TBMLD).
j) Sendo, em 16 de Dezembro de 2014, assinado um “Acordo de resolução do contrato-promessa de transmissão de quotas e prestações suplementares celebrado em 12 de Junho de 2012”, o qual gerou a obrigação de restituição à promitente adquirente de valores pagos aquando da celebração do contrato-promessa.
· Do direito dos Requerentes ao crédito reclamado em sede de Processo Especial de Revitalização:
a) Constata-se que os créditos reclamados pelos Requerentes não foram postos em causa pelo Administrador Judicial Provisório pelos demais credores - nos quais, aliás, se inclui a Autoridade Tributária - e, ainda, pelo próprio Tribunal.
b) Pelo que tendo os créditos dos Requerentes sido contestados em sede e momento próprios pela Autoridade Tributária (isto é, no PER), não poderá aceitar-se a alegação dos Serviços de Inspecção Tributária, por manifestamente intempestiva, no sentido de que "não havendo tradição da coisa, como poderá existir uma dívida por parte da promitente compradora? Como poderá ser reclamado um crédito sobre a H... se as promitentes vendedoras continuam na posse da totalidade das ações representativas do capital social da C... SA?".
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Por outro lado, a Requerida sustenta a legalidade dos atos impugnados referindo em resumo o seguinte:
1. (...) Independentemente de os impugnantes pretenderem defender que o que decorre da letra daquela notificação judicial é que a perda do interesse seria de atribuir à promitente-compradora H... e não aos promitentes-vendedores, certo é que não se entrevê que outra consequência seria possível extrair de tal notificação que não fosse a resolução do contrato-promessa por incumprimento definitivo da promitente-compradora,
2. Dado que, como se consagra nos n.ºs 1 e 2 do artigo 830.º do Código Civil, a constituição de sinal envolve o afastamento voluntário do recurso à execução específica, pelo que aquela notificação não poderia ter como objectivo facultar aos promitentes-vendedores o recurso a este expediente legal.
3. Por outro lado, a afirmação inequívoca de que o contrato-promessa se encontrava resolvido é amplamente corroborada pela posição da outra promitente-vendedora nos autos do PER, ao deixar escrito – e aqui sem qualquer margem para titubeações interpretativas – o seguinte:
“18º
“Posto o que a “H...” incorreu em incumprimento definitivo, devendo o contrato considerar-se resolvido, aliás, como decorre dos termos da Notificação Judicial Avulsa já anteriormente aludida.
19º
Efectivamente, o não comparecimento no dia, hora e local designados para a realização da escritura de compra e venda de ações implicou o incumprimento definitivo da Devedora “H...” e, consequentemente, a resolução do contrato com todas as consequências legais”.
E não se venha dizer que, por se tratar de sujeitos passivos distintos (a promitente-vendedora B..., aqui impugnante, e a promitente-vendedora D..., subscritora daquele requerimento) a posição juridicamente assumida por uma não vincula a outra.
Ora, a partir do momento em que as promitentes-vendedoras B... e D... requereram, em conjunto, a notificação judicial avulsa e, consequentemente, apresentaram e perfilharam a mesma argumentação e formularam o mesmo pedido, em requerimento subscrito em conjunto pelos respectivos mandatários,
Mal se compreende que, a este passo, a promitente-vendedora B..., aqui impugnante, venha sustentar uma interpretação totalmente diversa da outra promitente-vendedora quanto aos efeitos daquela notificação judicial avulsa.
DO DIREITO AO CRÉDITO RECLAMADO NO PER
Conclui que” se os Autores almejam demonstrar, com a alegação de que o seu crédito sobre a promitente-compradora H... foi reconhecido judicialmente, que não houve resolução do contrato-promessa, estamos em crer que não lhes assistirá razão”.
Tanto que o seu crédito foi impugnado pela devedora H..., encontrando-se tal impugnação pendente de decisão, prevendo-se mesmo a continuação de tal acção.
DA ERRÓNEA FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Refere a AT: “A faculdade que a lei concede ao contraente não faltoso de fazer seu o sinal recebido (como sucedeu neste caso) constitui uma sanção indemnizatória devida pelo incumprimento definitivo do contrato, resultando também do n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil que a perda do sinal (ou o seu pagamento em dobro) configura uma efectiva (e quantificada) indemnização por força daquele mesmo incumprimento, sendo a única indemnização devida, excepto havendo estipulação em contrário”
Quanto ao sinal
E acrescenta: “É que o sinal, por um lado, funciona como um meio de coerção ao cumprimento do contrato e, por outro, tem o valor de verdadeira indemnização pré-fixada convencionalmente em caso de não cumprimento da obrigação de celebrar o contrato prometido.
Quanto aos lucros cessantes
Quanto aos lucros cessantes “pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho”, como tem sido entendido desde há longa data pela jurisprudência superior (v.g.¸ acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1978, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 277, p. 258)
Por sua vez, o próprio Código Civil, no n.º 1 do artigo 564.º, prevê que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
Ora, perante o exposto, face ao não cumprimento de uma obrigação por parte da promitente-compradora H... os impugnantes tiveram a “faculdade de fazer sua a coisa entregue” (os € 1.050.000,00 a título de sinal), nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, o que se configura como uma indemnização por lucros cessantes prevista no n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil.
Na verdade, estamos perante um verdadeiro incremento líquido do património individual dos aqui impugnantes, na medida em que viram o seu património aumentado naquela exacta medida, sem que tenha havido qualquer consequente redução de bens ou direitos dos mesmos, uma vez que continuam a deter 50% da propriedade da empresa C... SA. contrato prometido”.
4. Matéria de direito
A norma que constitui o suporte da liquidação e que aqui está em causa (se na sua previsão e estatuição comporta a factualidade alegada na fundamentação) é a seguinte:
Artigo 9.º
Rendimentos da categoria G
1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
...
b) As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, excetuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão;”
O que está em causa são as parcelas de 200 000,00 euros e 850 000,00 euros (contrato de 27.05.2010 e aditamento de 31.08.2010) recebidas pelos Requerentes a título de sinal e princípio de pagamento, em contrato de promessa de venda de ações da empresa (alíneas E) e K) da matéria de facto).
Em termos de fundamentação do atos de liquidação recorridos (a que consta no RIT) o cerne do que a AT considerou foi o seguinte:
“... o não comparecimento da requerida (...) será entendido pelos requerentes como intenção da requerida em não cumprir, em definitivo, os contratos celebrados (...), sem necessidade de qualquer outra interpelação admonitória para o efeito””, razão pela qual se conclui que “a notificação judicial avulsa alude à consequência de se considerar que a compradora não pretende cumprir o contrato em definitivo, caso não comparecesse à escritura, e abstendo as partes vendedoras de qualquer outro ato tendente à concretização da mesma. Assim, não restam dúvidas quanto às consequências legais e aos factos jurídico-tributários decorrentes da notificação judicial avulsa".
Concluiu a AT que “...é de considerar que as promitentes vendedores consideraram o contrato de promessa definitivamente incumprido, em 20 de dezembro de 2012, com a não comparência da promitente-compradora após notificação judicial avulsa, pelo que se verifica um incremento patrimonial sujeito a tributação no período de 2010, conforme decorre da alínea b) do n.° 1 e do n.º 4, ambos do artigo 9º do Código do IRS”
Este é o cerne do fundamento da liquidação, que tem, desde logo, uma vulnerabilidade, pois fala da “intenção da requerida”, ou seja, da promitente-compradora e não dos promitentes-vendedores ou Requerentes. Extrair desta passagem que ocorreu recusa definitiva do cumprimento do promitente-comprador ou perda definitiva de interesse dos credores, factos que devem ser apreciados objetivamente, configura-se de difícil sustentação.
Para além disso, configurar, que daqui resulta automaticamente a resolução do contrato de promessa, sem que exista uma comunicação inequívoca nesse sentido à contraparte, comunicando ainda que o sinal passa a ser considerado pertença da promitente-vendedor, configura-se de difícil sustentação.
O que se acaba de referir não é afastado pelo facto dos Requerentes, em processo do PER contra a H..., terem usado na retórica expositiva, as expressões que usaram, pela simples razão de que, tais factos, não se encontram provados, em processo contraditório, por decisão judicial transitada em julgado, tanto mais que como diz a Requerida na Resposta o crédito foi impugnado pela H... encontrando-se tal impugnação dependente de decisão.
Por outro lado, tais expressões, encerram em si, conclusões sobre matéria de direito que sendo produzidas por uma parte não vinculam o julgador (nº 3 do artigo 5º do CPC) saídas certamente da pena de advogado que não está demonstrado ter poderes para confessar.
Por outro lado, os atos de liquidação impugnados têm uma fundamentação (a do RIT e consta em resuma na matéria assente) que é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do ato recorrido, não pode ser aqui acolhido.
Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os atos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).
Assim tudo o que é referido na Resposta da AT, quer neste processo e quer no processo do Tribunal de onde migrou, é irrelevante porque decorre do princípio bem estabelecido de que toda a fundamentação dos atos de liquidação tem de ser “contextual” – ie, tem, em princípio, de ser coeva de tais atos. Nesse sentido podem ver-se, a título exemplificativo, os Acórdãos do STA de 22 de Março de 2018, proferido no proc. 0208/17 (10), de 11 de Dezembro de 2019 , proferido no proc. 0859/04.2 BEPRT (11) e de 28 de Outubro de 2020, proferido no proc. 02887/13.8BEPRT(12).
(10 Cujo Sumário é: “A fundamentação dos actos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”.”.
(11) Cujo Sumário é: “A fundamentação do acto tributário deve ser contextual e contemporânea da sua prática, não sendo permitida a invocação superveniente de fundamentos que, embora objectivamente existentes, não constam da motivação expressa do acto.”.
(12) Cujo Sumário é: “I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou”.
A AT na fundamentação da liquidação recorre à norma do artigo 564º do CC que se refere ao “cálculo da indemnização”, e invoca que o sinal em posse dos Requerentes passou a constituir “lucros cessantes” (previsão da norma do referido artigo) desde a data em que tinham a faculdade de o fazer seu.
Quanto à questão dos lucros cessantes parece elucidativo o que se refere v.g. no acórdão do STJ, 23-5-1978: BMJ, 277.-258 “Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho”.
A norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS refere textualmente, quanto aos “lucros cessantes”, que apenas o serão as indemnizações que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.
Ora, não se vislumbra que tenham sido indicados na fundamentação da liquidação os concretos benefícios líquidose muito menos configurada a lesão e o seu nexo de causalidade.
Estamos, pois, perante um erro de interpretação, uma vez que os factos alegados não integram a previsão da norma invocada para a liquidação dos IRS (alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRS).
A este propósito vejamos o que se refere na decisão CAAD P 300/2019-T: “... mesmo que se entenda que relativamente às indemnizações que visem reparar danos não patrimoniais e danos patrimoniais seja indiferente saber a que danos se reportam, desde que os seus montantes não estejam comprovados nos termos previstos nessa alínea b), (como se terá entendido na decisão arbitral do CAAD, proferida no Processo n.º 42/2012-T) o mesmo não sucede quantoàs indemnizações que visem reparar lucros cessantes, pois, neste caso, o IRS não incide sobre a totalidade da indemnização, mas apenas sobre a parte que se destine «a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão».
O que significa que, para efeitos do enquadramento de qualquer indemnização nesta norma, tem de se apurar qual a finalidade visada pela indemnização e, no caso de se apurar que, na totalidade ou parcialmente, visa reparar lucros cessantes, uma conclusão no sentido de que se inclui no âmbito de incidência do IRS, depende da identificação e quantificação de uma parte da indemnização que visa «ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão».
Não se provou que as ações da empresa estavam cotadas em bolsa.
O raciocínio expendido pela Requerida parece assentar na consideração que se tratava de contrato de promessa de venda de valores mobiliários cotados em bolsa, em que o valor é o da cotação de mercado, e, portanto, um ativo que pode ser vendido no mercado secundário de ações.
É que, como fundamento do ato impugnado refere “estamos perante um verdadeiro incremento líquido do património individual do sujeito passivo B..., na medida em que viu o seu património aumentado em 1.050.000,00 euros, sem que tenha havido qualquer consequente redução de bens ou direitos da mesma, uma vez que continua a deter 50% da propriedade da empresa C... S.A.”
Ou seja, parte-se da errada consideração de que estamos perante ações transacionáveis pelo valor mercado, pois só assim se entende a expressão “incremento líquido” do sinal somando-o com o valor atribuído às ações, aferido, no caso, ao “goodwill” do estabelecimento de farmácia de oficina e não a qualquer cotação na Bolsa de Valores Mobiliários.
Note-se ainda, que se provou que o promitente-comprador das ações (a H...) era também o cessionário da exploração do estabelecimento de Farmácia, que era a fonte geradora de rendimentos, constituída, quer pelo alvará de licenciamento, quer pelo “goodwill” (trabalhadores, fornecedores e clientela) e pagava à empresa cedente da exploração (cujas ações tinham sido objeto de promessa de venda) 7.500,00 euros por mês.
Assim, o promitente-comprador das ações que entregou o sinal era também cessionário do estabelecimento e assim continuou, pelo que muito embora os promitentes-vendedores detivessem formalmente as ações (que de nada lhes serviam enquanto activo disponível para venda no mercado secundário), não tinham qualquer acesso ao “goodwill” da empresa, porque a cessão de exploração continuou vigente e na posse do promitente comprador das ações, pelo menos até 2012 (data limite colocada no primeiro contrato de cessão de exploração). Recebiam sim os Requerentes mediatamente (como acionistas se é que alguma distribuição de dividendos foi feita), e imediatamente a empresa cedente da exploração, percute-se, uma prestação mensal acrescida de IVA, o que mostra que o contrato de promessa estava intimamente ligado ao de cessão da exploração.
Perder o interesse na relação contratual de promessa de venda das ações, teria que implicar a perda coetânea na subsistência do contrato de cessão de exploração.
Não vemos, pois, que destes factos, se possa retirar, objetivamente, que os promitentes-vendedores das ações tenham perdido definitivamente e inequivocamente o interesse na prestação (realização do contrato definitivo) nos termos do artigo 808º - 2 do CC, pois que, além do mais, não se provou que o contrato de cessão de exploração – intimamente ligado ao contrato de promessa - cessou logo após os factos alegados constantes dos factos L) e M) da matéria de facto provada.
Tudo indica que continuou a sua vigência, mesmo na situação de sujeição ao PER, conforme resulta dos factos constantes da alínea N) dos factos provados e mais concretamente do que foi apurado em O) da matéria de facto (sentença judicial de 03.08.2024).
É de concluir que a quantia atribuída aos Requerentes como sinal e princípio de pagamento não visou reparar danos ou lucros cessantes, pelo que não há suporte factual para enquadramento na previsão normativa da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS.
De qualquer forma, mesmo que se entendesse que existiam dúvidas sobre a finalidade e qualificação da quantia entregue aos Requerentes, elas não poderiam deixar de se considerar fundadas, pelo que se referiu, o que bastaria para justificar a anulação das liquidações impugnadas, em conformidade com o preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Assim, procede o pedido de pronúncia arbitral, por vício de desconformidade sobre os pressupostos de facto e sobre os pressupostos de direito, que justificam a anulação da liquidação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Questões de conhecimento prejudicado
Tendo-se concluído pela verificação de desconformidade subsumível à alínea a) do artigo 99º do CPPT o que impõe a anulação das liquidações impugnadas, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), está prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelas partes.
5. Pedido de indemnização “por quaisquer montantes já pagos, bem como pela garantia indevidamente prestada Restituição das importâncias indevidamente retidas e juros indemnizatórios”
Os Requerentes não pedem expressamente ao Tribunal a condenação da AT em juros indemnizatórios, pelo que, não haverá pronúncia sobre esta matéria.
No entanto, pedindo os Requerentes “indemnização por quaisquer montantes já pagos” e não tendo alegado e provado o que já foi pago, o Tribunal só poderá entender que se trata de pedido de reconhecimento ao reembolso dos montantes já pagos em termos gerais.
Nos termos da al. b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Isto está, pois, em perfeita sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Anulando-se, como se vai anular, os atos de liquidação, os Requerentes têm direito ao reembolso do valor que indevidamente tenham pago.
Indemnização por garantia indevida
Os Requerentes pedem indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida, consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, é manifesto que o erro subjacente à liquidação de IRS, juros compensatórios e IRC é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as liquidações resultaram de ato da AT em desconformidade com a norma legal invocada para a sua emissão.
Por isso, os Requerentes têm direito a indemnização pela garantia prestada que é corresponde às despesas comprovadas que teve e vier a ter pela sua emissão e manutenção.
6. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular as liquidações de IRC (incluindo juros compensatórios) constantes da alínea S) dos factos provados, no valor total de € 527 569,66;
b) Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias que os Requerentes tenham comprovadamente pago;
c) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do pagamento de indemnização por prestação de garantia correspondente a todos os gastos que comprovadamente tenham suportado decorrentes dessa prestação e liquidar em execução de julgado.
7.Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 527 569,66, indicado pelos Requerentes sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8 262,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 22 de Setembro de 2025.
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Presidente)
Augusto Vieira
(Árbitro Adjunto e Relator)
Sónia Martins Reis
(Árbitra Adjunta)