SUMÁRIO:
1. O pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT é reconhecido como um meio administrativo equivalente à reclamação graciosa prevista nos artigos 132.º e 133.º do CPPT.
2. Nos casos em que há lugar a retenção da fonte a título definitivo, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LGT.
3. A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia, gozando de primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais.
4. As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3, do artigo 22.º do EBF, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os OIC que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado terceiro, violam os princípios da liberdade de circulação de capitais e da não discriminação, consagrados nos artigos 18.º e 63.º do TFUE.
5. Tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia decidido que o artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que determina que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção, mesmo incidindo sobre estes outras formas de tributação, têm os tribunais nacionais de invalidar as liquidações correspondentes.
ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros José Poças Falcão (Presidente), José Nunes Barata e Jónatas Machado (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1 RELATÓRIO
1. A..., Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., Alemanha, (doravante designado “Requerente”), veio, em 04.04.2025, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral coletivo com designação de árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 07.04.2025, e automaticamente notificado à Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os três árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 29.05.2025.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico e, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 18.06.2025.
5.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 01.09.2025, onde, por exceção e impugnação, sustentou a improcedência do pedido, por não provado, e a absolvição da Requerida.
6. Por não ter sido requerida e ter sido considerada desnecessária a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o Tribunal Arbitral, em 05.09.2025, proferiu despacho com dispensa da mesma, concedendo às partes o prazo simultâneo de 15 dias para alegações finais, tendo a Requerente apresentado as suas em 26.09.2025 e a Requerida em 29.09.2025.
1.1 Dos factos alegados pelo Requerente
7. O A...é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, encontrando-se inscrito junto da Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação (“BaFin-Id”) ... .
8. O Requerente é sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país, detendo investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, sendo detentor, nos anos de 2019 a 2022, de participações sociais da sociedade residente em Portugal B... SGPS S.A, tendo, na qualidade de acionista desta sociedade, recebido dividendos sujeitos a tributação em Portugal – por retenção na fonte liberatória, às taxas de 25% e 35%, previstas no n.º 4 do artigo 87.º do CIRC –, no montante total a seguir discriminado:

9. Conforme resulta do quadro mencionado no ponto acima, o Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2019 a 2022, a quantia total de imposto de 95.534,61€, entregue através das guias n.ºs ..., ..., ..., ... e ..., as quais constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, sendo que na ótica do Requerente – e conforme já foi confirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
10. Neste sentido, no dia 05.05.2023, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal, tendo sido notificado, no passado dia 06.01.2025, da decisão final de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa com o fundamento de que “…não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável”, acrescentando que embora, no caso em apreço, o Requerente seja residente fiscal na Alemanha, o mesmo não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.
11. Não se conformando com a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa proferida pela AT, não só porque esta se destitui do seu papel decisório, mas também porque, ao ensaiar uma interpretação “conforme ao direito europeu, acabou por decidir de forma desfavorável aos contribuintes, incorrendo em evidente vício de violação de lei, o que motiva a apresentação do presente pedido arbitral.
1.2 Argumentos das partes
12. O Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações acima mencionadas com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:
a) No seu acórdão proferido no caso, C-545/19, AllianzGI-Fonds AEVN, de 17.03.2022, o TJUE declarou que “[o] artigo 63.° TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”;
b) O regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4 e 87.º, n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE;
c) Nos termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro Estado-membro da UE beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF;
d) A tributação em sede de IRC suportada pela A... é indevida porquanto a mesma só ocorreu por esta ser um OIC não residente em território nacional, sendo certo que um OIC residente, nas mesmas condições, estaria exonerado de tributação sobre tais rendimentos, nos termos do artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF;
e) A não aplicação do benefício fiscal à A... consubstancia uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, o que determina a ilegalidade dos atos tributário e decisório sub judice, impondo-se, por isso, a respetiva anulação com a consequente restituição dos montantes indevidamente retidos na fonte em território nacional, acrescidos do pagamento de juros indemnizatórios;
f) Por força do benefício fiscal atribuído aos OIC residentes – i.e., aos que «se constituam e operem de acordo com a legislação nacional» – pelo artigo 22.º do EBF, a tributação de OIC não residentes afigura-se mais gravosa do que a tributação de OIC residentes em território nacional, o que reflete uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE;
g) A A... não só se encontra sujeita a retenção na fonte nos termos gerais, como não será desonerada de tributação a final pela perceção de dividendos distribuídos, nos termos do artigo 22.º, n.os 1 e 3, do EBF, ao passo que um OIC residente em Portugal, colocado, quanto ao mais, em posição análoga à da A..., beneficiaria da dispensa de retenção e da exclusão de tributação em sede de IRC previstas no artigo 22.º, n.os1, 3 e 10, do EBF;
h) É manifesta a diferença de tratamento tributário subjacente à perceção de rendimentos por OIC não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal – tributados através de retenção na fonte na modalidade de pagamento por conta do imposto devido a final, sem poderem beneficiar de qualquer isenção (subjetiva ou objetiva) de tributação – quando comparado com o tratamento conferido a OIC residentes em posição análoga – que, beneficiando da isenção de imposto relativamente aos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não são sujeitos a tributação em sede de IRC pela perceção de tais rendimentos;
i) O benefício fiscal consagrado no artigo 22.º do EBF, visando a não tributação da generalidade dos rendimentos auferidos por OIC residentes em Portugal, é bem mais favorável do que a tributação conferida aos OIC não residentes e sem estabelecimento estável em território português;
j) A A... apenas é sujeita a tributação em sede de IRC, mediante retenção na fonte com natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, relativamente aos rendimentos obtidos, por se tratar de um OIC residente na Alemanha – ou seja, não residente e sem estabelecimento estável em território nacional –, sendo o requisito para a desoneração tributária constante do artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF impossível de observar por tal circunstância;
k) Um regime de exclusão de tributação fundado exclusivamente no facto de o beneficiário dos rendimentos estar localizado em Portugal consubstancia uma discriminação injustificada em função do lugar da residência (proibida pelo artigo 18.º do TFUE e restritiva da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE), na medida em que coloca os OIC residentes em território nacional que aufiram rendimentos prediais numa situação de vantagem relativamente aos OIC residentes noutros Estados-membros da União Europeia que percecionem rendimentos da mesma natureza;
l) O tratamento discriminatório operado pelo artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF encontra-se em flagrante violação do artigo 63.º do TFUE, ao constituir uma a restrição à liberdade de circulação de capitais – que proíbe um tratamento diferenciado de uma situação transnacional por parte de um Estado membro comparativamente a uma situação interna (nacional) que partilhe com aquela uma identidade quanto aos seus aspetos essenciais – e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito interno, facto que deverá determinar a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributário e decisório sub judice, nos termos do artigo 163.º do CPA, o que desde já se requer para os devidos efeitos legais;
m) A legislação portuguesa – maxime, os artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.os 1, alínea c), 3 e 6, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF – impõe às duas situações acima identificadas um tratamento fiscal distinto: numa situação puramente doméstica – na qual uma sociedade localizada em Portugal pague rendimentos de capitais a um OIC residente em território nacional –, tais rendimentos não são sujeitos a retenção na fonte, nem a qualquer outro tipo de tributação direta pelo Estado português; diversamente, numa situação intraeuropeia – na qual uma sociedade localizada em Portugal distribua dividendos a um OIC residente noutro Estado-membro da União Europeia –, tais rendimentos estão sujeitos a tributação em sede de IRC mediante retenção na fonte em Portugal;
n) Esta diferença no tratamento fiscal de uma situação puramente doméstica e de outra intraeuropeia colocou a A... numa situação claramente desfavorável em comparação com um OIC residente em Portugal, constituindo um exemplo claro de discriminação por parte do Estado português entre OIC residentes e OIC não residentes em território nacional;
o) No que respeita à comparabilidade das situações, enquanto critério na avaliação da conformidade de determinado normativo com o Direito da UE, cumpre clarificar, em linha com o que vem sendo professado pelo TJUE, que a partir do momento em que um Estado-membro estende a sua soberania tributária a contribuintes não residentes, sujeitando, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre o rendimento, não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente a dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos contribuintes 14 não residentes é comparável à situação dos contribuintes;
p) A partir do momento em que a A..., auferindo rendimentos de fonte portuguesa, se encontrava numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal, deveria ter sido tratada de modo idêntico e, como tal, deveria ter-lhe sido aplicado o benefício fiscal previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF em termos equivalentes aos conferidos aos OIC constituídos ao abrigo da legislação portuguesa;
q) Não tendo tal sucedido, o regime derivado do artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF traduz-se num tratamento fiscal manifestamente discriminatório dos OIC não residentes em Portugal, consubstanciando uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;
r) No cenário de procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, para além do direito ao reembolso do montante de imposto indevidamente retido na fonte, o Requerente terá ainda direito à perceção de juros indemnizatórios com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
13. A AT, contestando por exceção e impugnação, defende a manutenção do ato impugnado com base nos fundamentos sinteticamente elencados:
Exceção dilatória de incompetência do tribunal
a) Nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) O Requerente, na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, tendo em conta que o pedido de revisão foi rejeitado liminarmente por intempestividade relativamente aos anos de 2019 e 2020, não podendo o procedimento administrativo de revisão oficiosa substituir a reclamação graciosa prevista nesse artigo, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no respetivo n.º 1.
c) A interpretação da vinculação da AT não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação, só não sendo assim se a sua posição implicasse a frustração total do objetivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso;
d) Tal vinculação traduz-se numa reserva da Administração – representada pelos Ministros das Finanças e da Justiça – e é objeto de uma limitação concreta, por via de exceções expressamente identificadas, entre as quais as pretensões tendentes à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT;
e) Não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, no prazo de 2 anos, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que o Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, na medida em que sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem 4 anos para o fazer, mas o prazo de 2 anos da reclamação graciosa, visto que, não tendo havido erro imputável aos serviços na liquidação, cessa, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação;
f) Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a), do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT;
Exceção dilatória de inimpugnabilidade
g) O n.º 3 do artigo 132.º do CPPT especifica, à semelhança do que sucede em caso de erro na autoliquidação, a que se refere o artigo 131.º, que a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração de rendimentos, tendo essa disposição igualmente aplicação quando a impugnação judicial seja deduzida pelo substituído, visando tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa;
h) Atento o termo do prazo de entrega do imposto retido pelas guias submetidas em 21.06.2019, 19.08.2020, 19.01.2021, 18.06.2021 e 15.06.2022 e a data do pedido de revisão oficiosa – 05.05.2023, o prazo previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT para o pedido por iniciativa do requerente já se encontrava ultrapassado, em relação às guias submetidas nos períodos de 21.06.2019, 19.08.2020 e 19.01.2021, na medida em que, tratando-se do (i) substituído tributário, (i) tendo a retenção na fonte sido efetuada a título definitivo e, (iii) tendo invocado retenção indevida de imposto, é de aplicar o n.º 3 do art.º 137.º do CIRC, norma especial face ao artigo 132.º n.ºs 3 e 4 do CPPT);
i) O pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT, relativamente aos atos de retenção na fonte realizados entre de maio de 21.06.2019 e 19.01.2021, pelo que se verifica a inimpugnabilidade desses atos tributários por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto, uma vez que aquele pedido foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT;
Impugnação das razões do Requerente
j) Relativamente à entrega do imposto retido nos Cofres do Estado pelo substituto tributário, C... SA, NIF ..., foram identificadas as guias de retenção n.ºs ... (2019-05) e ... (2020-07), relativamente à entrega do imposto retido nos Cofres do Estado pelo substituto tributário D... AG, NIF ..., foi identificada a guia de retenção n.º ... (2020-12)e relativamente à entrega do imposto retido nos Cofres do Estado pelo substituto tributário E..., NIF ..., foram identificadas as guias de retenção n.ºs ... (2021-05) e ... (2022-05), todas, estas apresentam valores muito superiores ao reclamado;
k) O Requerente não faz prova de que é um OIC e não comprovou que lhe foi conferida uma isenção e que não consegue recuperar o imposto pago a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro;
l) A situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas;
m) É o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente;
n) O princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença, encontrando-se as alegadas diferenças de tratamento plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português;
o) A residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.
p) A proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não impede os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
q) O Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal, tendo sido criada, paralelamente a esta opção legislativa de aliviar estes sujeitos passivos da tributação em IRC, uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC;
r) Optou-se por uma tributação na esfera do IS tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;
s) Está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período;
t) E ainda que o OIC não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores;
u) A legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em conformidade e não contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE;
v) A administração tributária, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias [ex vi do artigo 2.º alínea c) da LGT;
w) Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
x) O Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da próprio Requerente ou dos investidores, não podendo afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente;
y) A jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal;
z) Para avaliar se a legislação nacional aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num estado membro, impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem;
aa) Só assim é possível concluir se existe uma discriminação negativa dos fundos de investimento com as características do Requerente, que resulte numa desvantagem suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;
bb) Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT).
1.3. Saneamento
14. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade processual e mostram-se devidamente representadas.
15. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
16. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
2 FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Factos dados como provados
17. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
a) A A..., é um Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., Alemanha; (Doc. 1)
b) A A... constituída sob a forma contratual e não societária, encontrando-se inscrita junto da Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação (“BaFin-Id”) 70142737.;
c) A A... é sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país; (Doc.1)
d) A A... detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, sendo detentor, nos anos de 2019 a 2022, de participações sociais da sociedade residente em Portugal B... SGPS S.A; (Docs. 2, 3)
e) Nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, o Requerente era detentor de um lote de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, tendo recebido, na qualidade de acionista dessas sociedades, dividendos sujeitos a tributação em IRC em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos (Docs. 2 e 3);
f) Foi efetuado o pagamento dos dividendos ao Requerente e o Requerente é o beneficiário efetivo dos rendimentos, tendo os mesmos sindo sujeitos a retenção na fonte e que o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal; (Docs. 2,3)
g) Na qualidade de acionista desta sociedade, a A... tem recebido dividendos sujeitos a tributação em Portugal – por retenção na fonte liberatória, às taxas de 25% e 35%, previstas no n.º 4 do artigo 87.º do CIRC –, no montante total de 95.534,61€; (Doc. 2, 3)
h) No dia 05.05.2023, a A... apresentou pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2019,2020, 2021 e 2022, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal; (Doc. 4)
i) No dia 06.01.2025, a A... foi notificada da decisão final de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, tendo pedido constituição do presente tribunal arbitral. (Doc. 5)
2.2 Factos não provados
18. Com relevo para a decisão do caso em juízo, não existem factos dados como não provados.
2.3 Motivação
19. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
20. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
2.4 Questões decidendas
2.4.1 Exceções dilatórias
21. A competência dos tribunais para decidir sobre determinada matéria é uma questão de ordem pública e deve ser analisada antes de qualquer outra. Assim, independentemente da ordem em que as questões prévias sejam apresentadas, é obrigatório verificar primeiro se o tribunal tem competência material, conforme decorre dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do CPTA, aplicáveis por remissão da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
22. Neste caso, a Autoridade Tributária (AT) invocou a exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral, com base no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011. Alegou que os atos de retenção na fonte impugnados não foram precedidos de reclamação graciosa dentro do prazo legal, o que, segundo a AT, impede o tribunal arbitral de apreciar o pedido.
23. Contudo, essa alegação não procede. O pedido de revisão oficiosa é reconhecido como um meio administrativo equivalente à reclamação graciosa, desde que apresentado antes da ação arbitral. Esta interpretação tem sido reiterada pela doutrina e jurisprudência nacionais.
24. Embora os artigos 131.º e 132.º do CPPT mencionem apenas a reclamação graciosa, deve entender-se que também abrangem o pedido de revisão previsto no artigo 78.º da LGT. O objetivo dessas normas é assegurar que a AT tenha oportunidade de se pronunciar previamente sobre erros na autoliquidação ou nas retenções na fonte, evitando litígios desnecessários e racionalizando o recurso à justiça.
25. A doutrina e jurisprudência reconhecem que o pedido de revisão oficiosa é um meio de impugnação administrativa com prazo mais alargado, funcionando como porta de entrada para a via contenciosa, tal como a reclamação graciosa. A exigência de uma reclamação graciosa prévia visa permitir à AT intervir em atos que não foram por ela praticados, como autoliquidações ou retenções feitas pelo contribuinte.
26. O pedido de revisão oficiosa cumpre essa função de análise prévia, e excluir a arbitragem apenas por não ter sido usada a reclamação graciosa violaria o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP).
27. A Portaria de Vinculação refere expressamente que a arbitragem está excluída para pretensões que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT. Isso significa que se exige um procedimento administrativo prévio, não necessariamente uma reclamação graciosa. Seria incoerente interpretar esses artigos de forma diferente consoante se trate de tribunais administrativos ou arbitrais.
28. Além disso, a revisão oficiosa é claramente um procedimento administrativo, como reconhecido em decisões arbitrais anteriores (processos n.º 245/2013-T e 678/2021-T). O Tribunal Central Administrativo Sul também tem decidido favoravelmente à admissibilidade da arbitragem em casos de indeferimento de pedidos de revisão, mesmo sem reclamação graciosa, como se vê no acórdão de 26.05.2022 (processo n.º 96/17.6BCLSB), entre outros. Acresce que o Tribunal Constitucional decidiu “não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.[1]”
29. Importa ainda sublinhar que o verdadeiro problema jurídico reside na verificação das condições de impugnabilidade do ato tributário, e não na competência do tribunal. O que está em causa é a existência de uma interpelação administrativa prévia, que constitui um requisito processual para que o ato possa ser contestado judicialmente. Assim, mesmo que o tribunal fosse competente, se esse requisito não estivesse cumprido, o ato seria inimpugnável.
30. Em conclusão, quer se trate de uma questão de competência do tribunal ou de impugnabilidade do ato, a exceção levantada pela AT não tem fundamento. A melhor interpretação das normas aplicáveis é a de que os pedidos de revisão oficiosa constituem meios válidos de impugnação administrativa, permitindo o acesso à arbitragem tributária. Por isso, o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar o pedido, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011.
31. A AT suscita a questão da inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte praticados em 2019, 2020 e 2021, por o pedido de revisão oficiosa não ter sido apresentado «no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto», invocando o preceituado no artigo 98.º, n.º 7, do CIRC.
32. No caso em apreço, estamos perante retenção na fonte a título definitivo pelo substituto fiscal, e o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção na fonte é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LGT. Esta é também a posição jurisprudencialmente dominante, ainda que com nuances, ao nível da fundamentação.
33. O Acórdão do STA, de 9/11/2022, proferido no âmbito do processo n.º 087/22087/22.5BEAVR sustentou que “assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária”, esclarecendo que se justifica «igualmente nestas situações que os erros praticados no ato de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78º da LGT, pois está fora de questão responsabilizar o contribuinte pela atuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos».
34. Na mesma linha, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de março de 2023, processo 02087/15.2BEPRT, que «os atos de retenção na fonte devidamente comunicados aos serviços da administração tributária competente cabem no conceito de «atos de liquidação» para os efeitos da sua impugnação administrativa e da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária em particular», explicando que «não faria sentido algum que o legislador alargasse o direito à revisão aos atos de autoliquidação e deixasse de fora os atos de retenção na fonte, praticados por alguém que não é administração e que se substitui ao contribuinte».
35. Por outro lado, como também se refere neste mesmo aresto, «a revisão dos atos tributários não é um meio excecional de defesa contra os atos tributários, mas um meio alternativo ou complementar dos meios administrativos ou contenciosos» e «não é pelo facto de o artigo 137.º, n.º 2, referido não fazer referência à revisão dos atos de retenção na fonte que se deve concluir que o contribuinte não possa recorrer a este meio de defesa».
36. Ainda na mesma linha, relativamente a atos de autoliquidação em que o contribuinte incorrera em erros, mas com fundamentação que, por maioria de razão, vale para os casos de liquidação por terceiro, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de janeiro de 2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária».
37. No caso em apreço, não houve qualquer intervenção do Requerente na prática dos atos de retenção na fonte, pelo que, desde logo, não há fundamento para considerar que o erro não seja imputável aos «serviços», entendidos como todos os intervenientes na liquidação dos tributos, para além do contribuinte. Por isso, podia ser utilizado o prazo de quatro anos a contar das liquidações, previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, para pedir a revisão oficiosa dos atos de retenção na fonte praticados em 2019 a 2021, pelo que se considera tempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado e improcedente a exceção por intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.
2.4.2. Retenção na fonte e liberdade de circulação de capitais
38. A questão decidenda diante deste Tribunal Arbitral diz respeito ao tema, recorrente na jurisprudência arbitral do CAAD, da compatibilidade do direito interno com o Direito da União Europeia, nomeadamente no tocante à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE e à incompatibilidade com o mesmo do regime de tributação previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, que estabelece um regime de tributação distinto consoante o beneficiário dos dividendos distribuídos por uma entidade residente em Portugal seja um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação nacional ou um OIC constituído e residente noutro Estado-Membro e a operar de acordo com a correspondente legislação no outro Estado-Membro.
39. No caso dos OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, os dividendos que lhes sejam distribuídos por entidades residentes em Portugal não são sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC. Por sua vez, os dividendos distribuídos a OIC constituídos, residentes e a operar em outro Estado-Membro aquando do respetivo pagamento, estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, em sede de IRC, de acordo com o disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4, todos do CIRC.
40. A questão de direito objeto do presente dissídio foi recentemente objeto de pronúncia pelo TJUE, no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN de 17 de março de 2022, proferido em sede do processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação que em termos fácticos apresentava características similares às dos presentes autos, e que opunha a AllianzGi-Fonds AEVN à Autoridade Tributária e Aduaneira. Esta questão foi suscitada pelo Tribunal Arbitral constituído no CAAD no processo n.º 93/2019-T em que estava em causa o mesmo enquadramento legal.
41. Considerando que a questão de direito em análise nos presentes autos é similar à suscitada em sede do referido acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, entende este Tribunal que a conclusão interpretativa do Tribunal de Justiça deve nesta sede ser aplicada, concluindo-se que o artigo 63.º do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro, neste caso de Portugal, por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
42. Efetivamente, à semelhança do que sucedia no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, o Requerente é:
- um Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, sob a forma contratual e não societária,
- encontra-se inscrito junto da Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira;
- não é residente nem dispõe de estabelecimento estável em território nacional;
- auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais residentes para efeitos fiscais em Portugal, tendo sido sujeito a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n. 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC, não tendo beneficiado do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF;
- não obteve um crédito de imposto relativo ao imposto que foi suportado em Portugal, na medida em que se encontra isento de imposto sobre as sociedades no seu Estado de residência;
- contestou a legalidade da referida retenção na fonte perante a Administração Tributária, sustentando que o regime consagrado no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, se traduz numa discriminação e restrição injustificada da livre circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que não seja aplicável a OIC não residentes em Portugal
- tal como no processo subjacente ao referido reenvio prejudicial em referência, a Administração Tributária fundamentou o ato tributário em crise nos presentes autos sustentando que o Requerente apenas não pode beneficiar do regime de tributação de dividendos previsto nos artigos 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, na medida em que é um OIC não residente em Portugal.
43. Nesta sede, o TJUE considerou que a situação em questão está contemplada no âmbito do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que consagra a livre circulação de capitais que determina que são proibidas “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estado-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19.
44. Acresce que atendendo a que a jurisprudência do TJUE, no que concerne à interpretação do Direito da União, tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, como resulta do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, impõe-se considerar a decisão do acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, nos termos do qual, e passamos a citar:
“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].”.
45. É, pois, nos termos expostos, indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OIC não residentes face aos OIC residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos recebidos de sociedades estabelecidas em Portugal [v. o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF conjugado com os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4 do Código do IRC].
46. Esta discriminação, nos termos enunciados pelo Tribunal de Justiça, não está em conformidade com direito da União Europeia, sendo que esta regra apenas é excecionada se se tratar de situações que não são objetivamente comparáveis; ou caso seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
47. No que concerne a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou em que haja uma razão imperiosa de interesse geral, segue-se o acórdão, nos termos do qual, como se cita:
“44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).
64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).
65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.
66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).
69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).
70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).
71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
48. Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral, prossegue o aresto do Tribunal do Luxemburgo que vimos citando;
“75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.
85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”.
49. Decorre, em suma, da apreciação do Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado da legislação portuguesa não pode ser aceite por se constatar a comparabilidade dos OIC residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique.
50. Neste âmbito, sublinha-se, em linha com a decisão arbitral no processo n.º 992/2023-T, de 4 de junho, que “Resulta também irrelevante a questão da possibilidade de, no estado da residência (do fundo ou dos seus investidores), ser recuperado o imposto pago em Portugal pois que a questão, pelo menos na perspetiva do TJUE é outra, a da legitimidade da tributação ocorrida em Portugal, porque considerada discriminatória.”
51. Considerando o exposto, e atendendo à interpretação do Tribunal de Justiça no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, que se reporta a uma situação idêntica à dos presentes autos, objeto do mesmo quadro legislativo, tem de se concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pelo Requerente, na qualidade de OIC não residente, consagrado no CIRC nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, sendo que os OIC residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
52. Na sequência da mencionada decisão, importa ter presente o Acórdão n.º 7/2024, de 26.02, em cujo sumário se refere que o Acórdão do STA de 28 de setembro de 2023, no Processo n.º 93/19.7BALSB - Pleno da 2.ª Secção Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos:
«1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.»
53. Acolhendo expressamente, pois, a orientação adotada pelo TJUE na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de março de 2022 (Processo n.º C-545/19), o STA remove, deste modo, as últimas dúvidas que pudessem subsistir quanto à consagração jurisprudencial da referida orientação. E isso não pode, evidentemente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa, e na decisão a que este Tribunal chega.
54. A necessidade de o Direito Europeu ser aplicado de modo uniforme em todo o território da União não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros, assim se compreendendo a importância do instituto do reenvio prejudicial na jurisdição europeia e do princípio da primazia de aplicação que confere ao juiz nacional o poder/dever de recusar a aplicação do direito nacional contrário ao direito da Uniâo Europeia, cujas normas, originárias ou derivadas, vigoram diretamente na ordem jurídica interna portuguesa (cf.artº.8, n.º.4, da CRP).
55. Termos em que se dá como procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas constantes da autoliquidação de IRC plasmada na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC n.º 3255-C4817-1, referente ao exercício de 2022, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, com a consequente restituição do imposto pago, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.
2.5. Juros indemnizatórios
56. O direito dos contribuintes ao reembolso e aos juros na sequência da cobrança de impostos em violação de normas da União Europeia decorre deste mesmo direito. Nesse sentido tem decidido o TJUE[2], que sublinha, precisamente, que “o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União”[3]. Não há, pois, que ir perscrutar nas disposições de direito interno se esse direito existe ou não. A resposta a essa questão é uma resposta de direito da União Europeia.
57. No entender do TJUE, “quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto”[4].
58. E mais afirma o TJUE, quando sublinha a relevância dos princípios da equivalência e efetividade nesta matéria, que cumpre ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro respeitar quando da previsão das condições em que tais juros devem ser pagos. Estes devem abster-se de impor condições menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno e de as organizar de modo a, na prática, impossibilitem ou dificultem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União.
59. Daqui resulta uma obrigação interpretativa e metódica europeia na abordagem do regime do regime substantivo do direito a juros indemnizatórios do artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que estes juros são devidos em caso de decisão judicial que julgue a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
60. Quanto aos juros indemnizatórios peticionados pelo Requerente, o Acórdão de uniformização de jurisprudência do STA de 28.05.2025 oferece uma resposta clara e precisa, conforme o correspondente sumário:
“Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia, e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respetiva nota de crédito.”
61. Note-se que os acórdãos recorrido e fundamento versam sobre um quadro factual idêntico à situação controvertida: OIC que auferiram dividendos em Portugal, os quais foram sujeitos a tributação por retenção na fonte. E tendo tais retenções sido declaradas ilegais por violação do princípio do tratamento nacional de Direito da União Europeia, em sede de livre circulação de capitais, que obriga a que o regime nacional de dispensa de retenção na fonte aplicado às entidades beneficiárias residentes seja também aplicado às entidades beneficiárias não residentes, verifica-se um erro imputável à AT.
62. Esse entendimento foi pouco depois reiterado pelo STA, em termos inteiramente relevantes para o caso concreto, tendo-se dito:
I - O artigo 22º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais que decorre do artigo 63.º do TFUE. II - O Pleno da SCT do STA uniformizou jurisprudência no sentido, aqui inteiramente transponível, de que perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia, e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
63. No presente caso, em que foi apresentado e indeferido pedido de revisão oficiosa, é a partir da data do respetivo indeferimento que se inicia a contagem dos juros indemnizatórios, devendo os mesmos ser contados até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
3 DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado;
b) Anular os atos tributários de retenção na fonte, de IRC, efetuados a título definitivo, sobre os dividendos auferidos de fonte portuguesa, nos exercícios de 2019 a 2022, a que correspondem as guias n.ºs..., ..., ..., ... e ..., no valor global de 95.534,61€, conforme pedido;
c) Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aqueles atos tributários;
d) Condenar a Requerida no reembolso dos valores das retenções indevidas com juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, desde data em que se operou o indeferimento da reclamação graciosa;
e) Condenar a Requerida no pagamento das custas deste processo atento o seu decaimento.
4 VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 95.534,61€, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
5 CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2 754.00 €, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se,
Lisboa, 30 de setembro de 2025
Os Árbitros
José Poças Falcão
(Presidente)
José Nunes Barata
Jónatas E. M. Machado
[1] Acórdão do TC n.º 244/18, de 11.05.2018, Processo n.º 636/17.
[2] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013, e jurisprudência aí citada.
[3] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013. § 22.
[4] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013. § 20,