Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1243/2024-T
Data da decisão: 2025-07-07  IRS  
Valor do pedido: € 19.269,40
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da Lide
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SUMÁRIO: 

 

A revogação pela AT do ato de liquidação impugnado pelo Requerente, implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um ato que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida revogação, e respetiva aceitação, o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral.

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 04.02.2024, decide no seguinte: 

 

I.       RELATÓRIO

1.     A…, portador do cartão de cidadão n.º …, válido até …, com o número de contribuinte fiscal …, casado com B… no regime da separação de bens, de nacionalidade portuguesa, residente na Rua … Azambuja (doravante designado por “Requerente”), nos termos do disposto do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA (doravante, “Requerida” ou “AT”), peticionando a pronúncia deste Tribunal sobre a liquidação de IRS relativa ao ano de 2023, identificada com o n.º 2024…., com valor a pagar correspondente a 19.269,40 € (dezanove mil, duzentos e sessenta e nove euros e quarenta cêntimos), respetivo reembolso, acrescido de juros indemnizatórios.

2.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 28.11.2024, e em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66¬B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a AT.

3.     A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos. 

4.     Em 16.01.2025, as partes foram devidamente notificadas da designação do árbitro, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

5.     Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 04.02.2025, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

6.     Para fundamentar o seu pedido, alegou o Requerente, sumariamente, que o ato de liquidação ora impugnado (liquidação de IRS n.º 2024….) é ilegal e inconstitucional, por violação, respetivamente, do artigo 50.º, n.º 7 e 8 da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro e dos princípios constitucionais da confiança, da proteção, da boa-fé e da segurança jurídica. Entende que, os rendimentos prediais auferidos pelo Requerente, referentes ao exercício de 2023 não podem ser alvo de tributação à taxa autónoma de 25%, mas sim, ao invés, à taxa de tributação autónoma de 5%. A norma transitória prevista no artigo 50.º, n.ºs 7 e 8 da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro deve ser interpretada como uma salvaguarda do direito adquirido pelo Requerente que já beneficiava de uma taxa reduzida de tributação antes da entrada em vigor da Lei n.º 56/2023. A nova redação do artigo 72.º do Código do IRS que, entre outros, restringiu a aplicação do benefício fiscal de tributação à taxa de 5% aos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento em imóveis em área de reabilitação urbana, entrou apenas em vigor no dia 7 de outubro de 2023. 

7.     Em 04.02.2025 foi proferido o despacho previsto no artigo 17.º do RJAT, mandando-se notificar a AT para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar Resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional. 

8.     Em 14.03.2025 a Requerida apresentou um requerimento para que lhe fosse concedida uma prorrogação do prazo para apresentação da Resposta e junção do processo administrativo instrutor por mais 15 dias contados do termo do prazo, de forma a garantir que a AT exerça, eficazmente, o seu direito de defesa, o qual, presentemente, se encontra coartado por razões alheias aos ora subscritores.

9.     Em 20.03.2025 foi proferido despacho deste Tribunal, com referência ao requerimento para prorrogação do prazo para Resposta, determinando-se que, «Considerando os princípios da autonomia e garantia do contraditório, que regem o processo arbitral, defere-se a pretensão da Requerida para efeitos de prorrogação do prazo para apresentação da Resposta e junção do processo administrativo até ao dia 01 de abril de 2025, devendo a Requerida promover as melhores diligências para o efeito. Notifiquem-se as Partes.»

10.   Em 03.04.2025, a Requerida vem informar que «o ato em dissídio será revogado e que, a breve trecho, tal será comunicado formalmente ao aqui Requerente.»

11.   Em 14.04.2025 foi proferido despacho deste Tribunal, determinando-se que, «Tendo em consideração a informação de revogação do ato comunicada ao Tribunal no dia 03.04.2025, notifique-se a Requerida para, no prazo de 10 dias, informar o Tribunal das diligências efetuadas. Notifique-se.» 

12.   Em 11.06.2025 foi proferido despacho deste Tribunal, determinando-se que, «Tendo em consideração, 

1.   A Informação apresentada pela Requerida no dia 03.04.2025, no qual “vem informar que o ato em dissídio será revogado e que, a breve trecho, tal será comunicado formalmente ao aqui Requerente.”

2.   O despacho proferido por este Tribunal, a 14.04.2025, pelo qual se notifica a Requerida para, “no prazo de 10 dias, informar o Tribunal das diligências efetuadas.”

3.   Até à data, não foi rececionada a informação solicitada em resposta ao despacho indicado no ponto ii).

Vem este Tribunal notificar as Partes para que, ao abrigo do princípio da colaboração, informem o Tribunal, sobre as diligências ocorridas com respeito ao ato de liquidação objeto do presente pedido arbitral. Notifique-se.»

13.   Em 17.06.2025, a Requerida vem informar que «a revogação do ato em dissidio foi determinada por despacho da Subdiretora Geral do Rendimento em 01.04.2025, tendo já o mandatário do aqui Requerente sido notificada de tal revogação, cf. doc. ora junto». Junta cópia do Ofício n.º …, de 8.4.25, da Direção de Serviços do IRS (Divisão Administrativa). 

14.   Em 23.06.2025 foi proferido despacho deste Tribunal, determinando-se que «Notifique-se a Requerente para, perante a revogação do ato, informar este Tribunal, no prazo de 10 dias, se mantém interesse em prosseguir com a presente impugnação.»

15.   Em 02.07.2025, o Requerente vem informar que «não mantém interesse em prosseguir com a presente impugnação por impossibilidade da lide, por perda de objecto – cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT. As custas arbitrais deverão ser da responsabilidade da Requerida por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide – cfr. artigos 527.º e 536.º, nrs. 3 e 4, ambos do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.»

16.   Em 04.07.2025 foi proferido despacho deste Tribunal, determinando-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, ficando igualmente dispensadas as alegações finais. Foi o Requerente alertado para o pagamento do remanescente da taxa de arbitragem, dando cumprimento ao disposto no art. 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

II.       SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

O processo não enferma de nulidades. 

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.       MATÉRIA DE FACTO

Factos provados 

Na sequência do pedido arbitral formulado pelo Requerente, veio a Requerida efetuar a revogação do ato de liquidação de IRS n.º 2024…., do ano de 2023, ora impugnado, determinada por despacho da Subdiretora Geral do Rendimento em 01.04.2025 – cf. cópia do Ofício n.º …, de 8.4.25, da Direção de Serviços do IRS; e respetiva informação da Senhora Diretora Geral da AT, ambas juntas aos autos.

 

Factos não provados 

Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

 

Motivação da decisão da matéria de facto 

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação ao facto julgado provado. 

 

IV.       MATÉRIA DE DIREITO

17.   Com a Resposta apresentada pela Requerida, esta veio informar o Tribunal Arbitral da revogação do ato impugnado nos presentes autos (ato de liquidação n.º 2024.…), tendo junto posteriormente o despacho da Senhora Subdiretora-geral, de 01.04.2025 (Ofício n.º …, de 8.4.25, da Direção de Serviços do IRS). 

18.   Na sequência do referido despacho, e em resposta ao solicitado por este Tribunal, o Requerente vem informar que «não mantém interesse em prosseguir com a presente impugnação por impossibilidade da lide, por perda de objecto – cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT. As custas arbitrais deverão ser da responsabilidade da Requerida por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide – cfr. artigos 527.º e 536.º, nrs. 3 e 4, ambos do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.»

19.   Tendo sido revogado o ato de liquidação impugnado pelo Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido. 

20.   A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”

21.   É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

22.   Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT e aceite plenamente pela Requerente, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um ato que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida revogação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral. 

23.   Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do ato tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. 

 

V.       DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)  Declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, ex vi 29.º do RJAT;

b)  Absolver a Requerida da instância;

c)  Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI.       VALOR DO PROCESSO

O Requerente indicou como valor da causa o montante de 19.269,40 € (dezanove mil, duzentos e sessenta e nove euros e quarenta cêntimos), que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII.       CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 7 de julho de 2025

 

A Árbitra do Tribunal Arbitral

 

 

Ana Rita Chacim