SUMÁRIO
O artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei 92/2018, de 13 de novembro, que prevê a isenção de IRS aplicável aos tripulantes, deve ser interpretado no sentido de exigir que os navios ou embarcações se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime de tonnage tax português ou por um outro regime análogo em vigor num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.
DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro João Santos Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 25/11/2024, decide no seguinte:
1. RELATÓRIO
A..., (adiante designado apenas por Requerente), NIF..., residente na Rua ..., ..., Vila do Conde, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), que tem por objeto o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., referente ao ano de 2022 no valor de € 3.279,30 e do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada em 02/04/2024.
É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 27/11/2024 e posteriormente notificado à Requerida.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 16/01/2025, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 04/02/2025.
Notificada para o efeito, a AT juntou processo administrativo em 26/06/2025.
Em 17/07/2025, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho em que, face à impossibilidade de proferir decisão dentro do prazo de seis meses previsto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, prorrogou o prazo da arbitragem por dois meses, fixando como data limite o dia 04/10/2025, determinou a apresentação sucessiva de alegações escritas pelas partes, solicitou o envio das peças processuais em formato Word e fixou que o Requerente deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à prolação da decisão arbitral.
Em 01/08/2025 o Requerente apresentou Alegações e juntou comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente na mesma data (efectuado em 31/07/2025).
Em 13/08/2025 a Requerida apresentou alegações.
Posição do Requerente
O Requerente contesta o acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2022, sustentando que os rendimentos obtidos como trabalhador embarcado numa embarcação registada na Dinamarca, ao abrigo do regime DIS (Danish International Ship Register), estão isentos de tributação em Portugal. Mais alega que:
1. A liquidação foi efetuada com base em rendimentos declarados no Anexo J sem considerar corretamente a Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Dinamarca e a documentação apresentada.
2. O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2018 (regime MAR) e o artigo 33.º, n.º 8 do EBF consagram a isenção para tripulantes de embarcações registadas em regimes internacionais equivalentes (MAR e DIS).
3. O artigo 15.º, n.º 3 da CDT Portugal-Dinamarca atribui o direito de tributar exclusivamente ao Estado de exploração da embarcação (Dinamarca).
4. A isenção é igualmente suportada pelas orientações comunitárias sobre auxílios estatais aos transportes marítimos (Comunicação C (2004) 43 da Comissão Europeia), que reconhecem o regime DIS.
5. O acto de liquidação padece de nulidade, por ausência de suporte legal, uma vez que os rendimentos em causa não estão sujeitos a IRS em Portugal.
6. A Administração Tributária não utilizou os mecanismos de cooperação europeia (regime DAC) para confirmar a informação já disponibilizada pela entidade empregadora (B...).
7. Invoca ainda jurisprudência arbitral anterior do CAAD (Proc. n.º 355/2023-T), que reconheceu a aplicabilidade da isenção prevista no art.º 4.º do DL 92/2018 a trabalhadores a bordo de navios registados na Dinamarca.
8. Recorda que, em anos anteriores (2018–2021), a própria AT já tinha aceite a isenção relativamente aos mesmos rendimentos, com base em prova documental apresentada.
Posição da Requerida
A AT invoca o parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF), que concluiu que:
1. O regime da tonnage tax constitui um auxílio de Estado e só pode ser implementado em conformidade com o Direito da União Europeia e sujeito a aprovação da Comissão Europeia.
2. A isenção do artigo 4.º do DL 92/2018 está indissociavelmente ligada à opção pelo regime de tonnage tax português (artigo 3.º).
3. Não é possível estender essa isenção aos rendimentos de tripulantes de navios registados em outros Estados-Membros, ainda que sujeitos a regimes análogos (como o regime DIS dinamarquês), sob pena de incorrer em interpretação extensiva sem base legal.
4. A AT reconhece que existe jurisprudência arbitral (Proc. n.º 355/2023-T, CAAD) no sentido de admitir a extensão da isenção a tripulantes de navios registados noutros Estados-Membros, mas defende que tal entendimento desvirtua a letra e o espírito da lei, representando uma aplicação indevida do regime.
5. Consequentemente, entende que não assiste razão ao Requerente, devendo o ato de liquidação ser mantido, porquanto a isenção só aproveita a tripulantes de navios abrangidos pelo regime português, não abrangendo embarcações registadas na Dinamarca ao abrigo do regime DIS.
6. Termina pedindo que o pedido arbitral seja julgado improcedente, com a consequente absolvição da Requerida do pedido.
2. SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. art.s 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e art.s 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3. QUESTÃO DECIDENDA
Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, a única questão a apreciar nos presentes autos consiste em determinar se o regime fiscal previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro, que estabelece o regime simplificado de registo de navios e embarcações e define regras especiais de determinação da matéria coletável, é aplicável a um sujeito passivo que exerceu a atividade de marinheiro a bordo de uma embarcação registada na Dinamarca e explorada por entidade aí residente, não sujeita a IRC em Portugal, encontrando-se preenchidos todos os demais requisitos legalmente exigidos para a aplicação daquele regime.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1 Factos Provados:
Analisada a prova produzida nos autos, consideram-se como provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:
A) O Requerente prestou actividade profissional ao abrigo de um contrato individual de trabalho ao serviço da entidade empregadora sedeada na Dinamarca enquanto marinheiro a bordo de uma embarcação registada na Dinamarca e explorada por uma entidade residente na Dinamarca. [Cf PA].
B) A sociedade Dinamarquesa encontrava-se abrangida pelo regime especial designado de “tonnage tax” dinamarquês, ao abrigo da lei dinamarquesa (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
C) O Requerente exerceu a supra mencionada actividade profissional na Dinamarca, por um período superior a 183 dias, no exercício de 2022, conforme resulta nomeadamente da declaração oficiosa:

[Cf PA]
D) Em 28/06/2023 o Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS com os anexos A, G e H, referente ao ano 2022, tendo declarado no quadro 4 do anexo H, com código 412 (Remunerações auferidas na qualidade de tripulantes dos navios ou embarcações), rendimentos de trabalho dependente no montante de € 29.991,77 pagos pela Dinamarca, como a seguir se demonstra:

[Cf PA]
E) Em 13/07/2023 o Requerente foi notificado através do ofício n.º GIC-..., para comprovar os rendimentos isentos declarados. [Cf PA]
F) Em 02/11/2023 foi recolhida a declaração de rendimento oficiosa, de correcção, identificada por ...-2022-..., com inclusão do anexo J, tendo tal rendimento sido declarado no campo 4:

[Cf PA]
G) Dando origem à liquidação oficiosa n.º 2023... no montante de € 3.279,30. [Cf PA]
Em 02/04/2024 foi apresentada reclamação graciosa. [Cf PA]
H) Foi o Requerente posteriormente notificado do indeferimento da reclamação graciosa. [Cf PA]
4.2 Factos Não Provados:
Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
4.3 Fixação da Matéria de Facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, bem como o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
5. DO MÉRITO
- Da legalidade da liquidação
Analisemos se o Requerente pode beneficiar do registo previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de Novembro.
O Decreto‑Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro, institui um conjunto de medidas fiscais, contributivas e administrativas destinadas a revitalizar a marinha mercante nacional. O artigo 1.º cria um regime de determinação da matéria colectável baseado na tonelagem dos navios e embarcações, designado por “tonnage tax”, permitindo às empresas de transporte marítimo substituir a tributação baseada no lucro real por um cálculo assente na tonelagem líquida. O capítulo II detalha esse regime, permitindo a adesão de entidades cujos navios estejam registados em Estados-Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e que sejam estratégica e comercialmente geridos a partir desses Estados.
No âmbito do regime fiscal para tripulantes, o artigo 4.º consagra a isenção de IRS sobre as remunerações auferidas pelos tripulantes de navios ou embarcações abrangidas, conforme se enuncia:
Artigo 4.º
Regime fiscal
1 - Estão isentas do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) as remunerações auferidas, nessa qualidade, pelos tripulantes dos navios ou embarcações considerados para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável.
2 - Não obstante o disposto no número anterior, quando estejam em causa navios que efetuam serviços regulares de passageiros entre portos do Espaço Económico Europeu, só podem beneficiar do regime previsto no presente artigo os respetivos tripulantes que tenham nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
3 - A isenção prevista no número anterior está condicionada à permanência do tripulante a bordo pelo período mínimo de 90 dias em cada período de tributação.
4 - O disposto no número anterior não prejudica o englobamento dos rendimentos isentos, para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 22.º do Código do IRS.
Como se vê, esta isenção apenas se aplica a tripulantes com nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu quando se trate de navios em serviços regulares de passageiros e está condicionada à permanência a bordo por um período mínimo de 90 dias em cada ano fiscal. Os rendimentos isentos são englobados para efeitos de IRS.
Ora, conforme decorre dos factos assentes, o Requerente foi tripulante de um navio ou embarcação no período em crise (2022), tendo permanecido a bordo, em cada um daqueles períodos de tributação, pelo período igual ou superior a 90 dias, preenchendo, desta forma, os requisitos ínsitos no artigo 4.º, n.º 3, do DL 92/2018.
Destarte, o navio ou embarcação, no qual o Requerente foi tripulante no referido período, é elegível para efeitos do regime de tonnage tax, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018.
Deste modo, o Requerente preenche todos os pressupostos necessários para que lhe seja aplicado o regime fiscal instituído pelo artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de Novembro.
Conforme Decisão Arbitral, de 24 de Abril de 2024, proferida no processo n.º 667/2023-T:
“(...) no que ao regime fiscal especial para tripulantes diz respeito, o objetivo da sua aprovação foi o de promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal, criando oportunidades de trabalho, para os sujeitos passivos residentes em território nacional, independentemente de as entidades exercerem essas atividades se encontrarem, ou não, estabelecidas em Portugal ou serem aqui sujeitas a imposto.
Por outro lado, importa destacar que o artigo 4.º, n.º 1 do DL 92/2018, que prevê a isenção de IRS aplicável aos tripulantes, exige, apenas, que os navios ou embarcações se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável.
Deste modo, não especificando aquela disposição legal que as referidas entidades têm de ter exercido a opção pelo regime de tonnage tax português, o artigo 4.º, n.º 1 do DL 92/2018 deverá ser interpretado no sentido de o mesmo ser aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações que se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime de tonnage tax português ou por um outro regime análogo em vigor num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.
(...).”
Neste sentido, veja-se, ainda, a Decisão Arbitral, de 23/01/2024, proferida no processo n.º 355/2023-T:
“(...), o que se conclui é que o regime de isenção estipulado no n.º 1 do art.º 4 do DL 92/2018 se aplica, por força do n.º 2 do art.º 2.º, tanto os navios e embarcações registadas no registo convencional português como num outro Estado Membro da União Europeia ou do espaço Económico Europeu. A Dinamarca é um Estado Membro da União Europeia, logo, neste tocante, a situação fáctica é qualificável para a aplicação do regime..
É certo que a mesma disposição acrescenta que é necessário que os navios ou embarcações sejam “utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável” e estejam “afetos às atividades previstas neste regime”.
Mas tendo atenção que os navios e embarcações podem ficar abrangidos pelo regime quer estejam registadas em Portugal, quer estejam registadas noutro país que seja estado membro da União Europeia ou que se situe no Espaço Económico Europeu, tendo ainda em atenção que o regime fiscal designado “tonnage tax” foi criado, como se diz no preâmbulo do diploma para as empresas detentoras de navios que sejam estratégica e comercialmente geridos a partir de um Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, o que leva a concluir que o regime fiscal “tonnage tax” tem origem e dimensões europeias (...).”
No mesmo sentido vejam-se igualmente a decisão arbitral n.º 290/2024 de 29/10/2024.
Face a todo o exposto, há que considerar verificados todos os requisitos legais para a aplicação do regime de isenção previsto no artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018 às remunerações auferidas pelo Requerente.
Dos juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 277/2020-T e 220/2020-T).
Na sequência da anulação do acto impugnado, o Requerente terá direito a ser reembolsado do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação parcial, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”. Já o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT vem dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
No caso dos autos o Requerente não requereu especificamente o pagamento indemnizatórios tendo apenas no pedido requerido a declaração da nulidade da tributação e do acto de liquidação ( de IRS de 2022), com os devidos e legais efeitos.
Contudo, apesar de não ter formulado pedido expresso, acompanhamos a jurisprudência do STA que entende que são devidos juros indemnizatórios inter alia o acórdão do STA, processo n.º 0120/15 de 01/03/2023.
Tal como vertido no aludido Acórdão, entendimento ao qual se adere:
“É certo que a Contribuinte podia ter formulado o pedido de juros indemnizatórios quando reclamou graciosamente contra as liquidações de imposto de selo. Mas não o é menos que a Administração tributária, cuja actuação está sujeita ao princípio da legalidade [cfr. art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo («Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respectivos fins».) e art. 55.º, da LGT («A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».)] podia, ainda que oficiosamente, reconhecer esse direito à Contribuinte, uma vez que está obrigada à reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria se o acto não tivesse sido praticado, incluindo o pagamento dos juros indemnizatórios se estes se mostrarem devidos [cfr. art. 100.º da LGT («A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».)].”
Mais referindo o mesmo acórdão que “ (…) o direito aos juros indemnizatórios não está subordinado ao princípio do pedido, devendo estes ser liquidados e pagos oficiosamente pela administração tributária.”
No mesmo sentido, veja-se igualmente o Acórdão do STA processo n.º 0939/10.5BESNT 0982/10 de 01/03/2023.
Quanto aos juros indemnizatórios, dado que a Requerida efetuou a liquidação impugnada por sua iniciativa com a ilegalidade verificada, é-lhe imputável tal situação, pelo que, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, cabe reconhecer ao Requerente o direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da liquidação relativa ao ano de 2022 até integral reembolso da quantia paga, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT.
6. DECISÃO ARBITRAL
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:
a) julgar procedente, nos termos expostos, o pedido objecto da presente pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2023..., referente ao ano de 2022 no valor de € 3.279,30, com as legais consequências;
b) condenar a Requerida na restituição do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respectivo pagamento até integral reembolso;
c) condenar a Requerida nas custas processuais
7. VALOR DO PROCESSO
Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 3.279,30.
8. CUSTAS
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 29 de Setembro de 2025
O Árbitro
(João Santos Pinto)