SUMÁRIO
As normas conjugadas dos artigos 1.º/2, 2.º e 3.º/1 a), do Anexo VI à Lei 27-A/2020, de 24.7, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., SA com o número único de matrícula, identificação fiscal e pessoa colectiva ... CPPT) a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir o respectivo pedido de pronúncia sobre a legalidade do acto de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB) n.º..., referente ao período de tributação de 2022, no valor de 24.231,76€, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
2. É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por AT ou Requerida.
3. Em 4 de Dezembro de 2024 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.
4. De acordo com o preceituado nos art.os 5.º/3 a), 6.º/2 a) e 11.º/1 a) do RJAT, o Ex.mo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
5. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 11 de Fevereiro de 2025.
6. Em 19 de Março de 2025 a Requerida apresentou Resposta, com defesa por impugnação, juntando o processo administrativo.
7. Em 17 de Julho de 2025 foi proferido despacho dispensando a reunião prevista no art. 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.
8. Em 22 de Julho foi proferido novo despacho prorrogando por dois meses o prazo para emissão e notificação decisão final, a fim de permitir às partes pronunciarem-se, querendo, sobre o conteúdo do referido despacho que havia ocorrido durante o período de férias judiciais.
Posição da Requerente
9. A Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto no art. 3.º b) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31.12, e cujo objecto social consiste no exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa actividade e permitidas por lei.
10. Em 17 de Junho de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2022, através da entrega da declaração Modelo 57, tendo nessa data efectuado o pagamento do imposto apurado na referida autoliquidação, no valor de 24.231,76 €.
11. Discordando da autoliquidação efectuada, a Requerente apresentou reclamação graciosa, em 14 de Junho de 2024, tendo a AT indeferido a mesma por se considerar incompetente para apreciar a questão da constitucionalidade.
12. Não obstante, a Requerente insiste tratar-se de um acto ilegal por decorrer de um tributo também ele inválido.
13. Assim, é pacífico que a ASSB tenha a natureza de imposto, o que foi, aliás, reconhecido pelo próprio Tribunal Constitucional no seu acórdão 149/2024 de 27.2.2024.
14. O regime do ASSB revela, essencialmente, dois vectores de ilegitimidade jurídica:
- inconstitucionalidade, por desvio do poder tributário, por violação do princípio da igualdade fiscal e da liberdade de empresa, incluindo as vertentes da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real;
- incompatibilidade com o Direito suprapositivo, i.e. com os princípios básicos ordenadores da praxis social.
15. A fundar o referido desvio de poder tributário e consequente violação do princípio da legalidade fiscal constante do art. 103.º/2 da CRP estará o facto de o legislador, aquando da criação deste imposto, o ter tentado fazer passar por uma contribuição financeira acessória de outra contribuição (no caso, a CSB). Ora o ASSB é claramente um tributo autónomo face à CSB, constituindo um imposto especial sobre o sector bancário.
16. Na verdade, sendo um imposto, pela sua própria natureza, não pode ser acessório ou adicional de uma contribuição financeira.
17. O uso deste expediente viola o procedimento legislativo e o princípio da legalidade fiscal que resulta da conjugação do disposto nos artigos 165.º/1 i), e 103.º/2 da CRP.
18. Por outro lado, no seu regime não é vislumbrável a manifestação de capacidade contributiva das entidades bancárias que se visa atingir com o ASSB. Com isso, viola-se directamente o disposto no art. 103.º/2 da CRP.
19. Na verdade, o ASSB surge como um imposto discriminatório incidente sobre o sector bancário, violador do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
20. Isso mesmo foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional no acórdão 469/2024 de 19.6.2024 e na Decisão sumária 436/2024 de 15.7.2024.
21. Acresce a incompatibilidade do ASSB com o Direito suprapositivo, i.e. com os princípios básicos ordenadores da praxis social, ao recair sobre o passivo (os valores devidos pelos bancos a clientes e terceiros).
22. Ora as dívidas representam encargos e não vantagens, pelo que onerá-las ofende os princípios mais básicos da vida em sociedade. Deve, por isso, o julgador recusar a aplicação de tal regime.
23. Importará ter presente que o passivo sobre o qual incide o imposto pode permanecer inalterado, durante vários períodos seguidos. Isso faz com que possa também ser objecto de tributação sem que exista qualquer incremento em termos de rendimento ou património. Essa incidência recorrente é violadora do art. 104.º da CRP quando determina que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
24. O Tribunal Constitucional já confirmou essa inconstitucionalidade, nos acórdãos 469/2024, de 19.6.2024, 529/2024, de 2.7.2024 e bem assim, na Decisão Sumária 436/2024, de 15.7.2024. Essa inconstitucionalidade foi repetidamente afirmada no CAAD, nomeadamente nas decisões dos processos 598/2022-T de 21.3.2023, 599/2022-T de 4.5.2023 e 21/2023 de 29.6.2023.
25. Deve, por isso, ser anulada a autoliquidação de ASSB n.º ... .
26. Deve ainda condenar-se a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º/1 da LGT, a contar da data do pagamento da ASSB até a data da sua restituição, nos termos dos art.os 43.º/1 e 4, e 35.º/10 da LGT, do art. 559.º do Código Civil e da Portaria 291/2003, de 8.4.
Posição da Requerida
27. A AT, na sua resposta, começa por explicar que o ASSB foi uma das várias medidas fiscais previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 41/2020, de 6.6, com vista a mitigar os impactos económicos e sociais decorrentes da resposta pública à crise sanitária, sendo a sua receita adstrita ao financiamento dos custos da resposta pública a essa crise. Isso está em consonância com o disposto no art. 16.º/2 c) da LEO (Lei 151/2015, de 11.9) consubstanciando uma excepção à regra de não consignação, na medida em que se trata de receitas afectas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas nos termos legais.
28. Refere depois que o ASSB constitui um tributo com a natureza de imposto indirecto, na medida em que visa compensar a não tributação com IVA da generalidade das operações financeiras. E considerando que o IVA constitui uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita a essa finalidade, a criação de um imposto como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, apresenta-se como uma opção legislativa razoável e materialmente justificada, não envolvendo, por isso, qualquer violação ao princípio da igualdade.
29. Assim, no âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no art. 9.º/27 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais sectores de actividade sujeitos e não isentos de IVA (cf. art. 1.º/1 do anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24.6).
30. Lembra ainda que deve ter-se presente que só uma parte diminuta da actividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indirecta - designadamente em sede de imposto do selo, que, além do mais, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, pelo qual o imposto liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo é repercutido no adquirente.
31. Neste sentido, a sujeição das instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, e mais concretamente, a reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo sector financeiro e aquela que onera os demais sectores de actividade.
32. Na verdade, a receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, da actividade bancária.
33. Considera, por isso, que a criação desses tributos tem subjacentes propósitos de justiça fiscal – e não, evidentemente, de penalização do sector –, por se ter constatado que este se encontra, em larga medida, subtributado no âmbito da fiscalidade indirecta.
34. Relativamente à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, entende a AT que se deve atender ao facto de a tributação dever abranger todas as manifestações de riqueza, de modo que o imposto corresponda à efectiva força económica do sujeito passivo, que poderá reconduzir-se ao rendimento, ao património e ao consumo.
35. No caso do ASSB, o legislador, entre vários indicadores possíveis, optou pelo valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço, por serem factores que recaem sobre a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados e que permite aferir a sua capacidade contributiva.
36. De facto, nas instituições de crédito, o passivo mostra-se particularmente revelador da dimensão da sua presença no mercado, inclusivamente em termos que permitem correlacioná-lo com o valor acrescentado que gera e com o montante de operações realizadas no estádio do retalho.
37. O legislador agiu, portanto, dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indirecto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.
38. A opção político-legislativa de tributação incidiu sobre a capacidade directamente revelada pelos sujeitos passivos, através de indicadores que considerou pertinentes. Ora, não cabe aos órgãos jurisdicionais de fiscalização sindicar opções ou impor alternativas que melhor promovessem o princípio da igualdade.
39. Conclui, assim, defendendo a total improcedência do pedido por inexistência de qualquer violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, ou por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, ou de qualquer outro princípio constitucional.
40. Insiste mesmo em contrariar a doutrina do ac. do Tribunal Constitucional 469/2024 que julgou inconstitucional o ASSB por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
41. E fá-lo por considerar que, ao contrário do que ali se firma, a isenção de IVA constitui um benefício do sector financeiro que é compensado pelo ASSB (não havendo, por isso, violação do princípio da igualdade), até porque essa isenção tem um impacto financeiro significativo e ainda porque o Imposto de Selo, sendo aplicável a uma parte reduzida das entidades financeiras a taxas mais reduzidas, não compensa aquela isenção.
42. Conclui, por isso, não haver qualquer arbitrariedade na incidência objectiva e subjectiva do ASSB, ao contrário do que preconizou aquela decisão judicial.
43. Pronunciando-se, depois, sobre o pedido de juros indemnizatórios a AT considera não haver qualquer erro de Direito ou de facto na autoliquidação que justifique esse pagamento.
44. Sem conceder, lembra que, mesmo que seja considerada inconstitucional a norma que serviu de base a essa autoliquidação, a obediência à lei e ao Direito a que está sujeita a AT sempre a obrigaria a aplicar a lei vigente. O que reforça a inexistência de erro dos serviços, para efeitos do art. 43.º/1 da LGT.
45. Uma eventual condenação ao pagamento de juros indemnizatórios violaria o princípio da proporcionalidade (art. 18.º/2 da CRP) uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu.
46. Conclui, portanto, pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.
II. Saneamento
47. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo dirigido à anulação de actos de autoliquidação de ASSB e de indeferimento de recurso hierárquico (v. art.os2.º e 5.º do RJAT).
48. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no art. 10.º do RJAT.
49. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. art.os 4.º e 10.º/2 do RJAT e art. 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3).
50. Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Matéria de facto
Factos provados
51. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
A. A Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto no art. 3.º b) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31.12, e cujo objecto social consiste no exercício da actividade bancária.
B. Em 17 de Junho de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2022, através da entrega da declaração Modelo 57, tendo nessa data efectuado o pagamento do imposto apurado na referida autoliquidação, no valor de 24.231,76 €.
C. Em 14 de Junho de 2024 a Requerente apresentou reclamação graciosa que foi indeferida pela AT em 10 de Setembro de 2024, por se considerar incompetente para apreciar a questão da inconstitucionalidade.
D. O indeferimento foi comunicado através de notificação datada de 11 de Setembro de 2024.
E. O pedido arbitral deu entrada em 2 de Dezembro de 2024.
Factos não provados
52. Não há factos relevantes para esta decisão arbitral que não se tenham provado.
53. O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada ou não provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo remetido pela AT.
54. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º/2 do CPPT e art.os 596.º/1 e 607.º/3 e 4 do Código de Processo Civil - CPC, aplicáveis ex viart. 29.º/1 a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.os 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA e art.os 5.º/2 e 411.º do CPC).
55. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência - cfr. art. 16.º e) do RJAT e art. 607.º/4 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT.
56. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do art. 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação - cfr. art. 607.º/5 do CPC ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT.
57. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade que se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. Matéria de Direito
58. A questão da constitucionalidade do ASSB tem sido repetidamente colocada perante o CAAD, sendo de referir que a esmagadora maioria das decisões convergem no sentido de reconhecer essa inconstitucionalidade.
59. Assim, e referindo apenas algumas das mais recentes, vejam-se as decisões nos processos 1201/2024-T, 548/2024-T, 522/2024-T, 515/2024-T, 454/2024-T, 410/2024-T, 347/2024-T, 322/2024-T, 216/2024-T, 215/2024-T, 21/2024-T, 19/2024-T, 15/2024-T, 14/2024-T, 379/2024-T, 329/2024-T, 326/2024-T, 325/2024-T, 324/2024-T.
60. Sucede que, face aos diferentes recursos obrigatórios interpostos para o Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta na sequência das múltiplas declarações de inconstitucionalidade pronunciadas no CAAD – os quais mereceram a confirmação dessa inconstitucionalidade –, o Ministério Público requereu a generalização do juízo de inconstitucionalidade material das normas em causa, por repetição de julgado (art. 82.º da Lei do Tribunal Constitucional), tendo este tribunal decidido, no ac, 478/2025, declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a) do Regime de cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020 de 24 de julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, todos a Constituição da República Portuguesa.
61. Constata-se que o objecto do presente processo recai, precisamente, sobre as normas ali declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral.
62. Ora a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, nos termos do art. 282.º/1 da CRP, o que significa que a aplicação dessa decisão dispensa outra análise da matéria de Direito.
63. A Requerente pede ainda a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
64. De harmonia com o disposto no art. 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. O que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29.º/1 a) do RJAT.
65. Ainda nos termos do art. 24.º/5 do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que remete para o disposto nos art.os 43.º/1 e 61.º/5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
66. No entanto, em caso de autoliquidação, o erro imputável aos serviços que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela AT da impugnação administrativa (cfr. neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18.1.2017, proc. 0890/16 e de 29.6.2022, proc. 093/21). E, assim, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, no dia seguinte à data do indeferimento daquela reclamação, ou seja, 11 de Setembro de 2024.
67. Assim, na sequência de declaração de ilegalidade dos actos tributários de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos referidos art.os 43.º/1 da LGT e 61.º/5, do CPPT, desde 11 de Setembro de 2024, calculados sobre a quantia que o Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais, até à data do processamento da respectiva nota de crédito (art.os 35.º/10 e 43.º/4 da LGT).
V. Decisão
Em face do supra exposto, decide-se
1. Declarar nulos os actos tributários de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referentes aos períodos de tributação de 2022 no montante de 24.231,76 €, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, dada a inconstitucionalidade das normas conjugadas dos art.os 1.º/2, 2.º e 3.º/1 a) do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho – por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva –, com a consequente obrigação de reembolso do imposto indevidamente pago;
2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado;
3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
VI. Valor do processo
A Requerente indicou como valor da causa o montante de 24.231,76 €, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 1.530 € (mil quinhentos e trinta euros), a pagar pela Requerida, nos termos dos art.os 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT, e artigo 4.º/5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Setembro de 2025
O Árbitro
Rui M. Marrana
Texto elaborado em computador.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.