Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2025-T
Data da decisão: 2025-09-24  IVA  
Valor do pedido: € 92.074,81
Tema: IVA – Acordo APIFARMA – Contribuição Financeira – Redução do Valor Tributável – Arts. 78.º, n.º 2 do CIVA e 90.º da Diretiva IVA
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Sumário

 

I.            A contribuição devida ao SNS pelas empresas farmacêuticas aderentes ao Acordo APIFARMA, como é o caso da Requerente, deriva de um contrato administrativo e é distinta da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, não partilhando da natureza tributária desta última. Isto, sem prejuízo de ambas prosseguirem objetivos de sustentabilidade do sistema de saúde público. 

II.          A referida contribuição [do Acordo APIFARMA] implica a diminuição do valor a receber pela Requerente pela venda de medicamentos a entidades do SNS e apresenta nexo direto com essas operações.

III.        A redução, formalizada por nota de crédito, dos valores a receber pela Requerente em relação à venda de medicamentos a entidades do SNS, no âmbito do mencionado Acordo APIFARMA, constitui uma redução do valor tributável das operações [de comercialização dos medicamentos], para efeitos de IVA, atento o disposto nos artigos 16.º, n.º 6, alínea b) e 78.º, n.º 2 do Código do IVA, interpretados em consonância com as normas fonte constantes dos artigos 73.º, 79.º e 90.º da Diretiva IVA. 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

As árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Adelaide Moura e Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23 de abril de 2025, acordam no seguinte:

 

 

              I.           Relatório

 

A..., Lda., doravante “Requerente”, com o número de pessoa coletiva e identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Paço de Arcos, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, com vista à anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e juros compensatórios e moratórios referentes aos períodos de 2020/09 e 2020/10, que resultaram no valor global a pagar de € 92 074,81, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, 15.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

 

Em 14 de fevereiro de 2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e, de seguida, notificado à AT.

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Em 3 de abril de 2025, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo sido manifestada oposição. 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 23 de abril de 2025. 

 

            Em 26 de maio de 2025, a Requerida apresentou a Resposta. Não foi junto processo administrativo (“PA”).  

 

Em 7 de julho de 2025, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas as duas testemunhas indicadas pela Requerente. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, e, bem assim, a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até ao termo do prazo de alegações. O Tribunal fixou o prazo para a decisão até ao dia 22 de outubro de 2025 (v. ata e gravação áudio disponíveis no SGP do CAAD). 

 

Requerida e Requerente apresentaram alegações em 8 de setembro de 2025, nas quais reafirmaram as posições antes assumidas. 

 

Posição da Requerente

 

Segundo a Requerente, a redução, por via de nota de crédito, dos valores a receber pela venda de medicamentos a entidades do Sistema Nacional de Saúde (“SNS”), em conformidade com o Acordo celebrado entre o Estado português e a APIFARMA (esta em representação da indústria farmacêutica), constitui uma redução do valor tributável dessas operações. Deste modo, assiste-lhe o direito à regularização, a seu favor, do IVA liquidado na venda daqueles medicamentos às entidades do SNS, nos termos prescritos nos artigos 78.º do Código do IVA e 73.º e 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”).

 

Considera que o entendimento da Requerida subjacente aos atos de liquidação impugnados, ao não reconhecer a invocada redução do valor tributável, viola as supra normas citadas, os princípios da neutralidade e da igualdade de tratamento e a jurisprudência do Tribunal de Justiça em casos semelhantes, nomeadamente nos processos de reenvio prejudicial C-462/16, Boehringer Ingelheim Pharma; C-717/19, Boehringer Ingelheim RCV; e C-248/23, Novo Nordisk. Assinala, ainda, que a posição preconizada foi acolhida por diversas decisões arbitrais e do TAF de Sintra. 

 

Para a Requerente, a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (“CEIF”), introduzida pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, tem natureza e regime distintos daquela prevista no Acordo APIFARMA, ao abrigo do qual foram emitidas as notas de crédito cujo IVA está em discussão nos presentes autos. 

 

O regime da CEIF criou uma obrigação tributária de imposição unilateral, com receita consignada ao SNS. Diferentemente, o Acordo APIFARMA configura um contrato administrativo ao qual se vincularam, de forma voluntária, empresas da indústria farmacêutica, sendo o valor de contribuição acordado abatido ao montante em dívida das entidades do SNS adquirentes dos medicamentos. Acresce que a base de incidência das contribuições é distinta, bem como as respetivas regras de liquidação e pagamento. 

 

O regime da CEIF prevê expressamente uma isenção aplicável às entidades aderentes ao Acordo APIFARMA, não sendo irrelevante se o pagamento é feito ao abrigo do regime da CEIF ou nos termos do Acordo APIFARMA.

 

A Diretiva IVA consagra, nos seus artigos 73.º e 90.º, n.º 1 o princípio da contraprestação efetiva, pilar da neutralidade deste imposto, que implica a redução do valor tributável (base de incidência) do IVA quando ocorra uma redução do preço depois da realização da operação, de forma que o Estado não beneficie, a final, de um montante de IVA superior ao efetivamente recebido pelo sujeito passivo (fornecedor). Solução que o legislador nacional acolheu no artigo 78.º do Código do IVA.

 

Adicionalmente, entende que resulta do Acordo APIFARMA a relação direta entre a contribuição de cada empresa farmacêutica e o preço devido pelas entidades SNS pela compra de medicamentos àquelas, não se tratando de um mero acerto de contas. 

 

Por outro lado, ainda que se aderisse à tese da AT de que a contribuição do Acordo APIFARMA é um tributo público de fonte legal (vs. contratual/voluntária) a jurisprudência do Tribunal de Justiça já esclareceu que, na medida em que consubstancie a redução do valor de operações anteriormente realizadas, os sujeitos passivos não podem ser privados do direito à regularização do IVA inicialmente liquidado nessas operações (v. processos C-462/16, Boehringer Ingelheim Pharma e C-248/23, Novo Nordisk). Isto, independentemente de o sujeito passivo estar contratualmente vinculado ao beneficiário direto do “desconto” e de estar em causa o pagamento de uma verdadeira contribuição, ou de a redução de valor resultar de uma obrigação legal ou de um acordo de comparticipação. 

 

No entanto, se se suscitarem dúvidas ao Tribunal Arbitral sobre a interpretação do direito europeu, a Requerente solicita o reenvio prejudicial ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”). 

 

Conclui pela anulação dos atos tributários impugnados e pelo direito a juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º, n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). 

 

Posição da Requerida

 

A Requerida suporta as correções de IVA efetuadas à Requerente na fundamentação constante do Relatório de Inspeção Tributária. Defende que a contribuição financeira a liquidar pela Requerente é uma “operação excluída da sujeição a IVA” (v. artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA a contrario), pelo que a nota de crédito emitida não tem enquadramento em sede deste imposto e é equivalente a uma entrega em dinheiro ao Estado, como se estivesse a pagar a CEIF. 

Invoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a necessidade de nexo direto entre a contraprestação e as operações no âmbito de incidência do IVA, para concluir que esse nexo inexiste no caso da comparticipação resultante do Acordo APIFARMA em relação às operações de venda de medicamentos pela Requerente às entidades do SNS, pelo que não estamos perante quaisquer descontos, abatimentos, reduções ou anulações de vendas. Por conseguinte, o IVA foi indevidamente mencionado nas notas de crédito e regularizado pela Requerente. 

 

Sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada pela Requerente, sustenta que não tem aplicação ao caso, por não serem situações similares. Refere que no processo C-462/16, a entidade é obrigada a conceder um desconto a uma seguradora, por imperativo legal, pelo que aí se trata de uma efetiva redução de preço, o que aqui não sucede. O mesmo entende em relação ao processo C-717/19, em que o beneficiário é o organismo estatal de seguro de saúde. 

 

Mais afirma a Requerida que, com a regularização do IVA, a Requerente está a reverter a seu favor, sob a forma de crédito de imposto, uma parte do valor da contribuição, correspondente ao valor do IVA, que deveria entregar ao Estado. Solução que reputa de não neutral por comparação com a possibilidade de pagamento da comparticipação por transferência bancária, quando não existam faturas vencidas e não pagas pelos hospitais públicos.  

 

Por fim, entende que a matéria em causa justifica um pedido de pronúncia ao Tribunal de Justiça, concluindo pela improcedência do pedido.

 

 

           II.           Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, dirigido à anulação de atos tributários de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios e moratórios conexos (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT). 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado do termo do prazo para pagamento voluntário dos atos tributários, fixado em 26 de novembro de 2024, tendo a ação arbitral dado entrada em 12 de fevereiro de 2025.

 

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito. 

 

 

         III.           Fundamentação de Facto

 

1.              Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.     A..., Lda., aqui Requerente, é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal. Em 2020, o seu objeto social consistia na “prestação de informação e de serviços técnicos à profissão médica e a importação e comercialização de produtos farmacêuticos e químicos e de aparelhos médicos”, com correspondência no código CAE 46460 – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) e certidão permanente ... . 

B.      A Requerente é uma empresa da indústria farmacêutica associada da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (“APIFARMA”) – cf. https://apifarma.pt/quem-somos/associados/?first-letter=m,n,o,p,q e RIT.

C.     A Requerente vende diversos produtos farmacêuticos, incluindo medicamentos, a entidades do SNS, nomeadamente centros hospitalares, unidades locais de saúde e hospitais, emitindo faturas com liquidação de IVA à taxa reduzida (6%), nos termos da verba 2.5 da Lista I anexa ao Código deste imposto – cf. RIT. 

D.     A Requerente aderiu ao Acordo celebrado em 15 de março de 2016 entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica (“Acordo APIFARMA”), através do qual as entidades aderentes voluntariamente se vinculam a uma contribuição financeira, de montante proporcional à despesa que o SNS tem com os medicamentos por si comercializados, tendo em vista a redução da despesa do SNS com medicamentos e a sustentabilidade do sistema – cf. Documentos 4 e 5 e RIT.

E.      O Acordo APIFARMA foi revisto em 2017 e prorrogado, desde 2019, até aos dias de hoje, mantendo-se em vigor, assim como a adesão da Requerente – cf. Documentos 4 e 5 e RIT. 

F.      Em relação ao ano 2020, o Acordo APIFARMA foi renovado por documento assinado em 25 de maio de 2020, cuja cláusula única dispõe: “O Acordo celebrado no dia 15 de março de 2016 e referente ao triénio 2016-2018, entre o Estado Português, representado pelos Ministros das Finanças, da Economia e da Saúde e a Indústria Farmacêutica, é aplicado para o ano de 2020 nos mesmos termos e condições que vigoraram no ano de 2019, sendo a adesão por parte das empresas da indústria farmacêutica realizada nos termos da Cláusula 4 ª do Acordo de 2016” – cf. Documento 4 e RIT. 

G.     No respetivo Anexo ao Aditamento da renovação do Acordo operada em 2020, determina-se no ponto 3 o seguinte – cf. Documento 4 e RIT:

3.     A repartição da contribuição devida pela Indústria Farmacêutica por cada empresa titular de autorização de introdução no mercado de medicamentos ou empresa representante local ou responsável pela comercialização de medicamentos em Portugal, conforme definido pela APIFARMA, far-se-á nos seguintes termos: 

         3.1. A contribuição de cada empresa, associada e aderente, será calculada pela aplicação de percentagens sobre a despesa pública com medicamentos.

         3.2. As percentagens a aplicar são as constantes no Regime de Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, aprovadas pelo artigo 374.º, da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março.”

H.     De acordo com a comunicação da APIFARMA, esta contribuição pode ser efetuada através dos seguintes procedimentos alternativos – cf. Documento 6:

a.       Emissão de notas de crédito aos hospitais do SNS (proporcionalmente ao valor faturado a cada Hospital do SNS, contra faturas, por critério de antiguidade), as quais devem ser identificadas com a frase “No âmbito do Acordo de 2020”; 

b.      Pagamento em numerário à ACSS, I.P. por transferência bancária. 

I.       A referida contribuição, após apuramento do seu valor e comunicação trimestral pela APIFARMA à Requerente, é concretizada por esta última mediante a emissão de notas de crédito a favor de entidades do SNS adquirentes dos medicamentos por si comercializados, reduzindo o valor faturado e a receber dessas entidades – cf. Documentos 5, 6, 7 e 8.

J.       Nas notas de crédito em causa, a Requerente refere o Acordo APIFARMA, identifica as faturas emitidas cujo valor é por aquelas abatido e menciona o IVA à taxa aplicável (reduzida, de 6%), regularizando o imposto a seu favor nas respetivas declarações periódicas de IVA – cf. Documentos 7 e 8.

K.     As faturas são creditadas por ordem de antiguidade, numa lógica de first in first out – cf. Documentos 5, 7 e 8.

L.      Além do regime estabelecido no Acordo APIFARMA, a Indústria Farmacêutica está abrangida pela Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (“CEIF”), instituída pela Lei do Orçamento do Estado para 2015 (artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) e mantida pelo artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro) – cf. Diário da República n.º 252/2014, 1º Suplemento, Série I de 2014-12-31 e Diário da República n.º 248/2016, Série I de 2016-12-28

M.    De acordo com o regime da CEIF: “[f]icam isentas da contribuição as entidades que venham a aderir, individualmente e sem reservas, ao acordo a que se refere o n.º 1 nos termos do número seguinte [Acordo AFIFARMA], mediante declaração do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P.” – cf. Artigo 5.º, n.º 2 do regime da CEIF aprovado artigo 168.º da Lei do Orçamento do Estado para 2015.

N.     A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa respeitante ao ano 2020, para controlo declarativo em sede de IRC e IVA, realizada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023..., de 12 de dezembro de 2023 – cf. RIT.

O.     Na sequência do procedimento inspetivo, a AT propôs correções de IVA à Requerente, para o ano 2020, derivadas da não aceitação da regularização do IVA (a favor do sujeito passivo) mencionado nas notas de crédito emitidas às entidades do SNS ao abrigo do Acordo APIFARMA, na importância de € 78.581,04 – cf. RIT.

P.      Após notificação da Requerente para exercício do direito de audição, foi emitido o Relatório de Inspeção Tributária, que manteve as correções de IVA propostas, no valor de € 78.581,04 com acréscimo de juros compensatórios, com a seguinte argumentação, extraída do RIT:

a)   A CEIF foi criada com o objetivo de garantir a sustentabilidade do SNS, na vertente dos gastos com os medicamentos;

b)  Os sujeitos passivos da CEIF são as entidades que procedem à primeira alienação em território nacional de medicamentos e a base tributável é obtida a partir do total das vendas trimestrais de medicamentos, deduzida de despesas de investigação e desenvolvimento, encontrando-se isentas desta contribuição as entidades que aderiram ao Acordo APIFARMA;

c)   A receita obtida com a CEIF é consignada ao SNS, gerido pela ACSS. I.P.; 

d)  A CEIF tem a natureza de uma contribuição financeira, pois interessa a um grupo homogéneo de destinatários, visa prevenir riscos associados a este grupo e a sua receita não pode ser afeta ao financiamento de despesas públicas gerais que não sejam despesas com medicamentos;

e)   Por seu turno, o Acordo APIFARMA também tem o objetivo de garantir a sustentabilidade do SNS, através do pagamento pelos aderentes de uma contribuição na parte que exceda os objetivos da despesa pública com medicamentos, que reverte para dois fundos cuja utilização deve servir de receita para o SNS; 

f)   Apurado o montante global da contribuição do setor, a APIFARMA calcula a contribuição devida por cada empresa aderente ao Acordo, proporcionalmente ao volume de faturação das entidades realizada para o SNS; 

g)  Assim, as contribuições devidas pelos aderentes ao Acordo APIFARMA, incluindo a Requerente, devem, de igual modo, ser qualificadas como contribuições financeiras, equivalentes à CEIF; 

h)  A fórmula de cálculo da contribuição prevista no Acordo APIFARMA é obtida por remissão para o regime da CEIF (v. ponto 3.2 do Anexo ao Aditamento da renovação do Acordo operada em 2020 mencionado no ponto G supra);

i)    O princípio da igualdade subjacente à aplicação das contribuições financeiras manifesta-se pelo princípio da equivalência que implica uma tendência para a existência de uma correlação entre o que cada empresa paga ao SNS a título de contribuição e o custo que provoca na comunidade (despesa em medicamentos), ou na medida do benefício que a comunidade lhe proporciona (receita da faturação ao SNS). Neste âmbito, as duas contribuições – CEIF e a do Acordo APIFARMA – prosseguem os mesmos objetivos e são apuradas de forma idêntica;

j)    Sendo contribuições idênticas, é indispensável que ambas sejam equivalentes nos resultados obtidos, respeitem o princípio da igualdade dos tributos e tenham o mesmo efeito financeiro, não podendo o contribuinte através da sua operacionalização obter qualquer vantagem. Porém, a regularização de IVA a favor da Requerente, no caso da emissão das notas de crédito às entidades do SNS, implica a diminuição efetiva do valor da contribuição realizada, que não ocorre quando a contribuição seja feita por transferência bancária e também no caso da CEIF; 

k)  Considera, neste contexto, que a diminuição da dívida da Requerente, na situação de emissão de notas de crédito com regularização de IVA, reverte a seu favor [da Requerente], sob a forma de crédito de imposto, uma parte do montante da contribuição que deveria entregar ao Estado, proporcionando-lhe meios financeiros adicionais (o IVA regularizado) e um tratamento fiscal desigual face às empresas que pagam CEIF;

l)    Acrescenta em benefício do seu entendimento a posição da Comissão de Normalização Contabilística de 12 de abril de 2024, que conclui o seguinte: “Atendendo a que as contribuições financeiras não resultam de práticas comerciais, (não são descontos comerciais/quantidades previstos nos contratos celebrados com os clientes) sendo antes exigidas por lei e efetuadas com o objetivo de garantir a sustentabilidade do SNS (definidas em função do nível de compras de todo o setor), a operação é enquadrada como um gasto e não como uma redução do rédito”; 

m) A forma de pagamento estabelecida no Acordo APIFARMA não consubstancia qualquer desconto relativo a vendas efetuadas anteriormente, sendo os efeitos obtidos pelo Estado equivalentes em termos de resultado final (quer sejam emitidas notas de crédito, quer por via de pagamentos efetivos): no primeiro caso, diminui o saldo da dívida do SNS em medicamentos; no segundo caso, o montante em dinheiro recebido permitirá fazer face aos compromissos financeiros do SNS, solvendo dívidas dos fornecedores de medicamentos; 

n)  Em ambos os casos, o objetivo de melhorar a sustentabilidade financeira e orçamental do SNS é atingido, assim como se espera também que o impacto económico e financeiro nas empresas aderentes seja equivalente. Se assim não fosse, violar-se-iam os princípios da equivalência e da igualdade subjacentes ao pagamento da contribuição a favor do Estado, entre aderentes ao Acordo consoante esses tivessem créditos vencidos ou não ao SNS;

o)  Para que essa desigualdade não aconteça, a nota de crédito deve funcionar apenas e tão só como um documento de quitação dos créditos não pagos e vencidos, e não como um documento de desconto do valor da faturação anteriormente emitida. Em concreto, o que se verifica é uma liquidação das faturas mais antigas em dívida e não uma retificação do valor tributável das mesmas, ou seja, o pagamento da contribuição por parte da Requerente concretiza-se através do não recebimento dos valores faturados mais antigos, vencidos e não pagos;

p)  Esta situação não se enquadra no artigo 29.º, n.º 7 do Código do IVA em conjugação artigo 78.º, n.º 2 do mesmo diploma, pois a operação de pagamento da contribuição não se consubstancia num abatimento ou desconto sobre o valor das suas vendas, nem se verifica uma diminuição do valor tributável das operações ativas anteriormente realizadas conforme previsto no artigo 16.º do Código deste imposto;

q)  Com efeito, a situação em que um credor prescinde do recebimento da contraprestação, em substituição de um não pagamento, não é uma situação em que tenha havido uma alteração do valor tributável da operação que ocorreu anteriormente, tal como se verificaria se estivéssemos perante um desconto ou devolução dos produtos anteriormente faturados. Também não se trata de um caso de incobrabilidade do valor faturado por um dos processos referidos no artigo 78.º n.º 7 ou no artigo 78.º-A, n.º 4, ambos do Código do IVA; 

r)   É a própria forma de apuramento da contribuição financeira prevista no Acordo APIFARMA em favor do SNS que segue a metodologia preconizada na CEIF, cuja base tributável é constituída pelo total das vendas de medicamentos, com base no preço de venda ao público, deduzido do IVA, realizadas em cada trimestre (v. artigo 3.º, n.º 2, alínea a) do CEIF);

s)   Se a contribuição financeira se materializa em meios monetários, estamos perante uma operação excluída da sujeição a IVA, pelo que as correspondentes notas de crédito, que devem ser equivalentes a entregas de dinheiro por parte da Requerente, não têm enquadramento em sede deste imposto (operação fora do seu campo de aplicação) e não podem ser objeto de liquidação de IVA;

t)    Isto porque, a dita contribuição financeira não constitui a contrapartida de uma prestação de serviços ou transmissão de bens (v. artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA; 

u)  Os movimentos contabilísticos efetuados pela Requerente permitiram que esta efetuasse, sob a forma de IVA, a recuperação (parcial) do valor que está obrigada a entregar ao Estado em termos de CEIF (leia-se no caso em concreto: contribuição estipulada no Acordo APIFARMA); 

v)  Em conclusão, 

-      a Requerente “deduz/regulariza indevidamente IVA a seu favor, infringindo os artigos 19º e 20.º do Código do IVA, uma vez que a contribuição financeira devida pelos aderentes ao Acordo, não constitui a contrapartida de uma prestação de serviços ou transmissão de bens, tal como definidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, tratando-se de uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto”;

-      tendo sido retardada a liquidação do imposto, por razões que a AT reputa imputáveis ao contribuinte, ao abrigo do disposto no artigo 35.º da LGT e do art.º 96º do CIVA, conjugados com o preceituado no artigo 559.º do Código Civil, são devidos juros compensatórios à taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

Q.     Em resultado deste procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios e respetivas demonstrações de acerto de contas, reportados aos meses de setembro e outubro de 2020 – cf. Documento 9: 

Período

N.º Liquidação

IVA/

Juros Compensatórios

Total

Liquidações

Total

(DAC’s)

2020/09

2024...

IVA

€ 57.412,76

€ 57.412,76

Juros

 € 8.808,53

 € 8.808,53

2020/10

2024 ...

IVA

€ 21.168,28

€ 21.168,28

Juros

€ 4.685,24

€ 4.685,24

 

 

Total IVA

€ 78.581,04

€ 78.581,04

 

 

Total Juros

€ 13.493,77

€ 13.493,77

 

 

Total

€ 92.074,81

€ 92.074,81

 

R.     Em 22 de novembro de 2024, a Requerente pagou à Requerida as liquidações adicionais de IVA e juros em referência, no valor total de € 92.074,81 – cf. Documento 10. 

S.      Inconformada com os atos de liquidação de IVA e juros compensatórios supra identificados, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 12 de fevereiro de 2025, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

 

Com relevância para a causa não existem factos alegados que se tenham considerado não provados.

 

3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto 

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão. 

 

No que se refere aos factos provados, a convicção das árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes, cuja autenticidade não foi impugnada. O depoimento das duas testemunhas inquiridas não revestiu relevância autónoma, pois limitou-se a corroborar os factos essenciais que se encontram provados por documentos e que nem sequer são controvertidos. 

 

Neste âmbito, a Eng.ª B..., funcionária da APIFARMA há cerca de 15 anos, descreveu a sua intervenção na execução dos Acordos APIFARMA desde o seu início, no âmbito da qual tem acompanhado, nomeadamente, o upload das notas de crédito emitidas pelas entidades aderentes na plataforma ACSS do Ministério da Saúde, que as unidades hospitalares têm de validar, e monitorizado os pagamentos dos associados por via da compensação financeira das notas de crédito com as faturas previamente emitidas, descrevendo com detalhe os procedimentos adotados. 

 

Em relação à segunda testemunha, C..., constatou-se que, apesar de colaborar com o Grupo internacional em que a Requerente se insere desde 2008, só teve contacto com as operações da Requerente a partir de janeiro de 2024, sendo o seu atual diretor financeiro e de operações. Assim, relativamente às operações da Requerente ocorridas em 2020, a testemunha não revelou ao Tribunal Arbitral dispor de elementos e razão de ciência relevantes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

 

 

         IV.           Do Direito

 

1.       Questões a Apreciar

 

São a decidir por este Tribunal as seguintes questões, na medida em que o seu conhecimento não resulte prejudicado pela solução dada a outras que as precedam: 

A.    Enquadramento das contribuições financeiras efetuadas pela Requerente ao SNS ao abrigo do Acordo APIFARMA e operacionalizadas através da emissão de notas de crédito:

§  Como abatimento ao valor tributável das operações de venda de medicamentos, e consequente eligibilidade para a regularização a favor do sujeito passivo prevista no artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA e 90.º da Diretiva IVA; ou, diversamente,

§  Como contribuição financeira, fora do campo do imposto e, portanto, insuscetíveis de regularização de IVA.

B.    Violação dos princípios da igualdade de tratamento, da neutralidade do imposto e da equivalência; 

C.    Direito a juros indemnizatórios. 

 

2.       Regime Aplicável

 

 

Diretiva IVA e Código do IVA

 

A questão em análise respeita à determinação do valor tributável do IVA, cuja regulação compete, em primeira linha, ao direito harmonizado da União Europeia, vertido na Diretiva IVA, na interpretação dada pelo órgão competente, o Tribunal de Justiça da União Europeia. Com relevância para o caso, interessa compulsar os artigos 73.º, 79.º e 90.º daquela Diretiva que, de forma sintética, dispõem o seguinte: 

 

a)      Nas transmissões de bens e prestações de serviços o valor tributável corresponde ao valor (com tradução pecuniária) que o fornecedor ou prestador tenham recebido ou devam receber em relação a essas operações, seja do adquirente, destinatário, ou até de um terceiro (v. artigo 73.º da Diretiva IVA). Esta tem correspondência no artigo 16.º, n.º 1 do Código do IVA e dela deriva que neste imposto a tributação, à partida, não se afere por valores de mercado, ou valores justos, antes pelo quantum que efetivamente haja de ser recebido pelo sujeito passivo transmitente dos bens ou prestador dos serviços, emanação do princípio estruturante segundo o qual o IVA deve ser proporcional ao preço efetivamente auferido pelas operações, também designado por “princípio da contraprestação efetiva”. Este princípio postula que o valor do consumo seja aquele que serve de pauta à incidência do imposto e, por conseguinte, nem os Estados devem cobrar menos IVA do que aquele que seja recebido pelos sujeitos passivos, nem estes últimos devem pagar mais IVA do que esse valor. 

b)      As reduções de preço resultantes de descontos e de quaisquer abatimentos concedidos ao adquirente ou destinatário verificadas no momento em que as operações são realizadas devem ser expurgadas do valor tributável (v. artigo 79.º da Diretiva IVA). Esta (sub)regra deduz-se do princípio geral enunciado, pois a contraprestação efetiva, quando ocorram reduções no pagamento acordado, é diminuída em conformidade.  

c)      Após a realização das operações, também deve ser reduzido o valor tributável se ocorrer alguma vicissitude que implique, de forma definitiva, a diminuição do preço a receber pela operação, nomeadamente em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço (v. artigo 90.º da Diretiva IVA). De acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça, a obrigação de redução do valor tributável prevista no artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva tem efeito direito (v. pontos 23 e 31 a 35 do acórdão Almos, de 15 de maio de 2014, processo C-337/13, reafirmado em decisões subsequentes, designadamente no processo C-589/12, GMAC, com acórdão proferido em 3 de setembro de 2014, pontos 29 a 32, e demais jurisprudência aí referida).

 

O regime descrito foi transposto pelo legislador nacional e consta dos artigos 16.º, n.º 1 e n.º 6, alínea b) e 78.º, n.º 2 do Código do IVA. Este último regula as situações que ocorram após a realização das operações e determina que se “for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

 

Jurisprudência do Tribunal de Justiça

 

O Tribunal de Justiça pronunciou-se em três situações com semelhanças patentes com a da Requerente, concluindo em todos os casos, sem qualquer incerteza, que quando um sujeito passivo fornecedor de medicamentos não receba (nem vá receber) a totalidade da contraprestação pela respetiva venda, pode deduzir do valor tributável do IVA essa parcela, com a consequente diminuição da base de incidência e do imposto liquidado. Referimo-nos aos processos Boehringer Ingelheim Pharma, C-462/16, com acórdão de 20 de dezembro de 2017 (Boehringer I), Boehringer Ingelheim RCV, C-717/19, com acórdão de 6 de outubro de 2021 (Boehringer II), e Novo Nordisk, C-248/2023, com acórdão de 12 de setembro de 2024. 

 

No primeiro processo, Boeringer I, estava em discussão o desconto concedido por empresas farmacêuticas a companhias de seguros privadas, relativamente a medicamentos sujeitos a prescrição médica que, de acordo com a legislação alemã, deviam ser parcialmente reembolsados. Em paralelo, vigorava um sistema de seguro de saúde público obrigatório, sendo que, nesse caso (público), as empresas farmacêuticas também tinham de conceder um desconto ao organismo público pelos medicamentos vendidos. Só que neste último caso, a Autoridade Tributária alemã aceitava que o desconto concedido pela empresa farmacêutica ao Estado reduzisse o valor tributável das operações de venda de medicamentos, adotando, porém, posição diferente quando esse desconto era concedido no âmbito do seguro privado e a empresa farmacêutica tinha de ressarcir parcialmente as farmácias, de acordo com a legislação aplicável. 

 

Face a este circunstancialismo, o Tribunal de Justiça entendeu que também no sistema de seguro privado o desconto concedido pela empresa farmacêutica teria de ser refletido numa redução do valor tributável das operações de venda de medicamentos. Sendo, para tanto, suficiente que o transmitente não recebesse a totalidade do preço. O facto de o desconto ser concedido a posteriori e de o ser a entidade diferente da contraparte na transmissão de bens (pois a seguradora não faz parte da transação de compra e venda dos medicamentos que se verifica entre as farmácias e os pacientes) não interfere com este entendimento, que se estriba unicamente no artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA e no princípio da neutralidade. O Tribunal de Justiça acrescenta que a aplicação desta norma “não pressupõe uma alteração posterior das relações contratuais”. Por outro lado, aceitar um tratamento diferente dos descontos concedidos nos casos de seguro público e de seguros privados acarretaria uma lesão do princípio da igualdade, hoje assente na Carta Europeia dos Direito Fundamentais. 

 

No processo Boehringer II, a situação é similar, com a diferença de o desconto atribuído pela empresa farmacêutica ao organismo estatal de seguro de saúde da Hungria, o NEAK, não ter fundamento na lei, mas num contrato de direito privado através do qual a primeira assume a obrigação de realizar contribuições ao NEAK, as quais são calculadas, não apenas por referência direta aos valores faturados, mas, em certos casos, pela ultrapassagem de um determinado limite (cap). 

 

O Tribunal de Justiça, mantém a anterior linha de argumentação e reitera que o ponto fundamental é que o IVA incida somente sobre a contrapartida recebida, só onere o consumidor final e seja neutro em relação aos sujeitos passivos. Assim, se uma parte da contrapartida acordada pela venda dos medicamentos não foi recebida pela empresa farmacêutica devido à contribuição que enviou ao organismo estatal de seguro de saúde (NEAK), que por sua vez pagou às farmácias uma parte do preço desses medicamentos, há que considerar que o preço destes últimos foi reduzido depois de efetuada a operação, na aceção do artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA. 

 

Quanto à fórmula de cálculo das contribuições, o Tribunal salienta que a mesma não é relevante. Acrescenta que a circunstância de, em certos casos, esse cálculo se basear na ultrapassagem de um limite global não exprime a ausência de “nexo direto”. Importa unicamente que o sujeito passivo não tenha recebido a totalidade ou parte da contrapartida dos seus produtos. 

 

Por fim, o último caso, Novo Nordisk, apresenta a particularidade de o reembolso a cargo da indústria farmacêutica ser feito por determinação legal e em benefício de uma entidade pública (o NEAK), podendo ser qualificado como um tributo, i.e., segundo entendemos, incide sobre uma comparticipação idêntica à CEIF. A obrigação legal constitui-se com a venda dos medicamentos e o montante devido é determinado em função da quantidade de medicamentos vendidos e do montante da subvenção da segurança social, podendo o sujeito passivo deduzir as despesas de investigação e desenvolvimento e as (outras) contribuições pagas ao NEAK. 

 

Novamente, o Tribunal de Justiça aplica um critério de decisão, alicerçado:

-    No princípio da contraprestação efetiva (artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA);

-    No princípio de base do sistema do IVA, assente no facto de o imposto se destinar unicamente a onerar o consumidor final e a ser perfeitamente neutro em relação aos sujeitos passivos que intervêm no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação final, independentemente do número de transações ocorridas;

-    Na consideração de que, sendo a contribuição devida pelo sujeito passivo previamente fixada e obrigatória, não se pode considerar que faz parte da contrapartida económica das entregas desses medicamentos realmente recebida pela Novo Nordisk;

-    No entendimento de que se o valor tributável, com base no qual é calculado o IVA devido pelo sujeito passivo, for mais elevado do que o montante que este acaba por receber ocorre uma desconformidade ao princípio da neutralidade fiscal. 

 

Acordo APIFARMA versus CEIF

 

            Sobre a alegada natureza de tributo público da contribuição devida ao abrigo do Acordo APIFARMA (que a Requerida defende), importa esclarecer que, apesar de se tratar de uma comparticipação que visa objetivos idênticos aos da CEIF (esta, inequivocamente uma contribuição financeira), como a sustentabilidade do sistema de saúde pública, os respetivos regimes jurídicos apresentam diferenças notórias e provêm de fonte distinta – de um lado contratual (voluntária) e do outro legal (impositiva). 

 

As contribuições voluntárias constituem obrigações contratuais, que resultam de um acordo de vontades entre o Estado e as empresas do sector, enquanto a CEIF é um tributo público, com fonte na lei, alheio a qualquer relação contratual.

 

Como assinala a decisão do processo arbitral n.º 644/2024-T, de 21 de janeiro de 2025, que aqui se acompanha, o regime da CEIF (criado pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) é de uma contribuição financeira ex lege. Diferentemente, o Acordo APIFARMA constitui um mero contrato administrativo (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de novembro de 2020, processo n.º 0819/19.9BESNT). O cálculo das contribuições voluntárias é feito pela própria APIFARMA, com base no valor da despesa do SNS com medicamentos apurado pelo INFARMED, cabendo o pagamento às empresas aderentes.

 

A Requerente é sujeito passivo da CEIF, por se enquadrar na norma de incidência subjetiva, que considera como tal as entidades que procedem à primeira alienação a título oneroso, em território nacional, de medicamentos de uso humano – v. artigo 2.º do regime da CEIF. 

 

Contudo, de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.ºs 2 e 3 daquele regime, beneficiam da isenção desta contribuição as entidades que adiram individualmente e sem reservas ao Acordo APIFARMA, como sucede com a Requerente.

 

A este respeito, salienta a decisão arbitral 644/2024-T, em posição que se sufraga: 

Isto basta para que [] possa afirmar-se que a contribuição financeira prestada ao abrigo dos Acordos APIFARMA não se confunde com a CEIF.

Já que a Requerente, quando cumpre a contribuição financeira fá-lo ao abrigo de um contrato administrativo ao qual aderiu e numa situação em que a obrigação tributária advinda da CEIF não chegou a constituir-se. 

Disto resulta naturalmente que a contribuição financeira prestada pela Requerente, ao abrigo do acordo APIFARMA, não tem natureza tributária e não constitui um mero modo diverso de pagamento da CEIF.” (v. no mesmo sentido a decisão do processo arbitral n.º 216/2023-T, de 20 de março de 2024). 

 

Esta conclusão não fica comprometida pelo facto de as contribuições voluntárias do Acordo APIFARMA, a realizar por cada empresa, se apurarem por remissão para as percentagens da CEIF. 

 

Todavia, sem prejuízo do que antecede, adianta-se que, mesmo que se entenda que a comparticipação originada no Acordo APIFARMA partilha da natureza tributária da CEIF, afigura-se que, a partir do momento em que implica uma redução do valor da contraprestação a receber pela Requerente pela venda de medicamentos, deve produzir o mesmo efeito na base tributável do IVA dessas operações [de venda de medicamentos], i.e., a sua redução e consequente diminuição proporcional do IVA liquidado. É isto que o Tribunal de Justiça afirma no processo Novo Nordisk, onde está em causa uma contribuição de natureza idêntica à CEIF. 

 

 

 

3.       Análise Concreta

 

 

Advém do exposto que as contribuições financeiras efetuadas pela Requerente ao SNS, ao abrigo do Acordo APIFARMA, operacionalizadas através da emissão de notas de crédito, implicam a diminuição do valor a receber por aquela na venda de medicamentos às entidades hospitalares que integram o SNS. 

 

Afigura-se, de igual modo, que este decréscimo de valor está conexo com essa mesma venda de medicamentos, cujo encargo para o Estado constitui a sua razão de ser, sendo, aliás, a contribuição proporcional à despesa que o SNS tem com os medicamentos da Requerente. Constata-se, portanto, um nexo direto entre as operações da Requerente e o abatimento ao preço de que esta é alvo por via de cumprimento das obrigações assumidas no Acordo APIFARMA. Conexão que é evidenciada por via formal nas menções constantes dos documentos emitidos – as notas de crédito – que contêm a referência às faturas de venda de medicamentos sobre que incidem e cujo pagamento deixa de ser devido no todo ou em parte, na medida do valor do crédito concedido. As notas de crédito não configuram recibos de quitação de uma obrigação tributária, contrariamente ao que sustenta a Requerida. Aliás, tal recibo sempre teria de ser emitido pela entidade credora [o Estado] e não pelo devedor do tributo. 

 

Estão, pois, reunidas as condições necessárias e suficientes para que opere a redução do valor tributável prevista no artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA, em transposição do artigo 90.º da Diretiva IVA. 

 

Os principais argumentos da Requerida para se opor a este entendimento assentam: i) na natureza de tributo da contribuição do Acordo APIFARMA, da qual retira a não sujeição a IVA; ii) na ausência de nexo direto e, por fim, iii) no princípio da igualdade, na medida em que entende que a CEIF não acarreta a redução do valor tributável, pelo que a contribuição também não pode gerá-la. 

 

Em nenhum deles lhe assiste razão. 

 

Em primeiro lugar, porque a natureza da contribuição extraordinária e da contribuição do Acordo APIFARMA não é idêntica e esta última e não configura um tributo. 

 

Em segundo lugar, porque, para efeitos de IVA, se a contribuição se manifesta pela diminuição do valor a receber pelas operações a que respeita, no caso, de venda de medicamentos, e seja qual for a sua natureza (tributo ex lege ou comparticipação voluntária), o sujeito passivo fornecedor (a Requerente) tem sempre o direito a ver reduzido o valor tributável das suas operações (v. artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA), desfecho que a AT não equaciona para a CEIF[1], mas que é manifesto que também aí se verifica à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça (Novo Nordisk). O nexo direto está acautelado, uma vez que a comparticipação se refere às operações de venda de medicamentos da Requerente e que, neste âmbito, segundo o Tribunal de Justiça, importa unicamente que o sujeito passivo não tenha recebido (ou venha a receber) a totalidade ou parte da contrapartida dos seus produtos. 

 

Como refere Sérgio Vasques no parecer junto aos autos, os acórdãos Boehringer deixam claro que a aplicação do princípio da contraprestação efetiva às reduções de preço praticadas pela indústria farmacêutica não depende da fonte legal ou contratual das reduções a que as empresas se vinculem, sendo indiferente que consubstanciem obrigações legais ou que resultem de um qualquer acordo de vontades. 

 

Os acórdãos Boehringer deixam claro ainda que o pagamento de contribuições associadas ao fornecimento de medicamentos ao estado, assentes em acordos ou na lei, deve dar lugar à redução do valor tributável dessas operações, mesmo quando as contribuições não sejam calculadas diretamente em função do respetivo preço. E que a redução do valor tributável ainda deve ser admitida quando o sujeito passivo não esteja munido de fatura ou documento de crédito que titule o desconto praticado, posto que haja suporte documental que sustente a pretensão.

As contribuições do Acordo APIFARMA não representam, pois, um “acerto de contas” relativo a operação incerta e distinta do fornecimento de medicamentos. Constituem, antes, um mecanismo contratual através do qual estas empresas reembolsam o SNS de uma parcela do preço que a este cobraram pelos medicamentos, a par de outros rebate schemes em aplicação no país, com fonte na lei ou em contrato. E são-no, independentemente de se registar nas notas de crédito o número de fatura das operações a que elas se reportam, como se depreende da jurisprudência do Tribunal de Justiça. 

 

Por fim, e em terceiro lugar, em relação à alegada violação do princípio da igualdade e neutralidade, é precisamente a posição da Requerida que gera uma diferenciação arbitrária e não a da Requerente. Isto porque, mesmo no caso da CEIF, ocorrendo a redução da contraprestação a receber pelo sujeito passivo, assiste-lhe, de igual modo, a retificação do valor tributável e do IVA a seu favor relativamente às operações correspondentes.

 

Nas palavras de Sérgio Vasques:

 

À luz da jurisprudência do TJUE, é certo que o princípio da igualdade não tolera uma interpretação do artigo 90º da Directiva IVA que distinga entre dois mecanismos de desconto que, possuindo fonte e conteúdo diferentes, tenham em comum produzir uma redução do preço que o sujeito passivo recebe em transacções idênticas. A esta intuição a AT não terá associado, julgamos, a conclusão mais acertada: o que o princípio da igualdade e a jurisprudência do TJUE nos mostram é que as razões que obrigam a admitir a recuperação do IVA quanto às contribuições voluntárias do Acordo APIFARMA, obrigam também a admiti-la quanto à contribuição extraordinária.”

 

É neste sentido que se pronuncia o Tribunal de Justiça no acórdão Novo Nordisk, que este Tribunal Arbitral acolhe, pelo que soçobra a alegada violação dos princípios da igualdade e da neutralidade invocados pela AT. Acerca do princípio da equivalência também mencionado pela AT, não vislumbra este Tribunal a sua pertinência em matéria de IVA, nem como poderia ser violado pela aplicação princípio da contraprestação efetiva.

Em moldes similares, conclui Clotilde Celorico Palma, no parecer junto aos autos, reputando totalmente legítimo o procedimento de regularização do imposto adotado pelas associadas da APIFARMA aderentes ao Acordo: “dado estarmos perante uma redução de um preço inicialmente praticado tendo-se verificado uma alteração do valor tributável e do valor do imposto devido ao Estado, pelo que tais notas de crédito consubstanciam verdadeiras reduções do preço, sob pena de, em caso contrário, estarmos perante uma clara violação do Direito da União Europeia, atentando contra o princípio fundamental da neutralidade, o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 20.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e o princípio da contraprestação efectiva, contante dos artigos 73.º e 90.º da Directiva IVA e do artigo 78.º do Código do IVA, como devem ser interpretados de acordo com a jurisprudência clara do TJUE, maxime, nos Casos Boehringer e Novo Nordisk.”

 

Sobre a invocação da posição da Comissão de Normalização Contabilística segundo a qual as contribuições financeiras devem ser enquadradas como um gasto e não como uma redução do rédito, a mesma é irrelevante para determinar o respetivo enquadramento em IVA, que é alheio à forma de contabilização das operações. Basta atentar no exemplo da locação financeira (entre muitos outros), cujas rendas devem ser objeto de faturação, a qual só parcialmente é reconhecida como rédito, dado que o valor da amortização financeira somente é contabilizado em contas de balanço/patrimoniais. 

 

4.       Sobre o Pedido de Reenvio Prejudicial 

 

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, nos termos previstos no artigo 267.º do TFUE, só se justifica quando se suscitem dúvidas quanto ao sentido e alcance de alguma norma ou princípio do direito da União Europeia[2]

 

Isto posto, pode-se afirmar que não se revela necessária, como pretendido pela Requerida[3], a formulação de reenvio prejudicial, já que, em face da orientação jurisprudencial estabelecida nos referidos acórdãos Boehringer e Novo Nordisk, estamos perante circunstancialismo em que existe jurisprudência europeia consolidada na matéria, cuja aplicação ao caso concreto não suscita nenhuma dúvida real (v. acórdão do Tribunal de Justiça, Cilfit, processo n.º C- 283/81, de 6 de outubro de 1982, n.ºs 13 e 14). 

 

Assim, porque ao Tribunal não se colocam quaisquer dúvidas quanto à conformidade do entendimento adotado, com o direito da União Europeia, nem relativamente à correta interpretação do Código do IVA e da Diretiva IVA, julga-se não se justificar o pedido de reenvio prejudicial.

 

À face do exposto, as liquidações de IVA e juros compensatórios e moratórios referentes aos períodos de setembro e outubro de 2020 são ilegais, por violação do disposto nos artigos 78.º, n.º 2 do Código do IVA em linha com o artigo 90.º da Diretiva IVA e o princípio da contraprestação efetiva subjacente e, em consequência, devem ser anuladas, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.  

 

5.       Juros Indemnizatórios

 

            A Requerente, peticiona, como decorrência da anulabilidade dos atos tributários impugnados, a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, que, no seu n.º 1 dispõe que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

            O direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT e da jurisprudência consolidada. 

 

            Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

            Acresce que o Tribunal de Justiça tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência, não só direito ao reembolso, como o direito a juros – v. acórdão de 18 de abril de 2013, no processo Mariana Irimie, C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere que: 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).” 

 

            Por seu turno, a noção de “erro imputável aos serviços”, pressuposto da condenação da Requerida em juros indemnizatórios, concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS).

            

            Acresce referir, que segundo a jurisprudência mais recente do TJUE, tais juros são devidos independentemente de culpa, servindo para compensar o contribuinte “pela indisponibilidade da quantia de dinheiro de que a pessoa em causa foi indevidamente privada” (cf. Acórdão de 8 de junho de 2023, processo C-322/22, E. v Dyrektor Izby Administracji Skarbowej we Wrocławiu, parágrafo 38). Se, em termos gerais, o TJUE admite que os Estados-Membros podem limitar a atribuição de juros indemnizatórios, também exige que tais limitações sejam justificadas e proporcionais ao seu objetivo, em face do princípio da efetividade (cf. Acórdão de 8 de junho de 2023, processo C-322/22, E. v Dyrektor Izby Administracji Skarbowej we Wrocławiu, parágrafo 39). 

 

            No caso, sendo as liquidações de IVA e juros praticadas com erro de direito, erro esse imputável à AT, emitente dessas liquidações, sem que a Requerente para o mesmo tenha contribuído, são devidos juros indemnizatórios, de acordo com o estatuído nos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT, relativamente ao valor de prestação tributária pago pela Requerente, desde a data de pagamento até à emissão pela AT da correspondente nota de crédito.

***

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

 

     

                     V.         Decisão 

            Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

 

a)    Declarar ilegal e anular as liquidações adicionais de IVA e juros referentes a 2020, no valor de € € 92 074,81;

b)    Determinar a restituição do imposto e juros pagos; 

c)    Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, contados desde o pagamento do imposto pela Requerente até á emissão da nota de crédito, à taxa legal em vigor.

 

 

                  VI.         Valor do Processo 

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 92 074,81 (noventa e dois mil, setenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos),que corresponde ao valor total das liquidações de IVA e juros cuja anulação a Requerente pretende – v. o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VIII.   Taxa de Arbitragem 

 

            Custas no montante de € 2 754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a suportar pela Requerida em razão do decaimento integral, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de setembro de 2025

 

 

 

As árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

Adelaide Moura

 

 

Filipa Barros

 

 



[1] O mesmo parece resultar nas situações em que a contribuição seja feita por transferência bancária. 

[2] De acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça, a partir do acórdão Cilfit, a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

a)     A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ou

b)     O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou

c)     O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.   

[3] Pedido que a Requerente também deduziu, mas a título subsidiário, ficando prejudicado pela solução do caso.