Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 185/2025-T
Data da decisão: 2025-09-25  IRS  
Valor do pedido: € 73.644,34
Tema: IRS – Revogação do acto tributário – Inutilidade superveniente da lide
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SUMÁRIO: 

I.               A revogação do acto tributário pode ocorrer nos 30 dias subsequentes à notificação da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral.

II.             A revogação do acto tributário em momento posterior, aceite pelo contribuinte, determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já que o fim visado pelo Requerente com a instauração da impugnação foi plenamente atingido por outro meio.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dra. Elisabete Louro Martins Cardoso (Adjunta) e Dra. Maria Antónia Torres (Adjunta e Relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

I.      RELATÓRIO:

A..., titular do número de identificação fiscal ..., doravante simplesmente designado Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação do despacho de indeferimento, datado de 23 de Dezembro de 2024, relativo à reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS nº 2023..., datado de  8 de Julho de 2023, no valor de €122.014,41, pago em 20 de Setembro de 2023.

O Requerente juntou 21 documentos e arrolou 2 testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº2 do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

No prazo previsto no artigo 10º nº 3 do RJAT, foi dado conhecimento à Autoridade Tributária do pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído.

O tribunal arbitral foi constituído em 8 de Maio de 2025.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida informou os autos que o acto impugnado foi objeto de revogação por despacho proferido pelo Senhor Subdiretor Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento Singular em 31 de Maio de 2025, requerendo, em consequência, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da Requerida.

Notificado do requerimento junto aos autos pela AT e para se pronunciar sobre o acto revogatório praticado, o Requerente veio requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da Requerida.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

 

II.    SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

III.   QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

a)    Decidir sobre a tempestividade da revogação do acto por parte da AT e sobre a consequência de tal revogação;

b)    Decidir sobre a legalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa apresentado pelo Requerente e da liquidação impugnada.

 

IV.  MATÉRIA DE FACTO:

 

a.    Factos provados:

 

a)    Em 3 de Março de 2022, o Requerente alienou, pelo valor de €526.081,00, uma quota com o valor nominal de €50,00, representativa de 5% do capital social da sociedade B..., Lda. (doravante designada abreviadamente por B... Lda.), com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., com sede na Rua ..., ...-... Vilamoura, que havia adquirido em 26 de Maio de 2016, pelo seu valor nominal de €50,00, realizando, assim, um ganho de mais-valias sujeito a IRS.

 

b)    No preenchimento da sua declaração Mod. 3 de IRS, do ano 2022, o Requerente declarou o valor da referida alienação no Anexo G, Quadro 9, campos 9009 (€263.040,50) e 9010 (€263.040,50). Porém, esqueceu-se de assinalar no Quadro seguinte (9A) que a participação social alienada respeitava a uma micro ou pequena empresa.

 

c)    Em 30 de Junho de 2022, o Requerente apresentou, nos termos do disposto no art.º 68º da LGT, um pedido de prestação de informação vinculativa para que fosse confirmado o enquadramento de que à alienação da quota era aplicável o disposto no art.º 43º, nº 3, do Código do IRS, mas tardando a resposta ao pedido de informação vinculativa, o Requerente deduziu reclamação graciosa.

 

d)    Em 5 Abril de 2024, ao fim de 2 anos, a AT respondeu, finalmente, ao pedido de informação vinculativa, tendo concluído que, de acordo com os elementos de que os serviços dispunham, não poderia ser confirmado o entendimento do Requerente, uma vez que, alegadamente, um dos sócios da referida sociedade seria detentor de mais de 50% do seu capital social, o que implicaria ter em conta os dados agregados não só da sociedade em causa, como também das sociedades associadas.

 

e)    Em 30 de Dezembro de 2024, foi a Requerente notificada do indeferimento da sua reclamação graciosa, com base no facto de já ter sido prestada informação

vinculativa e não poder a DF de Lisboa alterar a informação prestada. 

 

f)      O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral foi apresentado em 25 de Fevereiro de 2025.

 

g)    No prazo previsto no artigo 10º nº 3 do RJAT, foi dado conhecimento à Autoridade Tributária do pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído.

 

h)    O tribunal arbitral foi constituído em 8 de Maio de 2025.

 

i)      Por despacho da Senhora Subdiretora Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento Singular, de 31 de Maio de 2025, foi o acto impugnado revogado.

 

b.    Factos não provados:

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

c.    Fundamentação da matéria de facto:

A convicção acerca dos factos julgados provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes, bem como as posições assumidas pelas partes.

 

V.    MATÉRIA DE DIREITO:

A primeira questão a decidir prende-se com a tempestividade da revogação do acto impugnado por parte da AT e sobre a consequência de tal revogação.

Para o efeito, cumpre, desde logo, convocar o disposto no artigo 13º nº 1 do RJAT, que determina o seguinte:

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.” (sublinhado nosso).

No caso dos autos, foi remetido email automático à AT no prazo previsto no artigo 10º nº 3 do RJTA, informando da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído.

Pelo que, atenta a data da entrada do pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral (25 de Fevereiro de 2025), dispunha a AT do prazo de 30 dias, contado da data em que foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13º do RJAT (dois dias após 25 de Fevereiro de 2025), para, querendo, revogar o ato impugnado.

Não foi isso, porém, o que sucedeu in casu, já que o acto impugnado apenas foi revogado em 31 de Maio de 2025, decorridos, pois, bem mais do que os 30 dias a que alude o indicado artigo 13º nº 1 do RJAT.

Deste modo, não restam dúvidas de que o acto de revogação do acto tributário não pode ter, no processo, a consequência prevista no referido preceito do RJAT.

No entanto, não poderá olvidar-se que, como também já referido, o Requerente, notificado para se pronunciar sobre a referida revogação, a aceitou, requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Com tal revogação e aceitação por parte do Requerente, parece evidente que se torna inútil o prosseguimento da presente lide, já que o fim visado pelo Requerente com a instauração do presente pedido de pronúncia arbitral foi plenamente atingido por outro meio, fora do âmbito do respetivo processo, embora na sua pendência.

Conforme explicam LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendidaNum e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” – cfr. Código de Processo Civil anotado” volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.

A este respeito pronunciou-se também já́ o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277.º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”

Verifica-se, pois, a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do acto tributário objeto do presente processo, o que determina a extinção da correspondente instância, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões elencadas.

 

VI.  DECISÃO:

Em face do exposto, decide este Tribunal julgar verificada a inutilidade superveniente da lide, determinando-se, em consequência, a extinção da instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, com custas a cargo da Requerida.

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Fixa-se o valor do processo em € 73.644,34, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ter dado causa à acção.

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Lisboa, 25 de setembro de 2025

Os Árbitros,

Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente)  

 

Maria Antónia Torres (Árbitro Adjunto e relatora),

 

Elisabete Louro Martins Cardoso (Árbitra Adjunta)