Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 131/2025-T
Data da decisão: 2025-09-25  IRC  
Valor do pedido: € 278.967,51
Tema: IRC – execução de caso julgado e caducidade do direito à liquidação
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SUMÁRIO:

1 – A execução de uma decisão arbitral que concluiu pela não sujeição de uma sociedade ao regime da transparência fiscal implica, relativamente ao rendimento assim obtido, a anulação das liquidações de IRS e a emissão das correspondentes liquidações de IRC.

2- Mesmo quando esgotado o prazo o prazo geral previsto no artigo 45.º da LGT, o ato tributário ainda pode ser validamente praticado dentro do prazo para a execução espontânea do julgado, nos termos do art. 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e artº 175º n.º 1, do CPTA. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Porto veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I-              RELATÓRIO

 

A)   O pedido

A Requerente peticiona:~

 

- a anulação da liquidação de IRC n.º 2024..., relativa a 2018 e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º 2024 ... e 2024... .

- a anulação da liquidação de IRC n.º 2024..., relativa a 2019, e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2024... .

- a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

b) O litígio

 

Estão em causa liquidações de IRC emitidas na sequência de uma decisão arbitral que anulou liquidações de IRS, relativas ao mesmo rendimento e aos mesmos períodos temporais, por considerar que a sociedade de profissionais através da qual tais rendimentos foram obtidos não estava sujeita ao regime da transparência fiscal interna.

A Requerente entende que o prazo de caducidade previsto no art. 45º, nº 1, da LGT, que considera aplicável, já estava expirado quando foi notificada das liquidações.

A Requerida sustenta que está em causa não esse prazo, mas sim o prazo de que dispõe para execução voluntária do julgado arbitral (na qual a emissão das liquidações de IRC se inseriria), que entende ter sido respeitado.

 

 

c) Tramitação processual

O pedido foi aceite em 07/02/2025.

Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição. 

O tribunal arbitral ficou constituído em 15/04/2025

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

A Requerente prescindiu da audição das testemunhas que havia arrolado.

A 15/07/2025, a Requerente informou da revogação administrativa das liquidações de juros compensatórios. Notificada, a Requerente comunicou aceitar tal decisão administrativa.

Por despacho de 09/09/2025 foram prescindidas a reunião ao que se refere o art. 18º do RJAT e a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

d)    Saneamento

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram alegadas exceções e não existem questões que devam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

 

II – PROVA

 

II.1- Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)     A Requerente tem por objeto exclusivo o exercício das funções de Administrador Judicial confiadas à sua sócia única – B... .

b)    A sócia única da Reclamante foi alvo de uma inspeção tributária, relativa aos exercícios de 2015 e de 2016, tendo os SIT concluído que os rendimentos profissionais por ela obtidos através da ora Requerente estariam sujeitos ao regime da transparência fiscal e, consequentemente, seriam tributáveis em IRS.

c)     Em consequência, nos exercícios seguintes, nomeadamente nos ora em causa, 2018 e 2019, a sócia da ora Requerente passou a declarar tais rendimentos no Anexo D da declaração Modelo 3 do IRS.

d)    Em processo arbitral que correu termos junto deste Centro de Arbitragem Administrativa sob o n.º 896/2023-T, a Requerente peticionou a anulação das liquidações de IRS relativas aos exercícios de 2028 e 2019 por entender não estarem tais rendimentos sujeitos ao regime da transparência fiscal, ou seja, que deveriam ter sido tributados em IRC.

e)     A sócia única da Requerente obteve ganho de causa em tal processo.

f)     Na sequência de tal decisão arbitral, a AT emitiu as liquidações de IRC ora impugnadas, as quais foram notificadas à Requerente em 3 e 7 de outubro de 2024.

g)    A Requerente procedeu ao pagamento dos montantes de imposto e juros assim liquidados.

 

Estes factos constam da documentação junta aos autos, nomeadamente do RIT, não tendo sido objeto de qualquer controvérsia entre as partes.

 

II-           Factos não provados

Não existem com relevância para a decisão da causa.

 

 

 

d)    Saneamento

 

O Processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram alegadas exceções e não existem questões que devam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III O DIREITO

 

III.1- Pedido relativo a juros indemnizatórios

 

 III.2 - Os argumentos da Requerente

 

A Requerente funda do seu pedido de anulação das liquidações de imposto alegando, em resumo:

 

- estando em causa rendimentos relativos aos anos de 2018 e 2019, o prazo de caducidade do direito da Requerida proceder às liquidações ora impugnadas, quatro anos (art. 45º, nº1, da LGT), já havia expirado quando as mesmas lhe foram notificadas.

- não existiu qualquer facto, da responsabilidade da Requerente, impeditivo de a AT liquidar o IRC em causa dentro do referido prazo.

-  não existiu causa de suspensão derivada de inspeção tributária, uma vez que a única inspeção que ocorreu foi dirigida à verificação da situação tributária da sócia única da Requerente e não à situação desta.

- a pendência do processo arbitral em que foi declarada a ilegalidade das liquidações de IRS processadas em nome da sócia da Requerente não pode ser havida como causa de suspensão, entre outras razões, por esta não ter sido parte em tal processo.

 

II.2 – Os argumentos da Requerida 

 

Por seu lado, a Requerida, na sua resposta, afirma (transcrevemos): 

 

Esgotado o prazo o prazo geral previsto no artigo 45.º da LGT, o ato tributário ainda pode ser validamente praticado dentro do prazo para a execução espontânea do julgado, nos termos do art. 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e artº 175º n.º 1 do CPTA, que é precisamente o que sucede nos presentes autos.

 

O art. 24.º do RJAT estabelece que “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: 

Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; 

Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente; 

Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar”. 

 

Por sua vez, o art. 173.º, n.º 1 do CPTA estabelece o princípio geral sobre execução de julgados anulatórios de atos administrativos, preceituando que “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelo limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.

 

O princípio da execução efetiva pode impor à Administração, além da prática de atos com eficácia retroativa, para suprir os efeitos imediatos do ato anulado, o dever de anular, reformar ou substituir atos consequentes e alterar situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença (art. 173.º n.º 2 CPTA). 

 

A Administração fica, assim, constituída no dever de “(…) dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando os atos jurídicos e realizando as operações materiais necessários para colocar a situação, tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida (…)” (Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação de atos administrativos, pags. 39 e segs).

 

Como claramente resulta do art.º 173.º, n.º 1, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos: Reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; Cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava; Eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Ed. Almedina, pag. 1282). 

 

De acordo com a Doutrina e Jurisprudência, o mais adequado entendimento do regime de execução de julgados será o de que, durante o período de execução espontânea, a Administração na sequência de anulação do ato, tem o referido “poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado” (art.173.º, nº 1 do CPTA), não tendo outras limitações que não sejam as derivadas da autoridade da decisão anulatória e as previstas no procedimento de execução de julgados. 

 

Durante este período de execução espontânea de julgados, a Administração Tributária não está a exercer o seu poder autónomo de praticar atos tributários, no âmbito do procedimento tributário próprio para essa prática, estando, antes, por força do disposto no art. 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, a exercer um poder/dever de executar o julgado criado pela decisão anulatória, poder esse a exercer no âmbito do procedimento especial de execução espontânea de julgados, regido, em primeira linha, pelas suas regras próprias, visando a “reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio” imposta por aquele artigo 100°, em que se inclui o restabelecimento da “situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado” (Cfr. acórdão TCA Norte, proc. n.º 00779- A/03, 15-03-2019). 

Pela mesma razão de o poder/dever de executar decisões anulatórias ser autónomo em relação ao poder/dever geral de liquidar tributos, a Administração Tributária não está condicionada pelas limitações temporais que a lei estabelece para exercício deste último poder/dever, mas sim pelos limites temporais próprios da execução de julgados.

 

 Isto significa que ocorrendo a anulação de ato de liquidação, a Autoridade Tributária não está impedida de praticar novo ato de liquidação referente ao mesmo facto tributário, antes impondo-se a reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, desde que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias, ou seja, dentro do prazo para a execução da sentença e no respeito pela autoridade do caso julgado (Cfr. acórdão STA, proc. n.º 0188/14.3BEAVR, de 12-12-2020). 

 

Assim, conclui-se pelo exposto que a Autoridade Tributária tem o poder/dever de praticar, dentro do prazo de execução espontânea, um novo ato de liquidação expurgado do vício que foi fundamento da anulação, independentemente do decurso ou não do prazo de caducidade que valia para o exercício do primitivo poder autónomo de praticar o ato de liquidação, isto nos termos do artº 24º n.º al. d) do RJAT 

 

 

e do artº 175º n.º 1 do CPTA, contado nos termos do artigo 87º al c) do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

 

O prazo de execução espontânea de decisões arbitrais, que não se limitam ao dever de pagamento de uma quantia em dinheiro, é de 90 dias, como resulta do preceituado no art.175º n.ºs 1 e 3 do CPTA, aplicável por força do art.146º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 28. Trata-se de um prazo procedimental, como esclarece atualmente o n.º 1 do artigo 175.º do CPTA, que se conta desde o “termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação”, momento a partir do qual a Administração Tributária está vinculada pela decisão arbitral, como resulta do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

 

II.3 Apreciando

 

Subscreve-se o constante do excerto da resposta da Requerida atrás transcrito, que damos aqui, expressamente, como reproduzido enquanto parte integrante da fundamentação desta decisão arbitral.

Em suma:

- a argumentação da Requerente parte de um equívoco: o de que as liquidações impugnadas teriam que ser praticadas centro do prazo geral do art. 45º da LGT, prazo esse (aceita-se) que estaria esgotado no momento da respetiva notificação.

- como resulta do acima reproduzido, está em casa um outro prazo, a da execução voluntária pela AT de uma decisão arbitral, prazo esse que parece ter sido respeitado (questão não alegada pela Requerente, de que o tribunal nunca poderia conhecer oficiosamente).

- não se podem suscitar dúvidas que a execução do decidido no processo arbitral n.º 896/2023-T implicava a anulação das liquidações de IRS impugnadas e pagamento de juros indemnizatórios, o que terá sido feito.

-mas implicava também a liquidação de IRC relativamente aos anos em causa (as liquidações de imposto ora impugnadas) tal qual, de resto, a pretensão da sócia única da Requerente formulada nesse processo. O que esteve em causa nunca foi a (in)existência da obrigação de imposto, mas sim qual o imposto (IRS ou IRC) através da qual se deveria consumar.

- embora a Requerente expressamente não o invoque (alude à questão no contexto de uma eventual suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art. 45º da LGT), sempre se dirá que, no caso, só formalmente se poderá sustentar que a execução da decisão proferida no referido processo afeta um terceiro, a ora Requerente.

Estamos no domínio da transparência fiscal interna, uma técnica, legislativamente consagrada para certos casos, que conduz à “desconsideração” de uma sociedade (de profissionais) enquanto sujeito passivo da obrigação de pagamento de imposto e à tributação do rendimento obtido pela sociedade na esfera dos sócios.

O sistema da transparência fiscal interna assenta, pois, na prevalência, para efeitos da imputação da obrigação de pagamento, da pessoa do(s) ócio (s) sobre a sociedade (na desconsideração, ainda que apenas para efeitos da obrigação de pagamento do imposto, da ficção jurídica de que uma sociedade é pessoa diferente dos sócios).

Neste contexto, carece de qualquer substância o argumento (meramente formal, contraditório com o princípio da justiçana tributação, o qual impõe também o dever de pagar os impostos legalmente devidos) de que a sociedade ora Requerente não foi parte no processo arbitral anterior. Esse processo, tal como o presente, foi desencadeado pela mesma pessoa, a sócia única da Requerente, a qual, por razões processuais (que não cabe aqui discutir) surgiu, no primeiro processo, agindo em nome pessoal e surge, no presente processo, atuando sob a veste societária.

Mas em ambos os processos, substantivamente, a “interessada”, a “parte”, é a sócia única da Requerente.

Dito de uma forma intencionalmente simplista, se a Requerente foi destinatária das liquidações ora impugnadas foi porque a sua sócia única (que também forma a “vontade” dela, sociedade Requerente), assim o quis. Não pode, pois, invocar, substancialmente, um estatuto de “terceiro” relativamente ao processo anterior, não pode alegar ter sido confrontadas com liquidações inesperadas de IRC., não pode alegar violações de seus eventuais direitos de defesa. Como é regra no Direito Fiscal, há que atender à substância e não à forma. Mais, a invocação do “véu societário” neste contexto surge mesmo como abusiva.

O pedido da Requerente, no tocante às liquidações de imposto, deve, pois, improceder.

 

III.4 – Juros indemnizatórios

Julgado improcedente o único pedido principal ainda em apreciação, fica prejudicado o conhecimento do pedido relativo a juros indemnizatórios, porque daquele dependente.

 

IV – DECISÃO

Termos em que:

a) se declara a inutilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos de anulação das liquidações de juros compensatórios inicialmente identificadas.

b) No mais (pedidos de anulação de liquidações de imposto – IRC) a ação é julgada improcedente, com a consequente absolvição da Requerida de tais pedidos.

 

 

VALOR:  € 278.967,51

CUSTAS: no valor de € 5.202,00, a serem suportadas pela Requerente na percentagem de 83% (correspondente ao decaimento nos pedidos de anulação das liquidações de imposto) e 17% pela Requerida (percentagem correspondente ao valor das liquidações de juros compensatórios, da sua responsabilidade uma vez que a sua anulação administrativa ocorreu após a constituição do tribunal arbitral).

 

Anexo: voto de vencida

25 de setembro de 2025

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Rui Duarte Morais (relator, por vencimento)

 

 

 

 

Rita Guerra Alves, com voto vencido


 

José Coutinho Pires

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 131/2025-T

Tema: IRC – execução de caso julgado e caducidade do direito à liquidação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO VENCIDO

Votei vencido quanto à improcedência do pedido de anulação das liquidações de imposto – IRC dos exercícios de 2018 e 2019, e quanto à improcedência do pedido quanto aos juros indemnizatórios, com a consequente absolvição da Requerida de tais pedidos.

Entendo que a questão dos autos onde voto de vencida, assenta sobre o entendimento a conferir aos atos de liquidação de IRC aqui impugnados, designadamente se constituem atos de liquidação corretivo, no âmbito da execução da decisão arbitral 896/2023-T, ou se constituem atos inovadores. Tratando-se de liquidação inovadora, compete ao tribunal apreciar os vícios que lhe são imputados, concretamente o de apurar se tal liquidação ultrapassa o prazo de caducidade do direito de liquidação.

No caso, de se tratar de liquidação corretiva – isto dentro dos limites da decisão arbitral (896/2023-T) – o tribunal está oficiosamente impedido de a apreciar, verificando-se a exceção de inimpugnabilidade da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral[1]

Na liquidação inovadora – isto é, fora dos limites da decisão arbitral (896/2023-T) –não estamos no âmbito de uma execução de sentença, mas perante uma nova liquidação, o que implica o respeito por parte da Administração Tributaria pelo previsto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 13.º do RJAT, e pelo prazo de caducidade, e, outros vícios que possam ser invocados.

Nos presentes autos, entendo estarmos perante liquidações emitidas fora dos limites da decisão arbitral 896/2023-T, e como tal, inovadoras, em sede de IRC. Consequentemente, por não se verificar a exceção de inimpugnabilidade da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, competia ao tribunal apreciar os vícios das liquidações objeto do pedido. 

E no âmbito dessa apreciação, verifica-se a exceção perentória de caducidade do direito à liquidação de IRC, quanto aos anos de 2018 e 2019, o que constitui vício de violação de lei que justifica a sua anulação.

Vejamos a legislação relevante: 

Estabelece o n. º1, 2 e 3 do artigo 13.º do RJAT (Efeitos do pedido de constituição de tribunal arbitral)

1 — Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º. (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)

2 - Quando o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último acto se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.

3 - Findo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos.

Estabelece o n.º 1 e 4.º do Artigo 24.º do RJAT (Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação): 

1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;

c) Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;

d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.

(…)

4 - A decisão arbitral preclude o direito de a administração tributária praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário e período de tributação, salvo nos casos em que este se fundamente em factos novos diferentes dos que motivaram a decisão arbitral.

Estabelece o n.º 1 do 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Dever de executar)

1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.

Em primeiro lugar, como nos diz a Doutrina, o chamado “direito ao arrependimento” previsto n.º 1, 2 e 3 do artigo 13.º do RJAT, “(…)o legislador estabeleceu que a Administração Tributária tem uma só oportunidade para definir a situação jurídico-tributária do contribuinte. Esta oportunidade, concretizada na data em que emite o acto tributário, é reforçada por aquele que se denominou de “direito ao arrependimento” e que deve ser exercido no prazo de 30 dias. Assim, e uma vez mais, a Administração Tributária tem a hipótese de (…) decidir se (…) quer manter o acto tributário em questão ou, pelo contrário, pretende alterá-lo (….). Após esse período o acto tributário cristaliza-se na ordem jurídica, não sendo alterável por iniciativa da Administração Tributária a menos que ocorram factos novos”. cf. CARLA CASTELO TRINDADE , Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 327 e ss.)

Após o termo do prazo para o arrependimento, a AT fica “(…) impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”, conforme decorre do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT. 

Nos termos da referida disposição legal, a AT pode emitir uma nova liquidação sobre um novo imposto, neste caso a decisão arbitral 896/2023-T incidiu sobre IRS, e as presentes liquidações são-no em sede de IRC, no âmbito de um novo imposto, como tal permitidas no termos do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT.

Retomando os autos, sucede que a AT procedeu à execução em julgado, alegando o seguinte: O processo transitou em julgado no dia 08-07-2024 e, em cumprimento do disposto no art. 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a AT procedeu à execução de julgado, nomeadamente, anulando as liquidações de IRS à sócia única e repondo a situação tributária desta, e promovendo também o procedimento para a liquidação adicional de IRC dos exercícios de 2018, de 2019 e de 2020 à sociedade Autora, repondo igualmente a situação tributária desta última.

E emitiu a liquidação oficiosa.

Ora, analisando a decisão tomada no processo Coletivo, 896/2023-T, presidido pelo arbitro Rui Duarte Morais e árbitros vogais Jorge Belchior de Campos Laires e Sérgio Santos Pereira, junta aos autos como documento 8 do PPA, temos como objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral, o ato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa e os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativos aos exercícios de 2018, 2019 e 2020.  Da douta decisão, resultou:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade das liquidações de IRS dos anos de 2018, 2019 e 2020, com todas as consequências legais, incluindo o reembolso do imposto pago indevidamente pelo Requerente.

b) Julgar procedente o pedido de pagamento dos juros indemnizatórios, sendo contáveis desde 1 de julho de 2023 até à emissão das respetivas notas de crédito.

c) Condenar a Requerida ao pagamento das custas.

E quanto à questão central de direito nessa decisão, o tribunal arbitral decidiu o seguinte: 

“E quanto à questão de fundo, conforme se abordou, decidiu o STA no processo identificado que “não é aplicável às sociedades de Administradores de Insolvência o regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, para efeito de ser imputada no rendimento dos sócios, em sede de IRS, a matéria coletável da sociedade, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, uma vez que a atividade do Administrador Judicial não está especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS”.

Assim, este Tribunal Arbitral segue a posição assumida por tribunal superior, determinando a procedência do pedido formulado pelos Requerentes de anulação da decisão de indeferimento da revisão oficiosa apresentada e dos atos subjacentes de liquidação do IRS referentes aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, com direito a reembolso das importâncias indevidamente pagas pelos Requerentes.

Analisada a decisão, dela não resulta, a condenação ou sequer a apreciação da aplicação do imposto de IRC, ou de juros indemnizatórios sobre esse imposto (embora estes já anulados pela AT).

De seguida, vejamos o que consta da notificação oficiosa remetida pela AT ao SP:

Resulta, assim inexistir referência à decisão arbitral 896/2023-T, além do mais, é conferido à Requerente a possibilidade de reclamar ou de impugnação judicial da liquidação, o que, conforme se referiu, não constitui uma possibilidade legal nos atos corretivos de execuções de sentença, atenta a sua inimpugnabilidade.

E no que se refere a juros há que dizer que da decisão 896/2023-T, resulta que a Requerente não foi condenada no pagamento de juros.

Convém igualmente frisar, que a AT, emitiu liquidações de juros compensatórios sobre as referidas liquidações, a contar da data do imposto devido, que para o ano de 2018 resultou num total de 45.696,00€ e para ano de 2019 no total de 456,86€, pagos pela Requerente. 

E na resposta da AT, alega que são devidos tais juros indemnizatórios.  Aliás não deixa de se referir que a anulação dos juros, só ocorreu após a impugnação arbitral, e, após ter decorrido o prazo do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT. 

Ficou assim demonstrado nestes autos, que a AT, tratou as liquidações em apreço, como novas liquidações em sede de IRC, sem qualquer referência, conexão ou base legal associada à decisão arbitral 896/2023-T. A menção na notificação sobre as liquidações do direito ao exercício de defesa, a cobrança de juros compensatórios, inclusivamente após o prazo do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, e em sede de Resposta, são também factos demonstrativos, de que não estamos perante uma liquidação corretiva, mas sim inovadora.  

Continuando a nossa análise pela jurisprudência, vejamos o que se diz no acórdão do TCA Sul de 27-10-2022, no Proc. 1671/09.8BELRS:

“- O nosso ordenamento consagra a existência de uma diversidade de tipologias de liquidações, sejam elas emitidas pela AT ou efetuadas pelo próprio contribuinte.

- De entre as liquidações emitidas pela AT, incluem-se as emitidas na sequência de declaração apresentada pelo sujeito passivo, as oficiosas, as adicionais e as corretivas.

- As liquidações adicionais são emitidas na sequência, designadamente, de ação inspetiva levada a efeito pela AT, num contexto em que já existe uma liquidação anterior decorrente da atividade declarativa do sujeito passivo, liquidação essa cujos parâmetros são alterados em função daquela atuação da administração.

- As liquidações corretivas, sendo subsequentes a um ato de liquidação adicional, decorrem de a pretensão do sujeito passivo ter sido parcialmente atendida, na sequência da sua impugnação graciosa ou contenciosa”.

Ou seja, as liquidações corretivas são precisamente aquelas que, sendo subsequentes a um ato de liquidação adicional, decorrem de a pretensão do sujeito passivo ter sido parcialmente atendida, na sequência da sua impugnação graciosa ou contenciosa. 

Ora, remetendo ao caso presente, temos por certo que o objeto do presente processo é distinto porquanto são liquidações no âmbito de um imposto distinto - IRC.

Vejamos, o que nos diz a Jurisprudência sobre o tema da “confirmatividade”, sintetizada no Acórdão do STA de 19 de maio de 2022 (Proc. n.º 03477/11.5BEPRT):

“O artº 53º do CPTA, na redacção anterior a 2015, sob a epígrafe “Impugnação de acto meramente confirmativo” referia que «uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado, quando o anterior acto – a) tenha sido impugnado pelo autor; b) tenha sido objecto de notificação ao autor; e, c) tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor»; ou seja, faz-se referência à figura dos actos confirmativos, sem, contudo se dar uma definição material deste tipo de actos, apenas relevando as implicações processuais que deles derivam – a respectiva inimpugnabilidade.

Na versão actual do CPTA/2015, o legislador já mostrou mais alguma preocupação na definição processual deste acto, definindo que «não são impugnáveis os actos confirmativos, entendendo-se como tal os actos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em actos administrativos anteriores».

Mas esta era já a sensibilidade demonstrada na doutrina e jurisprudência, em que se entendia que «só se verifica uma situação de confirmatividade entre actos administrativos que apresentem objecto e conteúdo idênticos e dirigindo-se ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir a mesma decisão, perante o mesmo condicionalismo, de facto e de direito (sem pois que o reexame dos pressupostos decorra da revisão imposta por lei), existindo assim perfeita identidade entre os mesmos, de modo que, o segundo acto se limita a repetir o anterior, utilizando a mesma fundamentação, sem nada inovar na ordem jurídica, caso em que não apresenta, em princípio, lesividade autónoma e, consequentemente, não será contenciosamente recorrível» - cfr. entre muitos outros, Ac. deste STA de 19-06-2007, rec. nº 997/06, Acs. STA/Pleno de 18/03/1999, rec. 32209, de 19/12/2001, rec. 42143, de 26.09.02, rec. 195/02, de 18.12.2002, rec. 48366, de 01.02.2005, rec. 971/04, de 11.10.06, rec. 614/06, e de 12.04.07, rec. 1218/06.

Igualmente, o problema da confirmatividade do acto só se coloca quando o acto alegadamente confirmado seja de “per si” recorrível contenciosamente, porquanto o legislador constitucional fez corresponder a recorribilidade à lesividade, afastando-a da definitividade – cfr. Acs deste STA de 09.12.2009, rec. nº 019/09, de 16.12.2009, rec nº 0140/09 e de 24.09.2020, rec. nº 0940/12.4BESNT.

Deste modo, hoje face ao nº 1, do artº 51º do CPTA, a impugnabilidade do acto administrativo depende apenas da sua externalidade [actual ou potencial], ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere, tornando-se irrelevante que ele seja definitivo ou não, bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou fim).

Daí que, o verdadeiramente importante é apurar se a decisão impugnada mantém inalterado o comando do acto primário, pois nesse caso, ela não constitui acto contenciosamente recorrível, por nada inovar na ordem jurídica e, por consequência, não possuir lesividade própria.”

Uma das distinções entre a liquidação corretiva face à inovatória, assenta na sua recorribilidade contenciosamente. Efetivamente para a salvaguarda dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva. Enquanto a liquidação corretiva não é recorrível, por se entender que o sujeito passivo já teve oportunidade de se defender e tal defesa já se ter esgotado, já na liquidação inovadora o sujeito passivo ainda não teve essa oportunidade de defesa. 

Ora, a liquidação corretiva, não-inovatória, acarreta a verificação da exceção de inimpugnabilidade da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, “por confirmatividade”; uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, verificada nos termos do art. 89.º, 2 e 4, i), do CPTA e arts. 577.º e 578º. do CPC, ex vi art. 29.º, 1, c) e e), do RJAT, tendo como consequência a absolvição da instância – sendo insuprível, o que torna impossível a renovação da instância.

Analisada a decisão 896/2023-T  e as liquidações de IRC objeto dos presentes autos, tem de se concluir que são liquidações inovadoras. 

A Requerente não foi condenada nessa instância ao pagamento de IRC ou juros compensatórios. 

A sua pretensão não foi parcialmente procedente, permitindo a AT emitir uma nova liquidação no mesmo imposto, para corrigir o vicio. 

Adicionalmente, a aplicação do Imposto de IRC, é uma inovação, acarreta novas realidades e enquadramentos jurídicos, que não foram alvo da decisão 896/2023-T, que não se verificam em sede de IRS, e como tal o sujeito passivo não teve oportunidade de defesa, estando efetivamente vedado o seu exercício aos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva. 

Não estamos perante uma mera aplicação de uma taxa de imposto de IRS para IRC, há uma nova aplicação do direito. 

Mais se refere, que a Requerente, apresentou as respetivas declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, das quais resultaram liquidações com imposto a reembolsar no valor de €2.673,00, por referência a 2018 e a zeros, por referência a 2019 e 2020, cfr. documentos n.º 5 a 7, do PPA. 

Valores esses que variam consideravelmente das liquidações oficiosas emitidas pela AT, o que demonstra uma incerteza jurídica na aplicação que não pode ou existe numa execução de sentença ou de um ato corretivo.

As declarações submetidas pela Requerente, até podem ser ilegais ou invalidas, e o valor de imposto incorretamente obtido, contudo, não se pode afastar do sujeito passivo o seu direito de defesa, o que nos presentes autos não se verificou nas liquidações emitidas. 

Neste sentido, a decisão arbitral do 896/2023-T cingiu-se a apreciação da legalidade da revisão oficiosa e das suas liquidações em sede de IRS. A aplicação, condenação, ou substituição das liquidações por liquidações de IRC, não faziam parte do objeto do litígio ou da decisão tomada.

Para esse efeito, como refere o n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, quanto à execução da sentença e a reposição dos factos,  deve ser aplicado “nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo”. Ora da douta decisão, não consta como decidido que as oras liquidações fossem substituídas ou corrigidas por novas liquidações em sede de IRC.

Inclusive, o legislador já previu tal situação para a Arbitragem em Matéria Tributaria, ao permitir à AT no âmbito do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT, emitir uma nova liquidação sobre um novo imposto, mantendo-se os factos, e ao permitir a AT corrigir as liquidações impugnadas, nos termos do nº 1 do artigo 13.º do RJAT.

Bem como é o entendimento do STA, conforme nos diz o Acórdão do STA de 07-07-2005, no Proc. n.º 30220-A: “I - A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto, nada obstando a que, em execução dessa pronúncia, a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios. II - Os vícios supervenientes do novo acto deverão ser conhecidos através dos meios comuns de reacção contenciosa”.

Não lhe é vedado a AT emitir um novo ato expurgando tais vícios, contudo, os vícios dos novos atos devem ser conhecidos pela via contenciosa, tal como é feito nos presente autos. 

Face ao exposto, estando perante um ato de liquidação inovatório, compete ao tribunal apreciar o vício imputado pela Requerente de violação de lei por atuação fora do prazo de caducidade.

A caducidade constitui vício que afeta a validade substancial dos actos tributários impugnados, e o decurso do respetivo prazo conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos, assim se assegurando uma estável e eficaz definição da situação tributária dos sujeitos passivos, impõe-se começar pela apreciação deste vício invocado pela Requerente. Neste sentido, o Acórdão do STA, de 23/06/2021, Proc. n.º 01866/05.3BEPRT 01448/13.

Em termos gerais, o direito à liquidação por parte do Estado tem algumas limitações temporais para ser exercido, tendo em conta razões de segurança jurídica que informam a determinação legal de limitação do período de tempo em que tais actos podem ser praticados.

Em consequência, é necessário determinar qual o momento da exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

Sobre a caducidade do direito à liquidação, no que releva in casu, estabelece o artigo 45.º da LGT o seguinte:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

No caso dos impostos periódicos, no caso dos autos, o prazo de 4 anos iniciou-se em 1 de janeiro de 2019 referente ao período de 2018, e em 1 de janeiro de 2020 para o período de 2019, conforme prevê o artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC.

Caducaria, em princípio, em 31 de dezembro de 2022 e de 2023. Mas, considerando o período de 87 dias de suspensão do prazo de caducidade decorrente do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (com produção de efeitos a 09-03-2020, por força do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio,  que entrou em vigor em 03-06-2020, nos termos do seu artigo 10.º), o direito de liquidar o tributo terminou por caducidade em 27 de março de 2023 e 26 de março de 2024, respetivamente. 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios nos termos e para os efeitos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, peticionado pela Requerente, entendo que são devidos juros pela AT à Requerente, na sua totalidade, incluindo sobre os atos revogados na pendência da ação. 

A interpretação do deferimento da pretensão do Requerente, não pode deixar de abranger o pedido inteiro, completo, i.e., no seu conjunto: anulação do imposto mais juros, sob pena de aniquilação do sentido útil do emprego do adjetivo “total”.

Entendo que o ato praticado pela Subdiretora Geral, em 26 de junho de 2025, é um ato decisório que determinou a eliminação jurídica do ato de juros compensatórios, objeto parcial desta ação arbitral, implicando, o deferimento da pretensão da Requerente de juros indemnizatórios.

Nos termos do art. 24.º, n.º 5, do RJAT, “…é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tal implicando o pagamento de juros indemnizatórios segundo os arts. 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT.

Tendo havido revogação dos atos de juros pela Requerida há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios a seu cargo, contados desde a data do pagamento do imposto até à data do efetivo e integral pagamento (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.

Em conclusão, pelos motivos expostos, voto vencido quanto à improcedência do pedido de anulação de liquidações de imposto – IRC dos exercícios de 2018 e 2019, e dos juros indemnizatórios, com a consequente absolvição da Requerida de tais pedidos

Entendo sim que se verifica a exceção perentória de caducidade da liquidação em sede de IRC, quanto aos anos de 2018 e 2019, o que constitui vício de violação de lei que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, com a consequente condenação da Requerida a restituir à Requerente a quantia paga, no montante de €278.967,51 (duzentos e setenta e oito mil, novecentos e sessenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, bem como a condenação da Requerida em custas. 

A Arbitra, 

 

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Rita Guerra Alves



[1] . Neste sentido a decisão Processo nº 539/2022-T; Acórdão TCA Sul de 27-10-2022, no Proc. 1671/09.8BELRS; Acórdão do TCA Sul de 16-09-2021, no Proc. 2064/11.2BELRS.