Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 95/2025-T
Data da decisão: 2025-09-23  IRS  
Valor do pedido: € 7.038,00
Tema: IRS – Mais-valias - Redução preço das participações
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Sumário:

A norma constante do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), José António Machado Pinto e Alexandra Iglésias, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 1 de abril de 2025, acordam no seguinte:

 

 

            I.         Relatório

 

A..., NIF ..., e B..., NIF ..., C..., NIF..., e D..., NIF ..., vêm apresentar o pedido arbitral para impugnação dos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa nº ...2024...de 10-09-2024 contra a liquidação de IRS 2021 nº 2022... de 23-06-2022, com valor a pagar de 219.488,05€ e da Reclamação Graciosa nº ...2024... de 10-09-2024 contra a liquidação de IRS 2021 nº 2022... de 23-06-2022, com valor a pagar de 218.785,48€ respetivamente.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

Em 24 de janeiro de 2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT. 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 1 de abril de 2025. 

Depois de várias marcações e adiamentos, foi proferido o seguinte despacho em 1 de setembro de 2025:

“Tendo em conta a necessidade de cumprimento do prazo, mas atento o pedido da Requerida, marca-se nova data de audiência para dia 5 de setembro de 2025, pelas 14h30, ficando sem efeito a data anteriormente marcada.”

 

 

A audiência foi realizada, apenas a Requerente apresentou alegações.

 

Posição da Requerente

A Requerente fundamenta o seu pedido com base nos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa nº ...2024... de 10-09-2024 contra a liquidação de IRS 2021 nº 2022... de 23-06-2022, com valor a pagar de 219.488,05€ e da Reclamação Graciosa nº ...2024... de 10-09-2024 contra a liquidação de IRS 2021 nº 2022... de 23-06-2022, com valor a pagar de 218.785,48€ respetivamente. Alegam em suma:

a)     Em 27-05-2024, os requerentes entregaram as declarações de substituição modelo 3 de IRS 2021, alterando no anexo G, o valor de realização da alienação onerosa das participações sociais da entidade E... S.A. NIPC ... de 925.000€ para 684.000€ (cada um), que se encontra no estado de “não liquidável”; tendo a AT convolado as mesmas em reclamação graciosa nos termos do nº 5 do art.º 59º do CPPT;

b)    Em 27-05-2024, comunicaram através das declarações modelo 4 – aquisição e/ou alienação de valores mobiliários nºs .../... o referido valor de realização de 684.000€ (cada um), corrigindo as declarações anteriores no valor de 925.000€, pela transmissão de 51.085 ações a entidade F..., S.A. NIPC ...;

c)     A AT indeferiu as referidas correções de valores por alegadas divergências com as declarações prestadas pela entidade adquirente F..., S.A relativamente à mesma operação nomeadamente quanto ao valor (esta declarou em 22-04-2022 o valor de 925.000€), quanto ao nº de títulos transmitidos (esta declarou aquisição de 60.085 títulos) e a data da operação (esta indicou a data de 05-03-2021);

d)    Os requerentes desconhecem em absoluto e nem têm de conhecer o que foi declarado pela entidade adquirente, se tais divergências se verificam;

e)    É verdade que o valor das vendas das referidas participações sociais foi objeto de correção de 925.000€ para 684.000€ em relação a cada um dos cedentes, o que reduziu o valor das mais-valias geradas com esta alienação;

f)     Em 05-03-2021 (e não 04-03, como por lapso foi indicado), os requerentes celebraram, na qualidade de vendedores um contrato designado por “Shares sales and purchase agrément (SPA)” através da qual venderam (com os demais acionistas G... e H...) à sociedade F..., S.A. as ações que detinham na E..., S.A, conforme documento 4 junto à petição;

g)    Paralelamente e através do mesmo contrato, as participações da referida sociedade foram vendidas pela Sociedade I... SGPS, S.A. à empresa J... – Unipessoal, Lda. NIPC ..., a qual passou a totalidade do capital social da F..., conforme considerando A ii) e 2.1.1 do referido contrato;

h)    A sociedade J... adquiriu ainda a totalidade do capital da sociedade L... Lda. à K... e à  F... SA., conforme considerando A iii) e 2.1.2 do referido contrato;

i)     A totalidade do capital social da E... é composta por 204.340 ações, com valor nominal de 5€ cada, e cada um dos acionistas detinha 51.985 ações, conforme considerando A i) do contrato;

j)     Para a referida venda foi estabelecido o preço inicial (initial purchase price) de 3.700.000€ repartido em partes iguais pelos 4 vendedores, cabendo a cada um, o valor de 925.000€ (clausula 3,2 do contrato);

k)    Ficou ainda acordado que este preço inicial seria revisto em função das informações obtidas dos relatórios financeiros finais (closing financial statements) das sociedades cujo capital foi alienado, F..., S.A.,  L..., Lda e E..., S.A., que compõem o grupo M..., calculando-se com base nessa informação o valor final de venda (final purchase price), conforme clausula 3,9 do contrato;

l)     Não havendo acordo, as partes acordaram realizar uma nova auditoria às contas das sociedades cujo capital foi cedido (grupo M...), sendo elaborado novo relatório (third accountant`s report) que seria vinculativo para todas as partes, conforme clausula 3.13.4. aqui aplicável por força do disposto na clausula 3.9.2. do contrato;

m)  Em 08-06-2022, os cedentes contrataram a realização da auditoria à N..., S.A. às sociedades do grupo M..., conforme acordo de contratação junto como doc 5 da petição;

n)    De acordo com o relatório elaborado, e junto como doc 6, houve ajustamento do preço inicial de 3.700.000€, corrigindo o em 964.000€, resultando num preço final de venda de 2.736.000€, o qual, dividido pelos 4 vendedores, perfaz um montante de 684.000€ (valor efetivo de realização da venda das participações sociais da E... e não os 925.000€ anteriormente declarados;

o)    Na sequência disso, em 13-04-2023 a entidade J... interpelou os 4 vendedores (onde se incluem os 2 requerentes) a devolverem as quantias recebidas em excesso no valor total de 964.000€, o qual responderam, devolvendo os valores em 12-05-2023, sendo 241.000€ cada um dos cedentes, conforme docs 7, 8 e 9 juntos à petição;

p)    Esta devolução foi efetuada à sociedade J... com o assentimento da F..., sociedade que passou a ser detida por esta;

q)    Na sequência disso, os requerentes entregaram a declaração de substituição, corrigindo os valores de realização das participações sociais no valor de 684.000€ e que cada um alienou 51.085 participações sociais que detinha na sociedade E...;

r)     Neste sentido, cabe-lhes o direito de substituir as referidas declarações iniciais porque as mesmas padeciam de um erro, nos termos do nº 3 do art.º 59º do CPPT, devendo por isso ser corrigidas em conformidade;

s)    E consequentemente, os requerentes têm direitos a devolução do imposto pago em excesso (docs 10 A e 10 B juntos à petição), acrescido de juros indemnizatórios, calculados pelos menos desde a data das decisões de indeferimento das reclamações graciosas.

 

 

Posição da Requerida

A posição da Requerida sustenta-se nos seguintes argumentos:

a)    No caso dos autos, os factos tributários em discussão têm a ver com o facto de os requerentes, com a entrega das declarações de substituição, procurarem retificar um dos valores de realização das participações sociais declarados no anexo G, Q9, campo 9005 para o requerente A... 9004 para o requerente C... , e emitidas pela sociedade E... (inicialmente de 925.000€ para 684.000€).

b)    Dispõe o art.º 9º nº 1, alínea a) conjugado com o art.º 10º, nº 1 al b), do CIRS que constituem mais valias, os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários.

c)    Nos termos do art.º 10º nº 1 al. f) do CIRS, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização, o valor da respetiva contraprestação. Ou seja, o valor que consta do respetivo contrato de compra e venda.

d)    Quanto ao valor de alienação/aquisição das participações sociais, consultada aplicação “Obrigações acessórias da AT” (modelo 4) verifica-se que continuam a persistir divergências relativamente a:

a.     Data da transação: os requerentes indicaram nas declarações de substituição modelo 4 (nºs .../... de 27-05-2024) e na modelo 3 de IRS, a data de 03-03-2021e a entidade adquirente F...  NIPC..., declarou a data de 05-03-2021 (nºs .../ ..., de 22-04-2022);

b.     Quantidades: os requerentes declararam ter alienado 51.085 ações por um valor unitário de 5€/cada e a F..., declarou ter adquirido 60.085 ações por um valor unitário de 5€/cada, existindo uma diferença de 9.000 ações; 

c.     Valor global da operação (aquisição e alienação): os requerentes declararam ter alienado as ações por um valor global de 684.000€ e a F..., declarou ter adquirido as ações por um valor global de 925.000€, existindo uma diferença de 241.000€.

e)    Sublinha-se ainda que, os requerentes foram notificados em sede de reclamação graciosa, para se pronunciarem, para efeitos do disposto no art.º 60º nº 1 al b) da LGT, não o tendo feito e nem juntado qualquer prova documental que suportasse a alteração dos valores declarados.

f)     O qual, a acontecer, permitiria a administração fiscal, eventualmente, efetuar diligências adicionais para o apuramento da verdade material, nos termos previstos no art.º 58º LGT (tendo em conta o principio de colaboração constante nº 4 do art.º 59º da LGT), porquanto vigora a regra da prova documental (alínea e) do nº 1 do art.º 69º do CPPT).

g)    Neste pedido de pronúncia arbitral, os requerentes juntaram, o contrato de compra e venda das ações, designado por “Shares sales and purchase agreement - SPA” (doc 4), a correspondência da N... para a realização da auditoria de 08-06-2022 (doc 5), o relatório de auditoria de 17-02-2023, designado “final purchase price” project Cargo da N... (doc 6), o pedido de devolução da empresa J... de 13-04-2023 (doc 7) e os comprovativos de devolução de 15-03-2023, doc 8 para o SP A... e doc 9 para SP C... .

h)    Analisados os documentos, verifica-se que no documento 4 - Shares sales and purchase agreement - SPA, constam os valores iniciais da operação no valor de 3.700.000€ (cfr cláusula 3.6.1), o que perfaz um valor de 925.000€/cada;

i)     O documento 5 respeita a uma correspondência entre a empresa N... com ref a 969/22-sat de 08-06-2022.

j)     Os requerentes não juntaram os 3 anexos mencionados no 2º parágrafo e indicados no final da pagina 2, nomeadamente o anexo A -“statement of work”, B - “scope of work” e C – “general terms and conditions” que permita analisar o tipo de trabalho/serviço efetuado e o seu âmbito e a sua efetiva realização.

k)    Regista-se uma incongruência entre os valores constantes no relatório de auditoria, designado “final purchase price” project Cargo da N... (doc 6) e o pedido de devolução da empresa J... (doc 7). Não se esclarece o facto de o relatório fixar um ajustamento global do preço de 2.080.000€ e a entidade solicitar aos vendedores (entre os quais os ora requerentes), a devolução de 2.081.000€.

l)     Neste sentido, não sendo possível efetuar diligências instrutórias adicionais, é nosso entendimento que não estão reunidas as condições e nem suporte legal para validar e confirmar os novos valores de alienação indicados pelos ora requerentes.

m)  Importa ainda frisar que, tratando-se de um ajustamento negativo ao valor de realização (de 925.000€ para 684.000€), o requerente poderia ter lançado mão do mecanismo previsto no nº 7 do art.º 44º do CIRS, segundo a qual “Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte.” (preenchendo os campos 03 e 04 do Q13 da folha de rosto da modelo 3 de IRS, no indicado para o efeito).

n)    Assim sendo, afigura-se-nos que os requerentes não conseguem justificar e comprovar documentalmente, (em termos qualitativos e quantitativos) a alteração do valor de realização, uma vez que persistem divergências na qualificação dos factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto (nº 4 do art.º 64º do CIRS).

o)    Note-se que os requerentes declararam ter alienado 51.085 ações por um valor unitário de 5€/cada e a F..., a adquirente, declarou ter adquirido 60.085 ações por um valor unitário de 5€/cada, existindo uma diferença de 9.000 ações e com reflexo no valor da transação.

p)    E consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios nos termos previstos no art.º 43º nº1 da LGT, uma vez que não houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

q)    Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser negado provimento ao solicitado.

r)     Por tudo o exposto, devem ser mantidas as liquidações de IRS 2021 nº 2022... de 23-06-2022, com valor a pagar de 219.488,05€ e nº 2022... de 23-06-2022, com valor a pagar de 218.785,48€.

 

 

            II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado da notificação da decisão de indeferimento da reclamação deduzida contra os atos tributários impugnados.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, assistindo ao substituído o direito de ação, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 65.º da LGT e 9.º e 132.º do CPPT, e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).  

Não foram identificadas nulidades ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito. 

 

III.Fundamentação de Facto

A.   Factos Provados 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

a)    Em 27-05-2024, os requerentes entregaram as declarações de substituição modelo 3 de IRS 2021, alterando no anexo G, o valor de realização da alienação onerosa das participações sociais da entidade E... S.A. NIPC... de 925.000€ para 684.000€ (cada um), que se encontra no estado de “não liquidável”; tendo a AT convolado as mesmas em reclamação graciosa nos termos do nº 5 do art.º 59º do CPPT;

b)    Em 27-05-2024, comunicaram através das declarações modelo 4 – aquisição e/ou alienação de valores mobiliários nºs .../... o referido valor de realização de 684.000€ (cada um), corrigindo as declarações anteriores no valor de 925.000€, pela transmissão de 51.085 ações a entidade F..., S.A. NIPC...;

c)    A AT indeferiu as referidas correções de valores por alegadas divergências com as declarações prestadas pela entidade adquirente F..., S.A relativamente à mesma operação nomeadamente quanto ao valor (esta declarou em 22-04-2022 o valor de 925.000€), quanto ao nº de títulos transmitidos (esta declarou aquisição de 60.085 títulos) e a data da operação (esta indicou a data de 05-03-2021);

d)    Os requerentes desconhecem em absoluto e nem têm de conhecer o que foi declarado pela entidade adquirente, se tais divergências se verificam;

e)    É verdade que o valor das vendas das referidas participações sociais foi objeto de correção de 925.000€ para 684.000€ em relação a cada um dos cedentes, o que reduziu o valor das mais-valias geradas com esta alienação;

f)     Em 05-03-2021 (e não 04-03, como por lapso foi indicado), os requerentes celebraram, na qualidade de vendedores um contrato designado por “Shares sales and purchase agreement (SPA)” através da qual venderam (com os demais acionistas G... e H...) à sociedade F..., S.A. as ações que detinham na E..., S.A, conforme documento 4 junto à petição;

g)    Paralelamente e através do mesmo contrato, as participações da referida sociedade foram vendidas pela Sociedade I... SGPS, S.A. à empresa J...– Unipessoal, Lda. NIPC ..., a qual passou a totalidade do capital social da F..., conforme considerando A ii) e 2.1.1 do referido contrato;

h)    A sociedade J... adquiriu ainda a totalidade do capital da sociedade L... Lda. à K... e à F... SA., conforme considerando A iii) e 2.1.2 do referido contrato;

i)     A totalidade do capital social da E... é composta por 204.340 ações, com valor nominal de 5€ cada, e cada um dos acionistas detinha 51.985 ações, conforme considerando A i) do contrato;

j)     Para a referida venda foi estabelecido o preço inicial (initial purchase price) de 3.700.000€ repartido em partes iguais pelos 4 vendedores, cabendo a cada um, o valor de 925.000€ (clausula 3,2 do contrato);

k)    Ficou ainda acordado que este preço inicial seria revisto em função das informações obtidas dos relatórios financeiros finais (closing financial statements) das sociedades cujo capital foi alienado, F..., S.A., L..., Lda eE..., S.A., que compõem o grupo M..., calculando-se com base nessa informação o valor final de venda (final purchase price), conforme clausula 3,9 do contrato;

l)     Não havendo acordo, as partes acordaram realizar uma nova auditoria às contas das sociedades cujo capital foi cedido (grupo M...), sendo elaborado novo relatório (third accountant`s report) que seria vinculativo para todas as partes, conforme clausula 3.13.4. aqui aplicável por força do disposto na clausula 3.9.2. do contrato;

m)  Em 08-06-2022, os cedentes contrataram a realização da auditoria à N..., S.A. às sociedades do grupo M..., conforme acordo de contratação junto como doc 5 da petição;

n)    De acordo com o relatório elaborado, e junto como doc 6, houve ajustamento do preço inicial de 3.700.000€, corrigindo-o em 964.000€, resultando num preço final de venda de 2.736.000€, o qual, dividido pelos 4 vendedores, perfaz um montante de 684.000€ (valor efetivo de realização da venda das participações sociais da E... e não os 925.000€ anteriormente declarados;

o)    Na sequência disso, em 13-04-2023 a entidade J... interpelou os 4 vendedores (onde se incluem os 2 requerentes) a devolverem as quantias recebidas em excesso no valor total de 964.000€, o qual responderam, devolvendo os valores em 12-05-2023, sendo 241.000€ cada um dos cedentes, conforme docs 7, 8 e 9 juntos a petição;

p)    Esta devolução foi efetuada à sociedade J... com o assentimento da F..., sociedade que passou a ser detida por esta;

q)    Na sequência disso, os requerentes entregaram a declaração de substituição, corrigindo os valores de realização das participações sociais no valor de 684.000€ e que cada um alienou 51.085 participações sociais que detinha na sociedade E... .

 

 

B.   Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão. 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes, na prova produzida na audiência de inquirição e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

IV. Do Mérito 

IV.A. Da questão decidenda

 

A questão essencial que aqui se coloca tem a ver com o facto de os requerentes, com a entrega das declarações de substituição, procurarem retificar um dos valores de realização das participações sociais declarados no anexo G, Q9, campo 9005 para o requerente A... e campo 9004 para o requerente C..., e emitidas pela sociedade E... (inicialmente de 925.000€ para 684.000€).

 

A este respeito, é necessário notar, antes do mais, que, como decorre da factualidade dada como provada, como aliás foi reconhecida pela Requerida na Resposta e na audiência de inquirição, pela ausência de perguntas na contra inquirição: 

·      Quanto ao valor de alienação/aquisição das participações sociais, consultada aplicação “Obrigações acessórias da AT” (modelo 4) verifica-se que continuam a persistir divergências relativamente a:

o   Data da transação: os requerentes indicaram nas declarações de substituição modelo 4 (nºs .../... de 27-05-2024) e na modelo 3 de IRS, a data de 03-03-2021 e a entidade adquirente F... NIPC..., declarou a data de 05-03-2021 (nºs .../ ..., de 22-04-2022);

o   Quantidades: os requerentes declararam ter alienado 51.085 ações por um valor unitário de 5€/cada e a F..., declarou ter adquirido 60.085 ações por um valor unitário de 5€/cada, existindo uma diferença de 9.000 ações; 

o   Valor global da operação (aquisição e alienação): os requerentes declararam ter alienado as ações por um valor global de 684.000€ e a F..., declarou ter adquirido as ações por um valor global de 925.000€, existindo uma diferença de 241.000€.

·      Sublinha-se ainda que, os requerentes foram notificados em sede de reclamação graciosa, para se pronunciarem, para efeitos do disposto no art.º 60º nº 1 al b) da LGT, não o tendo feito e nem juntado qualquer prova documental que suportasse a alteração dos valores declarados.

·      O qual, a acontecer, permitiria a administração fiscal, eventualmente, efetuar diligências adicionais para o apuramento da verdade material, nos termos previstos no art.º 58º LGT (tendo em conta o princípio de colaboração constante nº 4 do art.º 59º da LGT), porquanto vigora a regra da prova documental (alínea e) do nº 1 do art.º 69º do CPPT).

·      Neste sentido, não sendo possível efetuar diligências instrutórias adicionais, é nosso entendimento que não estão reunidas as condições e nem suporte legal para validar e confirmar os novos valores de alienação indicados pelos ora requerentes.

·      Importa ainda frisar que, tratando-se de um ajustamento negativo ao valor de realização (de 925.000€ para 684.000€), o requerente poderia ter lançado mão do mecanismo previsto no nº 7 do art.º 44º do CIRS, segundo a qual “Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte.” (preenchendo os campos 03 e 04 do Q13 da folha de rosto da modelo 3 de IRS, no indicado para o efeito).

·      Assim sendo, afigura-se-nos que os requerentes não conseguem justificar e comprovar documentalmente, (em termos qualitativos e quantitativos) a alteração do valor de realização, uma vez que persistem divergências na qualificação dos factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto (nº 4 do art.º 64º do CIRS).

·      Note-se que os requerentes declararam ter alienado 51.085 ações por um valor unitário de 5€/cada e a F..., a adquirente, declarou ter adquirido 60.085 ações por um valor unitário de 5€/cada, existindo uma diferença de 9.000 ações e com reflexo no valor da transação.

 

Com base nos elementos que foram trazidos aos presentes autos, verifica-se que não foram trazidos aos autos provas ou indícios fundados que contrariem a pretensão da Requerente para além do que já resultou do ato inspetivo.

Aliás, este facto é reconhecido pela própria Requerida quando afirma que a existência de mais elementos probatórios “permitiria a administração fiscal, eventualmente, efetuar diligências adicionais para o apuramento da verdade material, nos termos previstos no art.º 58º LGT (tendo em conta o princípio de colaboração constante nº 4 do art.º 59º da LGT), porquanto vigora a regra da prova documental (alínea e) do nº 1 do art.º 69º do CPPT)”.

Essa insuficiência probatória ficou igualmente patente na audiência de inquirição de testemunhas, quando a Requerida frisou que solicitou à Requerente elementos e que “não o tendo feito e nem juntado qualquer prova documental que suportasse a alteração dos valores declarados” daí resultou a insuficiência de atos probatórios adicionais.

Assim, e em face da prova produzida nestes autos não se poderá ignorar que, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, “sempre que da prova produzida [no processo] resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.

No mesmo sentido expresso nesta decisão arbitral, vd., por ex.: “[tendo a recorrente sido] diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, [pode], sem margem para qualquer dúvida, reclamar a aplicação da regra prevista no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.” (Ac. do TCAN de 3/2/2022, proc. 00058/10.4BEBRG); “[...] acompanha-se o entendimento da ilegitimidade da administração pública, rectius da administração fiscal, em emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário, mas apenas quando tal juízo de valor reflita uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos, ou seja, acolhe-se o argumento de que a emissão de um juízo de valor sobre ‘(...) a bondade da gestão empreendida (...)’, por parte da AF, é ilegítimo para qualificação de uma determinada despesa enquanto custo ao abrigo do art.º 23.º/1 se e na medida em que essa aferição repousar numa ponderação de causalidade entre o custo e os proveitos. Assim sendo, neste domínio, porque o preceito existe e tem de ter aplicabilidade prática, apenas não será de aceitar como custos fiscais relevantes e, por isso, dedutíveis, aqueles que, independentemente de corresponderem a uma correta ou incorreta atuação de gestão, não forem, objetivamente, adequados ao desenvolvimento da atividade da empresa. [...]. Se a decisão teve na sua génese tão só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu objeto social, tal como os seus sócios e gestores, bem ou mal não interessa, ao tempo o interpretaram, o custo não pode deixar de ser havido como indispensável. [...]. [...] ainda que se considere que a correção efetuada tem amparo no art. 23.º do CIRC, não resulta que de tal desconsideração se possa inexoravelmente concluir que os valores em causa se tratavam de adiantamentos por conta de lucros, sendo que era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos donde se pudesse extrair a conclusão atrás referida, atento o disposto no artigo 74.º da LGT” (Ac. do TCAS de 16/10/2012, proc. 05014/11); “[se relacionadas com o objeto social da sociedade recorrida] não pode a Fazenda Pública desconsiderar como custos [...] [as] viagens e estadias do sócio [...] sem que tal correção se deva considerar como entrando pelo campo, verdadeiramente subjetivo, da boa (ou má) gestão empresarial e da consequente e efetiva relevância dos ditos custos no conjunto dos proveitos obtidos pelo sujeito passivo [...]. Por outras palavras, é entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. art. 23.º, n.º 1, do CIRC), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. ac. STA-2.ª Secção, 21/04/2010, rec. 774/09; ac. STA-2.ª Secção, 13/02/2008, rec. 798/07; ac. TCASul-2.ª Secção, 17/11/2009, proc. 3253/09).” (Ac. do TCAS de 16/10/2014, proc. 06754/13); “Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. [...]. Não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas devidamente suportadas em documentos idóneos, contabilizadas em conformidade e estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.” (Ac. do TCAS de 30/6/2022, proc. 750/09.6 BELRS).     

Assim, e em face do supra exposto, conclui-se que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como as liquidações de IRC, ora em causa, são ilegais por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, o que determina a anulação das mesmas, com as demais legais consequências.

 

IV.B. Dos Juros indemnizatórios

A Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT. Nos termos do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Decorre, ainda, do n.º 5 do art. 24.º do RJAT que o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral.

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso dos autos, é manifesto que, atendendo à ilegalidade dos actos impugnados, pelas razões apontadas, a Requerente efetuou o pagamento de importância indevida.

Assim sendo, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (vd. artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e artigo 61.º do CPPT).

 

 

V.            Decisão

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

a)    Julgar o pedido totalmente procedente, com as legais consequências;

b)    Condenar a Requerida ao pagamento das custas arbitrais.

 

VI.             Valor do Processo 

            Fixa-se ao processo o valor de € 438.273,53, indicado pela Requerente (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VII.        Custas 

            Custas no montante de € 7 038,00 (sete mil e trinta e oito euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

 

Lisboa, 23 de setembro de 2025

 

Os árbitros,

 

Guilherme W. d'Oliveira Martins

(Presidente)

 

 

José António Machado Pinto

 

 

Alexandra Iglésias