Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 129/2025-T
Data da decisão: 2025-09-23  IRS  
Valor do pedido: € 5.017,58
Tema: Revogação de acto de liquidação. Inutilidade superveniente da lide. Condenação em juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO: 

1. Ocorrendo a revogação pela Requerida da liquidação impugnada, a pronúncia ou decisão sobre a sua legalidade e consequente declaração de invalidade da liquidação notificada ao Requerente deixou de ter objeto, pelo que é inútil o prosseguimento dos presentes autos, pois que a mesma ocorreu depois de a Requerida ter sido citada para os termos dos presentes autos.

2. Em consequência, tem o requerente direito a ser reembolsado relativamente à quantia que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizado por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva.

 

DECISÃO ARBITRAL

            O árbitro José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:

         

1. Relatório:

A..., NIF..., com domicilio na Rua..., n.º..., ...-... Algés veio, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares com o n.º 2024... referente a 2020, com as legais consequências, nomeadamente que seja ordenada a restituição do valor indevidamente pago pelo requerente no montante de €5.017,58, acrescido de juros indemnizatórios contados desde 13 de janeiro de 2025 até efetivo e integral pagamento.

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 7/2/2025 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.

Por despacho de 5/3/2025 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi designado para árbitro o ora subscritor, tendo comunicado essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 15/4/2025, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

A 15/4/2025, foi a requerida notificada para a presentar a sua resposta.

Porém, em 22/5/2025, a Requerida em vez de apresentar resposta, veio requerer a prorrogação do prazo para apresentar essa resposta pelo prazo não inferior a 10 dias e em 3/6/2025, veio apresentar requerimento em que “comunica que, em 31.05.2025, a Subdiretora Geral da Área da Gestão Tributária – Impostos Sobre o Rendimento, proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio, nos termos aí expostos”, juntando documento comprovativo desse acto de revogação.

Notificado o Requerente do documento junto pela Requerida em 3/6/2025 nada disse. 

 

2. Despacho saneador:

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é o competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não existem nulidades, excepções ou outras questões prévias de conhecimento oficioso que cumpra apreciar.

 

3. Fundamentação de facto.

3.1 - Factos provados:

Da petição inicial e do documento junto pela requerida são considerados provados os factos que a seguir se indicam.

a) O Requerente é cidadão português, tendo atualmente estabelecida a sua residência em Portugal, mais concretamente na Rua ..., n.º ..., ...-... Algés. 

b) No final do ano de 2024, a AT notificou o Requerente da liquidação de IRS referente a 2020, com o n.º 2024..., no montante de €5.017,58 a pagar até ao dia 14-01-2025 (provado pelo Documento n.º 1 junto com o PPA). 

c) No dia 13 de janeiro de 2025, o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação referida (provado pelo comprovativo do pagamento como Documento n.º 12 junto com o PPA).

d) Em 3/6/2025, a Requerida apresentou requerimento em que “comunica que, em 31.05.2025, a Subdiretora Geral da Área da Gestão Tributária – Impostos Sobre o Rendimento, proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio, nos termos aí expostos”, juntando documento comprovativo desse acto de revogação.

e) Nesse despacho de revogação é declarado que “Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, … deverá ser dado provimento ao solicitado”. (provado pelo documento junto pela requerida)

f) Mais se acrescenta que “quanto aos juros indemnizatórios, os mesmos são devidos nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.” (provado pelo documento junto pela requerida)

p) O Requerente apresentou a 7-02-2025, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.

 

 

3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.

          Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

         

 

4. Matéria de direito

 

4.1 - Questões a resolver:

A única questão a apreciar neste momento, é a da inutilidade superveniente dos presentes autos, determinada pela revogação pela Requerida da liquidação ora impugnada pelo presente PPA.

Como resulta dos factos provados, o presente tribunal arbitral só se constituiu porque a Requerida notificou o Requerente para proceder ao pagamento da liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares com o n.º 2024... referente a 2020.

Ora, tendo a Requerida revogado essa liquidação, o PPA deixou de ter objecto na sua parte principal que era a declaração de ilegalidade dessa liquidação entretanto revogada.

Nos termos do disposto no artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Tais casos de extinção da instância ocorrem quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir deixa de ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou porque o escopo visado com a ação foi atingido por outro meio, designadamente por acordo extrajudicial ou judicial, mas neste caso fora do processo em questão (cfr. Alberto Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º págs. 367-373 e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, 2.ª Ed., pág. 555).

É este o caso do presente processo, na medida em que, por efeito de revogação pela Requerida da liquidação impugnada, a pronúncia ou decisão sobre a sua legalidade e consequente declaração de invalidade da liquidação notificada ao Requerente deixou de ter objeto, pelo que é inútil o prosseguimento dos presentes autos, sendo certo que a mesma ocorreu depois de a Requerida ter sido citada para os termos dos presentes autos.

Pelo exposto, tem de julgar-se extinta a instância no presente processo arbitral por inutilidade superveniente da lide, face ao acto de revogação da liquidação impugnada.

Por outro lado, a extinção da instância por inutilidade superveniente prejudica o conhecimento nos presentes autos, dos restantes pedidos, com excepção do pedido de devolução do pago em cumprimento da liquidação impugnada e posteriormente revogada.

No que concerne às custas, importa ponderar que, por força do disposto no artigo 536º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, nos casos aí previstos em que, sempre que ocorrer uma alteração das circunstâncias imputável a uma das partes, a responsabilidade pelas custas, decorrente da extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, ficará a cargo da demandada, quando esta decorra da satisfação por revogação do acto impugnado, por parte desta, com a satisfação da pretensão da demandante. 

Com efeito, como a satisfação da pretensão do Requerente demandante foi determinada pela revogação pela Requerida, tem esta demandada de ser responsabilizada pelas custas dos presentes autos, nos termos do artº. 536º., nº. 3, parte final do Cod. Proc. Civil. 

 

5. Devolução do imposto pago, juros e custas, acrescido de juros indemnizatórios.

         Conforme vem provado na al. c) dos factos provados, o Requerente procedeu ao pagamento atempado do montante de IRS constante da liquidação impugnada e posteriormente revogada, ou seja, o valor de 5.017,58, 

         Além da restituição dessa quantia já paga por força da referida liquidação, pede ainda o Requerente a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados desde a data em que procedeu ao pagamento do imposto liquidado até à data em que vier a ser reembolsado ao Requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.

         A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

         No caso ora em apreciação, o erro que afeta as liquidações impugnadas é exclusivamente imputável à Requerida AT, aliás, como ela expressamente reconhece no despacho de revogação, pelo que tem o ora o Requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.

         É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao proceder à liquidação de IRS ora revogada, pelo que deve pagar ao Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia paga indevidamente, contados à taxa legal, desde o pagamento das quantias indevidamente exigidas até à sua restituição.

         Portanto, tem o ora Requerente direito a ser reembolsado relativamente à parte que peticiona do que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizado por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

6. Decisão 

            Nestes termos, decide-se julgar extinta a instância no presente processo arbitral por inutilidade superveniente da lide, face ao acto de revogação pela Requerida da liquidação ora impugnada, pelo que também vai a Requerida condenada na restituição de imposto pago pelo Requerente relativamente à liquidação revogada, no montante de €5.017,58, acrescido de juros indemnizatórios, por parte da Requerida, desde a data do pagamento dessa quantia (13/1/2025), até efectivo reembolso, calculados à taxa legal supletiva que é actualmente de 4% ao ano.

 

 

7. Valor do processo

         De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5.017,58, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

8. Custas

         Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.

 

Lisboa, 23-09-2025

O Árbitro

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.