Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 381/2014-T
Data da decisão: 2015-01-30  IRS  
Valor do pedido: € 2.274.028,79
Tema: IRS - Cláusula Geral Antiabuso (CGAA)
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 381/2014 – T

Tema: IRS - Cláusula Geral Antiabuso (CGAA)

 

I - RELATÓRIO

Em 15-5-2014, a sociedade “A”, SGPS, NIF …, com sede na … – …, …-… ..., submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de IRS (retenção na fonte) nº 2014 … e juros compensatórios nº 2014 …, ambos datados de 13 de janeiro de 2014.

 

A Requerente pede a anulação das liquidações de retenção na fonte acima identificadas, com os seguintes fundamentos:

i)                    “preterição do dever de inquirir pela Administração Tributária no âmbito da inspeção tributária que a determinou, por falta de preenchimento dos pressupostos materiais de aplicação da referida cláusula geral antiabuso e, bem assim, por inaptidão da referida norma para determinar o nascimento de obrigações tributárias acessórias de terceiros – mormente na retenção na fonte – em face da ineficácia para efeitos fiscais dos atos ou negócios jurídicos reputados de abusivos que constitui a respetiva estatuição;”

ii)                  “inconstitucionalidade material do artigo 38.º, n.º 2 da LGT face aos princípios da certeza e da segurança jurídicas e da proporcionalidade e, bem assim, por violação inadmissível do direito à propriedade privada garantido pelo Protocolo Adicional à CEDH.”

 

Neste seguimento, peticiona ainda que o tribunal arbitral reconheça:

i)                    “a nulidade consequente da liquidação de juros compensatórios impugnada ou, subsidiariamente, determine a respetiva anulação por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos legais previstos no artigo 35.º da LGT;”

ii)                  “o erro dos Serviços de Administração Tributária na prolação das liquidações objeto dos presentes autos e a condene no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT;”

iii)                “condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.”

 

Alega a requerente, em síntese, que as referidas liquidações foram emitidas pela Administração Tributaria na sequencia de ação de inspeção interna levada a cabo pela Direção de Finanças de ... e resultaram da aplicação da cláusula geral antiabuso  prevista  no  artigo  38º-2,  da  Lei Geral Tributaria  ("LGT") à aquisição pela Requerente, em Junho e Setembro de 2009, de 85,5% do capital social da sociedade "B”, S.A., pessoa colectiva n.º …., e ao aumento do capital social da Requerente por entrada em espécie de uma participação adicional de 4,5% na referida sociedade “B”, S.A., em Dezembro de 2010.

 

Em concreto, a liquidação de IRS n.º 2014 … tem por referencia  o pagamento  de  parte  do  preço   de  aquisição   das  ações  em  referencia,  em março   de  2012,  entendendo   a  Administração   Tributaria  que,   assumindo (alegadamente)  o rendimento pago a  natureza de dividendos  e nao de preço de  compra  de  ações,  a  Requerente  incumpriu o  seu  dever  de  retenção   na fonte  de IRS  sobre  os  lucros  colocados  à disposição,  havendo  dessa  forma lugar  à  sua  responsabilização  enquanto  substituto  tributário,  por  força  do disposto  no artigo 103º do Código do IRS ("CIRS").

 

Invocou ainda a requerente que, no decurso do processo inspetivo, exerceu o seu direito de audição, por escrito, em que alegou, sinteticamente:

·                              Que desde a sua constituição  é  uma  sociedade  gestora  de participacões sociais com existência e actividade efectivas;

·                     Que a aquisição de 90% do capital social da “B”, S.A. se enquadrou no normal desenvolvimento da sua actividade social enquanto sociedade gestora de participações sociais, sendo alheia a qualquer tratamento fiscal que tal  transmissao  possa  ter  tido  na esfera dos vendedores;

·                     Que as formas adoptadas para concretizar tal aquisição - contrato de compra e venda de 85,5% e aumento de capital por entrada em especie de 4,5% - configuraram soluções juridicas lineares para os fins  pretendidos, não artificiosas, fraudulentas  ou abusivas;

·                     Que, com independência da posição assumida quanto a inexistência de qualquer operação  abusiva, a hipotética aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA)   que   requalificasse,   para   efeitos   fiscais,   a   natureza   dos rendimentos   obtidos   pelos   anteriores accionistas da “B”,  S.A. - de  incrementos  patrimoniais  para  rendimentos  de capitais  -, nunca   poderia   determinar  o   nascimento  de  obrigações tributárias  acessórias de terceiros em conformidade    com dita requalificação, não sendo por isso admissível a pretendida responsabilização  da Requerente enquanto  substituto  tributário

- cfr. cópia da exposição de exercício de audição prévia, junta como

documento n.o 12.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta justificando a aplicação da cláusula anti-abuso e defendendo que a SGPS Requerente e os contratos efetuados com a sua acionista “B”, S.A., visaram essencialmente transferir para a esfera pessoal dos acionistas comuns de ambas as sociedades,  os rendimentos gerados pela empresa “B”, S.A., sem sujeição à devida tributação em sede de IRS e consequente retenção na fonte.

 A AT em conclusão refere que a as liquidações objeto do pedido estão legalmente conformes e pede a improcedência do pedido arbitral.

 

Foram designados árbitros os senhores Juiz José Poças Falcão (como árbitro-presidente), Dr. Diogo Feio e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, todos integrando a lista de árbitros do CAAD.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18-7-2014.

 

Realizou-se em 12-11-2014 a reunião (única) do tribunal arbitral, nos termos e com os objetivos previstos no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária (cfr ata respetiva).

 

Saneamento/pressupostos processuais

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Matéria de facto

Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

1º.    Pela apresentação  nº … de ….01.2001, foi requerido na Conservatória do Registo Comercial da ..., o registo da constituição da Requerente, que deu origem à matricula nº….

2º.    A Requerente tem  como objeto social de «gestão de participações noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas».

3º.    A Requerente  teve  como acionistas fundadores “C”, a sua mulher, “D” e três dos quatro filhos de ambos, ficando o capital social de € 60.000,00 distribuído da seguinte forma:

 

 

 

Accionistas

Percentagem no capital social

de EUR 60.000,00

“C”

80%

“D”

5%

“E”

5%

“F”

5%

“G”

5%

 

4º.    No ano de 2001, a Requerente adquiriu as seguintes participações sociais em empresas do sector têxtil:

- 50,8% do capital social da sociedade comercial anónima “H”…, S.A., pessoa colectiva n.º …;

- 97,8% do capital social da sociedade comercial por quotas “I”, LIMITADA, pessoa colectiva n.º …;

5º.    As referidas aquisições de participações sociais pela Requerente foram financiadas com recurso a crédito bancário, concedido pelo BANCO “J”, S.A., no montante de € 19.368.322,64.

6º.    No final do ano de 2003, a Requerente vendeu à  sociedade “B”, S.A. – à data detentora já de 39,8% das acções -  a participação adquirida na sociedade “H”, S.A.

7º.    Também em 2003, a Requerente adquiriu uma participação correspondente a 34,43% do capital social da sociedade comercial anónima “K”, S.A., pessoa colectiva n.º …, a qual no mesmo ano adquiriu por trespasse à massa insolvente da sociedade “M”, S.A., pessoa colectiva n.º … – em processo que correu os seus termos no Tribunal da Comarca da ... sob o n.º 762/2002 –, o respectivo equipamento e instalações fabris, desenvolvendo desde então com sucesso actividade no sector têxtil

8º.    A 31.12.2008, o capital social da Requerente era ainda  de € 60 000.

9º.    Àquela data, a Requerente detinha ainda as  participações sociais no capital da sociedade “J”, Lda., NIF …, e no capital social da sociedade “K”, S.A., NIF …, acima mencionadas.

10º.    No que respeita  à sociedade “J”, Lda., “C”, “D”, “E” e “G”, para além de gerentes, eram sócios da mencionada sociedade.

11º.    No que toca à sociedade “K”, S.A., já desde 04.09.2000 que “E”, “G” e “D” pertenciam ao respetivo conselho de administração da empresa.

12º.    O conselho de administração da Requerente, designado para os triénios de 2009 a 2011 e de 2012 a 2014, era e é composto por:

Caixa de texto: C
D
E
G
F
F

Em ambos os triénios indicados, o acionista “C” foi designado para o exercício do cargo de presidente do conselho de administração.

13º.  A Requerente não tem instalações próprias nem arrendadas nem trabalhadores dependentes.

14º.  Para os anos de 2007 e 2008, a demonstração de resultados da Requerente  foi a seguinte:

15º.  A 01.01.2009, o capital social da sociedade “B”, S.A. era composto por 500.000 ações, com o valor nominal de € 5,00, detidos por seis acionistas e pela própria sociedade (ações próprias) nos seguintes termos:

Accionistas

Percentagem no capital social

de EUR 2.500.000,00

“C”

67,5%

“D”

4,5%

“E”

4,5%

“G”

4,5%

“F”

4,5%

“N”

4,5%

“B”, S.A. (acções próprias)

10%

Total:

100%

 

16º.  O respetivo conselho de administração, designado para os triénios de 2008 a 2010 e de 2011 a 2013, - conforme Anexo I do Relatório Final de Inspeção – era composto por:

Caixa de texto: C
D
E
G
F

17º.  Entre os exercícios de 2000 e 2009, não foram distribuídos dividendos aos acionistas, com exceção do resultado líquido do exercício de 2008, relativamente ao qual foi deliberado proceder à distribuição de lucros no valor de € 1.750.000,00.

18º.  No mês de junho de 2009, a Requerente adquiriu 404.910 ações da sociedade “B”, S.A. junto dos acionistas “C”, “D”, “E” e “G”.

19º.  No mês de setembro, a Requerente adquiriu mais 22.495 ações da sociedade “B”, S.A., junto da acionista “F”.

20º.  O valor unitário assumido para a venda de cada ação, ao valor de € 215,00, foi determinado em função do seu valor contabilístico e a partir do capital próprio da sociedade “B”, S.A., à data de 31.12.2008, que se cifrava em € 96.978.785,23 e um total de 450.000 ações disponíveis.

21º.  Previamente à concretização da referida compra pela Requerente de acções da “B”, S.A., foi  obtido parecer favorável do conselho fiscal da Requerente quanto ao preço de € 215,00 por ação da sociedade “B”, S.A. determinado com base numa avaliação da sociedade, tendo em devida conta o valor dos respetivos ativos e passivos.

22º.  Na contabilidade da Requerente, tais operações foram registadas por débito na conta 411103 – Investimentos Financeiros de Partes de Capital de Empresas do Grupo/”B”, S.A. no valor total de € 91 892 075,00, tendo como contrapartida lançamentos de valor equivalente efetuados na conta 26821 (outros devedores e credores/credores diversos), designadamente nas subcontas atribuídas a cada um dos acionistas,

23º.  Mais concretamente na subconta 2682102 – “C”, no valor de € 72 546 375,00, e nas subcontas 2682103 – “D”, 2682104 – “E”, 2682105 – “G”, 2682106 “F”, no valor de € 4 836 425,00, cada.

24º.  Em resultado das referidas aquisições onerosas, a Requerente assumiu a titularidade de 85,5% do capital social da sociedade “B”, S.A., ficando em dívida para com os respectivos transmitentes, seus accionistas, num total de € 91.892.075,00.

25º.  Entre os anos de 2000 e 2009,  a “B”, S.A., teve os seguintes resultados líquidos de exercício e  dispunha de reservas livres os seguintes valores:

 

26º.  Por sua vez, entre os anos de 2005 e 2009, a mencionada sociedade apresentava as seguintes disponibilidades financeiras:

            2005 - € 36.265.198,34   2006 - € 43.356.063,91

            2007 - € 35.383.253,32    2008 - €    42.840.951,52

2009- € 45.757.083,55

27º.  No ano de 2009, [momento em que ocorreu a venda de cerca de 85,481% ações representativas do capital social da sociedade “B”, S.A. à Requerente], aquela sociedade dispunha de reservas livres no valor de € 93.621.066,18 e disponibilidades financeiras de € 45.757.083,55.

28º.  No mesmo ano, a sociedade “B”, S.A.  também já  havia  adquirido 50.000 ações próprias, ao valor nominal de € 5,00, que correspondia a 10% do capital social da sociedade.

29º.  Em  01.01.2009  a Requerente possuía  disponibilidades financeiras de € 794.108,62  e em 31.12.2009  de €863.430,42.

30º.  No dia 10.12.2010, a assembleia-geral da Requerente deliberou em aumentar o capital social de € 60.000,00 para € 4.334.050,00.

31º.  Para o efeito, foram realizados os movimentos contabilísticos respetivos, sendo que, relativamente ao aumento de capital, foi debitada a conta 27821 – Outras contas a receber e a pagar/credores diversos, designadamente na subconta 2782102 – “C”, pelo valor de € 3.374.250,00 e nas subcontas 2782103 – “D”, 2782104 – “E”, 2782105 – “G” e 2782106 – “E”, no valor de € 224.950,00, cada.

32º.  Em contrapartida, foi creditada a conta 51101 – Capital, pelo valor de € 4.274 050,00.

33º.  No dia 10.12.2010, a assembleia-geral da Requerente deliberou exigir aos acionistas a realização de prestações suplementares no valor de € 44.877.525,00.

34º.  As prestações suplementares foram registadas na contabilidade, debitando a subconta 2782102 – “C”, no valor de € 35.429.625,00, e as subcontas 2782103 – “D”, 2782104 – “E”, 2782105 – “G” e 2782106 – “F”, pelo valor de € 2.361.975,00, cada.

35º.  Por contrapartida, foi creditada a conta 531 – Prestações Suplementares pela importância de € 44.877.525,00, traduzindo uma alteração da natureza contabilística do crédito existente sobre a Requerente, que foi inicialmente registado numa conta de terceiros, transitando depois para uma conta de capital.

36º.  No dia 20.12.2010  a Requerente procedeu a um novo aumento de capital, desta feita de € 4.334.050,00 para € 4.562.000,00, por entradas em espécie de 22.495 ações, com o valor nominal de € 5,00 da sociedade “B”, S.A., pertencentes à acionista “P”, mediante a emissão de 45 590 novas ações da Requerente, com o valor nominal de € 5,00 cada, que esta acionista passou a deter.

37º.  Estas 22.495 ações da sociedade “B”, S.A. adquiridas pela Requerente à acionista “P” pelo valor de € 227.950,00,  tinham  um valor contabilístico de € 4.836 425,00,  que foi debitado na conta 411103 (investimentos financeiros em empresas subsidiárias/”B” S.A.) referente à participação financeira detida.

38º.  A diferença entre o valor contabilístico e o valor de aquisição, designadamente € 4.608.475,00 [resultado da subtração de € 4.836.425,00 (valor contabilístico) – € 227. 950,00 (valor de aquisição)], foi reconhecida contabilisticamente numa conta de reservas – 5512 Reservas de Capital, tendo sido declarado na deliberação de aumento de capital que tal diferença constituía ágio da Requerente.

39º.  Também em  20.12.2010, o acionista “C” efetuou uma cessão de créditos - de que era titular na Requerente - à acionista “P”, no valor de € 2.246.500,00 bem como efetuou a cessão de um crédito à mesma acionista, relativo a prestações suplementares, de que era titular na Requerente, no valor de € 2.361.975,00.

40º.  A 27.12.2010, a sociedade “B”, S.A. deliberou distribuir € 33.750.000,00 - parte dos valores das suas reservas libres - na proporção das participações sociais dos acionistas, atingindo o valor por ação de € 75,00, justificando que “as disponibilidades financeiras da empresa são muito elevadas e não necessárias ao funcionamento normal da empresa e muito superiores a qualquer empresa do setor. Esta distribuição promoverá uma maior eficiência da estrutura de capitais do grupo.”

41º.  Daquele valor, a sociedade “B” S.A. distribuiu dividendos à sociedade “A” SGPS, de € 33.742.500,00, tendo o pagamento dos mesmo sido feito em 28.12.2010 por transferência bancária.

42º.  Esta importância recebida  a título de dividendos - € 33.742.500,00 – foi parcialmente aplicada no pagamento aos  credores-acionistas da Requerente  tendo sido pagos, em 31.12.2010, aos acionistas “D”, “E”, “G” e “F”, o montante de € 1.124.750,00 a cada um e o valor de €16.871.250,00 a “C”, no total de € 21.370 250,00.

43º.  A 27.10.2011 a requerente pagou à acionista “P” a quantia de € 2.246.500,00 respeitante à cessão de créditos neste valor que foi feita pelo acionista “C”.

44º.  A 31 de Dezembro de 2011, a Requerente procedeu ao pagamento de mais uma parte da dívida contraída com a aquisição das ações aos acionistas, no valor total  de € 10.575.650,00, sendo €7.876.250,00 ao acionista  “C”, € 674.850,00 à acionista “D”, €674.850,00 ao acionista “E”, € 674.850,00 ao acionista “F”, € 674.850,00 ao acionista “G”.

45º.  Também em dezembro de 2011, a sociedade “B”, S.A. deliberou novamente efetuar distribuição de dividendos à Requerente, no valor de € 8.098.200,00, tendo o pagamento sido efetuado em 31.12.2011.

46º.  A 31 de Março de 2012, a Requerente procedeu novamente  ao pagamento de dívida aos acionistas  no valor total  de € 8.548.100,00 sendo € 6.748.500,00 ao acionista  “C”, € 449.900,00 à acionista “D”, € 449.900,00 ao acionista “E”, € 449.900,00 ao acionista “F”, € 449.900,00 ao acionista “G”.

47º.  A 21 de Outubro de 2013, a coberto das ordens de serviço n.os OI…, OI… e OI…, a Requerente foi notificada pela Direcção de Finanças de ... para exercício, em 30 dias, de audição prévia relativamente a Projecto de Relatório de Inspecção no âmbito do qual a Administração Tributária considerou que a aquisição pela Requerente de 85,5% do capital social da sociedade “B” S.A. – em Junho e Setembro de 2009 – e, bem assim, o aumento do capital social da Requerente por entrada em espécie de mais 4,5% das acções representativas do capital social da “B”, S.A. – em Dezembro de 2010 – consubstanciaram negócios jurídicos fiscalmente abusivos, nos termos constantes do documento nº 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

48º.  A 18 de Novembro de 2014, a Requerente exerceu por escrito o seu direito de audição, nos termos constantes do documento número 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

49º.  A 2 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada pela Direção de Finanças de ... de Relatório Final de Inspeção.

50º.  A 20 de Janeiro de 2014, em concretização das conclusões do Relatório de Inspeção, a Requerente foi notificada das liquidações de IRS e juros compensatórios n.os2014 … e 2014 …, no montante total de € 2.274.028,79, relativas ao ano de 2012, e cujo valor de imposto se reporta a 31 de Março de 2012.

51º.  A 13 de Março de 2014 a Requerente procedeu ao pagamento da alegada dívida tributária, no montante de € 274.028,79.

FACTOS NÃO PROVADOS

Que no  ano de 2009, parte dos accionistas da sociedade “B”, S.A. – os que eram também accionistas da Requerente –  se tenham mostrados  disponíveis para alienar  ações  à Requerente como forma de aí concentrarem a gestão de toda a actividade do sector têxtil da família … apresentando como justificações para essa alienação, designadamente: (i.) o desejo de dinamizar a actividade têxtil do Grupo “B” através da integração da actividade das diversas sociedades que o compõem sob a direcção da Requerente; e (ii.) o reforço do cunho profissional na gestão da “B”, S.A., demarcando-se progressivamente da imagem redutora de pequeno negócio familiar.

Assinale-se que poderia ter o Tribunal optado, na linha de outras decisões arbitrais proferidas por Tribunais constituídos no âmbito do CAAD [cfr, v. g., as decisões arbitrais nos processos nºs 47/2013[1] (“Não se prova que a transformação societária tenha sido motivada por questões relacionadas com a gestão, dimensão, ou imagem societária”), 62/2014[2] (“Não se provou que os Requerentes tenham optado pela venda das suas participações à ….  com o desígnio de obter vantagens fiscais, designadamente a nível da tributação em IRS”), 267/2013[3]  (“Não se provou que os Requerentes tenham optado pela venda das suas participações à …… S.A.  com o desígnio de obter vantagens fiscais, designadamente a nível da tributação em IRS”)[4], por considerar não provado que a requerente tenha praticado os atos e negócios jurídicos elencados supra com o único ou principal intuito de conseguir vantagens fiscais, designadamente ao nível da tributação em IRS.

Tratando-se de matéria na linha de fronteira entre “factos” e “conclusões” foi deliberado, no caso, abordar tal matéria na fundamentação jurídica da decisão (cfr. infra).

 

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no processo administrativo instrutor, nos documentos juntos pela requerente e pela requerida, que não foram objeto de impugnação, tudo analisado de forma crítica.

Relativamente aos factos não provados, a decisão do Tribunal assenta na total ausencia de prova relativamente a essa materia, sendo ainda de referir que as alegações em causa não se harmonizam com diversos factos provados e incontroversos como sejam a ausencia, na requerente, de estruturas, física e  humana (não tem trabalhadores aos seu serviço, nem instalações físicas próprias ou arrendadas) e ainda pela circunstancia da materia de facto provada relativamente à sociedade “B”, S.A., não resultar uma “imagem redutora de pequeno negócio familiar”, incompatível com o indicadores financeiros dessa sociedade, designadamente com os resultados líquidos de tal empresa obtidos de forma consistente ao longo dos anos.

O DIREITO

1- O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»

A causa ancestral das medidas antiabuso é a obtenção da igualdade tributaria e a justiça na distribuição dos encargos tributários.

E foi sobretudo a partir da década de 90, devido à forte influência de harmonização fiscal comunitária que em Portugal apareceram as primeiras medidas antiabuso contra a evasão e fraude internacionais (Cfr., v. g., o Dec.-Lei nº 37/95, de 14-2).

Vejamos o caso em análise para depois voltarmos ao enquadramento legal.

A Administração Tributária decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso considerando, em síntese, a artificialidade da aquisição pela Requerente, em Junho e Setembro de 2009, de 85,5% do capital social da sociedade “B”, S.A., pessoa colectiva nº …, e do aumento do capital social da Requerente por entrada em espécie de uma participação adicional de 4,5% na referida sociedade “B”, S.A., em Dezembro de 2010, atos e operações que nada mais seriam ou traduziriam, de forma indireta, que o pagamento de dividendos relativos à participação dos acionistas da sociedade “B”, SA., considerando serem comuns os acionistas de ambas as sociedades, desta forma evitando a sujeição à obrigação  de retenção (de IRS) na fonte.

 

O citado financiamento da SGPS e a compra e venda das participações da “B”, S.A., seriam o conjunto de atos que levariam à ineficácia dos atos de reembolso para efeitos tributários, atos estes que devem ser caracterizado como distribuição de dividendos e, como tal, sujeitos à obrigação de retenção (de IRS) na fonte.

A Requerente pretende assim  nesta sede arbitral impugnar os atos de liquidação de retenção na fonte de IRS, nº 2014 … ( €2.137.025,00)  e de juros compensatórios nº 2014 … (€137.003,79), ambas de 13.1.2014, na importância total de €2.274.028,79,  com o fundamento de que não estavam preenchidas, para tais liquidações, as condições previstas no artigo 38.ºda LGT.

 

Concretizando melhor:

Alega, em síntese, a requerente que foram motivações empresariais sérias e válidas que estiveram na base da decisão de adquirir as participações sociais dos acionistas do grupo familiar e que a entrada da requerente no capital da sociedade “B”, S.A., permitiria à requerente, como sociedade diretora, “estabelecer novas e mais profundas sinergias na administração e funcionamento das diversas sociedades do grupo (…)” – cfr 17º, do requerimento inicial.

 

Por outro lado, a aquisição foi precedida de parecer favorável do conselho fiscal da requerente, sendo o preço de €215,00 por ação da “B, S.A.”, determinado com base numa avaliação independente da sociedade (Cfr cópia da carta da soc de revisores oficiais de contas – Documento nº 7, junto com a petição inicial).

 

Por outro lado ainda, a permuta de partes sociais efetuada pela acionista “N” foi efetuada à luz do disposto nos artigos 73º-5 e 77º, do CIRC, esta última disposição visando incentivar as operações de concentração de participações.

 

Alega finalmente a requerente que não tem fundamento considerar a AT que a aquisição pela requerente de 85,5 do capital social da “B”, S.A. – em junho e setembro de 2009 – e, bem assim o aumento do capital social por entrada em espécie, em dezembro de 2010,  de mais 4,5% das ações daquela sociedade, seriam negócios jurídicos fiscalmente abusivos por se reconduzirem a «um sucessivo e meticuloso encadeamento de actos configurando negócios jurídicos  abusivos dirigidos por meios artificiosos à eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de actos de idêntico fim económico».

 

Mais concretamente ainda:

No entendimento da AT a aquisição  pela Requerente  de  um  total  de  90%  do  capital  social  da  “B”, S.A., teve subjacente  a  intenção  de  proporcionar  aos  respectivos vendedores rendimentos   não  tributados  em  sede  de IRS,  afirmando   nesse  sentido  o seguinte:

«...parece-nos que a venda das ações da sociedade  “B”, S.A. em favor da “A”, SGPS [...] constitui a prática de um acto que, apesar de formalmente lícito, tem subjacente a intenção de obter rendimentos, mais concretamente dividendos, que de outra forma estariam sujeitos  a efectiva tributação. A   intenção  não   terá   sido   de   alienar   as   ações  em   beneficio   de terceiros,  mas  aliená-las  por  forma  a  manter  controlo  da  sociedade “B” S.A., ainda que indirectamente,  conseguindo, por  outra via,  ainda  que,  igualmente,  de  forma  indirecta,  receber  os  dividendas da sociedade  “B”  S.A. , sem  a  inerente  tributação  em IRS, designadamente na respectiva categoria E (rendimentas de capitais).

[...]

Se tais dividendos tivessem sido distribuídos anteriormente a transmissão das ações em favor da SGPS, os mesmos seriam  objecto de tributação,  através de taxas liberatórias previstas no artº 71º, do CIRS» - cfr. documento n.º 11.

 

A 18 de Novembro de 2014, no âmbito do procedimento tributário,  a  Requerente exerceu  por escrito  o seu  direito de audição, rejeitando veementemente o entendimento manifestado pela Administração Tributária e frisando:

·                     Que desde a sua constituição é  uma  sociedade  gestora  de participações sociais com existencia e actividade efectivas;

·                     Que a aquisição de 90% do capital social da “B”, S.A. se enquadrou no normal desenvolvimento da sua actividade social enquanto sociedade gestora de participações sociais, sendo alheia a qualquer tratamento fiscal que tal  transmissão  possa  ter  tido  na esfera dos vendedores;

·                     Que as formas adoptadas para concretizar tal aquisição- contrato de compra e venda de 85,5% e aumento de capital por  entrada  em espécie de 4,5% - configuraram soluções jurídicas lineares para os fins  pretendidos, não artificiosas, fraudulentas  ou abusivas;

·                     Que, com independência da posição assumida quanto a inexistência de qualquer operac;ao  abusiva, a hipotética aplicação   da cláusula geral antiabuso   que   requalificasse,   para   efeitos   fiscais,   a   natureza   dos rendimentos   obtidos   pelos   anteriores   accionistas   da    “B”,  S.A.  -  de  incrementos  patrimoniais  para  rendimentos  de capitais  -, nunca   poderia   determinar  o   nascimento  de  obrigações tributarias    acessórias    de    terceiros    em    conformidade    com    dita requalificação,     não    sendo     por    isso    admissível    a     pretendida responsabilização   da Requerente enquanto  substituto tributário - cfr. cópia da exposição de exercício de audição prévia, junta como documento 12.

 

Questões decidendas

A requerente considera ilegal a liquidação de IRS nº 2014 …, de 13 de janeiro de 2014 (e respetivos juros compensatórios), baseando essa ilegalidade nos seguintes vícios imputados ao ato:

            a) Preterição do dever de inquirir, por falta de diligências concretas no procedimento inspetivo, em violação do disposto no artigo 58º, da LGT;

            b) Erro nos pressupostos de facto e de direito, na aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA), em violação do disposto no artigo 38º-2, da LGT;

            c) Inoponibilidade à requerente (hipotética substituta tributária), da desconsideração de efeitos fiscais resultante da aplicação da CGAA e

            d) Subsidiariamente, inconstitucionalidade do artigo 38º-2, da LGT, por violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, da proporcionalidade e do direito à propriedade privada garantido pelo Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

 

            Atento  o regime do artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, o tribunal vai apreciar as questões seguintes e segundo a respetiva ordem:

A.             Alegada violação de regras procedimentais de defesa dos direitos e garantias do Requerente, designadamente a preterição do dever de inquirir, nos termos do artigo 58º, da LGT [cfr. artigos 38º a 56º, da petição inicial];

B.             Pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso  (arts 57º a 146º, da petição inicial;

C.            Errónea notificação das liquidações impugnadas na pessoa da “A”, SGPS (ou, na expressão da requerente, “inoponibilidade da aplicação da claúsula geral antiabuso” [cfr. artigos 147º a 174º da petição inicial e

D.            Inconstitucionalidade do artigo 38º-2, da LGT, por violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, da proporcionalidade e do direito à propriedade privada garantido pelo Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) [cfr arts 175º e ss., da petição inicial].

 

A – A questão da alegada violação das normas procedimentais

 

Alega a requerente que a AT preteriu a realização de diligências essenciais e necessárias para a formação do ato tributário de liquidação, violando assim o disposto no artigo 58º, da LGT.

Mais concretamente: a AT não realizou quaisquer diligência instrutória concreta com vista a confirmar ou infirmar o preenchimento dos pressupostos de aplicação da CGAA, limitando-se antes, em síntese,  à adoção duma postura passiva em sede de instrução traduzida no mero exame de documentos (certidões, atas, notificação da cessão de créditos), sem curar de apurar a intenção subjacente ao comportamento e que seria expectável em face da posição da requerente em sede de audição prévia.

 

A posição da AT relativamente a esta matéria encontra-se vasada nos artigos 175º e segs, da resposta.

Alega a AT que foram realizados os atos e diligências necessárias na medida em que os atos tributários foram precedidos de dois despachos externos visando a “consulta, recolha e cruzamento de elementos”, designadamente da sociedade “B”, S.A. e “A”, SGPS, sendo que o RIT faz referencia a essas ações inspetivas (Cfr fls 26, do mesmo).

 

Decidindo esta questão:

Não se antolha quais as diligências concretas que a requerente pretenderia que a AT realizasse e esta não realizou no âmbito da realização da ação inspetiva e que seriam essenciais e necessárias para sustentar (ou não) os atos de liquidação.

Na verdade, o artigo 58º, da LGT, impõe, no procedimento, a realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material sem estar subordinada à iniciativa do autor do pedido.

Ou seja: pese embora a não sujeição ao princípio do pedido, as diligências que se considerem essenciais ou necessárias pressupõem uma justificação de imprescindibilidade.

Todavia, tal imprescindibilidade não se confunde com uma imperatividade objetiva e unívoca.

Ou seja: o juízo sobre a essencialidade da diligência só pode ser aceite quando aquela se mostre inquestionável para fundamentar (ou não) o ato de tributação.

“O princípio do inquisitório impõe, apenas, a realizaçãoo de diligências necessárias à formação da vontade decisória da da Administração” – Cfr Ac STA de 25-9-2003, 1ª Sec, decisão em Subsecção – Proc nº 507-03.

Pois bem: se a AT considerou suficiente para formar a sua convicção quanto ao preenchimento dos pressupostos ou elementos de aplicação, no caso, da  aplicação da CGAA, a sindicabilidade desse juízo ou convicção só pode ser efetuado com fundamento na ilegalidade do próprio ato, por violação do disposto no artigo 38º, da LGT e não, a montante, com base na ilegalidade por ausência de diligências necessárias em violação do disposto no artigo 58º, da LGT. O contrário só aconteceria se a ou as diligências omitidas fossem de tal modo essenciais ou relevantes que, sem elas, o ato seria desprovido de qualquer justificaçãoo ou sentido.

À luz destas sumárias considerações, considera-se não ter fundamento invocar a ilegalidade do ato a preterição do dever de inquirir, nos termos do artigo 58º, da LGT [cfr. artigos 38º a 56º, da petição inicial];

 

B – A questão da alegada violação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso.

 

Há que salientar, desde já,  a natureza de norma excecional [absolutamente excecional] da CGAA.

Tal resulta quer do facto de permitir que a tributação seja efetuada por aplicação de outras regras que não as normas gerais que a lei para prevê para o(s) negócio(s) efetivamente praticados, quer, mais importante, por constituir  um desvio ao princípio da segurança jurídica, na sua dimensão de previsibilidade da lei fiscal aplicável, que é um princípio basilar do direito fiscal.

 

Segurança e previsibilidade implicam que os contribuintes possam confiar na tipicidade do tipo legal de imposto, que possam ter a certeza que, uma vez praticados os negócios que a norma de incidência prevê, serão tributadas de acordo com a respetiva estatuição.

 

A CGAA só será, pois, aplicável nos casos em que se deva considerar que não é posto em causa o valor da segurança jurídica, a ideia confiança na norma legal ínsita na ideia de Estado-de-Direito, por o contribuinte, objetivamente, dever saber que o ato ou negócio que praticou, nas circunstâncias em que ele aconteceu, não pode ser enquadrado na previsão legal por não ser coerente com o “espírito da lei”, muito embora, formalmente, possa encontrar “amparo” no elemento literal da norma.

 

Porém, diferentemente do que acontece relativamente a normas com idêntico intuito, que encontramos em outros ramos do ordenamento jurídico, como sejam o instituto do abuso do direito ou o princípio da boa-fé, a CGAA não é uma cláusula geral aberta (sublinhado nosso) que permita ao intérprete afastar a solução legal (a tributação) que decorre da norma que resultaria aplicável (da norma de incidência cuja hipótese os factos preenchem) invocando considerações de justiça material ou de coerência substantiva do sistema jurídico fiscal.

 

A CGAA é, também ela, uma norma típica – como não poderia deixar de ser, tratando-se de uma norma que releva diretamente nas regras de incidência tributária - que só pode ser aplicada quando, indubitavelmente, se encontrem verificados todos e cada um dos pressupostos nela previstos.

 

Significa isto que o intérprete se tem de abster de quaisquer juízos sobre, nomeadamente, se a economia fiscal lograda é ou não “justificada” ou “aceitável”, se a concreta situação fere ou não uma suposta igualdade horizontal entre os contribuintes.

 

O intérprete, o julgador, tem apenas o dever de verificar se, no caso concreto estão ou não, indubitavelmente, presentes cada um dos pressupostos de aplicação da CGAA.

 

E tal análise, tal interpretação, tem que ser feita de forma restritiva, como impõem as regras da hermenêutica jurídica relativamente às normas excecionais.

Ao intérprete é completamente vedado dar à CGAA um âmbito de aplicação mais vasto [fazer uma interpretação extensiva] que aquele que decorre do próprio texto legal, mesmo que sob o pretexto de realização da justiça material no caso concreto.

 

Dir-se-á que, assim sendo, fica, em muito, reduzida a eficácia da CGAA no combate a formas de elisão fiscal que se poderão, razoavelmente, considerar abusivas. Poderá ser a realidade, mas tal decorre, inquestionavelmente, da natureza excecional da norma e do que tal natureza impõe ao intérprete, ao julgador.

 

O caso concreto

Na questão controvertida, está em causa a alínea h) do n.º2 do artigo 5.º do Código do IRS que dispõe “2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

(…)

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º (…)”.

 

Por força do n.º1 do mesmo artigo (artigo 5º do Código do IRS), os lucros distribuídos aos titulares de capital (sócios/acionistas) são rendimentos de capitais sujeitos a IRS.

 

A questão que se levanta é saber se a requerente, SGPS, foi apenas ou essencialmente  um instrumento para defraudar o disposto no artigo 5º, nº 2/h), do CIRS, ou seja,  serviu para dar uma “roupagem” ou aparência de pagamento de preço de cessão de participação social (então não tributado)  a um real ou efetivo pagamento de dividendos (tributado).

 

Trata-se de questão que reveste sempre alguma delicadeza e que obriga a revisitar os consagrados elementos, de preenchimento obrigatório, da mencionada cláusula.

 

Elementos da CGAA

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos distinguir as situações em que o sujeito passivo atua contra legem, extra legem e intra legem.

 

Quando este atua contra legem, a sua atuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe diretamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal  ([5]) passível, inclusive, de ser objeto de censura contra-ordenacional ou criminal.

 

A atuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar diretamente. Este adota «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ([6]).

 

Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detetar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [7] ). Este tipo de atuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal»( [8] ).

 

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a atuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a atuação não se enquadre na supra referida atuação extra legem ([9] ).

 

É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que a aplicabilidade da CGAA supõe a verificação de quatro pressupostos (ou elementos): elemento meio; elemento resultado; elemento intelectual; elemento normativo.

Relativamente à norma em questão – artigo 38.º da LGT- o Acórdão do TCAS de 15/2/2011 (Processo 4255/10)  refere que “(…)a previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são:

1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;

2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;

3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal;

4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr.art°.63, n°,2, do C.P.P. Tributário).

Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.169 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.165 e seg.).

O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão (…)”

 

a)      Elemento meio

“Este elemento corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e., o(s) acto(s) ou negócios jurídicos cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal (Gustavo Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, 2009, pág. 165).

 

“É, em conclusão, do nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico fáctico fiscal do contribuinte, entre o fim para que é entregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria” (ibidem, pág. 166) que se aferirá da verificação deste elemento.

 

Estando em causa uma sequência de negócios jurídicos pré-ordenados (step by step doctrine) “importa ressalvar, no entanto, que perante um caso de uma estrutura de tal natureza será esta que deverá possuir o carácter anómalo exigido pela atual redação da C.G.A.A, ainda que os actos ou negócios que a compõem sejam, em si mesmos, típicos ou vulgares” (ibidem, pág. 168).

 

No caso concreto, verificamos que os negócios jurídicos que conduziram à realização de mais-valias não sujeitas a tributação (como veremos adiante, este é o cerne da questão, é em razão destes negócios que se concretizou  a “vantagem fiscal” em causa) foram a aquisição pela requerente – uma SGPS -  duma sociedade comercial de que antes eram titulares os seus sócios (a sociedade comercial ”B”, S.A.) e a distribuição de dividendos desta sociedade em data posterior à da transmissão dessas participações à requerente.

 

Não se pode detetar qualquer “carácter anómalo” em cada um destes negócios jurídicos: sendo o fim prosseguido a criação de uma sociedade tendo por objeto a detenção de ações, a forma societária escolhida, SGPS, era a própria; pretendendo a sociedade adquirir as ações necessárias à realização do seu escopo social, a forma escolhida (compra e venda) é a correta, porquanto esta é a forma legal típica que a lei prevê para a aquisição a título oneroso, inter-vivos, de bens e direitos. A sequência dos negócios é, também “normal”: não se compreenderia a criação da sociedade sem a posterior aquisição das ações em causa.

 

Porém, a inexistência de “negócios jurídicos anómalos”, ou de uma “sequência anómala de negócios jurídicos”, não basta, a nosso ver, para excluir a possível aplicação da CGAA: é preciso ainda aferir se o conjunto dos negócios praticados não é, em si mesmo artificial, não passou de uma mera fachada que nada alterou de substancial relativamente à realidade anterior, o que analisaremos nos pontos seguintes.

 

Por ora, cumprirá ainda salientar que, existindo diferentes vias legais típicas para a realização de um determinado resultado económico, o contribuinte não é obrigado a escolher a via que, para si, resultaria mais onerosa.

 

Nem está obrigado a escolher os times para os seus negócios de molde a que traduzam um maior agravamento da sua situação tributária, designadamente vender ou comprar participações sociais após a entrada em vigor de lei que se anuncia fiscalmente penalizadora para o negocio que se pretende realizar.

 

b)     Elemento resultado

“Neste elemento resultado importa apenas demonstrar que o sujeito logrou, pelos seus actos, a verificação de uma certa vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do acto normal tributado” (Gustavo Courinha, cit., , pag. 176).

 

No caso concreto, está provado que, ao realizar uma mais-valia de valor muito elevado, os sócios da Requerente obtiveram uma significativa vantagem fiscal, que não lograriam se se tivessem abstido de praticar os negócios jurídicos atrás referidos e, portanto, não tivessem transmitido as suas ações na “B”, S.A. e/ou os dividendos tivessem sido distribuídos em data anterior a essa transmissão.

 

Simplesmente nada os obrigava a proceder a essa distribuição em data anterior à da transmissão daquelas ações para desse modo não evitarem ou não excluírem a tributação dos dividendos.

 

c)      Elemento intelectual

Este é, sem dúvida, o pressuposto mais característico da CGAA

“A manifestação da fraude à lei revela-se na pretensão do contribuinte em obter primordialmente uma vantagem fiscal, dirigindo neste sentido os negócios ou actos que pratica. A finalidade não fiscal que, por seu turno, deve guiar a atuação de qualquer sujeito (…) é aqui substituída, na sua normal preponderância, por uma finalidade fiscal, acabando secundarizada” (ibidem, pág. 179)

 

No caso concreto temos, como factos provados, a vantagem fiscal - que é, recorde-se, muito significativa - e as consequências jurídico-económicas dos negócios praticados.

Todavia, não ficou provado que “(...) no  ano de 2009, parte dos accionistas da sociedade “B”, S.A. – os que eram também accionistas da Requerente –  se tenham mostrados  disponíveis para alienar  ações  à Requerente como forma de aí concentrarem a gestão de toda a actividade do sector têxtil da família… apresentando como justificações para essa alienação, designadamente: (i.) o desejo de dinamizar a actividade têxtil do Grupo “B” através da integração da actividade das diversas sociedades que o compõem sob a direcção da Requerente; e (ii.) o reforço do cunho profissional na gestão da “B”, S.A., demarcando-se progressivamente da imagem redutora de pequeno negócio familiar (...)” [Cfr supra, factos não provados].

O enfoque deste quadro factual estava nas motivações dos acionistas.

Simplesmente a relevância desta ausência de prova é reduzida ou limitada porquanto não se pode concluir, sem mais, que não estando provada esta factualidade, tal signifique que as motivações foram exclusiva ou essencialmente fiscais, mais concretamente de economia fiscal ilegítima.

Ou seja: não transparece com clareza, pelo menos, uma intenção fiscalmente defraudatória e muito menos que a requerente a tivesse de conhecer no pretenso momento de tributação.

Note-se que um quadro factual duvidoso permite a conclusão de “não provado” quando – como é o caso – os factos em causa aproveitariam a respetiva parte (no caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira).

O preenchimento do elemento intelectual fica assim, também nesta perspetiva, irremediavelmente comprometido.

 

De todo o modo,   no caso concreto, o peso que deve ser atribuído ao elemento intelectual resulta relativamente desvalorizado, na ponderação de interesses que aqui cumpre fazer, em razão do que a seguir se dirá quanto ao elemento normativo.

 

d) Elemento normativo

 

“Pode dizer-se, em atenção à existência (e exigência) deste elemento, que a CGAA não é, afinal, um mero expediente de obtenção de receita fiscal a qualquer custo, assente no facto de o contribuinte obter uma vantagem fiscal [sublinhado nosso]. A desconsideração fiscal de tais actos ou negócios só sucederá quando, cumulando-se todos os supra referidos requisitos, se demonstre que o efeito fiscal obtido (sempre em atenção aos efeitos identicamente obtidos) merece um juízo de reprovação pelo Direito “ (Courinha, ibidem, pág. 189).

 

Começaremos por realçar o seguinte: uma questão, que já ficou abordada, é a da motivação fiscal do negócio ou negócios praticados; outra, diferente, é o de, no pressuposto de que os negócios praticados não sejam anómalos ou artificiais, saber “da contrariedade do resultado ao Direito”. É apenas desta última questão que agora cuidaremos.

 

O que está em causa, neste ponto, é o facto de uma alienação de ações, geradora de mais-valias (as quais, economicamente, correspondem, para além de outros fatores, à realização [recebimento] dos dividendos acumulados na sociedade) estar não sujeita a tributação em IRS, verificados determinados pressupostos, enquanto a distribuição de dividendos está (e estava) sujeita a tributação neste imposto, a título de rendimentos de capital.

 

Ora, é inequívoco que este diferente tratamento fiscal de formas jurídicas diversas de obtenção de rendimentos que são, em larga medida, economicamente equivalentes [ou seja, o tratamento fiscal privilegiado da alienação de ações] correspondeu, enquanto tal regime vigorou, a uma opção deliberada do legislador.

 

Pois bem:  parece evidente que a CGAA não pode obstar às opções dos contribuintes que, confrontados com a escolha entre dividendos (distribuíveis ou meramente potenciais) optem, mesmo que por razões fiscais, pela obtenção de mais-valias.

 

Na verdade, a aplicação da CGAA, neste contexto, resultaria na desconsideração da própria opção do legislador fiscal que, deliberadamente, promoveu precisamente essa fórmula jurídica, potenciando ao máximo a vantagem fiscal associada às mais-valias por meio da sua pura e simples não tributação (…), em total contraste com a tributação dos respetivos dividendos.

 

Este entendimento é pacífico na doutrina e na jurisprudência arbitral do CAAD, sendo já numerosos os acórdãos proferidos com incidência sobre este tema, os quais, com uma única exceção, vão no sentido que preconizamos, ou seja, que é absolutamente legítima a opção[10] do contribuinte em organizar os seus negócios jurídicos de forma a realizar mais-valias não tributadas (vg. transformando uma sociedade por quotas em sociedade anónima e alienando, depois, com ganho, as ações assim obtidas), mesmo quando a única motivação da alteração da forma societária tenha sido de natureza fiscal (cf., p. ex.,  Acs Arbitrais,  CAAD n.ºs 123/2012, de 9/05/2013, 124/2012, de 06/06/2013, 138/2012, de 12/07/2013 e 139/2013, de 19/12/2013, este último subscrito pelo também presidente deste colégio arbitral).

 

Concluindo:

Constitui planeamento fiscal legítimo, face à CGAA, os sujeitos passivos praticarem negócios jurídicos que tenham como resultado a realização de mais-valias não sujeitas [ao tempo] a tributação em IRS, mesmo quando a realização de tais negócios tenha como motivação exclusiva ou principal a economia fiscal assim obtida.

Os negócios jurídicos praticados pelos sujeitos passivos com tal desiderato só serão passíveis de censura, ao abrigo da CGAA, quando forem uma mera “fachada”, originem apenas uma mera alteração jurídico-formal da situação anterior,  que, no essencial, se manteve inalterada.

 

O que  não está evidenciado acontecer no caso sub juditio.

 

Ou, pelo menos, subsiste uma margem de dúvida quanto à efetiva demonstração dessa realidade factual essencial.

Assinale-se que a dúvida relativa a uma realidade, resolve-se contra quem esta (realidade) favoreceria (no caso, a AT) – Cfr artigo 414º, do CPC.

 

 Não se verificam pois, no caso concreto, os elementos meio e normativo cuja verificação, cumulativamente com o elemento resultado (que aconteceu), é condição necessária para o preenchimento da tipicidade da CGAA.

 

C - A  errónea notificação das liquidações impugnadas na pessoa da “A”, SGPS (ou, na expressão da requerente, “inoponibilidade da aplicação da claúsula geral antiabuso” [cfr. artigos 147º a 174º da petição inicial]

 

Com o que acabámos de concluir poder-se-ia dar por terminada a fundamentação deste acórdão na sua parte essencial, por dela resultar prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados pela AT para sustentar as liquidações ora postas em crise.

 

De todo o modo, porquanto uma fundamentação “esgotante” (ou seja, que abranja as diferentes questões suscitadas) sempre contribuirá melhor para o total esclarecimento da motivação que conduziu à decisão arbitral, acrescentar-se-á o seguinte, relativamente à questão suscitada pela requerente, cuja apreciação estaria prejudicada pelas conclusões supra relativas à improcedência dos pressupostos de aplicação da CGAA:

 

Trata-se da questão de saber se, ainda que se considerassem reunidos os pressupostos para aplicação da cláusula geral anti-abuso plasmada no artigo 38.º da LGT,  o elemento sancionatório estatui a ineficácia para efeitos tributários, traduzindo-se no facto de ter de se reconstituir para efeitos tributários a situação, caso não se tivesse operado a ineficácia.

 

O que no caso presente se traduz na desconsideração da alienação das ações da “B”, S.A., à requerente para efeitos tributários, significando que, para efeitos fiscais se desconsidera a distribuição de dividendos da “B”, S.A. à “A”, SGPS, ora requerente.

 

É como se não existisse para efeitos tributários, o fluxo financeiro entre estas duas sociedades comerciais mas sim entre a “B”, S.A. e os seus acionistas, alienantes das participações à SGPS.

 

Ora, sendo assim, como é que se fará tributação dos rendimentos distribuídos pela “B” S.A. a esses acionistas?

 

 A resposta a esta pergunta encontra-se na parte final do n.º2 do artigo 38.º da LGT que dispõe “(…) efectuando-se então a tributação  de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens referidas”.

 

 O que nos leva a ter que considerar que os rendimentos distribuídos pela “B”,  S.A. àqueles acionistas devam ter a natureza de dividendos sujeitos a tributação para efeitos de IRS por se enquadrarem na categoria “E”. Este tipo de rendimentos por força das disposições previstas no CIRS são tributados sob a forma de retenção na fonte assumindo a taxa de retenção na fonte a natureza de taxa liberatória. Pelo facto de se estar perante uma situação de substituição tributária, compete ao substituto, “B”, S.A., efetuar a retenção de imposto.

 

Questão igualmente relevante será saber-se quando é que se deve dar à tributação os rendimentos resultantes da aplicação da cláusula geral anti-abuso.

 

 A resposta está na parte final do n.º1 do artigo 38.º da LGT que dispõe ”(…) no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes” o que na questão controvertida coincide com o momento em que se efetua a distribuição de dividendos da “B”, S.A. à “B”, SGPS.

 

Do supra exposto, em síntese, conjugando o n.º1 e n.º 2 do artigo 38.º da LGT, pode concluir-se que:

a)                 A constituição da SGPS seria ineficaz para efeitos tributários;

b)                 Devido à desconsideração tributária da “A”, SGPS por força da ineficácia tributária, os rendimentos distribuídos pela “B”, S.A. devem assumir a natureza de dividendos e considerar-se que os beneficiários efetivos dos mesmos são os seus acionistas, pessoas singulares

c)                 Por força de b), esses rendimentos assumem a natureza de dividendos estando sujeitos a tributação em sede IRS enquadrados na categoria E;

d)                 A tributação desses rendimentos opera-se sob a forma de retenção na fonte sujeita a uma taxa liberatória devendo ocorrer no momento em que são colocados à disposição ou pagos aos beneficiários efetivos, o que no caso controvertido coincidiria com o fluxo financeiro entre A “B”,  S.A. e a “A”,  SGPS em 2009  devendo então ser considerado beneficiário efetivo não a “A”, SGPS mas sim os acionistas, pessoas singulares, por força da ineficácia tributária [Cfr factos provados: “(...)No mês de junho de 2009, a Requerente adquiriu 404.910 ações da sociedade “B”, S.A. junto dos acionistas “C”, “D”, “E” e “G” (…) e (…) no mês de setembro, a Requerente adquiriu mais 22.495 ações da sociedade “B”, S.A., junto da acionista “F” (…)”..

Ora, sendo assim, a quem competia efetuar a retenção na fonte para efeitos de IRS era à “B”, S.A. e  não à requerente, “A”, SGPS, como substituto tributário, pelo que as liquidações impugnadas são ilegais uma vez que quem foi notificado foi a “A”, SGPS e não a “B”,  S.A.

 

Na verdade,  a lei não invalida ou anula os atos ou negócios praticados com intuito fraudatório, apenas os torna ineficazes para efeitos tributários, estatuindo a reposição daquela que seria a tributação típica que pesaria sobre a verdadeira substância dos atos ou negócios.

 

 Só que a Requerida não concretizou de forma plena e correta a estatuição do n.º2 do artigo 38.º da LGT plasmado no seu elemento sancionatório – ineficácia tributária – pois devido às razões supra descritas, as liquidações em sede de IRS relativamente a retenções na fonte deveriam ter sido efetuadas na pessoa da “B”, S.A. e não na da “B”, SGPS.

 

Admitindo assim, hipoteticamente, que pudesse ser outra a convicção deste tribunal relativamente a  estarem reunidos os pressupostos para a aplicação da cláusula geral anti-abuso quanto aos elementos  meio, resultado, intelectual e normativo, quanto ao elemento sancionatório, pelas razões supra, deve proceder o entendimento da requerente de que as liquidações impugnadas deviam então ter sido efetuadas na pessoa da sociedade comercial “B”, S.A. e não da da requerente, “A”, SGPS.

 

Daí que também sejam ilegais, nesta perspetiva, as liquidações ora objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Juros indemnizatórios

A requerente pede o reembolso do imposto que pagou e dos juros compensatórios.

 

E pede esses reembolsos acrescidos de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

Vejamos:

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou, como se viu, sem suporte legal.

 

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente (€ 2.274.028,79).

 

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo aquela importância à requerente, com juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (13 de março de 2014) até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

III DECISÃO

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

-          Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de IRS objeto do presente pedido de pronúncia arbitral [liquidação de retenções na fonte de IRS 2012 n.ºs 2014 …, no montante de € 2.137.025,00  e de  juros compensatórios nº 2014 … no montante de € 137.003,79,  ambas de 13 de janeiro de 2014 [valor total: € 2.274.028,79]

-          Julgar totalmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

-          Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na anulação das liquidações supra e, em consequência restituir à requerente a sobredita importância de € 2.274.028,79, com juros indemnizatórios à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), desde a data do pagamento pela requerente em 13-3-2014, até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT);

-          Julgar prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.274.028,79

 

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 29.376,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifique-se.

Lisboa, 30 de janeiro de 2015

 

O Tribunal Arbitral,

 

José Poças Falcão

(árbitro presidente)

 

 

 

Diogo Feio

(árbitro vogal)

 

Marcolino Pisão Pedreiro

(árbitro vogal)

 

***

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Declaração de voto do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro

 

1.Entendo que que se verificou uma conduta abusiva que preenche os pressuposto de aplicação da cláusula geral anti-abuso, neste ponto divergindo com a posição que fez vencimento.

Todavia,  pelas razões que adiante  exporei, entendo que as liquidações deveriam ter como sujeito passivo a sociedade “B”, S.A. e não  a Requerente, com a consequente ilegalidade das liquidações objeto do presente processo, neste ponto acompanhando a decisão.

Passo a enunciar as razões da discordância relativamente à  posição que fez vencimento quanto  à não verificação dos elementos  da previsão do art. 38º, nº 2, da Lei Geral Tributária.

 

2. O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral anti-abuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».[11]

 

No meu entender, emergem do probatório um conjunto de factos concordantes no sentido de que, com as vendas das ações da sociedade “B”, S.A., efetuadas pelos  acionistas desta à Requerente, e demais atos que se lhe seguiram se pretendeu,  essencialmente, obter  efeito económico idêntico à distribuição de dividendos pela “B” S.A. aos seus acionistas,  sem a tributação inerente a tal acréscimo patrimonial.

Apontam neste sentido os seguintes factos:

- A Sociedade “B”, S.A., dispunha de reservas livres no valor de € 93.621.066 18 e de disponibilidade no valor de € 45.757.083,55;

- Estes valores vinham-se acumulando desde  2000 a 2009, pois neste intervalo de tempo, só em 2008 aquela sociedade distribuiu dividendos.

-  Estas  disponibilidades financeiras não eram  necessárias ao funcionamento normal da empresa (como está expressamente  reconhecido  na deliberação  de 27.12.2010).

 -  Se  estas disponibilidades fossem distribuidas como dividendos aos acionistas estariam sujeitas a retenção na fonte.

- A Requerente não  dispunha de  meios financeiros para adquirir as ações adquiridas aos sócios  em questão, uma vez que apenas dispunha   de disponibilidades no valor de €794.108,62 em 1.01.2009 e de  €863.430,42  em 31.12.2009.

 

- Por outro lado, em 2007 e em 2008, a Requerente apenas havia tido resultados positivos de € 434.031,06 e € 489.539,17, respetivamente.

 

- Acresce que o capital social da Requerente era apenas de € 60.000, claramente desajustado  com a dimensão do negócio, tendo as liquidações em causa colocado a  Requerente  num fortíssimo desequilíbrio na relação capitais próprios/capitais alheiros.

- Este desequilíbrio  foi apenas eliminado  alguns meses após a compra  das ações através de aumento de capital  e de prestações suplementares, que a Requerente/devedora veio a “exigir” aos seus acionistas/credores adicionado aos montantes recebidos da sociedade ”B”, S.A.

-A sociedade “B”, S.A., após a venda, distribuiu os dividendos, em rutura com a politica de distribuição de dividendos seguida  até aí e   a Requerente   de seguida canalizou esse dividendos para os acionistas da “B”, S.A. (também seus acionistas e com a mesma proporção de capital) a titulo de pagamento das “dividas” contraídas com a compra das ações.

- A Requerente e a “B”, S.A., eram empresas familiares com os mesmos elementos no Conselho de Administração e com estrutura acionista idêntica, com a exceção da acionista da “B” S.A., “D”, que era acionista da “B” S.A., mas não da Requerente. Todavia,   na sequência do seu falecimento, a sua  filha e sucessora “P” veio, na sequência dos atos realizados,   a tomar parte na estrutura acionista da Requerente,  em proporções idênticas aos demais descendentes de “C” e “D”.

 

- A Requerente alegou como motivação para o negócio que “ no  ano de 2009, parte dos accionistas da sociedade “B”, S.A. – os que eram também accionistas da Requerente –  se tenham mostrados  disponíveis para alienar  ações  à Requerente como forma de aí concentrarem a gestão de toda a actividade do sector têxtil da família …apresentando como justificações para essa alienação, designadamente: (i.) o desejo de dinamizar a actividade têxtil do Grupo “B” através da integração da actividade das diversas sociedades que o compõem sob a direcção da Requerente; e (ii.) o reforço do cunho profissional na gestão da “B”, S.A., demarcando-se progressivamente da  imagem redutora de pequeno negócio familiar”, o que  não  logrou provar[12], tendo, aliás,  ficado provado que a Requerente não dispõe de instalações próprias ou arrendadas nem trabalhadores aos seu serviço

- A “B”, S.A., já tinha atingido o limite de compra de ações próprias (10%)[13] pelo que a ocorrência de fluxos financeiros para os acionistas teria que ser efetuada através da distribuição de dividendos, sujeitos a tributação.

 

3.Outro fator  que aponta para a motivação essencialmente fiscal e para a artificialidade dos negócios efetuados consiste, no âmbito do aumento de capital da Requerente de 20.12.2010,  na diferença entre o valor de aquisição  das ações a  “P”,  pelo valor únitário de 10,13 €, e  o preço uniário de aquisição  aos demais acionistas  que havia sido de 215 € (valor apurados com base no valor contabilístico da empresa),  cerca de vinte e uma vezes mais.

Por outro lado,  na mesma data deste aumento de capital, esta nova   acionista da Requerente recebeu por doação  créditos de que seu avô “C”  detinha  face  à Requerente e ainda  créditos sobre a mesma sociedade respeitante a prestações suplementares.

Com estas operações esta acionista ficou precisamente com a mesma posição acionista e credora na Requerente que seus tios, “E”, “G” e “F”.

 

4. De acordo com as ilações  que  se podem extrair da matéria de facto provada, é legítimo concluir,  com base nas regras da experiência, que   o conjunto de atos em causa se destinou a aproveitar a ausência de tributação das mais valias mobiliárias detidas por prazo superior a um ano, situação que se verificava em 2009, face ao nº 2, do art. 10º,  do CIRS, à época em vigor, mas já não na data em que as ações de  “P” foram adquiridas pela Requerente, por força do art. 1º  da Lei nº 15/2010 de 26 de Julho e daí a circunstância das mesmas ações terem sido alienados por esta pelo valor unitário de € 10,13, enquanto o preço uniário das ações adquiridas aos demais acionistas havia sido de € 215.

 

5. Os meios utilizados são, no meu entender, artificiosos.

Esta artificialidade resulta, desde logo, de ser anómalo que uma empresa que tem o capital social de € 60.000 e disponibilidades financeiras de € 794.108,62 no início de 2009 e de € 863.430.42, no final do mesmo,  comprar ações no valor de € 91.892.075,00 ,  ficando a dever o respetivo preço.

Depois, é o devedor quem vem “exigir” aos seus credores prestações suplementares de capital, compensando deste modo uma parte da dívida.

De seguida, verificaram-se os aumentos de capital.

 

Em vez de ocorrer o reforço dos capitais próprios antes dum negócio duma dimensão financeira gigantesca para o nível do capital social da Requerente e para a suas disponibilidades financeiras, como seria normal, fez-se o percurso inverso. Primeiro a Requerente faz investimentos de compra de ações, sem qualquer fluxo financeiro efetivo. De seguida os acionistas aumentam o capital e fazem prestações suplementares, também sem qualquer fluxo financeiro efetivo.

Na realidade, os únicos fluxos financeiros efetivos foram da empresa “B”, S.A., para os seus acionistas, tendo a Requerente servido apenas como veículo destes pagamentos, como resulta claro das datas das transferências financeiras  entre os intervenientes.

 

A meu ver, o conjunto de atos em causa consubstanciam meios artificiosos e com abuso de forma jurídicas que teve como consequência um resultado idêntico ao da distribuição de dividendos por parte da “B”, S.A. aos seus acionistas, mas sem o pagamento de imposto, neste caso por retenção na fonte, que teria que ser efetuada pela “B” S.A. (e não pela Requerente).

 

 

6. Gustava Lopes Courinha, referindo-se aos denominados “elementos” da Clausula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário assinala que os mesmos “embora devam ser tratados autonomamente, pelo menos do ponto de vista doutrinal, não deixarão com frequência, e na falta de melhor expressão, de “auxiliar-se” mutuamente. A fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro”.

Assim, por exemplo, a prova do elemento meio pode muitas vezes levar à comprovação do elemento intelectual, ou vice-versa (…)[14]

No caso sub judice, emerge do que foi dito, a demonstração do “elemento  meio”.

Dos demais elementos dos autos, de acordo  com as regras da experiência, resulta a demonstração de que os atos ou negócios em causa foram essencial ou principalmente dirigidos  à eliminação dos imposto que seriam devidos em resultado da distribuição de dividendos (o denominado “elemento intelectual”).

Por sua vez, a demonstração da verificação  destes dois elementos, reforçam, nos dois sentidos, a convicção da verificação de cada um deles.

No que respeita ao “elemento intelectual”, na impossibilidade de efetuar a prova direta e inequívoca das intenções subjetivas das pessoas (em princípio, só possível por confissão),

a demonstração do mesmo não poderá deixar de resultar das ilações a retirar dos factos provados, de acordo com as regras da experiência da vida. E, vistas as coisas nesta perspetiva, todas os factos provados são concordantes no sentido da verificação do elemento intelectual, quer este seja visto à luz duma conceção objetiva, que parece estar consagrada no art. 38º, nº 2 da LGT, quer mesmo sob o prisma duma conceção subjetiva.  Na realidade, de acordo com o conjunto dos factos provados, os atos realizados só são explicáveis, de acordo com o normal acontecer à luz do propósito de eliminar o imposto a pagar.

Como escreveram Pires de Lima e Antunes Varela debruçando-se sobre as presunções judiciais “(…) inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.(…)

As presunções são (…) por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova.”[15]

No caso sub judice, pelas razões expostas, emergem dos autos factos  concordantes, de acordo com as regras da experiência,  no sentido da verificação do “elemento intelectual” (e simultaneamente  confirmativos da ocorrência do “elemento meio”) não tendo a  Requerente afastada  a sua força persuasiva, pois não foi feita, sequer,  qualquer contraprova.[16]

 

7. Por outro lado, dos artigos 5º, nº 1, e 2º, al. h) e 71º, nº 1, al. c) do CIRS retira-se, a meu ver com clareza, a intencionalidade  do sistema no sentido de tributar este tipo de rendimentos. Emerge, de facto, uma clara vontade legislativa  de tributação destes acréscimos patrimoniais  quando obtidos por pessoas singulares, com teleologia de abrangência plena, encontrando-se assim, no meu entendimento, preenchido o que alguma doutrina denomina por “elemento normativo”.

 

Neste sentido parece ir, aliás, a decisão arbitral proferida no processo 258/2013-T, em que se escreveu:

 

Quanto ao elemento normativo, este tribunal igualmente acompanha na íntegra a  fundamentação por parte da AT contida nos artigos 311º a 377º na Resposta (…)

De facto, conforme a Requerida menciona, terá de se conjugar a leitura do nº 2 do art. 38º da LGT com a al. h) do nº 2 do art. 5º do CIRS e verificar se a estrutura criada através da constituição da SGPS[17] nos moldes descritos, não visou apenas uma vantagem fiscal que se traduziu na não aplicação da alínea h) do nº 2 do art. 5º do CIRS

Ainda relativamente ao elemento normativo (…), não está em causa o regime o regime de exclusão de tributação para efeitos de IRS sobre a mais valia apurada por B(…)”.

Quanto ao “elemento resultado”, afigura-se-me desnecessário discorrer sobre o mesmo atenta a sua evidência e o facto da sua ocorrência não ter sido posta em causa na decisão de que, nesta parte, se discorda.

 

8. Pelas razões expostas, entendo que estariam verificados todos os pressupostos para a aplicação da clausula geral anti-abuso por parte da Requerida. Todavia, a estatuição do art. 38º, nº 2 da Lei Geral Tributária consiste na tributação de acordo com as normas aplicáveis na  ausência do negócio abusivo.

Ora, na ausência dos negócios abusivos,  a retenção na fonte  deveria ter sido efetuada pela sociedade “B”, S.A. e não pela Requerente. [18]

Na  ausência dos negócios referidos nenhum dever tributário recaía sobre a Requerente. A cláusula geral anti-abuso torna os negócios abusivo ineficazes  no plano tributário mas, no meu entender,  não é suscetível de fazer nascer obrigações tributária que não ocorreriam  sem a atuação abusiva.

Por esta razão, entendo que as liquidações sub judice são ilegais, neste ponto acompanhando   a  decisão que fez vencimento.

 

Lisboa, 30 de Janeiro de 2015

 

 

O árbitro

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] Árbitro único:  Dr Jorge Carita

[2] Presidente do Coletivo:  Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.

[3] Idem.

[4] Cfr ainda o Acórdão Arbitral CAAD – Proc nº 180/2014-T

[5] Cfr. AcTCAS de 12-02-2011, proc. n.º 04255/10.

[6] Cfr. Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[7] Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 181.

[8] Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[9] Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, que afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[10]Nenhum principio do direito fiscal implica que as escolhas dos contribuintes se façam pela via mais tributada. O contribuinte pode perfeitamente erigir uma construção jurídica que desemboque numa tributação relativamente moderada. O abuso do direito não condena a habilidade fiscal, mesmo que esta conduza a construções jurídicas pouco ortodoxas” (Bergerès, apud, Nuno Sá Gomes, “Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal” (Lições), Editora Rei dos Livros, 2000, pg. 71).

 

 

[11] Não acompanhamos a decisão que fez vencimento quando se afirma a propósito da verificação dos pressupostos de aplicação da CGAA que “(…) tal análise, tal interpretação, tem que ser feita de forma restritiva, como impõem as regras da hermenêutica jurídica relativamente às normas excecionais.”. Não me parece que o art. 38º, nº 2, da LGT, seja uma norma excecional uma vez que a mesma ao invés de pôr em causa princípios fundamentais do direito fiscal, se destina a fazer observar o princípio da capacidade contributiva, fundamental neste ramo do direito, produzindo a menor lesão possível ao princípio da segurança jurídica e daí a exigência da previsão da norma. Mesmo que se tratasse duma norma excecional, às mesmas está apenas vedada a aplicação analógica, mas não a interpretação extensiva  e, ainda menos, a imposição de interpretação restritiva. É o que se me afigura decorrer do art 11º, nº 1, da Lei Geral Tributária e do art. 11º do Código Civil.

Em suma, entendo que o art. 38º, nº 2 da LGT está sujeito aos critérios interpretativos do art. 9º do Código Civil, como qualquer outra norma.

[12] Relativamente a este facto considerou-se na decisão que fez vencimento que “os factos em causa aproveitariam a respetiva parte (no caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira).

O preenchimento do elemento intelectual fica assim, também nesta perspetiva, irremediavelmente comprometido.” Temos uma visão oposta. A prova deste facto aproveitaria, sim, à Requerente, na medida em que da prova do facto resultaria uma possível motivação não fiscal para o negócio. Não se tendo provado este, ganham força redobrada os factos que apontam, de modo concordante, a titulo presuntivo,  para uma motivação essencial ou exclusivamente fiscal do negócio.

 

[13] Art. 317º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais.

[14] A CLAUSULA GERAL ANTI-ABUSO NO DIREITO TRIBUTÁRIO, CONTRIBUTOS PARA A SUA COMPREENSÃO, Almedina, 2004,  pag. 165.

[15] CÓDIGO CIVIL ANOTADO, Coimbra Editora, 3ª Edição Revista e Actualizada, 1982, Vol. I,  pag. 310.

[16] Como acima referimos, a Requerente nem sequer fez a prova dos factos que alegou a titulo de motivação económica para os negócios.

[17] Naquele processo  terá sido sublinhada a constituição da SGPS em momento temporal muito próximo dos factos o que não acontece no caso dos autos, nem  foi alegado pela Requerida. No caso  sub judice não  ocorreu a constituição duma SGPS, como um dos instrumentos do “elemento meio” mas sim o aproveitamento duma sociedade já existente.

[18] Entendo, assim, que para uma aplicação correta da CGAA a ATA deveria ter efetuado a liquidação à sociedade  “B”, S.A. e não à Requerente.

O momento da ocorrência dos factos tributários seria, no meu entender, o da efetivação dos fluxos financeiros a favor dos sócios da “B” S.A., pois só nesse momento se concretizaria  o resultado  económico idêntico à distribuição dos dividendos.