Sumário:
I. O pedido de inscrição como residente não habitual, a que se refere o artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS, tem natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado enquanto residente não habitual.
II. A intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina a exclusão do regime correspondente.
III. Porém, a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano em que, por iniciativa do sujeito passivo residente, o mesmo solicita a sua de inscrição como residente não habitual.
A árbitra, Alexandra Gonçalves Marques, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar tribunal arbitral, em formação singular, constituído em 25 de março de 2025, decide o seguinte:
I. Relatório
1. A..., NIF..., com domicilio fiscal na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa, doravante Requerente, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), e apresentar pedido de pronúncia arbitral (doravante, “PPA”) para que seja apreciada a legalidade da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante, “IRS”), referente aos anos de 2021 e 2022, que deu origem às notas de liquidação n.ºs 2022... e 2023..., bem como da decisão de indeferimento (tácito) deduzida contra aqueles atos.
2. O Requerente peticiona, ainda, a restituição do montante do imposto indevidamente pago, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT”).
4. Em 15-01-2025, o pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e, subsequentemente, notificado à Requerida.
5. A árbitra designada pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitou a designação.
6. Em 05-03-2025, o Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.
7. Decorrido o prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 25 de março de 2025.
8. A AT apresentou resposta na qual suscitou as exceções de incompetência do tribunal arbitral tributário, de inimpugnabilidade das liquidações e de impropriedade do meio processual e, por impugnação, defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
9. Em 05-05-2025, o Requerente respondeu às exceções invocadas pela Requerida.
10. Por despacho de 15-09-2025 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.
II. Posição das Partes
11. Nos presentes autos, o Requerente alega, em síntese, que tendo estabelecido a sua residência fiscal em Portugal, em finais de 2019, e na medida em que, nos cinco anos anteriores a 2019, não residia em Portugal, reúne os requisitos necessários para beneficiar do regime especial de Residente Não Habitual (RNH), tal como resulta do artigo 16.º, n.º 1 e n.ºs 8 a 12, do Código do IRS (doravante, também, CIRS).
Consequentemente, as liquidações de IRS n.º 2022..., relativa ao exercício de 2021 e n.º 2023..., relativa ao exercício de 2022 são ilegais por não refletirem as regras de tributação aplicáveis aos RNH.
O Requerente admite que nos anos de 2021 e 2022 não se encontrava inscrito como Residente Não Habitual. Com efeito, apenas em 2024, o Requerente solicitou, junto da AT, o pedido de inscrição como RNH. No entanto, na ótica do Requerente, a sua não inscrição, em 2021 e 2022, como Residente Não Habitual dentro do prazo estabelecido no artigo 16.º, n.º 10, não obsta à aplicação do regime, uma vez que este opera automaticamente, com o preenchimento dos dois requisitos cumulativos previstos no artigo 16.º, n.º 8 do CIRS. Alega que a sua posição encontra acolhimento nas decisões arbitrais proferidas nos processos 188/2020-T, de 24 de setembro, processo 705/2022-T, de 30 de julho de 2023, as quais assumem o catacter meramente declarativo e não constitutivo do estatuto de RNH.
Atendendo a que o Requerente exerceu nos anos em causa funções de relacionadas com atividades de Tecnologia de Informação e Comunicações (TIC), ocupando a posição de Chief Product Officer, as quais configuram uma atividade de elevado valor acrescentado, os rendimentos auferidos pelo Requerente, a esse título, nos anos de 2021 e 2022, deveriam ser sujeitos à taxa especial de tributação de 20%, aplicável aos sujeitos passivos detentores do estatuto de RNH, nos termos do artigo 72.º, n.º 10 do CIRS, e não às taxas gerais previstas no artigo 68.º, n.º 1 do CIRS. Verificando-se, deste modo, que as liquidações de IRS impugnadas apuraram um montante de imposto superior aquele que resultaria se tivessem sido aplicadas as regras do RNH, montante este que o Requerente computa em 55.365,32 €, devem as mesmas ser anuladas.
Conclui, assim, que a liquidação de IRS em apreço enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por não aplicação das regras de tributação para os residentes não habituais, pelo que devem ser anuladas e, consequentemente, deve proceder-se à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º LGT.
Quanto à matéria das exceções, o Requerente pronunciou-se quanto às mesmas nos termos do requerimento de 05-05-2025, exercendo, deste modo, o contraditório, tendo concluído pela improcedência das exceções suscitadas pela AT.
12. A Requerida, pela sua parte, opõe-se à pretensão do Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Em sede de defesa por exceção, a Requerida sustenta, por um lado, a incompetência do Tribunal Arbitral para dirimir o litígio porquanto, no seu entender, o que está em causa é o reconhecimento do estatuto de residente não habitual, matéria que se insere na esfera de competência exclusiva dos tribunais administrativos e fiscais, sendo os tribunais arbitrais incompetentes, em razão da matéria. Por outro lado, o ato de liquidação sindicado não será impugnável com fundamento na invocação do regime dos RNH, tal como pretende o Requerente. A Requerida entende que deve ser absolvida da instância porquanto, além da invoca incompetência do tribunal arbitral, verifica-se a exceção de caso julgado (ou decidido), bem como a impropriedade do meio processo que, no seu entender, configura um caso de erro na forma do processo. Requerer, nestes termos e com os fundamentos invocados, a absolvição da instância.
Por impugnação, a Requerida reconhece que o Requerente se encontra inscrito como residente fiscal em Portugal em 2019. Reconhece, igualmente, que em 18 de março de 2024, o Requerente apresentou um pedido de RNH, com efeitos a 2023, o qual foi indeferido por decisão proferida em 29 de abril de 2024. Atendendo a que o pedido de inscrição como RNH foi efetuado em 18 de março de 2024 e o Requerente é residente fiscal desde 2019, a Requerida alega que não se encontram reunidos os pressupostos para que tal estatuto lhe seja reconhecido, i.e., não ter sido residente fiscal num dos cinco anos anteriores à data do pedido de inscrição como RNH, ou seja, 18 de março de 2024.
Neste segmento, não existe controvérsia quanto aos fatos invocados pelas partes para sustentarem as suas pretensões. A divergência assenta em questões de direito.
A Requerida entende que o Requerente não reúne as condições para ser tributado de acordo com o regime dos RNH. Com efeito, não basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16.º do CIRS para automaticamente beneficiar do regime de residente não habitual. A Requerida chama à colação a decisão do STA, de 29.05.2024 (processo n.º 842/23.9BESNT), cujo sumário transcreve: “Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
Quanto ao exercício pelo Requerente de uma actividade de elevado valor acrescentado cujos rendimentos seriam tributados à taxa de 20%, conforme sustenta o Requerente, entende a Requerida que, face aos documentos juntos aos autos, o Requerente não logrou demonstrar que a sua atividade profissional (Chief Product Officer na empresa Stellogic) constitui uma atividade de elevado valor acrescentado (AEVA), para efeitos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na redação dada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.
Conclui, assim, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
III. Saneamento
Da exceção de incompetência em razão da matéria
13. Na resposta, a Requerida suscita (cf. artigo 5.º a 23.º) a incompetência do tribunal arbitral para dirimir o litígio porquanto, no seu entender, o que está em causa é o reconhecimento do estatuto de residente não habitual, matéria para a qual o Tribunal Arbitral carece de competência. Por outro lado, o ato de liquidação sindicado não será impugnável com fundamento no estatuto de RNH em que se funda a posição do Requerente, o que conduz à absolvição da instância de acordo com o disposto no artigo 89.º, n.º 4, alínea a) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.
14. Impõe-se, assim, aferir se o Tribunal Arbitral Tributário é materialmente competente para decidir o presente litígio em que está em causa um pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRS n.ºs 2022... (ano de 2021) e 2023... (ano de 2022), pela não aplicação ao Requerente das regras de tributação aplicáveis aos sujeitos passivos residentes não habituais.
15. O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, disciplina, de acordo com o disposto no artigo 1.º, a arbitragem como meio de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.
16. O artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, dispõe que:
“Artigo 2.º
Competência do tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
(...)”.
17. Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, vincula a Requerida “à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro”, com exceção das pretensões mencionadas nas alíneas a) a c) do artigo 2.º da mencionada Portaria (exceções estas que não se subsumem ao caso dos autos).
18. A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a ação é proposta, isto é, pelo pedido e causa de pedir.
19. Ora, atenta a pretensão que o Requerente reclama nos autos, ou seja, pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRS n.º n.ºs 2022... e 2023..., com fundamento na não aplicação ao Requerente das regras de tributação aplicáveis aos sujeitos passivos na qualidade de residente não habitual, facilmente se constata que a mesma cabe no âmbito de competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam junto do CAAD, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
20. Conforme decido em precedentes decisões dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD, que se pronunciaram no sentido de que os tribunais arbitrais tributários são competentes para apreciar a legalidade de os atos de liquidação de IRS, quando seja suscitada a aplicação do regime dos residentes não habituais (cf. decisões n.º 1380/2024, de 11 de junho de 2025, n.º 1276/2024-T, de 8 de abril de 2025, bem como as decisões proferidas nos processos n.º 891/2023, n.º 544/2023, n.º 487/2023-T, n.º 705/2022, 188/2020-T, n.º 777/2020-T, n.º 815/2021-T).
21. Tanto basta para concluir, pelos fundamentos expostos, que, no caso autos, em que se discute a declaração de ilegalidade de dois atos de liquidação de tributos (liquidação de IRS), os tribunais arbitrais tributários são competentes, em razão da matéria, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a pretensão do Requerente.
22. Improcede, assim, a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.
Da (in)impugnabilidade do ato (tributário) de liquidação: caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)
23. A Requerida entende (cf. artigos 24.º a 28.º da resposta) que os atos de liquidação em causa são inimpugnáveis com fundamento na verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo) que, no seu entender, constitui uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 4 alínea i) do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º da RJAT.
24. Na ótica da Requerida, uma vez que o Requerente não reagiu contenciosamente contra o indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, o tribunal teria de dar como verificado o caso decidido ou resolvido.
25. Porém, do exame da causa, verifica-se que não houve qualquer decisão judicial prévia que tenha por objeto (pedido e causa de pedir) a apreciação da legalidade das liquidações em causa, com os fundamentos invocados pelo Requerente nos presentes autos.
26. Não se verificando, assim, os pressupostos de aplicação do disposto no artigo 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA.
27. Assim, e sem necessidade de ulteriores considerações, improcede a invocada exceção de caso julgado invocado pela Requerida.
Da Impropriedade do meio processual
28. A Requerida sustenta (cf. pontos 29.º a 34.º da Resposta) que o reconhecimento do regime jurídico do residente não habitual só pode ser peticionado por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, pelo que o pedido de pronuncia arbitral apresentado pelo Requerente não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão. Assim sendo, conclui a Requerida que existe erro na forma do processo que determina a absolvição da instância, nos termos do artigo 89.º, n.º 4 do CPTA, aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
29. Existe erro na forma do processo quando o pedido formulado pela parte corresponde ao objeto específico de uma ação com processo especial e a parte deduz o seu pedido através de uma ação distinta.
30. Conforme se sumariou no Acórdão do STA de 17/01/2018, Processo 088/14:
“O erro na forma de processo (art. 199° do CPC actual artº 193º do novo CPC) ocorre quando o autor usa de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. Por isso, como é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico, a sua ocorrência tem de aferir-se pelo pedido formulado na acção, sendo pelo pedido final formulado, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito”.
31. Em termos idênticos, atente-se, igualmente, ao Acórdão do STA de 15/01/2025, Processo 01256/16.2BESNT:
“O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer.”.
32. No caso dos autos, o pedido formulado visa a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS referentes aos anos de 2021 e 2022.
33. Atento o pedido formulado, entende-se que os atos de liquidação de IRS são sindicáveis judicialmente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, perante os Tribunais Arbitrais Tributários (neste sentido, decisão arbitral proferida no Processo n.º 1086/2024-T).
34. Improcede, assim, a exceção de erro na forma do processo.
35. Nestes termos é inequívoco que se encontram reunidas as condições necessárias para apreciação do pedido de pronuncia arbitral formulado pelo Requerente.
36. O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
O Tribunal é competente.
IV. Matéria de facto
37. Com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
A. O Requerente encontra-se registado, junto da Autoridade Tributária, no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, como residente fiscal, em Portugal, desde 9 de dezembro de 2019 (cf. documento n.º 3 junto com o PPA).
B. Nos cinco anos anteriores a 2019, o Requerente não residiu em território nacional (artigo 9.º do PPA e aceite pela Requerida).
C. O Requerente exerceu, desde 2019, funções relacionadas com atividades de Tecnologia de Informação e Comunicação, com o propósito de produção de sistemas TI para gerenciar satélites, na empresa “B...”.
D. O Requerente ocupa a posição de Chief Product Officer.
E. A posição de Chief Product Officer , encontra-se definida pela “B...”, como correspondendo ao exercício das seguintes funções:
Ser responsável pela estratégia, desenvolvimento e "90-to-market" de produtos e crescimento para a plataforma SaaS ("Software as a Service"), que constitui a principal oferta da empresa, juntamente com o portfólio de produtosdesenvolvido em torno da mesma;
Definir o roadmap estratégico de produtos e tecnologia da B..., com vista a assegurar a maior adequação possível do produto ao mercado, ao mesmo tempo em que adere à visão de longo prazo e estratégia da empresa;
Desenvolver feedback consistente e canais de comunicação em toda a empresa para recolher feedback, sincronizar a definição de produtos / serviços e dar prioridade aos esforços para entregar valor aos clientes;
Definir a experiência do utilizador que a B... irá oferecer aos clientes;
Ser responsável pelo desenvolvimento de casos de uso focados em a) clientes finais que têm acesso/consomem os seus dados através de uma API, ou b) potenciais distribuidores que acedem à plataforma e estão em contacto com clientes finais e recebem pedidos de imagens em nome da B...;
Definir, em colaboração com as equipas relevantes, todas as interfaces (APls ou outras) entre os stakeholders externos e a empresa, e entre os diferentes grupos dentro da empresa. (cf. documento n.º 4 junto com o PPA).
F. O Requerente apresentou declaração de rendimentos – IRS, Modelo 3, referente ao ano de 2021 -, a qual deu origem à liquidação n.º 2022... (cf. documentos n.º 1 e 5 juntos com o PPA).
G. O Requerente apresentou declaração de rendimentos – IRS, Modelo 3, referente ao ano de 2022, que deu origem à liquidação de IRS n.º 2023... (cf. documentos n.º 1 e 5 juntos com o PPA).
H. As declarações de IRS não foram acompanhadas do Anexo L (cf. documento n.º 5 junto com o PPA).
I. Em 18 de Março de 2024, o Requerente solicitou, junto da AT, a sua inscrição como Residente Não Habitual (cf. documento n.º 6 junto com o PPA).
J. Em 29-04-2024, a AT indeferiu o pedido de inscrição do Requerente, como residente não habitual, com fundamento no seguinte:

(cf. documento n.º 8 junto com o PPA)
K. Em 14 de junho de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa por erro nas declarações de rendimentos, contra os atos de liquidação de IRS de 2021 e 2022 (cf. documento n.º 2 e 9 junto com o PPA).
L. A AT não proferiu qualquer decisão quanto à reclamação graciosa apresentada.
M. Em 15 de janeiro de 2025, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
38. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nas alegações das partes, vertidas nos seus articulados (PPA, resposta da AT e resposta às exceções apresentada pelo Requerente), no exame dos documentos juntos pelo Requerente com o pedido de pronuncia arbitral, os quais não suscitaram controvérsia entre as partes.
V. Matéria de Direito
Da (i)legalidade das liquidações de IRS impugnada
39. A questão que é trazida ao tribunal arbitral pelo Requerente prende-se com a aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais aos casos em que o pedido de inscrição dos sujeitos passivos, como residentes não habituais, é efetuado fora do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS.
40. O Requerente discorda da liquidação efetuada pela AT, por entender que, estando reunidos os pressupostos para beneficiar do estatuto de Residente Não Habitual, as liquidações sindicadas deveriam considerar o estatuto de RNH e, consequentemente, aos rendimentos declarados – rendimentos da categoria A, de IRS, obtidos no território nacional, deveria ter sido aplicada a taxa de 20%, aplicável aos rendimento auferidos pelos sujeitos passivos que exerçam atividades de elevado valor acrescentado, ainda que tenha havido incumprimento do prazo de apresentação do pedido de inscrição como RNH.
41. N0 entender do Requerente, o pedido de inscrição como residente não habitual, apresentado em 18 de março de 2024, após o decurso do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10 do Código de IRS, não obsta à aplicação das regras previstas para os residentes não habituais.
42. A Requerida, como já vimos, não acompanha o entendimento do Requerente.
43. A temática do presente do pedido de pronúncia arbitral tem sido amplamente tratada na jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais arbitrais que têm sido chamados a pronunciar-se sobre a aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais em situações em que o pedido de inscrição dos sujeitos passivos, como residentes não habituais, é efetuado fora do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS.
44. Importa, pois, começar por analisar o disposto no artigo 16.º n.º 8 a 11 do Código do IRS (na redação que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto), que dispunha o seguinte:
“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
11 – O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em cada momento desse ano.”.
45. Antes de mais, importante realçar que podem ser considerados residentes não habituais, em território português, os sujeitos passivos que, tornando-se residentes nos termos do artigo 16.º, n.º 1 e 2 do Código do IRS, não tenham sido residentes em qualquer um dos cinco anos anteriores.
46. A aplicação do regime dos residentes não habituais assenta, nos termos do disposto no artigo 16.º do Código do IRS, na verificação de dois requisitos:
a) o sujeito passivo ter-se tornado fiscalmente residente em território português, nos termos do artigo 16.º, n.º 1 e 2 do Código do IRS, e
b) não ter sido residente, em território nacional, em qualquer dos cinco anos anteriores.
47. À luz das decisões dos tribunais superiores o enquadramento no regime jurídico-tributário para os residentes não habituais assenta na respetiva inscrição como residente não habitual, junto da AT, até 31 de Março do ano seguinte à fixação de residência fiscal em território nacional, vigorando por um período de 10 anos (cf. artigo 16.º, n.º 9 e 10 do Código do IRS) – cf. nesse sentido Acórdão do STA de 15/01/2025, Processo n.º 01750/22.6BEPRT.
48. Coloca-se, no entanto, a questão de saber quais as consequências do não cumprimento do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS.
49. Face ao teor da norma em causa – artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS – e, mais uma vez, com apoio em várias decisões jurisdicionais, a mesma tem sido interpretada no sentido em que estamos perante uma obrigação acessória a que os contribuintes estão adstritos. Isto é, “o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal”, pelo qual “a A. Fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais de aplicação desse estatuto” – cf. Acórdão do STA de 15/01/2025, Processo n.º 01750/22.6BEPRT.
50. Como já vimos esses pressupostos são dois: primeiro, ser residente em território nacional, segundo, não ter sido residente em qualquer um dos cinco anos anteriores ao ano em que fixaram residência fiscal em território nacional (cf. artigo 16.º, n.º 8 do CIRS). Verificados esses pressupostos, o “sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português” (cf. artigo 16.º, n.º 9 do CIRS).
51. Tem prevalecido a interpretação, por parte dos tribunais superiores e dos tribunais arbitrais tributários, segundo a qual a inscrição dos sujeitos passivos como residente não habituais tem efeitos declarativos.
52. O acto de inscrição como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respetivos pressupostos.
53. In casu, verifica-se que o Requerente é residente em território nacional desde 2019 e que não foi residente em qualquer um dos cinco anos anteriores (cf. pontos A e B da matéria de fato).
54. Verifica-se, porém, que o pedido de inscrição como residente não habitual foi apresentado pelo Requerente junto da AT em 2024, ou seja, fora do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10 do CIRS (cf. ponto I da matéria de fato).
55. E, como tal, para os presentes autos, em que se discute a legalidade das liquidações de IRS, referentes aos anos de 2021 e 2022, cumpre aferir qual a consequência do facto de o Requerente não se encontrar, naqueles anos, inscrito como residente não habitual.
56. Na jurisprudência do STA tem prevalecido o entendimento – que acompanhamos, adiante-se – no sentido de que o regime jurídico-tributário para os residentes não habituais só é aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual (cf. Acórdão do STA de 15/01/2025, Processo n.º 01750/22.6BEPRT e acórdão da 2.ª sessão de 29/05/2024, Processo n.º 842/23.9BESNT), a qual é acompanhada pelas decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários nos processos 1380/2024, de 11/06/2025, 1115/2024, de 20/06/2025, 1276/2024-T, de 8/04/2025, 928/2024-T, de 14/04/2024 e 1086/2024-T, de 06/03/2025.
57. Como ficou claro no Acórdão do STA de 29/05/2024, Rec. 842/23.9BESNT, cujo excerto se transcreve:
Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS).
Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.
Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018, situação que implica a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida, com a consequente viabilização da pretensão da Recorrente no âmbito desta acção no sentido da anulação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição.
58. Em todo o caso, tem de dizer-se que, face à letra do artigo 16.º, n.º 10, que acima se transcreveu, é condição da aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo esteja inscrito como residente e, não tendo sido residente em território nacional nos últimos 5 anos, haja solicitado a sua inscrição, junto da AT, como residente não habitual.
59. Embora não resulte das normas mencionadas que o regime dos residentes não habituais dependa de reconhecimento por parte da AT, a verdade é que não resulta daqueles normativos que esse regime opere automática e oficiosamente. Também não resulta das normas em causa que o regime jurídico-tributário associado aos residentes não habituais opere ope lege.
60. Com efeito, a aplicação do regime do residente não habitual tem de ser desencadeada por iniciativa do sujeito passivo, mediante pedido de inscrição junto da AT, produzindo efeitos a partir da data desse pedido.
61. A inciativa dessa inscrição incumbe aos sujeitos passivos que entendam optar pela tributação à luz das regras jurídico-tributárias para os residentes não habituais. E, essa opção, deve ser exercida pelos sujeitos passivos e apenas por estes.
62. Neste contexto, a inscrição como residente não habitual tem de ser desencadeada pelos sujeitos passivos, embora o incumprimento do prazo não vede a aplicação para o futuro do regime jurídico-tributário previsto para os sujeitos passivos que reúnam as condições para assim serem tributados e hajam requerido a sua inscrição como residentes não habituais.
63. Não acompanhamos, deste modo, o entendimento da Requerente no sentido em que, por força do artigo 16.º, n.º 7 do CIRS, o direito a ser tributado como residente não habitual se adquire automaticamente.
64. Deste modo, perante a entrega da declaração de IRS do Requerente, sem a entrega do Anexo L e na ausência de qualquer pedido inscrição como residente não habitual, a AT não poderia promover a liquidação de IRS de acordo com o regime jurídico-tributário dos residentes não habituais.
65. A não inscrição, em determinado exercício (in casu, nos anos de 2021 e 2022) como residente não habitual tem efeito preclusivo da aplicação do regime aos anos em apreço.
66. Face ao exposto, não pode proceder a pretensão do Requerente porquanto, o pedido de inscrição como residente não habitual deduzido em 2024 não produz efeitos para os anos de 2021 e 2022.
67. Assim, por falta de fundamento legal, não se acompanha a posição do Requerente no sentido em que a liquidação de IRS, referente aos exercícios de 2021 e 2022 seriam ilegais, por erro nos pressupostos de direito, com fundamento na não aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos Residentes Não Habituais.
68. Importa, por fim, referir que, também, não se verifica a invoca ilegalidade dos atos de liquidação de IRS de 2021 e 2022, por violação do princípio da substância sob a forma, consagrado no artigo 11.º, n.º 3 da LGT.
69. Com efeito, o decurso do prazo pode ter um efeito preclusivo sobre a aplicação de um certo regime fiscal, sem que tal configure a violação do princípio da substância sob a forma, consagrado no artigo 11.º, n.º 3 da LGT.
70. Pelo que fica exposto, conclui-se pela improcedência do pedido de pronuncia arbitral.
E, consequentemente, pela improcedência do pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios.
V – Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar improcedentes a exceções invocadas pela Requerida.
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
c) Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.
VI – Valor do Processo
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 306.º do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 55.365,32 euros, indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
VII – Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.142,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Notifique.
CAAD, Lisboa, 19 de setembro de 2025
A árbitra,
Alexandra Gonçalves Marques