Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2025-T
Data da decisão: 2025-09-16  IRS  
Valor do pedido: € 3.451,81
Tema: IRS: Falta de constituição de mandatário judicial
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SUMÁRIO

 

 I – Nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado. 

II – A falta de constituição de advogado constitui exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Dr. António Cipriano da Silva designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular no processo identificado em epígrafe, decide o seguinte: 

 

I. Relatório

 

1. Em 10 de fevereiro de 2025, A..., contribuinte fiscal  ..., com residência na Rua ..., nº ... ... ...-... Cascais (doravante designada por “Requerente” ou “Sujeito Passivo”) veio ao abrigo do disposto do n.º 1 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (adiante abreviadamente designado por RJAT), apresentar pedido de constituição de  Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, (“PPA”) em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à declaração da ilegalidade da liquidação de IRS nº2024 ..., peticionando: “Solicitamos assim que seja efetuada a correção da nota de liquidação de acordo com a legislação e a possibilidade de declarar os custos com o imóvel”.

2. No dia 12 de fevereiro de 2025 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

3. No dia 22 de abril de 2025 foi constituído o Tribunal Arbitral.

4. Em 24 de abril de 2025, foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

5. Em 28 maio de 2025 a Requerida juntou aos autos a sua Resposta e o Processo Administrativo.

6. Em 24 de junho de 2025 foi a Requerente notificada para, no prazo de 15 dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria das exceções suscitadas pela Requerida na sua resposta.

7. Em 11 julho o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º RJAT,  assim como a apresentação de alegações.

8. Em 15 de julho o Tribunal Arbitral convidou o Requerente que não se encontrava representado por advogado, para caso assim o entende-se, constituir advogado. Contudo, este  optou não constituiu advogado.

 

II. Posição das partes

II.1. Posição da Requerente

A Requerente fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)     Que o seu agregado familiar celebrou contrato de comodato relativo a imóvel, o qual esteve até 06/01/2023 adstrito à atividade de alojamento local (AL).

b)    Que ao abrigo do artigo 74º-A do EBF transferiu o imóvel da atividade de alojamento local (AL) para a atividade de arrendamento;

c)     Que em 2023 não teve rendimentos no regime de AL tenho encerrado a atividade em 06/01/2023.

d)    Celebrou em 2023 dois novos contratos de arrendamento com os nºs ... e ..., devidamente declarados à Autoridade Fiscal.

e)     Aquando do preenchimento da declaração de impostos, não foi possível refletir a transferência do imóvel para arrendamento no Anexo B tendo os rendimentos sido incluídos no Anexo F como sublocação. Alega que formulário também não possibilitava a inclusão no anexo das despesas com o condomínio e com a agência imobiliária.

f)     Adicionalmente os rendimentos em lugar de estarem isentos ao abrigo do art.º 74.º-A do EBF, foram tributados resultando no valor total de imposto a liquidar de 3.451,81 Euros.

g)    Alega o Requerente que os rendimentos deveriam estar isentos porque cumpriam os critérios de: os rendimentos resultaram da transferência para arrendamento, para habitação permanente, de imóveis afetos à exploração de estabelecimentos de alojamento local; (efetuada pela contribuinte nº ... em janeiro de 2023), o estabelecimento de alojamento local foi registado e esteve afeto a esse fim até 31 de dezembro de 2022; (registo de AL é anterior); e a celebração dos contratos de arrendamento e respetiva inscrição no Portal das Finanças ocorreu em 2023, (contratos declarados nº ... e ...).

 

II.2. Posição da Requerida

Por seu turno a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)     A Requerida pugna pela procedência de exceção que denominou de “Intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” por entender que se mostra ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação do ato tributário da liquidação.

b)    Refere a Requerida que a liquidação reclamada foi notificada ao Requerente via CTT em 08-08-2024 considerando-se o mesmo notificado em 26.08.2024, sendo o termo do prazo de pagamento voluntário em 23.09.2024, assim o termo inicial seria o dia 24-09-2024, pelo que deveria ter sido impugnada até 04-01-2025, o que não sucedeu.

c)     Assim sendo, a Requerida entende que o pedido formulado é intempestivo, devendo este ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida do pedido – cf. n.ºs 1 e 3 do art.º 576.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

d)    Em seguida a Requerida pugna pela procedência de exceção de “impropriedade do meio processual  e da incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral”.

e)     A Requerida defenda alega ainda  em defesa da sua posição a existência de uma exceção dilatória por falta de constituição de advogado por parte do Requerente.

f)     Concomitantemente a Requerida alega a inaptidão do PPA, por  no seu entender existir falta de causa de pedir por ausência de indicação do imóvel que alegadamente beneficiaria do regime do artigo 74ºA do EBF.

g)    Defende a Requerida que as condições essenciais para beneficiar da isenção prevista no artigo 74ºA do EBF são cumulativamente: cessação da atividade de Alojamento Local até à data limite legal (até 31 de dezembro de 2022); celebração de contrato de arrendamento para habitação permanente, comunicação do contrato à AT, através do Portal das Finanças através do modelo 2 do IMI (com indicação expressa da finalidade habitacional permanente (campo 5, Quadro I)3; exclusividade da afetação do imóvel a habitação permanente durante o período de isenção e identificação clara do imóvel e do anterior enquadramento como Alojamento Local.

h)    Sucede que na posição da Requerida, no caso em apreço está em causa um contrato de comodato celebrado entre a esposa do Requerente com o pai, relativo a um imóvel que esteve até 06/01/2023 em Alojamento Local, e, que esta pretendeu transferir de Alojamento Local para Arrendamento, para beneficiar do disposto no art.º 74.º-A do EBF.

i)      Assim, a situação em causa não é passível de beneficiar da isenção de IRS prevista no artigo 74-A do EBF, porquanto, o disposto nesta norma, apenas é de aplicar aos proprietários dos imóveis com licença de alojamento local, o que não se verifica na situação em apreço, uma vez que o proprietário do imóvel (pai da requerente) e o detentor da licença de alojamento local (está registada em nome da esposa do requerente – NIF...), são pessoas distintas.

j)      Pelo exposto, entende a Requerida que deve-se manter o ato de liquidação do IRS nº 2024..., relativo ao IRS do ano 2023 no valor total de €3.451,81, concluindo que as pretensões do Requerente são totalmente improcedentes e que a liquidação efetuada é legítima e legal, não nos merecendo a mesma, qualquer reparo.

 

III. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2 alínea a) do RJAT.

As partes gozam de capacidade e personalidade jurídica, são legítimas, (artigo 4.º e 10.º n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) .

O Requerente tem personalidade e capacidade tributária.

A Requerida goza de personalidade e capacidade tributárias, tem legitimidade e encontra-se regularmente representada (cf. artigos 4.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

A Requerida suscitou exceções dilatórias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, no que diz respeito à incompetência do Tribunal Arbitral e à falta de constituição de mandatário, que pela sua relevância processual para efeitos da regularidade da instância, devem ser apreciadas de imediato antes do julgamento sobre a matéria de facto.

Considera o tribunal que a análise do litígio determina a avaliação em primeiro lugar das exceções e questões prévias, na justa medida que a procedência de qualquer uma destas pode prejudicar o conhecimento, conforme artigo 608º nº2 do CPC (Código de Processo Civil), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT. E dentro das exceção e questões prévias deve começar pelas exceções dilatórias nos termos do artigo 578º do CPC  aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

IV.1. a. Da incompetência material do Tribunal Arbitral

A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a sua apreciação previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Pugna a Requerida pela incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral alegando que “o tribunal arbitral atua exclusivamente na apreciação de litígios fiscais que envolvem a legalidade da norma tributária e a sua correta aplicação, não sendo competente para substituir ou corrigir as decisões administrativas que envolvem o preenchimento ou a reconfiguração de declarações fiscais.”

A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT e completada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que estabelece:

Artigo 2º do RJAT

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

Artigo 4.º do RJAT

Vinculação e funcionamento

1 - A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março

Objeto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti-abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.

 

A determinação da competência do tribunal terá de se delimitar pela análise do pedido do autor e pela causa de pedir em que este se apoia na petição inicial. Seguindo a jurisprudência do CAAD no processo 262/2018-T “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.”

No caso em apreço, pese embora alguma inconstância técnica do PPA, alcança-se que o Requerente com o  pedido “solicitamos assim que seja efetuada correção da nota de liquidação de acordo com a legislação” pretende colocar em crise a liquidação de IRS nº 2024 ... .

Fixando-se assim o pedido na análise da legalidade de ato de liquidação,  o Tribunal Arbitral é competente nos termos do alínea a) do nº1 do artigo 2º do RJAT.

Face ao exposto improcede a exceção de incompetência material absoluta suscitada pela Requerida.

 

IV.1. b. Da falta de constituição de mandatário

O processo da Arbitragem Tributária é regido pelo RJAT (DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro) que determina no artigo 29º a aplicação subsidiaria das normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias ao procedimento arbitral.

Assim sendo, é aplicável ao processo arbitral via alíneas a) e  c) do nº1 do artigo 29º do RJAT o nº1 do artigo 6º CPPT, o qual refere “ É obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários, nos termos previstos na lei processual administrativa”.

Por sua vez o artigo 11º do CPTA estatui a obrigatoriedade de constituição de mandatário, com remissão para as normas do CPC. A alínea b) do artigo 40º do CPC estabelece ser obrigatória a constituição de advogado nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor.

Nestes termos, tem de concluir-se que nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado, por ser admissível recurso das decisões neles proferidas, independentemente do valor da causa, nas situações previstas nos nº 1 e 2 do artigo 25º do RJAT, bem como a sua impugnação, nos termos do artigo 27.º e com os fundamentos previstos no artigo 28º  ambos do RJAT, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspetos de competência, procedimentais e formais.

Vide neste sentido entre outras as decisões arbitrais nº278/2023-T; 1059/2023-T;  794/2023-T ou 457/2024-T.

Este último (decisão arbitral nº457/2024-T) refere como sumário: 

I – Nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado. 

II – A falta de constituição de advogado constitui exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.”

O Tribunal arbitral aceita a jurisprudência arbitral supra identificada, entendendo que nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado. Diga-se que esta imposição legal deve ser compreendida como uma garantia de proteção do cidadão contribuinte. O procedimento e Lei fiscal são em regra complexos, cheia de tecnicidades, exigido uma análise cuidada. Deixar o cidadão contribuinte sozinho, ausente de apoio,  num processo tributário seria contraproducente ao Estado de Direito. Refira-se que no processo arbitral, à semelhança do processo judicial administrativo/fiscal é possível ao cidadão em caso de insuficiência de recursos económico requerer apoio judiciário, para a obtenção de patrono, garantindo-se assim de forma ampla a garantia do cidadão ter apoio jurídico na defesa dos seus direitos.

No caso em apreço, o Requerente foi notificado para responder, caso o deseja-se, às exceções da Requerida, podendo nesse momento sanar a exceção, com a constituição de mandatário. Todavia, optou por o não efetuar. Em momento posterior o Tribunal Arbitral de forma expressa convidou o Requerente, caso assim o entende-se, a constituir advogado. Todavia, não obstante o convite o Requerente não constituiu advogado.

Nestes termos verifica-se a exceção dilatória de falta de constituição de advogado nos termos do artigo 89º nº2 e 4 alínea h) do CPTA aplicável ao presentes autos via artigo 29º nº1 c) do RJAT, o que obsta que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

Com base nos fundamentos enunciados supra, decide-se julgar verificada a exceção dilatória de falta de constituição de advogado pelo Requerente, absolvendo-se a Requerida da instância.

 

V. Decisão

Em face do supra exposto, decide-se julgar verificada a exceção dilatória de falta de constituição de advogado pelo Requerente, absolvendo-se a Requerida da instância.

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em  € 3.451,81 (três mil quatrocentos e cinquenta e um euros e oitenta e um cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente uma vez que o PPA foi julgado improcedente nos termos dos artigos, 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 16 de setembro  de 2025

O Árbitro

 

António Cipriano da Silva