Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 55/2025-T
Data da decisão: 2025-09-17  IRS  
Valor do pedido: € 2.858,89
Tema: IRS – Regime fiscal aplicável aos ex-residentes. Rendimentos profissionais. Regime simplificado
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Sumário: 

 

 

I. A norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é uma norma excecional, na medida em que delimita negativamente os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nos termos e condições ali definidas.

II. Exercendo a Requerente uma atividade profissional especificamente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º, do Código do IRS, o seu rendimento tributável da categoria B resulta da aplicação (parcialmente condicionada) do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º, do Código do IRS, à parte do rendimento não excluída de tributação pelo artigo 12.º-A, do mesmo Código.

III. Os rendimentos brutos sobre os quais incide a percentagem de 15%, para determinação do acréscimo ao rendimento tributável já apurado, não podem ser senão os rendimentos brutos sujeitos a imposto  (metade) e não a totalidade do rendimentos brutos auferidos.

IV. A não ser assim, sempre uma parcela da metade dos rendimentos não sujeitos nos termos do artigo 12.º-A, do Código do IRS, ficaria sujeita a tributação, por via do acréscimo apurado nos termos do n.º 13 do artigo 31.º, deste Código, frustrando a intenção do legislador e o direito da Requerente ao benefício fiscal.

 

DECISÃO ARBITRAL 

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:   

 

I. Relatório

 

1.  A..., NIF ..., e mulher B..., NIF..., residentes na Rua ..., ..., ...-... Vila Praia de Âncora, doravante designados por Requerentes, apresentaram, em 10 de janeiro de 2025, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que correu termos sob o n.º ...2021..., que decorreu da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., e, consequentemente, contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2019, bem como das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2021..., ...2022..., ...2023... e ...2024... e, consequentemente, contra os atos de liquidação de IRS, objeto daquelas impugnações administrativas, referentes aos anos fiscais de 2020, 2021, 2022 e 2023, respetivamente, requerendo a anulação parcial das aludidas liquidações, assim como o reembolso do montante de € 2.858,89 pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também designada por Requerida ou AT.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 15 de janeiro de 2025, e posteriormente notificado à AT.

 

3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 5 de março de 2025, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

4. Em 5 de março de 2025, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25 de março de 2025.

 

6. Por despacho de 1 de abril de 2025, o Tribunal mandou notificar os Requerentes para procederem ao aperfeiçoamento da sua petição.

 

7. Em 4 de abril de 2025, os Requerentes apresentaram a sua petição inicial aperfeiçoada.

 

8. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida, em 14 de maio de 2025, apresentou resposta na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).

 

9. Por despacho de 21 de maio de 2025 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, os Requerentes no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações dos Requerentes, ou da falta de apresentação das mesmas.

 

10. As partes apresentaram alegações, concretamente os Requerentes em 2 de junho de 2025 e a Requerida em 12 de junho de 2025.

 

II. Saneamento

 

1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

4. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo. 

 

5. O Tribunal é competente. 

 

III. Matéria de fato 

 

1. Fatos provados 

 

Dão-se como provados os seguintes fatos relevantes para a decisão:

 

A) A Requerente mulher exerce, desde 2009-01-28, atividade de MEDICOS RADIOLOGISTAS – 7023,  encontrando-se enquadrada no regime simplificado desde 2015-01-01.

 

B) A Requerente mulher beneficia do regime aplicável a Ex-residentes, previsto no artigo 12.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

C) O Requerente marido beneficia, desde 2019, do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).

 

D) Em 2020-06-30, os Requerentes submeteram a Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019, com opção pela tributação conjunta, à qual foi atribuída o n.º...– 2019...:  

- No anexo B, quadro 4, campo 403, foi inscrito o montante de € 46.669,97, referente aos rendimentos brutos auferidos pela Requerente mulher com atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS;  

- No quadro 17, campo 17007 do mesmo anexo, foi inscrito o montante de € 2.257, 39 referente a despesas e encargos com contribuições obrigatórias para regimes de proteção social;  

- Nesse mesmo quadro, foi indicado que, em alternativa aos valores comunicados à AT, NÃO pretende declarar as despesas com pessoal, rendas de imóveis e outras despesas relacionadas com a atividade (alínea b), c) e e) do nº 13 do artigo 31.º do CIRS).

 

E) A declaração referida em D) deu origem à liquidação de IRS n.º 2020..., de 2020-10-02, de que resultou um montante a reembolsar de € 11.134,28.  

 

F) Em 2020-10-28, o Requerente apresentou reclamação graciosa da mencionada liquidação de IRS de 2019, que correu termos sob o n.º ...2020....  

 

G) Em 2021-07-05, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Caminha, despacho de indeferimento do pedido formulado no procedimento de reclamação graciosa referido em F). 

 

H) Em 2021-07-12, o Requerente foi notificado, através do ofício nº... de 2021-07-07 (Registo CTT nº RF...PT de 10-07-2021), do despacho de indeferimento referido em G). 

 

I) Em 2021-08-07, Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, que correu termos sob o n.º ...2021... .

 

J) Em 2024-10-17, foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico referido em I).

 

L) Em 2024-10-21, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento do recurso hierárquico referido em J).

 

M) Em 2021-10-06, os Requerentes submeteram a Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2020, com opção pela tributação conjunta, à qual foi atribuída o n.º...– 2020 –...– ...: 

- No anexo B, quadro 4, campo 403, foi inscrito o montante de € 54.327.44, referente aos rendimentos brutos auferidos pela Requerente mulher com atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS;  

- No quadro 17, campo 17007 do mesmo anexo, foi inscrito o montante de € 4.633,61 referente a despesas e encargos com contribuições obrigatórias para regimes de proteção social;  

- Nesse mesmo quadro, foi indicado que, em alternativa aos valores comunicados à AT, NÃO pretende declarar as despesas com pessoal, rendas de imóveis e outras despesas relacionadas com a atividade.  

 

N) A referida declaração deu origem à liquidação de IRS n.º 2021..., de 2021-07-20, de que resultou um montante a reembolsar de € 9.942,73. 

 

O) Em 2021-10-06, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2020, que correu termos sob o n.º ...2021... . 

 

P)  Em 2024-10-25, foi proferido, pelo Diretor da Direção de Finanças de Viana do Castelo, despacho de indeferimento do pedido formulado no procedimento de reclamação graciosa referido em O).

 

Q) Em 2024-10-29, os Requerentes foram notificados do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referido em P).

 

R) Em 2022-06-28, os Requerentes submeteram a Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2021, com opção pela tributação conjunta, à qual foi atribuída o n.º ... – 2021 –...:  

- No anexo B, quadro 4, campo 403, foi inscrito o montante de € 62.922,80 referente aos rendimentos brutos auferidos pela Requerente mulher com atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS;  

- No quadro 17, campo 17007 do mesmo anexo, foi inscrito o montante de € 1.370,52 referente a despesas e encargos com contribuições obrigatórias para regimes de proteção social;  

- Nesse mesmo quadro, foi indicado que, em alternativa aos valores comunicados à AT, NÃO pretende declarar as despesas com pessoal, rendas de imóveis e outras despesas relacionadas com a atividade (alínea b), c) e e) do nº 13 do artigo 31.º do CIRS).

 

S) A referida declaração deu origem à liquidação de IRS n.º 2022..., de 2022-07-02, de que resultou um montante a reembolsar de € 9.474,68. 

 

T) Em 2022-07-26, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2021, que correu termos sob o n.º ...2022... .

 

U) Em 2024-10-25, foi proferido, pelo Diretor da Direção de Finanças de Viana do Castelo, despacho de indeferimento do pedido formulado no procedimento de reclamação graciosa referido em T).

 

V) Em 2024-10-29, os Requerentes foram notificados do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referido em U).

 

X) Em 2023-06-09, os Requerentes submeteram a Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2022, com opção pela tributação conjunta, à qual foi atribuída o n.º ... – 2022 –...:  

- No anexo B, quadro 4, campo 403, foi inscrito o montante de € 63.933,20 referente aos rendimentos brutos auferidos pela Requerente mulher com atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS;  

- No quadro 17, campo 17007 do mesmo anexo, foi inscrito o montante de € 4.085,97 referente a despesas e encargos com contribuições obrigatórias para regimes de proteção social;  

- Nesse mesmo quadro, foi inscrito que, em alternativa aos valores comunicados à AT, NÃO pretende declarar as despesas com pessoal, rendas de imóveis e outras despesas relacionadas com a atividade (alínea b), c) e e) do nº 13 do artigo 31.º do CIRS).

 

Z) A referida declaração deu origem à liquidação de IRS n.º 2023..., de 2023-08-09, de que resultou um montante a reembolsar de € 10.780,66.

 

AA) Em 2023-09-30, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2022, que correu termos sob o n.º ...2023... . 

 

AB) Em 2024-10-25, foi proferido, pelo Diretor da Direção de Finanças de Viana do Castelo, despacho de indeferimento do pedido formulado no procedimento de reclamação graciosa referido em AA).

 

AC) Em 2024-10-29, os Requerentes foram notificados do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referido em AB).

 

AD) Em 2024-07-16, os Requerentes submeteram a Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, referente ao ano de 2023, à qual foi atribuída o n.º ... – 2023 –...–...:

- No anexo B, quadro 4, campo 403, foi inscrito o montante de € 73.423,83 referente aos rendimentos brutos auferidos pela Requerente mulher com atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS;  

- No quadro 17, campo 17007 do mesmo anexo, foi inscrito o montante de € 3.701,22 referente a despesas e encargos com contribuições obrigatórias para regimes de proteção social;  

- Nesse mesmo quadro, foi indicado que, em alternativa aos valores comunicados à AT, NÃO pretende declarar as despesas com pessoal, rendas de imóveis e outras despesas relacionadas com a atividade (alínea b), c) e e) do nº 13 do artigo 31.º do CIRS).

 

AE) A referida declaração deu origem à liquidação de IRS n.º 2024..., de 2024-07-24, de que resultou um montante a reembolsar de € 10.090,62. 

 

AF) Em 2024-09-25, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2023, que correu termos sob o n.º ...2024... . 

 

AG) Em 2024-10-25, foi proferido, pelo Diretor da Direção de Finanças de Viana do Castelo, despacho de indeferimento do pedido formulado no procedimento de reclamação graciosa referido em AF). 

 

AH) Em 2024-10-29, os Requerentes foram notificados do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referido em AG).

 

AI) Em 10 de janeiro de 2025, os Requerentes  apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo. 

 

2. Fatos não provados e fundamentação da matéria de fato dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de fato, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os fatos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT). 

 

Deste modo, os fatos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

Os fatos provados acima elencados baseiam-se, segundo o princípio da livre apreciação da prova, nos documentos juntos pelos Requerentes com o pedido de pronúncia arbitral, atrás mencionados, cuja autenticidade não foi colocada em causa, no processo admnistrativo, bem como nas posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados em relação aos fatos essenciais, que não foram questionados, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

Dão-se por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos, todos os documentos juntos pelos Requerentes no PPA e os documentos constantes do PA, donde consta a fundamentação e decisão expressa das decisões e atos tributários em crise. 

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Não existem quaisquer outros fatos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

IV. Matéria de Direito 

 

1.  Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral 

 

1.1. Posições das Partes

 

Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes alegam, em síntese, o seguinte:

 

- que “(a)s liquidações de IRS n.º 2020..., 2021..., 2022..., 2023... e 2024... (…) padecem de erro sobre os pressupostos de direito, no que respeita ao cálculo do acréscimo ao rendimento previsto no artigo 31.º, n.º 13, do Código do IRS (…)”;

 

- que o “acréscimo ao rendimento tributável foi calculado usando como rendimentos brutos a totalidade dos rendimentos declarados (…)”;

 

- que o “cálculo deste acréscimo ao rendimento está em contradição com o disposto no artigo 12.º-A, do mesmo Código, que isenta de tributação 50% daqueles rendimentos (…);

 

- que os “erros nas liquidações de IRS da Requerente referentes aos anos de 2019 a 2023 afectaram o direito da Requerente ao reembolso de tributos no montante de €2858,89 (…);

 

- que a AT “fez uma incorrecta aplicação da legislação ao caso concreto”; 

 

- que a AT “aplica a alínea b) do n.º1 do artigo 31º a 50% dos rendimentos e aplica o nº13 do mesmo artigo a 100% dos rendimentos”;

 

- que o “cálculo da Autoridade Tributária é inconsistente com os artigos 12º-A e 31º e com a sua disposição no CIRS.”;

 

- que a “única forma de cálculo do rendimento tributável consentânea com os artigos 12º-A e 31º é o que aplica primeiro o artigo 12º-A ao rendimento declarado e aplica posteriormente o artigo 31º, apenas e só ao rendimento daí resultante.”;

 

- que “(c)om esta forma de cálculo é garantido que 50% dos rendimentos profissionais são excluídos de tributação, como previsto pelo artigo 12º-A.”;

 

- que lhes assiste direito ao “pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do n.º1  do artigo 100º da Lei Geral Tributária”.

 

Na sua resposta, a AT alegou, em síntese, o seguinte:

 

- que “os rendimentos sobre os quais incide a percentagem de 15%, para determinação do acréscimo ao rendimento tributável, corresponde à totalidade dos rendimentos auferidos nas prestações de serviços previstas na alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.”; 

 

- que “o n.º 13 do artigo 31.º do CIRS é bem claro ao determinar que, para o cálculo da diferença positiva a acrescer ao rendimento tributável, devem ser considerados os “rendimentos brutos das prestações de serviços”, “Isto é, a totalidade dos rendimentos das prestações de serviços previstas nas alíneas b) e c) auferidos pelo sujeito passivo, independentemente de uma parcela daqueles rendimentos estar, por força do artigo 12.º-A do CIRS, excluída de tributação, ou seja, não sujeita para efeitos de IRS”;

 

-  que “face à letra da lei, que os rendimentos sobre os quais incide a percentagem de 15%, para efeitos de cálculo da diferença a que se refere o n.º 13 do artigo 31.º do CIRS, são os rendimentos brutos declarados pelo sujeito passivo, e não, como querem fazer crer os Requerentes, os rendimentos sujeitos a tributação”;

 

- que “presumindo, como dita o n.º 3 do artigo 9.º do CC, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cremos que, se o mesmo tivesse intenção de se referir aos “rendimentos sujeitos”, tê-lo ia feito expressamente como fez em tantos outros normativos do CIRS.”;

 

- que “(i)nterpretar o dispositivo legal em causa no sentido em que o fazem os Requerentes – de que a expressão “rendimentos brutos” no n.º 13 do artigo 31.º do CIRS se reporta apenas aos rendimentos sujeitos – equivale a interpretá-lo restritivamente, sem que exista, face àqueles que foram os objetivos que o legislador pretendeu prosseguir com a sua introdução, e que aqui já dissecámos, qualquer evidência que a norma disse mais do que queria dizer.”;

 

- que é “forçoso concluir que os rendimentos sobre os quais incide a percentagem de 15%, para determinação do acréscimo ao rendimento tributável, corresponde à totalidade dos rendimentos auferidos nas prestações de serviços previstas na alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.”;

 

- que “não enfermando os atos aqui impugnados pelos Requerentes de qualquer vício, deve o pedido dos Requerentes ser julgado improcedente, mantendo-se aqueles na ordem jurídica por consubstanciarem uma correta aplicação do direito aos factos.”;

 

- que “(..) as liquidações em causa não provêm de qualquer erro dos Serviços, decorrendo, antes, diretamente da aplicação da lei”, “(p)elo que deverá ser, também, julgada improcedente a pretensão dos Requerentes quanto aos juros indemnizatórios peticionados”.

 

 

1.2. Da legalidade das liquidações de IRS contestadas

 

Tal como decorre do PPA, da Resposta da Requerida e das decisões das reclamações graciosas e do recurso hierárquico, a divergência entre as Partes reside no procedimento a adotar na determinação do quantitativo dos rendimentos líquidos sujeitos a imposto, tendo em consideração o estatuto de ex-residente do Requerente, de acordo com o artigo 12.º-A, do Código do IRS, e as regras de determinação dos rendimentos tributáveis da categoria B, segundo o regime simplificado de tributação, estabelecidas pelo artigo 31.º, do mesmo Código.

 

 

Sendo que o que está verdadeiramente em causa nos presentes autos é determinar sobre que rendimentos incide a percentagem de 15% para determinação do acréscimo ao rendimento tributável a que se refere o n.º 13 do artigo 31.º do CIRS, quando está em causa um sujeito passivo tributado de acordo com o regime fiscal aplicável a exresidentes, previsto no artigo 12.º-A do CIRS, concretamente se tal percentagem deverá ser calculada sobre a totalidade dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo nas prestações de serviços previstas na alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS,  ou  apenas sobre metade desse valor, tendo em conta a exclusão de tributação prevista no artigo 12.º-A do CIRS.  

 

Os Requerentes consideram, em síntese, que o rendimento bruto é 50% dos rendimentos profissionais declarados”, dado que outros 50% já foram excluídos por via da aplicação do artigo 12.º-A”. (vide artigos 19 e 20 do PPA).

 

Já a Requerida entende, em síntese, que os rendimentos sobre os quais incide a percentagem de 15%, para determinação do acréscimo ao rendimento tributável, corresponde à totalidade dos rendimentos auferidos nas prestações de serviços previstas na alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

 

Vejamos:

 

Estabelecia o artigo 12º-A do CIRS, na versão em vigor à data dos factos (artigo aditado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), sob a epígrafe “Regime fiscal aplicável a ex-residentes”, que: 

1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;

c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

Por ser turno, dispõe o artigo 31.º do CIRS, na parte que aqui importa, como segue:  

 

1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:  

(…)

2 - Os sujeitos passivos que obtenham os rendimentos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, após aplicação dos coeficientes aí previstos, podem deduzir, até à concorrência do rendimento líquido assim obtido, os montantes comprovadamente suportados com contribuições obrigatórias para regimes de proteção social, conexas com as atividades em causa, na parte em que excedam 10 % dos rendimentos brutos, quando não tenham sido deduzidas a outro título. 

(…)

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º; 

(…)

13 - A dedução ao rendimento que decorre da aplicação dos coeficientes previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 está parcialmente condicionada à verificação de despesas e encargos efetivamente suportados, acrescendo ao rendimento tributável apurado nos termos dos números anteriores a diferença positiva entre 15 % dos rendimentos brutos das prestações de serviços previstas naquelas alíneas e o somatório das seguintes importâncias: (…)”  

(…)

 

 

O disposto no artigo 12º-A do CIRS consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede.

 

Ora, a questão aqui em apreço foi já objeto de análise por vários tribunais a funcionar no CAAD, nomeadamente nas decisões arbitrais proferidas no processo n.º 168/2021, de 22 de outubro de 2021 e no processo n.º 361/2022, de 20 de abril de 2023. 

 

Por entendermos que a jurisprudência arbitral aí produzida tem manifesta aplicação no caso em apreço e por concordarmos com a aplicação que fazem do direito aos fatos fixados, iremos transcrever as mesmas nas partes relevantes.

 

Na decisão arbitral proferida no processo n.º 168/2021, de 22 de outubro de 2021, pode ler-se:

Consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes

das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre

“50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas.

Não dispondo o Requerente de contabilidade organizada, a determinação dos seus rendimentos profissionais é feita com base nas regras decorrentes do regime simplificado (artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS), constantes do artigo 31.º, do Código do IRS, no qual se prevê o processo de determinação dos rendimentos líquidos da categoria B, em concretização do princípio da tributação do rendimento líquido objetivo, índice da verdadeira capacidade contributiva. Cfr., neste sentido, Paula Rosado Pereira, “Manual de IRS”, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 28 e 29.

Assim é que, exercendo o Requerente uma atividade profissional especificamente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º, do Código do IRS, o seu rendimento tributável da categoria B resulta da aplicação (parcialmente condicionada) do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º, do Código do IRS, à parte do rendimento bruto não excluída de tributação pelo artigo 12.º-A, do mesmo Código, no que ambas as Partes estão de acordo.

Porém, a aplicação do coeficiente de 0,75 a 50% dos rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2019, encontra-se parcialmente condicionada à verificação dos encargos previstos nas alíneas do n.º 13 do artigo 31.º, do Código do IRS, aditado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, acrescendo ao rendimento decorrente da aplicação do referido coeficiente a diferença positiva entre a totalidade dos encargos dedutíveis e 15% dos rendimentos brutos das prestações de serviços a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo.

É, pois, na verificação das condições de aplicação do coeficiente de 0,75 aos rendimentos tributáveis, que reside a discordância entre a Requerida e o Requerente.

Entende a AT que a expressão “rendimentos brutos” a que se refere o n.º 13 do artigo 31.º, do Código do IRS, se reporta à totalidade dos rendimentos profissionais auferidos pelo Requerente; considera este que a mesma expressão se refere apenas aos rendimentos não excluídos de tributação, por força da isenção prevista no artigo 12.º-A, do Código do IRS.

Ora, se, como já se referiu, as normas que consagram benefícios fiscais contrariam os efeitos decorrentes das normas de incidência, constituindo requisito negativo da tributação, os rendimentos brutos sobre os quais incide a percentagem de 15%, para determinação do acréscimo ao rendimento tributável já apurado, não podem ser senão os rendimentos brutos sujeitos a imposto e dele não isentos.

A não ser assim, sempre uma parcela da metade dos rendimentos isentos nos termos do artigo 12.º-A, do Código do IRS, ficaria sujeita a tributação, por via do acréscimo apurado nos termos do n.º 13 do artigo 31.º, deste Código, frustrando a intenção do legislador e o direito do Requerente ao benefício fiscal.

Pelos motivos expostos, procede, nesta parte, a pretensão do Requerente, devendo considerar-se como “rendimentos brutos”, para efeitos de aplicação da percentagem referida no n.º 13 do artigo 31.º, do Código do IRS, apenas 50% dos auferidos no ano a que respeita o imposto, posto que a parte restante se encontra isenta, não contribuindo para a determinação do rendimento coletável.

Determinado o primeiro termo de comparação, ou seja, a parcela do rendimento bruto sobre que deverá incidir a percentagem de 15% a que se refere o n.º 13 do artigo 31.º, do Código do IRS, haverá agora que apurar o segundo termo dessa comparação, a fim de aferir da quantificação do acréscimo dela resultante.

De entre os encargos a que se refere o n.º 13 do artigo 31.º, do Código do IRS, na redação aplicável, interessam à situação dos autos os previstos nas suas alíneas a) e e): 

“Artigo 31.º - Regime simplificado

(…)

13 - A dedução ao rendimento que decorre da aplicação dos coeficientes previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 está parcialmente condicionada à verificação de despesas e encargos efetivamente suportados, acrescendo ao rendimento tributável apurado nos termos dos números anteriores a diferença positiva entre 15 % dos rendimentos brutos das prestações de serviços previstas naquelas alíneas e o somatório das seguintes importâncias:

(…)

Assim, o segundo termo de comparação é, no caso concreto dos autos, constituído pelo somatório dos encargos enunciados nas alíneas a) e e) do n.º 13 do artigo 31.º, do Código do IRS, acrescendo ao rendimento tributável apurado nos termos dos números anteriores do mesmo artigo, a diferença positiva entre aquele somatório e 15% dos rendimentos sujeitos a tributação.

Termos em que procede integralmente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS impugnada, por erro nos pressupostos de direito, decorrente da incorreta interpretação e aplicação das normas dos artigos 12.º-A e 31.º, do Código do IRS.

 

Por sua vez, na decisão arbitral proferida no processo n.º 361/2022, de 20 de abril de 2023, é referido: 

“(…) Mas o que na perspectiva do Tribunal não está correcto na fórmula é o cálculo dos 15% para se determinar as despesas aceites, que deve ser aplicado ao rendimento já expurgado do montante isento e não sobre o rendimento bruto. (Conforme processo arbitral da CAAD número 168/2021, de 22/10/2021 e consultável em www.caad.org.pt).” 

 

Não se olvida que o n.º 13 do artigo 31.º, introduzido pela Lei n.º 114/2017, de 29 de fevereiro, veio condicionar a dedução decorrente da aplicação dos referidos coeficientes à verificação de despesas e encargos efetivamente suportados, evidenciando, como refere a AT, uma preocupação do legislador com a justificação e comprovação de despesas. 

 

Todavia, entende o Tribunal que a argumentação da AT não colhe no sentido da interpretação que faz das disposições legais aplicáveis.    

 

Assim, em jeito de conclusão, entende o Tribunal que: 

 

- A norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é uma norma excecional, na medida em que delimita negativamente os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nos termos e condições ali definidas.

 

- Exercendo a Requerente mulher uma atividade profissional especificamente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º, do Código do IRS, o seu rendimento tributável da categoria B resulta da aplicação (parcialmente condicionada) do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º, do Código do IRS, à parte do rendimento não excluída de tributação pelo artigo 12.º-A, do mesmo Código.

 

- Os rendimentos brutos sobre os quais incide a percentagem de 15%, para determinação do acréscimo ao rendimento tributável já apurado, não podem ser senão os rendimentos brutos sujeitos a imposto (metade) e não a totalidade do rendimentos brutos auferidos.

 

- A não ser assim, sempre uma parcela da metade dos rendimentos não sujeitos nos termos do artigo 12.º-A, do Código do IRS, ficaria sujeita a tributação, por via do acréscimo apurado nos termos do n.º 13 do artigo 31.º, deste Código, frustrando a intenção do legislador e o direito da Requerente ao benefício fiscal.

 

Pelo exposto, acompanhando a fundamentação e o decidido nos mencionados processos arbitrais, e sem necessidade de maiores considerações, entende o Tribunal que a atuação da AT subjacente às liquidações impugnadas relativa ao anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023 enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, decorrente da incorreta interpretação e aplicação das normas dos artigos 12.º-A e 31.º, ambos do Código do IRS.

 

Este vício justifica a anulação parcial das liquidações impugnadas, na parte em que aplicou a percentagem de 15%, paradeterminação do acréscimo ao rendimento tributável apurado, sobre a totalidade do rendimentos brutos auferidos e declarados e não apenas sobre metade dos rendimentos brutos sujeitos a imposto, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento aplicou Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

 

O indeferimento expresso das reclamações graciosas e do recurso hierárquico em questão enfermam do mesmo vício, já que mantêm as liquidações, com os fundamentos que constam dos despachos de indeferimento. 

 

2. Pedido de restituição da quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

Os Requerentes formulam pedido de restituição das quantias arrecadadas em excesso pela Requerida, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

A Requerida não põe em causa o pagamento do imposto, nem os valores menores de reembolso em cada uma das liquidações contestadas pelos Requerentes, limitando-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, com a fundamentação atrás referida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Por isso, os Requerentes  tem o direito de ser reembolsada destas quantias, relativamente a cada um dos anos fiscais, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia total de € 2.858,89.

 

A ilegalidade destas liquidações é imputável à AT, pois emitiu-as por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.

Consequentemente, os Requerentes  tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que os Requerentes efetuaram os pagamentos até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V.        Decisão          

 

De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide o seguinte:

 

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da ilegalidade da liquidações de IRS, relativas aos anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023;

b)    Anular parcialmente estas liquidações de IRS; 

c)     Anular os despachos de indeferimento expresso dos procedimento de reclamação graciosa e do procedimento de recurso hierárquico;

d)    Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas em excesso, no montante de € 2.858,89, e condenar a Administração Tributária a pagar este montante aos Requerentes; 

e)     Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los aos Requerentes, nos termos referidos no ponto IV. 2. desta decisão arbitral;

f)     Condenar a AT nas custas do processo, nos termos do ponto VII desta decisão arbitral. 

 

 

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.858,89, indicado pelos Requerentes sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 17 de setembro de 2025

 

O Árbitro,

 

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado