Sumário:
1. A inscrição no registo de residentes não habituais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.
2. Não tendo o prazo de dez anos (art. 16º, n.º9 do CIRS) ainda se esgotado, o contribuinte pode beneficiar da isenção prevista no art. 81º, n.º6 do CIRS, por aplicação do disposto no art. 329º, n.º2 da Lei n.º2/2020, de 31.03.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
1. Em 18 de fevereiro de 2025 o contribuinte A..., NIF..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 24 de fevereiro de 2025.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 30.04.2025.
5. No dia 30.04.2025 o Tribunal proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
6. A AT apresentou a sua resposta em 03 de junho de 2025.
7. Por despacho de 04.06.2025, o Requerente foi notificado para responder, no prazo de dez dias, às exceções deduzidas pela AT.
8. Por despacho de 07.07.2025 foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e as partes foram notificadas para, querendo, apresentarem as suas alegações no prazo de dez dias.
9. Em 08.07.2025 o Requerente respondeu às exceções deduzidas pela AT.
10. A Requerida apresentou as suas alegações em 31.07.2025.
11. O Requerente apresentou as suas alegações em 05.09.2025
12. Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e anule parcialmente a liquidação de IRS n.º 2024..., e, em consequência, condene a AT no reembolso ao Requerente dos montantes indevidamente pagos e deduzidos, acrescidos de juros indemnizatórios.
I.2. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
1. A questão fundamental em causa prende-se com a necessidade de determinar se, aos rendimentos obtidos pelo Requerente em 2023, é aplicável o regime de tributação dos RNH, na parte relativa à disposição transitória prevista no n.º 2 do artigo 329.º da LOE2020.
2. Considerando o quadro legal à data dos factos, a tributação de acordo com o regime do RNH dependia do preenchimento de dois pressupostos cumulativos:
− Que o contribuinte se torne fiscalmente residente em território português de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS, no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH;
− Que o contribuinte não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos 5 anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH.
3. Verifica-se, assim, que a aplicação do regime dos RNH depende apenas do preenchimento dos requisitos previsto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, e da inscrição como residente em território português, e não, a bem ver, da inscrição enquanto RNH.
4. A inscrição como RNH prevista no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS trata-se pois de uma mera obrigação declarativa.
5. No período compreendido entre 2013 e 2017, o Requerente não residiu em território português, mas sim no Brasil.
6. Dali resulta que o Requerente não foi residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores àquele em que se tornou residente em Portugal (2018).
7. Sendo certo que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal no ano de 2018, i.e., antes da entrada em vigor da LOE2020, e que solicitou a sua inscrição como RNH no prazo previsto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, encontram-se preenchidos os pressupostos previstos naquele regime transitório, termos em que deveria continuar a ser-lhe aplicável o regime previsto no n.º 6 do artigo 81.º do Código do IRS, anteriormente à entrada em vigor da LOE2020.
8. Não tendo o Requerente, atenta a liquidação ora impugnada, sido tributado de acordo com aquele regime, enferma a dita liquidação de vício de violação de lei, devendo assim, por força da respetiva ilicitude, ser parcialmente anulada, aplicando-se aos rendimentos de categoria H de fonte estrangeira obtidos pelo Requerente o método da isenção previsto no n.º 6 do artigo 81.º do Código do IRS, o que se invoca nos termos da alínea a) do artigo 99.º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do artigo 29.º do RJAT.
9. Sendo parcialmente anulado o ato de liquidação de imposto que constitui o objeto destes autos, deverá a soma do montante pago com o montante indevidamente deduzido ser restituído ao Requerente, acrescido de juros indemnizatórios computados à taxa legal, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, contados desde a data em que ocorreu o respetivo pagamento, tanto por pagamento como por dedução, até ao seu integral reembolso.
I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
1. Como taxativamente decorre do PPA, o que o Requerente pretende com a presente lide é que seja aplicado o regime de tributação de residente não habitual na liquidação em crise (benefício cujo direito está a ser discutido em sede judicial).
2. O CAAD tem certamente competência para apreciar outros vícios/erros atinentes à legalidade da liquidação sub judice, mas estando inevitavelmente excluída a “possibilidade de impugnação do ato consequente como o de liquidação do tributo, com fundamento em vícios que atinjam aquele seu ato pressuposto”, e não estando em causa quaisquer outros vícios da liquidação, ter-se-á de concluir pela incompetência material deste tribunal, a qual é aferida pelo pedido do Requerente e causa de pedir em que o mesmo se apoia.
3. A incompetência material configura uma exceção dilatória, que desde já se suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
4. Os mesmos argumentos que sustentam a incompetência absoluta do CAAD supra suscitada aplicam-se mutatis mutandis à impropriedade do meio processual.
5. Ou seja, se a aplicação do regime de RNH, dependente de inscrição obrigatória (como reconhecido pelo STA), é questão que fica a montante da liquidação, só podendo ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, como se viu e como está, de resto, a correr os seus termos junto do TCA Sul, é inquestionável que o presente P.P.A. não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão.
6. Porquanto existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo.
7. Sendo que a verificação do erro se afere em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão, in casu, a aplicação do estatuto de residente não habitual.
8. A impropriedade do meio consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
9. Reconhece o Requerente que interpôs Ação Administrativa, nos termos do CPTA, com vista a condenar a AT a deferir o pedido de aplicação do regime de residente não habitual, a partir de 2018, pelo período de dez anos consecutivos, como previsto na lei, inclusive no ano e liquidação que ora nos ocupa.
10. Pelo que se dirá, os direitos do Requerente estão já acautelados na ação citada, sendo a presente lide inútil, e, inclusive, se afigurar como um uso indevido do processo, nos termos do disposto no artigo 612.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 29.º do RJAT.
11. É evidente e incontroversa a sobreposição, em ambos os processos, de pedido e causa de pedir no sentido de que, em ambos, o Requerente pretende obter o mesmo efeito jurídico com fundamento nos mesmos factos: a tributação na qualidade de RNH.
12. A litispendência constitui uma exceção dilatória cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – artigos. 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 89.º, n.º 4, alínea l) do Código de Processo nos Tribunais Tributários (CPTA).
13. Caso se entenda não existir litispendência, deverá, ainda assim, o Tribunal ordenar a suspensão da instância, nos termos do artigo 269.º nº 1 alínea c) do CPC, porquanto não poderá deixar de se considerar prejudicial a apreciação jurisdicional em curso do pedido de inscrição como RNH, cujos efeitos se projetarão na validade das liquidações subsequentes, mormente na liquidação impugnada na presente ação arbitral.
14. Concluindo, o benefício fiscal só se concretiza anualmente se existir facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e desde que o contribuinte declare e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, e caso o sujeito passivo tenha obtido, a seu pedido, a inscrição como RNH pela verificação dos dois outros pressupostos.
15. Portanto, não beneficiando o Requerente do regime de RNH (estando além do mais a aplicação do regime a ser discutida em sede própria), a liquidação em causa não está ferida de qualquer ilegalidade.
16. Ainda que assim não fosse, como é, e que a posição defendida pelo Requerente tivesse algum suporte legal, o que já vimos não se verificar, resulta claro que o Requerente não preenche os pressupostos para poder ser tributado, em 2023, como residente não habitual.
17. Efetivamente, e contrariamente ao alegado, que se rejeita, o Requerente foi (e não deixou de ser) considerado e tributado como residente fiscal em Portugal nos anos 2013 e 2014.
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O processo é o próprio.
Impõe-se apreciar previamente a tempestividade da resposta às exceções apresentada pelo Requerente, a incompetência material, a impropriedade do meio processual, a litispendência e o pedido de suspensão do processo, o que se fará infra.
III. – MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. O Registo Central de Contribuinte, datado de 29.06.2018, indica que o Requerente está inscrito no cadastro da AT como não residente desde 01.01.2013.
2. Em 2018 o Requerente passou a residir em território Português.
3. Em 27.07.2018 o Requerente solicitou a sua inscrição enquanto residente não habitual (“RNH”), por via eletrónica, no Portal das Finanças, com efeitos ao ano de 2018.
4. O Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento (28.07.2018) do seu pedido de inscrição como RNH, porque:
a) O Requerente consta, como residente fiscal, em declarações de rendimentos de IRS relativamente aos anos de 2013 e 2014; e,
b) O Requerente consta, em declarações de terceiros (Modelo 10/DMR), como tendo obtido rendimentos em Portugal, enquanto residente, relativamente aos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017.
5. Por despacho de 14.09.2018 foi indeferido o pedido de inscrição como RNH.
6. Em 13.03.2019 o Requerente apresentou um pedido de revogação do ato de indeferimento do estatuto de RNH.
7. Por ofício datado de 28.05.2020 o pedido de revogação foi indeferido.
8. O requerente interpôs, em 03.07.2020, recurso hierárquico do despacho de indeferimento.
9. Por ofício datado de 10.03.2021 o recurso hierárquico foi rejeitado.
10. O Requerente intentou uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido no Tribunal Tributário de Lisboa (proc. n.º 1477/21.6 BELRS), onde pediu a condenação da AT a deferir o pedido da sua inscrição como RNH.
11. O Tribunal Tributário julgou a ação intempestiva e absolveu a AT da instância por sentença datada de 20.12.2022.
12. O Requerente recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, aguardando-se pela prolação do Acórdão.
13. O Requerente submeteu declarações Modelo 3 do IRS, como residente fiscal em Portugal, para os anos de 2013 e 2014, tendo a AT efetuada as respetivas liquidações.
14. O Requerente submeteu (20.06.2018) duas declarações substitutivas Modelo 3 relativas a 2013 e 2014, apresentadas como não residente fiscal em Portugal.
15. Estas duas declarações substitutivas foram validadas pela AT em 22.06.2018.
16. Aquando da submissão da declaração de rendimento Modelo 3 de IRS de 2023, o Requerente incluiu o Anexo L, relativo ao “Residente não habitual”, tendo a mesma sido sinalizada pela AT como contendo anomalias.
17. O Requerente apresentou uma declaração Modelo 3 de IRS, referente a 2023, onde desconsiderou a aplicação do regime dos RNH, mas apenas quanto ao seu caso (mantendo-se a aplicação do regime quanto à sua mulher, B...), à qual foi atribuído o n.º ... .
18. Na sequência da apresentação da (nova) declaração de Modelo 3 de IRS, referente a 2023, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2024..., no âmbito da qual se apurou o montante a pagar de € 503,64 e a coleta líquida no valor de € 10.827,64
19. Na declaração (de substituição) apresentada para 2023, o Requerente declarou na primeira linha, do campo A, do quadro 4, do Anexo A, o montante de € 45 934,38, e na primeira linha, do quadro 5, do Anexo J:

III.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.
III.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 19 são dados como assentes pela análise dos documentos 1 a 10 juntos pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral (doravante apenas ppa.), documentos 1 a 8 juntos pela Requerida com a resposta, 35 documentos juntos pelo Requerente no requerimento remetido em 08.07.2025, e pela posição assumida pelas partes.
IV. Do Direito
1. Tempestividade da resposta às exceções
No dia 04 de junho de 2025 o Requerente foi notificado para apresentar, no prazo de dez dias, a sua resposta às exceções deduzidas pela Requerida.
Nos termos do artigo 10.º n.º 4 do RJAT, «Todas as notificações são efetuadas por via eletrónica através do sistema de gestão processual do Centro de Arbitragem Administrativa, devendo este certificar a data da elaboração da notificação, que se presume realizada no 3.º dia posterior ao da elaboração, ou no 1.º dia útil seguinte quando este não o seja, nos termos da lei processual civil, com as devidas adaptações»
O primeiro dia de prazo para a AT responder aos presentes autos teve lugar no dia 11 de junho de 2025. O prazo de resposta é de 10 dias continuados. Porquanto, o prazo para a AT proceder à entrega da sua resposta terminou no dia 23 de junho de 2025.
A Resposta apenas foi entregue no dia 08 de julho de 2025.
Destarte, concluímos que a resposta às exceções foi apresentada pelo Requerente intempestivamente, considerando-se ineficazes os artigos 4º a 69º do referido requerimento.
Admite-se apenas os artigos 1º a 3º do requerimento e todos os documentos juntos no mesmo, porque a sua junção resulta de um pedido formulado pelo Tribunal que os considera necessários para alcançar a verdade material (art. 99º, n.º1 da LGT).
2. Da Incompetência Material – Impropriedade do meio processual
A Requerida invocou na sua resposta a incompetência material do Tribunal Arbitral, uma vez que, no seu entender, o que está em causa é um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual (doravante apenas RNH) para o ano de 2023, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa.
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.
Nos termos do referido artigo, compete a estes tribunais a apreciação das seguintes pretensões:
“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.
A competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos no pedido de pronúncia arbitral. Como se decidiu na Decisão Arbitral proferido no processo n.º 262/2018-T[1], “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.”
O Requerente formula um pedido muito concreto, no qual pede a anulação do ato de liquidação de 2023. Não está, pois, em causa nos presentes autos conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo, como alega a AT.
Na verdade, o Requerente não apresentou o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do ato de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual. Por esta razão, o caso sub judice afasta-se do decidido nos processos do CAAD n.º796/2022 e n.º906/2023[2] e do Ac. do TC n.º 718/2017.
Os Acórdãos n.º 0824/23.9 BESNT (29.05.2024) e n.º 01750/22.6 BEPRT (15.01.2025) do STA não colidem com este entendimento. Cumpre referir, em primeiro lugar, que os Acórdãos citados não apreciam a questão da competência material do CAAD, não se justificando por isso, aqui, a sua invocação.
No caso em apreço, o Requerente impugnou o ato de liquidação, o qual teve por base, entre outros pressupostos, o não enquadramento do Requerente no regime do residente não habitual.
Considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal qual vem exposta no pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de ato de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº1, alínea a) do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela AT.
Por igualdade de razões, estando em causa uma liquidação, improcede igualmente, com os fundamentos supra invocados, a alegada impropriedade do meio processual. O pedido de pronúncia arbitral é o meio processual adequado para sindicar a legalidade de uma liquidação de IRS (art. 10º, n.º2, als. b) e c) do RJAT).
3. Litispendência
A Requerida invoca também a litispendência entre a ação sub judice e a ação que está a correr no Tribunal Central Administrativo do Sul, após recurso entreposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (proc. n.º 1477/21.6 BELRS).
A litispendência constitui exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa – cf. artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º, i), CPC. Trata-se de exceção que deve ser objeto de conhecimento oficioso pelo tribunal e que pressupõe a repetição de uma causa – cf. artigos 578º e 580º, nº 1, CPC
Existe litispendência quando o conflito em discussão nos autos constitui o objeto de outra ação judicial, ainda pendente, devendo tal exceção ser deduzida na que foi proposta em segundo lugar – cf. artigo 582º, nº 1, CPC. Por outro lado, “considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente” ou, em caso de citação efetuada em ambas as ações no mesmo dia, haverá que atender à ordem de entrada das respetivas petições iniciais – cf. artigo 582º, nºs 2 e 3, CPC.
Na base da exceção de litispendência (assim como na exceção de caso julgado) está a ideia de “(…) repetição, que surge quando os elementos definidores das duas ações são os mesmos. A exceção é feita valer na ação que (…) não deve prosseguir (…) além de um objetivo manifesto de economia processual, as exceções da litispendência e do caso julgado visam evitar que a causa seja julgada mais do que uma vez, o que brigaria com a força do caso julgado (…)quando ainda há mera litispendência, trata-se de evitar que duas decisões sejam proferidas ou que se tenha de aguardar o momento em que a decisão seja proferida e transite numa das causas para que a outra seja impedida de prosseguir” – In Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 590
A noção de “repetição da causa” mostra-se consagrada no artigo 581º, CPC, que sob a epígrafe “Requisitos da litispendência e do caso julgado”, dispõe:
“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”
Para que a litispendência seja configurada, é necessária a chamada "tríplice identidade", ou seja, as ações devem ter as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
Cabe-nos agora subsumir a norma ao caso em apreço,
Na presente ação e no processos n.º 1477/21.6 BELRS as partes são as mesmas.
Quanto aos pedidos, na presente ação o Requerente pede a anulação da liquidação n.º 2024... e na outra ação o Requerente pede a condenação da AT a deferir o pedido da sua inscrição como RNH. Assim, não pode afirmar-se a identidade dos pedidos nos termos subsumíveis à litispendência.
Quanto à causa de pedir, no processo n.º1477/21.6 BELRS é a recusa de inscrição do Requerente como residente não habitual alegadamente ilegal; nesta ação arbitral é a liquidação, alegadamente ilegal, de um tributo.Assim, não pode afirmar-se a identidade da causa de pedir nos termos subsumíveis à litispendência.
Como ensina o Prof. Antunes Varela: “Dá-se a litispendência (…) quando se instaura um processo, estando pendente, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objecto, fundado na mesma causa de pedir.” In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª Ed., 1985, pág. 301
Conclui-se, em consequência, que a diversidade das causas de pedir e dos pedidos subjacentes a ambas as ações obsta à verificação da exceção de litispendência, entre a presente e a ação n.º1477/21.6 BELRS a correr no Tribunal Central Administrativo do Sul. Assim, julga-se improcedente a exceção da litispendência.
4. Suspensão
A Requerida, apela subsidiariamente, à suspensão da instância (art. 269º, n.º1, al. c) do CPC), por considerar que o processo n.º1477/21.6 BELRS é prejudicial face à ação sub judice.
O artigo 279.º, n.º 1 do Código de Processo Civil estabelece que o juiz pode ordenar a suspensão de um processo quando a decisão deste dependa do resultado de outro.
Portanto, se os dois processos têm pedidos e causas de pedir distintos, normalmente não se justifica a suspensão com base no artigo 279.º, n.º 1 do CPC.
O regime de residente não habitual (RNH) em Portugal não depende de um ato de reconhecimento pela Fazenda Pública para a sua aplicação. O ato de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem uma natureza meramente declarativa. Ac. do STA de 15.01.2025, proc. n.º 01750/22.6BEPRT Assim, a inscrição como residente não habitual não gera, por si só, uma causa prejudicial à liquidação de impostos.
Face ao exposto, indefere-se, por falta de fundamento legal, o pedido de suspensão da instância.
5. Da questão de fundo
A questão fundamental em causa no presente processo arbitral prende-se com a aferição da legalidade do ato tributário que constitui o seu objeto, à luz dos fundamentos que lhe servem de suporte.
Concretizando, está em causa apurar se aos rendimentos da categoria H, obtidos no estrangeiro pelo Requerente no ano de 2023, será aplicável o regime de tributação dos residentes não habituais.
O regime fiscal do residente não habitual, em sede de IRS, foi introduzido no ordenamento jurídico português pelos artigos 23º a 25º do Decreto-Lei n.º 249/2009 de 23 de setembro, que aprovou o Código Fiscal do Investimento. Posteriormente, através da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, foram revogados aqueles preceitos, passando este regime a constar dos artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.
Dispunha o artigo 16.º do Código do IRS, com a redação em vigor à data dos factos (2023), o seguinte:
“(…)
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.
12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.
(…)”
Sustenta o Requerente que o regime do residente não habitual se trata de um benefício automático que opera quando as meras condições objetivas de residência e de tempo de permanência no exterior, imediatamente reconhecíveis pela AT, estão preenchidas, pelo que não se pode denegar esse estatuto com base no incumprimento do prazo para requerer a inscrição como residente não habitual.
Aquando da emissão do ato de liquidação, a AT já tinha conhecimento de que o Requerente queria exercer a faculdade de tributação como residente não habitual, para o ano de 2023, portanto, não pode invocar o seu desconhecimento como fundamento para se opor à aplicação do estatuto nesse ano.
Por sua vez, entende a Requerida que o regime do residente não habitual é um benefício fiscal sujeito a verificação e reconhecimento da AT.
A Requerida defende que o pedido de inscrição no regime de RH foi apresentado tempestivamente (art. 57º da resposta). Contudo, o Requerente não preenche os pressuposto para ser enquadrado neste regime porque foi considerado residente em Portugal em 2013 e 2014, tendo sido tributado como residente nesses exercícios.
Conclui, assim, a Requerida que “sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo sido tal benefício reconhecido por falta dos pressupostos legais, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação reclamada que sustente o peticionado.”.
Vejamos:
Nos termos do n.º 9 do artigo 16.º do CIRS que acima transcrevemos, “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”.
Mais refere o n.º 8 do citado normativo que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Considerando o quadro legal à data dos factos, a tributação de acordo com o regime do residente não habitual, depende do preenchimento de dois pressupostos cumulativos:
a) Que se torne fiscalmente residente em território português de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como residente não habitual;
b) Que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos 5 anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como residente não habitual.
Resulta, portanto, que o benefício do regime dos residentes não habituais depende apenas do preenchimento dos requisitos do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, e da inscrição como residente em território português, e não da inscrição como residente não habitual.
A inscrição como residente não habitual prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS trata-se de uma mera obrigação declarativa, não sendo, por isso, constitutiva do direito. Este é o entendimento plasmado pela jurisprudência em diversos processos que correram termos pelo CAAD (Proc. n.º 188/2020, 777/2020-T; 815/2021-T e 782/2021-T, 422/2023-T, 146/2024-T, 254/2024-T todos passíveis de consulta em www.caad.org.pt) e em cujos sumários se lê:
“A inscrição no registo de “residentes não habituais”, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.”
No mesmo sentido veja-se o Ac. do STA de 29.05.2024, proc. n.º 0842/23.9 BESNT:
I - Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.
Como resulta do ponto 2 dos factos provados, em 2018 o Requerente passou a residir em território Português. O Requerente em 27.07.2018, entregou o pedido de inscrição como residente não habitual, para 2018 (ponto 3 dos factos provados), entrega essa que ocorreu, no prazo estipulado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS.
Acresce que, a não declaração de forma tempestiva, ainda que não permita que a contribuinte beneficie no regime de residente não habitual nesse exercício, não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual, nos exercícios subsequentes, respeitando-se o limite do prazo de 10 anos a contar da data a partir do ano, inclusive, em seja considerado residente em território português (2021). Neste sentido veja-se o Ac. do STA de 29.05.2024, proc. n.º 0842/23.9 BESNT:
III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018.
Do exposto resulta – em suma – que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeito constitutivo mas, meramente, declarativo, tudo o que, como adiante se verá, será de relevar na solução jurídica a formular no caso concreto.
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Resulta da matéria de facto provada que o Requerente não foi residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores (2013, 2014, 2015, 2016 e 2017) àquele em que se tornou residente em Portugal (2018). Este facto consta do Registo Central de Contribuinte elaborada pela própria AT.
Não obstante o Requerente ter apresentado, num primeiro momento, declarações de IRS relativa 2013 e 2014, como residente, em data posterior, apresentou declarações de IRS substitutivas destes exercícios, como não residente. Estas últimas declarações foram validades pela AT (ponto 15 dos factos provados). Isto significa que o processo de validação foi concluído, sem erros detetados, e estão prontas para liquidação. Deste modo, também a Requerida validou que em 2013 e 2014 o Requerente não era residente em território nacional.
Mais, a seleção errada da opção como residente aquando da entrega do modelo 3 do IRS constitui uma mera obrigação declarativa, não sendo constitutiva de direito. Pelo que, em caso de incumprimento, a consequência será somente um infração suscetível de ser punida pelo artigo 119.º do RGIT.
Resulta também dos factos provados que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal no ano de 2018.
Assim, encontram-se preenchidos os dois pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8 do CIRS de que depende o enquadramento no regime do residente não habitual.
Não tendo, como acima se referiu, o pedido de inscrição como residente não habitual, natureza constitutiva do direito a ser tributado enquanto tal e, cumprindo o Requerente os requisitos materiais de que depende a aplicação daquele regime, sempre deveria o Requerente ser tributada em 2023 de acordo com aquele regime.
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Por fim, cumpre-nos verificar a tributação dos rendimentos da Categoria H (pensões), obtidos no estrangeiro
O art. 81º, n.º6 do CIRS foi revogado pela Lei n.º2/2020, de 31.03, com entrada em vigor em 01.04.2020, e tinha a seguinte redação:
“6 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria H, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
b) Pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.”
Sucede que, o art. 329º, n.º2 da Lei n.º2/2020, de 31.03 prevê o seguinte:
“2 - O disposto nos artigos 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS na redação anterior à introduzida pela presente lei continua a ser aplicável enquanto não estiver esgotado o período a que se referem os n.os 9 a 12 do artigo 16.º do Código do IRS, relativamente aos sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, já se encontrem inscritos como residentes não habituais no registo de contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira ou cujo pedido de inscrição já tenha sido submetido e esteja pendente para análise, bem como aos sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, sejam considerados residentes para efeitos fiscais e que solicitem a respetiva inscrição como residentes não habituais até 31 de março de 2020 ou 2021, por reunirem as respetivas condições em 2019 ou 2020, respetivamente.”
Deste modo, a isenção prevista no art. 81º, n.º6 do CIRS poderá ainda ser aplicada no exercício de 2023 nos termos do art. 329º, n.º2 da Lei n.º2/2020, de 31.03.
Tendo presente que:
- o contribuinte apresentou o pedido de inscrição como residente não habitual em 2018;
- estão preenchidos o pressupostos para o Requerente se enquadrar no regime de RNH , tal como verificámos atrás;
- em 2023, o prazo de dez anos (arts. 16º, n.º9 do CIRS) ainda não se tinha esgotado;
resta-nos analisar, se o contribuinte poderia beneficiar da isenção prevista no art. 81º, n.º6 do CIRS, aplicável por via do disposto no art. 329º, n.º2 da Lei n.º2/2020, de 31.03.
As declarações do contribuinte, no preenchimento do Modelo 3 do IRS, presumem-se verdadeiras (art. 75º, n.º1 da LGT). Analisando a declaração, verificamos que o contribuinte declarou que auferiu rendimentos de pensões (código do rendimento- H01 - que não tem natureza de pensão pública) proveniente do Brasil (pais de origem - 76), tendo pago nesse país pago quantia de €102,51.
À luz do art. 18º, n.º1, al. l) do CIRS estes rendimentos não foram obtidos em território português. Deste modo, nos termos do art. 81º, n.º6, al. b) do CIRS (aplicável por determinação do art. 329, n.º2 da Lei n.º2/2020 de 31.03) devem os rendimentos da categoria H declarados e obtidos no estrangeiro ser isentos de tributação.
Face ao exposto, nos termos das normas citadas, determina-se a anulação da liquidação de IRS objeto da presente ação arbitral e subsequentemente deve ser efetuada uma nova liquidação onde os rendimentos de pensões declarados, com origem no estrangeiro, ser isentos de tributação.
6. Juros Indemnizatórios
O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas sobre o regime residente não habitual e ficou demonstrado que a liquidação de IRS padece de erro de direito imputável à AT, vício para o qual o Requerente em nada contribuiu.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que o Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
V. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular parcialmente o ato de liquidação de IRS n.º 2024..., relativo a 2023;
b) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €10.827,64, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 17 de setembro de 2025
O Árbitro
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(André Festas da Silva)