Sumário:
As normas do n.º 1, parte final, e do n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., com sede em ... ...-..., ... Frankfurt am Main, Alemanha, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), que incidiu sobre os dividendos auferidos em território nacional em 2022, bem como do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra ele deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, sendo sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem estabelecimento estável no país.
A Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, e na qualidade de acionista dessas sociedades, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2022 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, tendo suportado IRC por retenção na fonte, no montante total de € 465.595,38.
No entanto, tais dividendos, se auferidos por um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que entende a Requerente que o tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a sua residência fiscal, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, que é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Neste sentido, no dia 20 de maio de 2024, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 132.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC.
A Requerente nunca foi notificada de qualquer decisão no procedimento, pelo que, decorrido o prazo legal para o efeito, presume-se o indeferimento tácito da reclamação graciosa.
Conclui pela procedência do pedido arbitral mediante a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa e a anulação dos atos tributários de retenção na fonte, bem como pelo reconhecimento do direito à restituição da quantia paga e do direito a juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, em sede de impugnação, refere que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
Resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
No caso, embora os sujeitos passivos de IRC se encontrem excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF, o legislador nacional optou por uma tributação na esfera do Imposto do Selo, tendo sido aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não permite concluir por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois, embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma em IRC, seja em imposto do selo.
E, desse modo, não estamos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho de 10 de abril de 2025, o tribunal arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, por considerar que não existem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.
Entretanto, o tribunal, por despacho de 19 de maio de 2025, notificou a Requerente para informar se os dividendos a que se reportam os actos de retenção na fonte impugnados foram sujeitos a tributação na Alemanha, qual a taxa aplicada, se ao abrigo da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha deduziu o imposto suportado em Portugal a título de retenção na fonte, e, nesse caso, qual o montante de imposto deduzido, e juntar os documentos comprovativos.
Por despacho de 11 de junho de 2025, o tribunal concedeu um prazo adicional de 20 dias para a Requerente prestar a informação e juntar os documentos comprovativos a que se refere o anterior despacho arbitral de 19 de maio de 2025.
A Requerente juntou um documento em 24 de junho de 2025, em resposta ao despacho arbitral de 19 de maio de 2025, e no dia 26 imediato, a Autoridade Tributária foi notificada para se pronunciar quanto a esse documento, nada tendo dito no prazo cominado.
O documento apresentado pela Requerente encontra-se transcrito na alínea H) da matéria de facto.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28 de fevereiro de 2025.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades nem foram suscitadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
B) A Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral).
C) Em 2022, a Requerente era detentora de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal (documento n.º 2):
D) No referido ano, a Requerente, na qualidade de acionista dessa sociedade, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, conforme se discrimina no quadro abaixo (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral):
Ano da Retenção
|
Valor Bruto do Dividendo
|
Data de Pagamento
|
Taxa de Retenção na Fonte
|
Guia de pagamento
|
Valor da retenção (€)
|
2022
|
1 862 381,52
|
28.04.2022
|
25%
|
...
|
465 595,38
|
TOTAL
|
465 595,38
|
E) O quadro que consta da antecedente alínea D) permite discriminar os montantes brutos dos dividendos recebidos, a data de pagamento, a taxa de retenção, o número da guia de pagamento através da qual o imposto retido na fonte foi entregue nos cofres do Estado (documento n.º 3 junto ao pedido arbitral).
F) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de retenção na fonte em 20 de maio de 2024 (documento n.º 4 junto ao pedido arbitral).
G) A Administração Tributária não se pronunciou sobre a reclamação graciosa no prazo legalmente cominado, considerando-se esse pedido tacitamente indeferido em 21 de setembro de 2024.
H) Notificada para informar se os dividendos a que se reporta o acto de retenção na fonte impugnado foram sujeitos a tributação na Alemanha, qual a taxa aplicada, se ao abrigo da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha deduziu o imposto suportado em Portugal a título de retenção na fonte, e, nesse caso, qual o montante de imposto deduzido, a Requerente apresentou documento do seguinte teor:
Prezados Senhores,
Agradecemos o vosso pedido à ... para a descrição das principais características dos fundos UCITS alemães ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE da UE, como o C... (doravante designado por: o Fundo), nomeadamente no que diz respeito à sua situação fiscal relativa a retenção na fonte sobre rendimentos estrangeiros (não alemães, como os portugueses) na Alemanha.
O presente memorando tem como finalidade apoiar o processo arbitral em curso em Portugal, no qual o Fundo reclama a retenção na fonte sofrida em Portugal relativamente ao ano de 2022.
Entendemos que a autoridade fiscal portuguesa requer uma descrição do enquadramento jurídico dos fundos UCITS alemães e do seu estatuto regulatório na Alemanha. Assim, a descrição que se segue aplica-se exclusivamente a fundos UCITS domiciliados e regulados na Alemanha, excluindo-se os Fundos de Investimento Especiais Alemães (Special-AlFs).
Forma jurídica do Fundo
O requerente é um Sondervermogen alemão (património autónomo) nos termos da legislação de supervisão de fundos alemã. Trata-se de um fundo autónomo, de capital aberto, baseado num contrato entre a sociedade gestora, os investidores e o banco depositário. Este tipo de fundo contratual não tem personalidade jurídica distinta na Alemanha, pelo que não é uma entidade legal e não pode ser registado no registo comercial. Não pode ser titular de direitos nem assumir obrigações civis.
As atividades dos fundos de investimento na Alemanha regem-se pelo Código Alemão de
Investimento de Capitais (Kapitalanlagegesetzbuch — KAGB). O Fundo é constituído como fundo UCITS conforme a Diretiva 2009/65/CE relativa aos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (UCITS).
Supervisão do Fundo
O Fundo está sujeito à supervisão da BaFin — Autoridade Federal de Supervisão dos Mercados Financeiros da Alemanha.
Em termos regulatórios, o KAGB prevê autorizações para a sociedade gestora (Kapitalverwaltungsgesellschaft) e autorizações específicas para os contratos que regulam o funcionamento do Fundo, como os contratos com os investidores e com o banco depositário.
Todos os fundos constituídos por uma sociedade gestora alemã devem ser notificados à BaFin, que, com o auditor designado, assegura o cumprimento contínuo das normas de investimento.
Atividades de investimento do Fundo
A sociedade gestora adquire e gere os ativos em seu nome, por conta conjunta dos investidores. De acordo com as regras gerais do fundo, a sociedade gestora tem ampla liberdade de decisão na gestão dos investimentos. O banco depositário é responsável pela guarda dos ativos. A sociedade gestora deve atuar de forma independente do banco depositário e no exclusivo interesse dos investidores.
Os ativos do Fundo incluem predominantemente valores mobiliários, instrumentos do mercado monetário, derivados, depósitos bancários e unidades de outros fundos de investimento. A composição efetiva depende da estratégia de investimento descrita no prospeto do Fundo.
Propriedade do Fundo e dos Investidores
Qualquer investidor pode adquirir unidades do Fundo. As unidades não conferem direitos de voto. Os investidores são coproprietários dos ativos do Fundo, proporcionalmente às unidades detidas, mas não têm direito à sua disposição direta. Apenas a sociedade gestora tem poderes para dispor dos ativos.
Os investidores podem solicitar o resgate das suas unidades a qualquer momento, salvo se esse resgate estiver temporariamente suspenso nos termos do regulamento do Fundo.
Distribuição de lucros
A sociedade gestora decide se os lucros gerados durante o exercício financeiro são distribuídos ou reinvestidos. As distribuições são tributadas ao nível do investidor.
Tributação do Fundo na Alemanha
Como observação preliminar, importa referir que o Fundo em questão não é considerado uma sociedade de pessoas, nem ao abrigo da legislação alemã de supervisão de fundos e direito civil, nem ao abrigo da legislação fiscal alemã. Pelo contrário, segundo o direito regulatório e civil alemão aplicável aos fundos, a estrutura contratual do Fundo — em que os investidores não têm quaisquer direitos de decisão relativamente aos ativos do fundo e, por outro lado, não assumem qualquer responsabilidade além do valor investido — afasta-se dos conceitos habituais de sociedades de pessoas, onde os sócios normalmente detêm plenos poderes sobre os seus ativos e responsabilidade total. O regime fiscal alemão aplicável ao Fundo e aos seus investidores reflete essa natureza não societária, devendo ser caracterizado como um regime sui generis, com muitas semelhanças com o regime fiscal aplicável às sociedades.
Assim, o Fundo não é qualificado como uma sociedade de pessoas e os seus investidores não são considerados sócios para efeitos fiscais na Alemanha.
Pelo contrário, o Fundo é qualificado como sujeito passivo de imposto sobre o rendimento das sociedades, nos termos da Lei Alemã do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades (KStG) — em particular, do artigo 1.º, n.º 1; artigo 6.º, n.º 1; artigo 29.º n.º 1 da Lei do Imposto sobre Fundos de Investimento (InvStG); e artigo 1.º, n.º 1, alínea 5 da KStG. As distribuições efetuadas pelo Fundo aos investidores são tratadas, para efeitos fiscais alemães, como rendimentos de dividendos ao nível do investidor.
Importa ainda salientar que as regras fiscais alemãs aplicáveis aos fundos de investimento
(InvStG) estão contidas numa lei própria, distinta das regras aplicáveis às sociedades de pessoas (cf. artigo 15.º da Lei Alemã do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares — EStG). A InvStG estabelece um regime específico para a tributação de fundos de investimento e não faz remissão para o regime das sociedades de pessoas.
O Fundo em causa, ainda que não tenha personalidade jurídica segundo o direito civil alemão, é reconhecido como sujeito passivo/fiscal autónomo ("Investmentfonds") para efeitos da Lei Alemã do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades (KStG), nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1 da InvStG, bem como do artigo 1.º, n.º 1, alínea 5 da KStG.
Do ponto de vista da legislação fiscal alemã sobre fundos de investimento, todos os veículos de investimento (alemães ou estrangeiros) abrangidos pela InvStG são qualificados como:
- Fundos de investimento do Capítulo 2 (não-transparentes ou opacos), conforme os artigos 6.º e seguintes da InvStG, ou
- Fundos especiais do Capítulo 3 (transparentes), conforme os artigos 25. º e seguintes da mesma lei.
O Fundo em análise é qualificado como um fundo de investimento do Capítulo 2.
Enquanto tal, o Fundo é, em geral, tributado na Alemanha sobre certos rendimentos de fonte alemã, como dividendos ou rendimentos prediais de origem alemã (cf. artigo 1.º, n. 1, alínea 5 da KStG, em conjugação com o artigo 6.º, n.º 2 da InvStG). Esses rendimentos são tributados à taxa de 15% ao nível do próprio fundo do Capítulo 2.
O Fundo não é tributado na Alemanha sobre os seus rendimentos ou mais-valias de origem estrangeira, incluindo dividendos provenientes de Portugal. O imposto retido na fonte em Portugal (ou noutro país) não pode ser deduzido nem creditado contra qualquer imposto alemão devido pelo Fundo.
O Fundo tem direito a solicitar um certificado de residência fiscal às autoridades fiscais alemãs, podendo assim beneficiar das convenções para evitar a dupla tributação, dado que é considerado um sujeito autónomo de imposto sobre o rendimento das sociedades ao abrigo da KStG.
Tributação dos investidores do Fundo na Alemanha
A tributação dos investidores alemães do Fundo depende de dois fatores:
(1) do estatuto fiscal do Fundo ao abrigo da legislação fiscal alemã (ou seja, se é um fundo do Capítulo 2 ou do Capítulo 3);
(2) do tipo de investidor, também de acordo com o direito fiscal alemão.
A tributação de investidores não residentes na Alemanha não segue as regras descritas abaixo, sendo regida pela legislação fiscal do país de residência desses investidores.
O Fundo em questão é um fundo não-transparente (opaco) do Capítulo 2, conforme a Lei Alemã do Imposto sobre Fundos de Investimento (Investmentsteuergesetz — InvStG, artigos 6.º e seguintes).
As distribuições monetárias feitas pelo Fundo (incluindo mais-valias distribuídas geradas ao nível do próprio Fundo) são tributáveis ao nível do investidor residente na Alemanha. Além disso, para evitar a acumulação isenta de impostos de lucros no interior do fundo, aplica-se anualmente um regime de "distribuição fictícia" (por aproximação) ao investidor alemão. Nos termos deste regime, o investidor é tributado todos os anos com base numa distribuição presumida, na medida em que esta ultrapasse a distribuição real em numerário, caso exista (artigo 18.º da InvStG).



O valor anual dessa distribuição presumida é limitado pelo aumento anual do valor líquido dos ativos (NAV) do Fundo. A distribuição fictícia é calculada multiplicando o NAV do Fundo no início do ano por 70% da taxa de juro de longo prazo ("Basiszins") obtida com base num cabaz de obrigações públicas (cf. artigo 18.% n.º 4 da InvStG). Essa taxa "Basiszins" é determinada anualmente pelo Banco Central Alemão. Para o ano de 2022, a Basiszins foi fixada em -0,05% a 1 de janeiro de 2023: 2,55% a 1 de janeiro de 2024: 2,29%. Contudo, a legislação estabelece que a distribuição presumida nunca pode ser negativa. Assim, no ano de 2022, o valor da distribuição presumida foi igual a zero.
No momento da liquidação do investimento no Fundo por parte do investidor — ou seja, quando o investidor vende ou resgata as suas unidades — a mais-valia realizada sobre as unidades do Fundo do Capítulo 2 é tributável ao nível do investidor, sendo deduzido o somatório das distribuições presumidas que lhe tenham sido imputadas durante o período de detenção das unidades.
Contudo, é importante salientar que, em nenhuma circunstância, o investidor alemão de um fundo opaco do Capítulo 2 pode deduzir ou creditar o imposto retido na fonte (WHT) sofrido pelo Fundo sobre os dividendos recebidos (incluindo dividendos provenientes de Portugal), independentemente do tipo fiscal de investidor.
I) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 19 de dezembro de 2024.
Factos não provados
Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, no documento junto pela Requerente em 26 de junho de 2025 e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
5. Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A Autoridade Tributária limita-se a considerar que a situação dos residentes e dos não residentes não são objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido no Processo n.º C-545/19, em reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 93/2019-T, em que se extrai a seguinte conclusão:
O artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
E não pode deixar de se sufragar esse entendimento, que, aliás, vem na linha de anterior jurisprudência do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.
O citado artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
(…)
8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
(…)
10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno mas tenham sido constituídos segunda legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.
A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.
6. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é um organismo de investimento coletivo mobiliário, constituída segundo o direito alemão, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento mobiliário de capital variável heterogeridas, efetuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.
Alega a Requerente, neste contexto, que as normas do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF se tornam incompatíveis com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.
Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do TFUE apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).
O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19de 10 de Abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:
36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).
37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (-).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).
Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis (considerando 74).
E não há motivo para que o tribunal arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial.
Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…) (considerandos 80 e 81).
Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE é a seguinte:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
7. Revertendo à situação do caso, e como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos mobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).
O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.
Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).
De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).
Resta acrescentar que o recente acórdão do STA de 28 de setembro de 2023 (Processo n.º 093/19), tirado em recurso por oposição de julgados entre as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 96/2019-T e 90/2019-T, tomando em consideração o citado acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, uniformizou a jurisprudência no sentido de que a interpretação do artigo 63.º do TFUE é incompatível com o artigo 22.º do EBF, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.
O ato de retenção na fonte realizado em 2022 é assim ilegal por assentar em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, e, consequentemente, é ilegal o ato tácito de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzido.
8. O STA tem entendido, no entanto, que a análise da realidade em apreço depende também da questão da possibilidade de eliminação da dupla tributação internacional, nos termos do disposto na CDT celebrada entre os respetivos países, ou seja, ainda que se conclua pela eventual incompatibilidade entre a liberdade de circulação de capitais e o tratamento diferenciado atribuído a não residentes, importa também indagar se tal situação pode ser neutralizada por via da aplicação da CDT permitindo ao interessado reaver o imposto pago em Portugal.
Nesse sentido, o tribunal arbitral, através do despacho de 19 de maio de 2025, notificou a Requerente para informar se os dividendos a que se reporta o acto de retenção na fonte impugnado foram sujeitos a tributação na Alemanha, qual a taxa aplicada, se ao abrigo da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha deduziu o imposto suportado em Portugal a título de retenção na fonte, e, nesse caso, qual o montante de imposto deduzido, e juntar os documentos comprovativos.
Em resposta, a Requerente juntou o documento que constitui a alínea H) da matéria de facto, e que não foi objecto de impugnação ou discrepância por parte da Autoridade Tributária.
Considerando as explicitações constantes desse documento, não há qualquer evidência de que os dividendos a que se reporta o acto de retenção impugnado foram sujeitos a tributação na Alemanha ou que foi deduzido o imposto suportado em Portugal a título de retenção na fonte, e qual o montante de imposto deduzido e que tenha havido a neutralização do imposto pago em Portugal.
E, desse modo, mantém-se a ilegalidade do ato de retenção na fonte realizado em 2022 por assentar em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE,
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
9. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
No entanto, em caso de retenção na fonte, o erro imputável aos serviços, que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). Tendo havido lugar a indeferimento tácito por não ter sido proferida decisão no prazo de quatro meses a contar da data de apresentação da reclamação graciosa, em 21 de setembro de 2024, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 22 de setembro de 2024.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto tributário de retenção na fonte, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 22 de setembro de 2024, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de retenção na fonte realizado em 2022 que é impugnado, bem como o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra ele deduzido;
b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde 22 de setembro de 2024 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 465.595.38, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 16 de setembro de 2025,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
(relator)
A Árbitro Vogal



Ana Rita Chacim
O Árbitro Vogal
Ricardo Rodrigues Pereira