Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 42/2025-T
Data da decisão: 2025-09-03  IRC  
Valor do pedido: € 2.714.063,74
Tema: Liberdade de circulação - organismos de investimento coletivo - juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO: O art.  22º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo art. 2º do DL 7/2015, de 13/01, quando interpretado no sentido em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os Organismos de Investimento Coletivo (OICs) constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais estabelecida no art.  63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Relatório

 

1.1.Requerente

A... FUND, com sede em ..., Estados Unidos da América, número de contribuinte fiscal americano ... e número de contribuinte fiscal nacional   ..., representado pela sua entidade gestora B..., INC., com sede também em ..., Estados Unidos da América, e nº de contribuinte fiscal americano ... .

1.2- Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2- Tramitação do processo.

2.1 O pedido de pronúncia arbitral deu entrada a 10/1/2025 e, a 13/1/2025, a sua aceitação seria encaminhada para a Requerente e para a Requerida.

2.2. A 17/1/2025, a Requerida seria notificada do pedido.  

2.3 A 20/1/2025, a diretora-geral da AT designaria  seus representantes processuais as juristas  ... e ... .

2.4 A 3/3/2025 , essas nomeações seriam juntas ao processo , como as nomeações da presidente do Tribunal Arbitral Alexandra  Coelho Martins e dos árbitros auxiliares   Sérgio Santos Pereira e António Lima Guerreiro, que entretanto tinham aceite o encargo.

2.5. A 21/3/2025, despacho do presidente do Conselho Deontológico  do  CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral .

2.6. A 25/3/2025, o Tribunal Arbitral notificaria a diretora- geral da AT para , nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, se necessário, requerer prova adicional e enviar o processo administrativo (PA).

2.7 A 6/5/2025, a Requerida juntou a Resposta e o PA.

2.8. A 12/5/2025, o Tribunal Arbitral emitiria o seguinte despacho “Compulsados os autos, constata-se que não há prova testemunhal a produzir e que não foi suscitada, nem identificada, matéria de exceção. Assim, se não se verificar oposição das Partes no prazo de 5 (cinco) dias, determina-se a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). Notifiquem-se ambas as Partes para, querendo, apresentarem alegações simultâneas, fixando-se o prazo de 10 (dez) dias, cuja contagem se inicia após o decurso do prazo de 5 dias referido no parágrafo anterior. A prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até ao termo do prazo para apresentação de alegações e comunicar esse pagamento ao CAAD (v. artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária”.

2.9- A Requerida alegaria a 30/5/2025.

2.10. A requerente não alegaria.

3  Pressupostos relativos ao tribunal e às Partes.

3.1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

3.3. Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do art. 10.º do RJAT e da alínea e) do n.º 1, do art. 102.º, do CPPT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados a partir da notificação do indeferimento expresso da reclamação graciosa, notificado por carta registada RH...PT remetida em 10/10/2024 (v. p. 122 do PRG). O  PPA deu entrada a 10/1/2025, pelo que deve ser considerado tempestivo.

4. Objeto 

É controvertida a legalidade do despacho de indeferimento proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 8/10/2024, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024..., e, bem assim, dos atos de retenção na fonte que constituíram o seu objeto, respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2022, refletidos  nas guias n.º..., n.º..., n.º ..., n.º ... e n.º ..., de abril, maio, junho, setembro e dezembro de 2022, respetivamente, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional identificados nos autos,  no montante global de   € 2.714.063,74.

5. Posição da Requerente.

A Requerente pede a anulação do aludido indeferimento e, mediatamente, a anulação das referidas retenções na fonte, na parte correspondente à aplicação da taxa de 15% sobre os dividendos auferidos em Portugal, invocando, para o efeito, vício de violação de lei por violação do Direito Comunitário e da CRP, por desconformidade dos nº s 1 e nº 3 do art. 22.º do EBF e do nº 4 do art. 87º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no art.  63.º do TFUE, atento o princípio do primado do direito comunitário consignado no nº 4 do art. 8º da CRP.

Pede ainda, a devolução do imposto que considera ter pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do nº 3 do  art. 43º da LGT, com termo inicial de contagem a partir do termo do prazo legal de 4 meses para decisão da reclamação graciosa fixado pelo nº 1 do art. 57º dessa Lei.

Considera a Requerente que a situação de um OIC residente em Portugal é, para este efeito, comparável à de um OIC não residente (cf., neste sentido, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 528/2019-T, n.º 548/2019-T, n.º 926/2019-T, n.º 11/2020-T, n.º 922/2019-T, n.º 68/2020-T, n.º 166/2021-T, n.º 32/2021-T, n.º 215/2021-T, n.º 345/2021-T, n.º 133/2021-T, n.º 214/2021- T, n.º 127/2021-T, n.º 821/2021-T, n.º  593/2021-T, n.º 134/2021-T, n.º 382/2021-T, n.º 368/2021-T e n.º 817/2021-T, n.º 370/2021-T, n.º 623/2021-T, n.º 622/2021-T, n.º 621/2021- T, n.º 734/2021-T e n.º 129/2022-T, n.º 115/2022-T, n.º 620/2021-T, n.º 121/2022-T, n.º 545/2021-T, n.º 624/2021-T, n.º 816/2021-T, n.º 83/2021-T, n.º 746/2021-T, n.º 128/2022-T, n.º 135/2022-T, n.º 116/2022-T, n.º 114/2022-T, n.º 445/2022-T e n.º 663/2022-T.

Entende o Requerente que a legislação nacional de um Estado-membro que faça depender exclusivamente uma exclusão de tributação dos dividendos recebidos da localização geográfica da residência do fundo de investimento que aufere os dividendos, ofende o  princípio da não discriminação em razão da residência, colidindo com a livre de circulação de capitais consagrada no art. 63.º do TFUE. 

O Acórdão  do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 13/09/2023, proferido no proc. n.º 715/18.7BELRS,  reiteraria o entendimento do TJUE, expresso no  proc. C-436/08, referindo que “Esta jurisprudência [comunitária], proferida relativamente a uma OIC de um país Membro da União Europeia, aplica-se manifestamente a uma OIC de um País Terceiro, uma vez que por força do artigo 63.°, n.º 1, do TFUE, a livre circulação de capitais aplica-se tanto aos fluxos de capitais entre Estados-Membros como entre Estados-Membros e países terceiros, sem nenhuma condição de reciprocidade.” 

Segundo o acórdão  do TJUE proc. C-545/19, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICs  a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de  apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação.

O regime consagrado no artigo 22.º do EBF foi introduzido pelo  DL n.º 7/2015, de 13/1,  o qual teria tido por objetivo conferir maior competitividade aos OICs e, por outro lado, eliminar a dupla tributação económica que anteriormente existia quanto ao rendimento pago pelos OIC aos investidores.

No  caso em concreto, a aplicação de regime idêntico  aos OICs não residentes, com a exclusão da tributação dos dividendos auferidos em território nacional, em momento algum põe em causa o propósito de eliminação da dupla tributação económica, mostrando-se, aliás, conforme  a esse objetivo.

Cita ainda a Requerente, quanto ao elemento comparabilidade invocado pela  Requerida para sustentar a compatibilidade com o Direito Comunitário das normas em que se baseou a liquidação impugnada, a Decisão Arbitral  n.º 90/2019-T, segundo a qual  “os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em que Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem das empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas”.

6-Posição  da Requerida

Nega a Requerida que a  Requerente seja um OIC  que cumpra as condições requeridas pela Diretiva 2009/65/CE , que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVMs), facto que  não resulta do Doc. nº 1 anexo à PI, redigido em inglês.

Também  a Requerente  não especificou  o montante das retenções na fonte suportadas que pretende impugnar e os números das guias através das quais foram feita tais entregaspelas entidades pagadoras dos dividendos obtidos em Portugal, 

Com efeito, as  guias de retenção na fonte referidas pela Requerente mencionam um montante total de imposto retido na fonte pelos substitutos tributários com respeito a um determinado período e tipo de rendimentos sem, contudo, discriminarem os beneficiários dos rendimentos.

Das Declarações  modelo 30  destinadas a revelar à administração fiscal os rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes  e respetivas  retenções na fonte constantes, submetidas pelos substitutos tributários C..., com o NIF ... (relativamente a abril, maio, junho, setembro de 2022) e D..., com o NIF ... (relativamente a dezembro de 2022),  constam os seguintes montantes: 

 

Valor Rendimento   

Taxa 

 

Montante do Imposto Retido 

36.165,42€           

15%     

 

5.424,81€ 

711.217,41€        

15%     

 

106.682,61€ 

330.813,70€        

15%     

 

49.622,06€ 

230.211,50€        

15%     

 

34.531,73€ 

93.913,45€   

 

25% 

 

 

23.478,36€ 

 

472.842,06€  

 

25% 

 

 

118.210,52€ 

 

8.991,23€   

 

25% 

 

 

2. 247,81€ 

 

1.765 215,14€  

 

15% 

 

 

264.782,27€ 

 

6.916.032,11€  

 

25% 

 

 

1.729 008,03€ 

 

2.802.922,41€  

 

25% 

 

 

700.730,60€ 

 

222.330,72€  

 

25% 

 

 

55.582,68€ 

 

1.665 219,22€  

 

25% 

 

 

416.304,81€ 

 

791.301,59€  

 

25% 

 

 

197.825,40€ 

 

660.382,39€  

 

25% 

 

 

165.095,60€ 

 

833.238,51€  

 

25% 

 

 

208.309,63€ 

 

1.882.146,28€  

 

25% 

 

 

470.536,57€ 

 

80.476,00€   

 

25% 

 

 

20.119,00€ 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Total:         

 

 

 

 

4.568.492,49€ 

 

 

Todavia, para além dessas declarações é sempre necessária  a prova documental a efetuar pelas entidades pagadoras dos rendimentos como  substitutos tributários que retiveram o imposto na fonte e o entregaram, a qual a Requerente não teria apresentado.

Segundo a Requerida, a argumentação da Requerente reporta-se a duas situações não comparáveis entre si, na medida em que cada uma delas se reporta  a um regime jurídico distinto em que o elemento de conexão residência se implica, por um lado, a exclusão da dispensa de  retenção, também prevê, por outro, a não aplicação da tributação em sede de imposto de selo  a que se encontram sujeitos todos os fundos de investimento residentes em território nacional e que sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional.

Por outro lado, a posição a tomar no presente processo arbitral  deve ter em  conta o disposto na Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/95, de  12/10, da qual resulta para a Requerente a possibilidade de eliminação da dupla tributação jurídica  internacional, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1, do art.º 25º da CDT, bem como da eliminação da própria dupla tributação económica internacional, com o cumprimento das condições vertidas na alínea b), do n.º 1, do art.º 25º da CDT.

Assim, não só o regime legal específico dos fundos residentes se mostra não aplicável à Requerente, por esta ser  OIC não residente, e, enquanto tal não poder, por tal motivo, o Estado da fonte dos rendimentos, Portugal, tributar em sede de imposto do selo o seu ativo global líquido, por via da mesma  taxa fixa, aplicável a todos os OIC residentes, como a eventual incompatibilidade entre a liberdade  de circulação de  capitais e o tratamento diferenciador resulta acrescidamente neutralizada por via da aplicação da CDT que permitirá ao Requerente reaver, nos Estados Unidos, país da sede, o imposto pago em Portugal.

A Requerida considera não provado que os dividendos obtidos em Portugal foram declarados e isentos de tributação no estado de residência, no caso os EUA, de forma a  acionar o crédito de imposto que se encontra previsto na CDT celebrada entre Portugal e o país de residência da Requerente. 

É facto que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre o tema em causa, através do acórdão proferido no processo n.º C – 545/19, no sentido de que  «O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.» 

Todavia, não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável. 

O facto de a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais ser vinculativa para os órgãos jurisdicionais, não afasta a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu. 

É facto que a Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que imediatamente a subordinam e vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada. Como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o nº 2 do  art. 266.º  da Constituição  e  o art. 3º do CPA, aplicável às relações jurídico-tributárias, “ex vi”  da alínea c) do art. 2º da LGT.

 Refira-se também que apenas as  entidades residentes estão sujeitas a tributação autónoma nos termos previstos no art.  88.º do CIRC, tributação que não se aplica à Requerente.

Por isso, sem que seja apurado se o imposto retido à Requerente foi ou não recuperado no país da residência, ou se aí se encontra sujeito a um regime de tributação idêntico ao que estão sujeitos os OIC residentes em Portugal, ou  sem que seja discriminado o imposto que sobre a Requerente incide enquanto residente nos EUA, não é demonstrável qualquer violação dos princípios comunitários invocados, por falta de demonstração  em concreto do carácter discriminatório da norma contida no n.º 3 do art.º 22º do EBF (neste sentido, o Acórdão do STA de  29/02/2012,  proc. n.º 01017/11).  

7. Fundamentação 

7.1 Fundamentação  de facto

7.1.1.Factos Provados

 

7.1.1. 1 A Requerente é qualificada pelo direito americano como companhia de investimento (“Regulated Investment Act”), de acordo com o “Management Investment Act” de 1940, exercendo uma atividade de gestão de ativos idêntica à regulada em Portugal pelo DL nº 27/2023, de 28/4, ativos esses que constituem património autónomos. 

7.1.1.2  É um organismo de investimento coletivo aberto, recolhendo capitais através da venda das suas unidades de participação não apenas nos Estados Unidos como na União Europeia.

7.1.1. 3 Está sujeita à supervisão da  SEC (“Securities and Exchange Comission), à qual cabe regular os mercados financeiros dos Estados Unidos, proteger os investidores e assegurar a transparência e integridade dos mercados de capitais.

7.1.1.4 De acordo com o subcapítulo M do Internal Revenue Code, Código do Imposto sobre o Rendimento dos Estados Unidos, a tributação dos ganhos obtidos pelas companhias de investimento ocorre na esfera dos participantes, aos quais estes são imputados, de acordo com o mesmo regime de transparência aplicável aos OICs nacionais.

7.1.1.5 Em Portugal, no exercício de 2022, a Requerente auferiu dividendos  da E... SA, F... SGPS SA, G... SA, H..., SGPS, SA, I... SGPS SA, J... SGPS SA, K... SA, L... SA, M... SGPS SA, N... SA, O... SA, P..., sociedade de investimento SA.

7.1.1 6 O risco do negócio é partilhado entre os investidores.

7.1.1.7 Sobre esses dividendos recaiu retenção na fonte à taxa de 15 % , nos termos do art. 94º do   CIRC  e do art. 10º da  CDT entre Portugal  e os Estados Unidos, deduzido por essas entidades nos dividendos entregues à Requerente

7.1.1.8. Na  declaração de rendimentos do exercício de 2022, cujo período decorreu entre 1/11/2022 e 31/10/2023, no Campo correspondente (Schedule J), a Requerente  não indicou  qualquer valor de imposto suportado em Portugal que pudesse deduzir  no país da sede.

 

7.1.2.Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

7.1. 3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada e a convicção ficou formada pelo Tribunal Arbitral com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.  

Sobre a atividade desenvolvida pela Requerente e as suas características foram também tidos em consideração os prospetos constantes do procedimento de reclamação graciosa (v. PA). 

Em relação aos dividendos e às retenções na fonte, a Requerente identificou as sociedades distribuidoras/pagadoras dos mesmos, o respetivo valor (de dividendos e de retenções) e os números das guias de pagamento apresentadas pelos substitutos tributários, pelo que não se verifica qualquer fundamento para a sua não aceitação. A circunstância de as guias de pagamento entregues pela entidades registadoras e depositárias, do grupo Q..., conterem valores superiores de retenções da fonte não inquina a sua força probatória, pois, além da Requerente, essas entidades agem como custodiantes para diversos clientes, pelo que compreendem outras operações. Problemático seria se o seu valor fosse inferior. Adicionalmente, ao contrário do que afirma a AT não é “impossível” confirmar os valores, podendo-o ter feito mediante o uso das suas prerrogativas de autoridade. Se tal não sucedeu, sibi imputet, não tendo sido especificado qualquer indício ou motivo passível de abalar os documentos em causa e o seu teor, nem se vislumbrando a necessidade de prova documental adicional.

Em relação ao facto de a Requerente não ter obtido crédito de imposto sobre o rendimento no Estado da sua residência, o mesmo está patente na declaração de imposto sobre o rendimento junto aos autos. Isto, sem prejuízo de tal circunstância, em rigor, não ser relevante para a decisão de mérito.

7.2 Direito aplicável

A posição da Requerente é apoiada pela unânime jurisprudência do  CAAD citada, a que acrescem as posteriores Decisões  Arbitrais nºs 11/2023-T, 595/2023- T, 777/2023- T, 619/2023- T, 638/2023-T, 840/2023- T, 8997/2023-T 1003/2023- T 1387/2024-T, 1391/2024. 2/2025-  T,  70/2025- ., 7172025- T, 80/2025- T, 82/2025-T, 116/2025- T, 154/2025-T e 208/2025- T, entre outras menos recentes.  Segundo essa jurisprudência baseada no acórdão do TJUE no proc. C-545/19, de 17/3/2022, amplamente citado pelas partes,  o art. 63.do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a OICs residentes estão isentos dessa retenção. 

No mesmo sentido é a também jurisprudência do STA a partir do acórdão uniformizador de jurisprudência  de 13/9/23, no proc  715/18.7BELRS, entendimento posteriormente reiterado, designadamente (e entre muitos outros) nos acórdãos de 8/5/2024, procs. 0802/21.4BELRS, 0875/21.0BELRS e de 24/2/21.7BELRS, de 29/5/2024, procs. 755/19.9BELRS e 806/21.7BELRS, de 5/6/2024, proc.  757/19.5BELRS, de 3/7/2024 procs. 758/19.3BELRS, 760/19.5BELRS e 2467/21.4BELRS de 12/2/2025, proc. 0727/19.3BELRS.

 

Essa doutrina não é de aplicação exclusiva aos OICs sediados na União Europeia, mas é extensiva aos OICs de países terceiros, incluindo dos Estados Unidos. No mesmo sentido, em processos cujo teor das conclusões das alegações e contra-alegações é, pelo menos essencialmente  idêntico ao discutido no  presente processo arbitral, veja-se o acórdão proferido em 11/07/2024, processo nº 1681/20.4BELRS, o qual remete para o já referido proc. nº 715/18.7BELRS, bem como os acórdãos de 12/2/2025, proc. 0727/19.3BELRS, 2/4/2025, proc. 0805/9 BELRS 2/7/2025, proc. 01665720.2BELRS, relativos a OICs de direito norte-americano.

 

Considera a Requerida a legitimidade da Requerente depender da prova documental a efetuar pelas entidades pagadoras dos rendimentos como  substitutos tributários de terem entregue nos cofres do Estado o imposto que retiveram  na fonte à Requerente.

Não bastaria, assim,  para justificar a legitimidade da Requerente a mera dedução na fonte de IRC  nos dividendos, sem cumulativamente necessária a demonstração da entrega nos cofres do Estado  desse IRC, facto que não depende da Requerente, mas da vontade do retentor.

Essa exigência colide com o nº 1 do art. 28º da LGT , que dispõe:

“1 - Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - Quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.  

3 - Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efetivamente o foram”.

A legitimidade da Requerente resulta, assim, diretamente da retenção na fonte efetuada pelo substituto tributário, não sendo relevante se o imposto retido foi ou não entregue por este nos cofres do Estado. Caso não tenha sido entregue, a administração fiscal dispõe do poderes necessários para liquidar adicionalmente o IRC ao substituto tributário e, se for caso, disso instaurar o competente processo de execução fiscal, não se  vislumbrando qualquer fundamento legal para transferir esse encargo para o substituído (Decisão Arbitral nº 1226/2024-T). Os requisitos da impugnação da retenção na fonte vêm enunciados no art. 132º do  CPPT, cujo nº 4 não faz depender  a legitimidade do substituído tributário da prova que o substituto não apenas deduziu o imposto como o entregou ao Estado.

Alega a Requerida que a administração fiscal não pode deixar de aplicar as normas legais que imediatamente a subordinam e vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade. Como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o nº 2 do  art. 266.º  da Constituição  e  o art. 3º do CPA, aplicável às relações jurídico-tributárias, “ex vi”  da alínea c) do art.2º da LGT.

O princípio da legalidade a que a Administração está subordinada não incorpora, no entanto, apenas  as normas da direito nacional, como parece resultar da posição da Requerida, mas também as normas de direito internacional que vinculam o Estado português.

Abrange assim, nos termos dos nºs 3 e 4 do art. 8º da CRP, não apenas as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte como as disposições dos tratados da União Europeia e as normas emanadas das suas instituições no exercício das respetivas competências, as quais são aplicáveis na ordem interna nos termos definidos pelo Direito da União,  de acordo com um princípio da receção automática.  

As normas de direito interno incompatíveis com as disposições dos tratados internacionais, os regulamentos comunitários e as disposições das diretivas com efeito direto são, assim, ineficazes, independentemente de qualquer declaração da sua inconstitucionalidade ou ilegalidade com carácter geral pelo Tribunal Constitucional. Não apenas os tribunais nacionais não as podem aplicar, como a própria administração pública, nacional, regional ou local, o não deve fazer, sem aguardar qualquer declaração judicial de ilegalidade ou inconstitucionalidade, que é a jurisprudência do TJUE desde o acórdão no proc. nº 103/88.

A administração fiscal portuguesa está, assim, diretamente vinculada ao art. 63º do TFUE, que prevalece sobre qualquer interpretação do nº 3 do art. 22º do EBF, entre as várias possíveis, derrogatória do princípio da liberdade de circulação de capitais, que teria sempre  efeito discriminatório quando excluísse OICs abertos que, embora não formalmente constituídos de acordo com o direito nacional harmonizado ou com o direito comunitário, tenham as mesmas caraterísticas de transparência e abertura que justificam a sua regulação por autoridade independente.

Sobre a pretensão de pagamento dos juros indemnizatórios, de acordo com o que foi  dito, é aplicável o acórdão do STA de 28/5/2025, no proc  n.º 78/22.6BALSB Pleno da 2.ª Secção, Diário da República n.º 130/2025, Série I de 2025-07-09 que uniformizaria  a Jurisprudência nos seguintes termos: «Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia, e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respetiva nota de crédito». 

 

VI. DECISÃO

Em face do supra exposto, decide-se julgar a ação procedente e:

a)    Anulam-se os atos de retenção na fonte impugnados, respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2022, refletidos  nas guias n.º ..., n.º..., n.º..., n.º ... e n.º ..., de abril, maio, junho, setembro e dezembro de 2022, respetivamente, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional identificados nos autos,  no montante global de  € 2.714.063,74; e

b)    Anula-se o despacho de indeferimento proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 8/10/2024, no âmbito do procedimento  de reclamação graciosa n.º ...2024..., relativo aos atos de retenção na fonte acima identificados;

c)    Condena-se a AT no pagamento de juros indemnizatórios contados a partir de 26 de agosto de 2024, data-limite em que a AT devia ter decidido a reclamação graciosa. 

 

VII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.714.063,74., nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VIII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 34 884,00 (trinta e quatro mil oitocentos e oitenta e quatro euros) a suportar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e art. 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 3 de setembro de 2025.

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

António de Barros Lima Guerreiro, Relator

 

Sérgio Santos Pereira