Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 33/2025-T
Data da decisão: 2025-09-17  IRS  
Valor do pedido: € 3.414,15
Tema: Ónus da prova – Declaração de substituição – Troca de informações internacionais
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SUMÁRIO

 

1.     Não pode constituir fundamento de impugnação a liquidação que resulta de apresentação de declaração de substituição apresentada em resultado de notificação da AT solicitando a regularização de declaração anteriormente apresentada.

2.     A liquidação emitida em resultado dessa declaração de substituição não constitui liquidação oficiosa, não estando a AT obrigado a um especial ónus da prova como se fosse esse o caso.

3.     As informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, fazem fé, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1 A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ... n.º..., ...-... Silves, na qualidade de Herdeira e Cabeça de Casal da Herança de B..., apresentou, em 08-01-2025, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de IRS, com a nota de liquidação com o n.º 2024..., no valor de de 3.016,48 €, acrescido de juros compensatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-01-2025.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular que comunicou a aceitação da sua designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 03-03-2025 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 21-03-2025.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

3.5. Por não terem sido suscitadas quaisquer excepções e a questão de direito estar perfeitamente delimitada, por despacho de 20-05-2025, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende a Requerente a intervenção do tribunal arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2024..., no valor de de 3.016,48 €, acrescido de juros compensatórios,por considerar não estar a mesma fundamentada, invocando em suma:

- A Requerente foi notificada pela AT, enquanto Cabeça de Casal da Herança de B..., falecida em 10/04/2022, da necessidade de entregar declaração de rendimentos de IRS, com os rendimentos da Categoria “H” – Pensões, pagas pelo Estado da França e também por Portugal, referentes ao ano de 2020.

Tendo sido emitida a nota de liquidação com o n.º 2024..., com o valor de imposto a pagar de 3.016,48 € (três mil e dezasseis euros e quarenta e oito cêntimos), acrescido de juros no montante de 397,67 € (trezentos e noventa e sete euros e sessenta e sete cêntimos).

O acto tributário controvertido enferma de ilegalidade, por violação do ónus da prova.

Recai sobre a AT o ónus de provar os factos considerados como pressupostos e condição do acto impugnado e, designadamente, competia à AT provar que a mãe da Requerente, de facto, auferira ema França os rendimentos que lhe imputa.

A AT limitou-se a repetir a informação que lhe havia sido prestada pelas autoridades tributárias na França, sem qualquer fundamentação ou prova.

Era dever da AT solicitar as informações necessárias para determinar os rendimentos auferidos pela mãe da Requerente em França, ao invés de concluir pela existência destes, sem qualquer facto concreto subjacente e demonstrável ou documento que os comprove.

O direito à liquidação adicional tem de assentar em evidências da sua sujeição a imposto e do valor devido em conformidade com a lei interna.

Pelo que, até prova em contrário, deverá valer os valores apresentados pela Requerente na sua declaração de rendimentos.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:

            - Na sequência de pedido da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares  (DSIRS) foi reencaminhado para os Serviços a 2024/09/17, no caso, para o SF de Silves (...), o qual procedeu, em conformidade com o pedido da DSIRS, notificOU a contribuinte A... (NIF: ...), na qualidade de Cabeça-de Casal da herança de B... (NIF: ...), através do oficio nº ... de 2024/09/19, enviado através de correio registado (RF...PT) com aviso de receção, informando da falta de declaração e para regularizar a situação.

            A Requerente interagiu com a AT através do Portal das Finanças, via E-balcão, tendo, a final, informado ter submetido declarações de substituição de IRS.

            No ‘Sistema Integrado de Troca de Informação (SITI), encontram-se disponíveis os dados relativos a rendimentos de pensões de fonte francesa respeitantes aos anos de 2015 a 2022, transmitidos à AT ao abrigo da Diretiva de Cooperação Administrativa n.º 2011/16/EU.

            Relativamente ao ano em causa nos autos (2020), a autoridade fiscal francesa comunicou um total de € 17.594,00, referentes a rendimentos de pensões.

            As mencionadas declarações de rendimentos foram entregues voluntariamente pela Requerente, na qualidade de Cabeça-de-Casal da herança de B..., com base na informação prestada pelo SF de Silves.

            Ou seja, não se trata de declarações oficiosas submetidas pelos Serviços.

            O acto tributário não enferma da ilegalidade que a Requerente lhe assaca por violação do ónus da prova.

Conclui, pois, a Requerida no sentido de se dever manter o acto em causa.

 

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. Não foram invocadas excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

 

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a)     Na sequência de pedido formulado à Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS), remetido à Direcção de Finanças de Faro e por esta ao Serviço de Finanças de Silves, este último notificou a Requerente, através do ofício nº ... de 19-09-2024, remetido por correio registado com aviso de receção, com o seguinte teor: 

“… relativamente à contribuinte B..., NIF ..., falecida em 10-04-2022, esta contribuinte obteve rendimentos da Categoria “H” – Pensões, pagas por França e também por Portugal.

Para regularizar a situação deverá ser entregue a declaração, no site do Portal das Finanças…”.

b)    Em resposta a tal ofício, a Requerente apresentou, em 05-10-2024, através do “E-balcão”, a seguinte exposição:

“Exmos Senhores Tenho presente a v/ notificação, (doc. em anexo) para apresentar modelo 3 do IRS referente ao ano 2020 da minha falecida mãe B..., nif...; Como não tenho dados suficientes para submeter a declaração, nomeadamente valores das pensões recebidas, das despesas com saúde e lar de idosos, preciso da v/ ajuda para pelo menos poder obter uma senha da AT que me dei acesso ao Portal e assim poder tentar regularizar a situação de acordo com a Lei Fiscal.

Como V. Exas compreenderão, considerando esta situação extraordinária devida ao falecimento da contribuinte em falta e sendo a signatária notificada na qualidade de cabeça de casal na herança, torna-se indispensável compilar todos os dados para submeter as declarações do IRS, não só relativamente ao ano 2020, mas também dos anos 2021 e 2022, sendo este o da data do falecimento”.

c)     O Serviço de Finanças de Silves respondeu a tal pedido, em 11-10-2024, dando informações relativamente ao preenchimento de declaração de substituição.

d)    Em resposta ao que a Requerente, através do “E-balcão”, apresentou, em 15-10-2024, nova exposição, nos seguintes termos.

- “Em primeiro lugar expresso o meu agradecimento pela v/ colaboração e informação prestada. Aproveito para vos comunicar que acabei de submeter as declarações modelos 3 do IRS dos anos 2020-2021 e 2022 com base nos dados que gentilmente me forneceram, com referência à minha falecida mãe B... nif – ...”.

e)     Da declaração de substituição apresentada pela Requerente, relativa ao ano de 2020, consta no Anexo J – Rendimentos Obtidos no Estrangeiro, como rendimento de pensões o valor de 17.594,00 €.

f)     A AT dispunha no “Sistema Integrado de Troca de Informações – SITI”, relativamente aos anos de 2015 a 2022, dados transmitidos pela autoridade fiscal francesa, ao abrigo da Directiva de Cooperação Administrativa n.º 2011/16/EU do Conselho, de15-02-2011, donde constavam rendimentos de pensões pagos à contribuinte no valor total de 17.594,00 €, no ano de 2020.

g)    Na sequência da apresentação da declaração de substituição foi a Requerente notificada da nota de liquidação de IRS n.º 2024..., com imposto e juros compensatórios a pagar no valor global de 3.414,15 €.

 

B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

- Matéria de Direito

 

A questão controvertida reside em determinar se a AT não fundamentou, de facto, a liquidação de IRS impugnada.

Alega em seu apoio a Requerente que recai sobre a AT o ónus de provar os factos considerados como pressupostos e condição do acto tributário, e, no caso sub judice, competia-lhe, de modo específico, provar que a mãe da Requerente, de facto, auferira na França os rendimentos que lhe imputa.

O que não terá feito, tendo-se limitado a repetir a informação que lhe havia sido prestada pelas autoridades tributárias na França, sem qualquer fundamentação ou prova

Um primeiro esclarecimento se impõe.

A liquidação contestada não tem por base qualquer liquidação oficiosa, mas, pelo contrário, resultam de declaração de rendimentos apresentada pela Requerente.

Não têm, pois, qualquer fundamento as considerações que a esse propósito se fazem no requerimento inicial. Designadamente quando se invoca o n.º 1 do artigo 75º da LGT quando determina que “as declarações dos contribuintes devem ter-se por verdadeiras e de boa-fé”.

Aliás, se a Requerente entendia que a declaração de rendimentos - que voluntariamente apresentou – assentava em erro, poderia ter apresentado nova declaração de rendimentos que anularia a anterior.

Não pode é vir invocar falta de fundamentação do acto tributário que resulta exclusivamente da sua própria declaração.

Acresce que, na sequência dos ofícios e informações prestadas pela AT, a Requerente aceitou-as como correctas, não os tendo contestado e, mais do que isso, apresentou voluntariamente declaração de rendimentos.

A AT limitou-se a processar a liquidação de imposto na sequência dessa declaração, o que está em linha com o alegado pela Requerente no art.16º do seu articulado: “Pelo que, até prova em contrário, deverá valer os valores apresentados pela Requerente na sua declaração de rendimentos”.

Reitera-se, isso é o que a liquidação impugnada demonstra.

As questões que a Requerente invoca poderiam, eventualmente, ter cabimento no caso de a liquidação resultar de uma liquidação oficiosa promovida pelo facto de a declaração de IRS apresentar não conter valores que a AT entendia dela deverem constar (no caso, as pensões obtidas no estrangeiro).

Diga-se, de qualquer modo, que, do mesmo modo, a pretensão da Requerente estaria votada ao insucesso.

É um facto que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 74º da LGT “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Determinando ainda o artigo 76º, nos seus n.º 1 e 4, o seguinte:

“1 - As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.

4 - São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado”.

Ora, a prova que a AT invocaria para promover a eventual liquidação oficiosa assentaria precisamente na troca automática internacional de informações, em cumprimento da Directiva de Cooperação Administrativa e, mais concretamente, nos dados transmitidos pela autoridade fiscal francesa.

Informação factualmente circunstanciada, identificando as entidades pagadoras dos rendimentos.

Competiria, por isso, à Requerente contrariar, comprovadamente, tais informações.

Não pode é pretender inverter as regras do ónus da prova.

Sem necessidade de mais considerandos, se conclui que o pedido da Requerente deve improceder.

 

DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)    Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado

b)    Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 3.414,15 € (três mil quatrocentos e catorze euros e quinze cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. 

 

Lisboa, 17-09-2025

 

 

O Árbitro 

 

 

 

(António A. Franco)