Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 86/2025-T
Data da decisão: 2025-09-16  IRS  
Valor do pedido: € 17.333,55
Tema: IRS. Mais-valias imobiliárias. Valor de aquisição a título gratuito.
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SUMÁRIO:

 

– Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, o facto tributário gerador de rendimentos de mais-valias, é a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, considerando-se obtidos os ganhos respetivos no momento da alienação (elemento temporal).

 

II – Decorre dos objetivos que regeram a reforma da tributação do património, de ter sido promovida uma avaliação geral dos prédios urbanos e, segundo o princípio do “tempus regit actum”, que o valor de aquisição a considerar para efeitos do cálculo das mais-valias realizadas, seja o constante da matriz predial à data da produção do facto tributário (alienação).

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

A..., com o NIF ... e residente em ..., n.º ..., ...,  ..., Rio de Janeiro (doravante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mº Presidente do CAAD em 22 de janeiro de 2025 e notificado à AT em 27 de janeiro de 2025 e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

 

A. Objeto do pedido:

O Requerente pretende seja declarada a ilegalidade, com a consequente anulação parcial, do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2023..., referente aos rendimentos do ano de 2022, no montante de € 34 667,11, assim como do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2023..., que o teve por objeto.

 

O Requerente, que aderiu a um plano de pagamento em prestações do imposto liquidado, pede igualmente a restituição do indevido, acrescido de juros indemnizatórios.

  

 

B. Fundamentação do pedido:

O pedido de pronúncia arbitral funda-se nos factos e argumentos que, sucintamente, se enunciam:

1.   A reclamação graciosa apresentada incidia sobre duas questões, i) Da ilegalidade da liquidação de IRS (e do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS) por violação do n.º 1 do artigo 63.º do TFUE; e ii) Da ilegalidade do valor de aquisição considerado para cálculo da mais valia.

2.   A Autoridade Tributária concedeu provimento ao primeiro argumento, mas não ao segundo.

3.   Nestes termos o pedido de pronúncia arbitral incidirá, principalmente, sobre a questão da ilegalidade do valor de aquisição considerado para o cálculo da mais-valia.

4.   O Requerente, residente no Brasil, adquiriu, na qualidade de herdeiro por óbito de sua mãe, em junho de 1998, 12,50% de uma fração autónoma de prédio urbano em regime de propriedade horizontal e, posteriormente, por óbito de seu pai, em setembro de 1998, 20,83% da mesma fração autónoma.

5.   Desta forma, o Requerente ficou proprietário de 33,33% da fração autónoma, em conjunto com os seus dois irmãos.

6.   Em 22 de fevereiro de 2022, o Requerente, juntamente com os seus irmãos, procedeu à alienação da referida fração autónoma, pelo preço total de € 375.000,00, tendo submetido declaração modelo 3 de IRS, em cujo anexo G declarou a transmissão da sua quota parte na mesma.

7.   Com base na declaração apresentada, a Autoridade Tributária fixou o rendimento global do Requerente em € 123.621,46, sendo possível concluir que a totalidade da mais-valia realizada foi sujeita a tributação, à taxa de 28%, tendo-se considerado como valor de aquisição da fração autónoma o constante da matriz à data dos óbitos - circunstância que, como veremos, reveste a maior ilegalidade.

8.   Por forma a evitar a instauração de quaisquer processos de execução fiscal, o Requerente requereu o pagamento a prestações do imposto alegadamente devido - pretensão que foi aceite através do plano de pagamento n.º 2023.... .

9.   A referida liquidação foi objeto de reclamação graciosa, que correu termos sob o número ...2023..., tendo conhecido decisão, comunicada ao Requerente através de ofício de 16.10.2024.

10.              A Autoridade Tributária, em relação à reclamação graciosa apresentada, deu razão ao Requerente no que diz respeito à ilegalidade da tributação sobre a totalidade da mais-valia, mas manteve o valor de aquisição da fração autónoma o constante da matriz à data dos factos.

11.              O Requerente não pode concordar com a posição da Autoridade Tributária pelos seguintes motivos:

a.   Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS, o rendimento apurado como mais-valia corresponde à dedução, ao valor de realização da fração autónoma, dos valores (i) de aquisição, atualizado pelo coeficiente de desvalorização da moeda e (ii) de despesas e encargos.

b.   Prevê a alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS que “[p]ara a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito: a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo” - sendo este o artigo especificamente aplicável in casu, considerando estar em causa uma aquisição gratuita da fração autónoma, por morte da mãe e pai do Requerente.

c.   Remetendo aquela disposição para o Código do Imposto do Selo (“IS”), importa agora atentar ao artigo 13.º desse diploma, o qual prevê, no seu n.º 1, para o caso das transmissões gratuitas, que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”.

12.              Ora, na liquidação identificada, foi considerado pela Autoridade Tributária, como valor de aquisição, o inscrito na matriz predial com referência a 1998 - o qual, conforme referido, não reflete o valor da fração autónoma à data - e não, como deveria ter sucedido, o valor calculado nos termos do Código do IMI, como vem sendo aceite pela jurisprudência e pela doutrina.

13.              O n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, na redação em vigor à data dos factos, determinava que “enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos Já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor”.

14.              O disposto no artigo citado aplica-se a todas as transmissões gratuitas ocorridas até 31 de dezembro de 2011, como sucede no caso concreto, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro e, bem assim da alínea a) do n.º 2 do artigo 27.º do citado Decreto-Lei n.º 287/2003.

15.              Razão pela qual se conclui que, não tendo o VPT constante da matriz à data do óbito da mãe e do pai do Requerente sido determinado nos termos do Código do IMI, não pode ser esse valor considerado pela Autoridade Tributária como valor de aquisição para efeito do cálculo de mais-valias, mas antes o resultante da primeira avaliação nos termos do IMI após a data do óbito;

16.              No caso concreto, a primeira avaliação da fração autónoma, efetuada nos termos do Código do IMI, após a transmissão gratuita, foi a avaliação geral dos prédios urbanos, ocorrida em 2012, sendo que o VPT calculado à data (i.e., € 87.890,00/ 3) é o que deverá relevar para efeitos de valor de aquisição da fração autónoma.

17.              Motivo pelo qual deverá o ato de liquidação de IRS ser parcialmente anulado, por ilegal, nomeadamente no que concerne à violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS e, bem assim, do n.º 1 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo.

         

         

        C. Da resposta Requerida: 

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, através do despacho arbitral de 31 de março de 2025, a AT apresentou, em 8 de maio de 2025, a sua Resposta e fez juntar o processo administrativo, indicando, a título prévio, que no seguimento

do deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2023..., foi elaborada, em 07 de novembro de 2024, uma declaração oficiosa que originou a liquidação n.º 2024..., com montante a pagar de €17.333,55.

 

            Defende a AT a legalidade do apuramento da matéria tributável de mais-valias, na origem das liquidações inicial e corretiva, com os seguintes fundamentos:

 

1.   O Requerente, residente no Brasil, alienou em 22/02/2022, por € 125.000,00, 1/3 do direito de propriedade sobre o prédio urbano adquirido em dois momentos distintos, a saber:

a.   3/24 em 20/06/1998, por óbito de sua mãe, sendo que nesta data o VPT do imóvel era de € 2.135,05;

b.   5/24 em 18/09/1998, por óbito de seu pai, sendo que nesta data o VPT do imóvel era de € 2.135,05.

2.   A declaração Modelo 3, de IRS, referente aos rendimentos auferidos pelo Requerente em 2022, entregue em 2023-07-14, originou a liquidação n.º 2023... no montante total a pagar de € 34.667,11.

3.   O Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a aludida liquidação, invocando vício de violação de lei, por: a) Sujeição a IRS, pelo seu valor integral, da mais –valia imobiliária obtida pelo sujeito passivo no ano de 2022, sem que lhe tenha sido permitido excluir de tributação 50% desse valor, tal como acontece com os residentes fiscais em território nacional; e b) Ilegalidade do valor de aquisição considerado pelo cálculo da mais-valia imobiliária, face ao regime transitório do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

4.   Em 18/10/2024, a aludida Reclamação Graciosa foi objeto de decisão de deferimento parcial, notificada ao Requerente, através do seu mandatário, através de ofício de 31/10/2024.

5.   A decisão da AT deu razão ao Requerente relativamente à questão da diferenciação, entre residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias imobiliárias e da sua incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º, do TFUE, determinando que deveria ser aplicado à liquidação o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, considerando-se o saldo das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor.

6.   Contudo, não acolheu os argumentos do Requerente, no que respeita à questão do valor de aquisição considerado para efeitos da mais-valia.

7.   Entende o Requerente que deveria ter sido considerado como base do valor de aquisição dos direitos referentes ao imóvel alienado, o valor patrimonial tributário (VPT) resultante da primeira avaliação após a entrada em vigor das alterações ao Código de Imposto de Selo, efetuadas pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, sustentando que o valor de aquisição relativo à quota-parte adquirida em 1998, por óbito de sua mãe e de seu pai, deve ser o VPT fixado em avaliação nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóvel (CIMI), ocorrida em 2012.

8.   Sustenta, assim, que deve relevar para efeitos de valor de aquisição da fração autónoma, o VPT calculado àquela data (i.e., € 87.890,00/ 3).

9.   Está, pois, em causa no presente processo determinar o montante que deve ser considerado como valor de aquisição da quota-parte detida no imóvel identificado.

10.              Estamos perante uma quota-parte de imóvel adquirida em 1998 por sucessão hereditária (primeiramente por óbito da mãe do Requerente e, seguidamente, por óbito de seu pai).

11.              E, nessa data (1998), pela aquisição gratuita a favor do Requerente não foi liquidado Imposto de Selo, nem o poderia ter sido, uma vez que, à data do respetivo facto tributário, tal tributação não estava prevista neste código, mas sim no Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD).

12.              O artigo 43.º do Código do IRS (que tinha como epígrafe “Valor de aquisição a título gratuito”), na data da aquisição dos direitos cuja alienação originou as mais-valias em causa no presente processo, estabelecia que: 

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.

2           - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.”.

13.              Assinale-se que, com a revisão do articulado do Código do IRS efetuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, a matéria passou a estar contemplada no artigo 45.º, que estabelecia que:

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.

2 - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

14.              Por sua vez, com a reforma da tributação do património, foi publicado o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, tendo ficado expresso no n.º 2 do artigo 28.º o seguinte:

Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.

15.              Apesar disso, a expressão “imposto do selo” apenas foi introduzida no artigo 45.º do Código do IRS pela redação dada pelo artigo 46.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro.

16.              Daqui se conclui que, com algumas alterações, a tributação das aquisições gratuitas de bens passou do CIMSISD para o CIS, não tendo ocorrido alteração quanto à natureza e ao sistema interno desta tributação, mas apenas à sua inserção noutro compêndio legal, relativamente ao qual é reconhecida a heterogeneidade das realidades sobre que incide.

17.              Assim, para aquisições gratuitas ocorridas na vigência do CIMSISD, a referência da alínea a) do n.º 1, do artigo 45.º do Código do IRS deve ter-se como feita para a liquidação efetuada em sede do Imposto sobre as Sucessões e Doações, uma vez que era a única que ao tempo poderia ocorrer e foi aquela que se verificou de facto.

18.              A não ser assim considerado, careceria de qualquer razoabilidade a aplicação a uma aquisição ocorrida em 1998, de critérios legais de avaliação aprovados por um diploma legislativo posterior, solução que seria, aliás, contrária ao critério do próprio Código de Imposto de Selo, que relativamente às transmissões gratuitas, estabelece no artigo 13.º que:

O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.”.

19.              Acresce que o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro determina que:

1 - Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artigo 17.º.

2 - O disposto no n.º 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto do selo, bem como às previstas na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive.”.

20.              Não se deteta, pois, nestas normas, qualquer intenção legislativa de conferir relevância aos valores patrimoniais tributários resultantes das novas avaliações a aquisições gratuitas ocorridas antes de 1 de janeiro de 2004.

21.              A decisão judicial citada no PPA (acórdão do Tribunal Central Sul de 11 de julho de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 1433/12.SBESNT), que o Requerente apresenta como posição unânime da jurisprudência dos tribunais superiores não retrata uma situação similar à descrita nos presentes autos, antes diz respeito a uma aquisição gratuita ocorrida após a entrada em vigor da reforma da tributação do património enquanto que, in casu, estamos perante uma aquisição gratuita anterior a esse momento.

22.              Parece-nos que inexiste qualquer vício de violação de Lei na decisão da Reclamação Graciosa, ao considerar que “o reclamante depois da aquisição poderia sempre ter solicitado uma avaliação, e se desta avaliação resultasse um Valor Patrimonial Tributário superior, o mesmo teria que ser alterado, tal como a liquidação de Imposto Sucessório.

Pelo que, não tendo sido solicitada/efetuada essa avaliação terá de ser considerado, para efeitos de valor de aquisição o VPT do imóvel à data da transmissão, ou seja 1998, por ter sido esse o valor que serviu de base à liquidação de Imposto Sucessório, imposto que se encontrava em vigor à data da respetiva transmissão.”.

23.              O VPT, obtido de acordo com as regras constantes do CIMI, decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, não pode retroagir à data da aquisição do imóvel, na medida em que o legislador não consagrou tal opção, pelo que será imperioso concluir que não poderá ficcionar-se essa mesma retroatividade para efeitos de IRS. Conclusão que, de resto, assenta nos princípios gerais de interpretação da lei constantes do art.º 9.º do Código Civil (aplicável às relações jurídico-tributária ex vi al. d) do art.º 2º da LGT).

24.              Quanto à questão do pedido de reembolso do imposto pago em excesso, cumpre recordar que no seguimento do deferimento parcial da reclamação graciosa foi originada a liquidação n.º 2024..., com montante a pagar de €17.333,55, que o Requerente se encontrar a pagar em prestações, pelo que, na eventualidade de o pedido vir a ser julgado procedente, somente o montante pago teria de ser restituído.

25.              Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos serviços, mas decorre diretamente da aplicação da lei, pelo que não estão preenchidos os pressupostos legais para a condenação em juros indemnizatórios.

26.              Por tudo quanto supra se expôs, entende-se que o ato de liquidação não padece de qualquer vício que deva ditar a sua anulação, pelo que deverá ser, também, julgado improcedente o pedido referente aos juros indemnizatórios.

 

*

Pelo Despacho Arbitral de 13 de maio de 2025, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, por não terem sido invocadas exceções nem requerida a produção de prova adicional, tendo as Partes sido convidadas, nos termos do n.º 1 do artigo 120.º, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a produzirem alegações escritas no prazo simultâneo de quinze dias.

 

Mais se indicou que a decisão arbitral seria proferida dentro do prazo estabelecido pelo artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, notificando-se a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

A Requerida apresentou alegações escritas em 3 de junho de 2025, nas quais reiterou os argumentos aduzidos em sede de resposta.

 

Na mesma data anterior, apresentou o Requerente as suas alegações escritas, em que, quanto à questão prévia colocada pela Requerida, que alega ter a liquidação de IRS n.º 2023..., no montante de € 34.667,11, sido substituído pela liquidação n.º 2024..., com montante a pagar de € 17.333,55, veio dizer o seguinte:

 

1.   Até àquela data, o Requerente não foi notificado (i) da referida liquidação, (ii) nem para se pronunciar nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, (iii) nem a Requerida junta aos autos certidão da mesma para aferir do cumprimento do prazo fixado no n.º 1 do mesmo artigo 13.º do RJAT.

2.   Sem prejuízo de se notificar a Requerida para juntar uma certidão da referida liquidação aos autos, a confirmar-se a sua validade e intenção de substituir o anterior, na medida em que este novo ato de liquidação substitui o anterior e faz seus os vícios imputados ao anterior, entende o Requerente que os presentes autos deverão prosseguir contra o novo ato, nos termos e para os efeitos da parte final do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT.

3.   Na medida em que os vícios imputados ao anterior ato são idênticos aos vícios imputados ao novo, julga-se que nada obsta ao aproveitamento integral de todo o processado, apenas se devendo – caso se considere necessário – proceder a um despacho para sanear possíveis vícios ou irregularidades.

 

Notificada a Requerida, por despacho arbitral de 11 de junho de 2025, veio esta remeter aos autos comprovativos da liquidação corretiva n.º 2024..., referente aos rendimentos do ano de 2022, de que resultou imposto a pagar no valor de € 17.333,55 e que sucedeu à liquidação n.º 2023..., bem como da notificação dessa liquidação corretiva ao Requerente, por carta remetida a coberto do registo dos CTT n.º RY...PT, de 2024-11-21.

 

II. SANEAMENTO

1. O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 31 de março de 2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.   O processo não padece de vícios que o invalidem. 

4. A questão prévia suscitada pela Requerida quanto ao valor da causa encontra-se resolvida – por um lado, o Requerente aceita, sendo caso disso, a redução do pedido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 2, do RJAT; por outro, a Autoridade Tributária e Aduaneira juntou aos autos prova da emissão de liquidação corretiva, em execução da decisão do deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2023..., que teve por objeto a liquidação de IRS n.º 2023..., impugnada na petição inicial.

5. Nada obsta ao conhecimento do mérito da causa quanto à liquidação corretiva com o n.º 2024..., que substituiu a liquidação anterior.

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue.

 

A.  Factos Provados:

1.   Em 14 de julho de 2023, o Requerente, residente no Brasil, procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos do ano de 2022, identificada com o n.º..., em cujo rosto mencionou a sua qualidade de não residente (Doc. n.º 3 junto ao PPA);

2.   A referida declaração de rendimentos integrou um anexo G – Mais valias e outros Incrementos Patrimoniais, em cujo quadro 4 foram inscritos os seguintes elementos:

 

 

 

 

3.   Tendo por base a declaração apresentada, a AT emitiu, em nome do Requerente, a liquidação de IRS n.º 2023..., em que foi considerado: (i) o rendimento global de € 123.621,46, (ii) o rendimento coletável e o total do rendimento para determinação de taxa, de igual quantia, (iii) o imposto apurado a título de tributações autónomas, pela taxa de 28%, de que resultou a coleta líquida de € 34.614,01, (iv) juros compensatórios da quantia de € 53,10, (v) o valor a pagar de € 34.667,11, com data limite de pagamento em 31 de agosto de 2023 (Doc. n.º 1 junto ao PPA);

4.   O Requerente aderiu a um plano de pagamento prestacional do valor apurado na liquidação de IRS, referente aos rendimentos do ano de 2022, que lhe foi deferido para pagamento em doze prestações mensais, com início em setembro de 2023 (Doc. n.º 4 junto ao PPA);

5.   Em 25 de outubro de 2023, foi deduzida reclamação graciosa em que foi sindicada a liquidação de IRS n.º 2023..., com dois fundamentos principais: (i) da sujeição a IRS, pelo seu valor integral, da mais-valia imobiliária obtida pelo Requerente em 2022, em vez de apenas em 50%, como acontece com os residentes fiscais em território nacional e, (ii) da ilegalidade do valor de aquisição considerado para cálculo da mais-valia, face ao regime transitório do código do IMT e ao Valor Patrimonial Tributário do imóvel, de € 89 890,00, determinado na avaliação geral efetuada em 2012 (Doc. n.º 5 junto ao PPA);

6.   Por ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, datado de 16 de outubro de 2024, foi o Requerente notificado do despacho de indeferimento parcial do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., proferido em 15 de outubro de 2024 pela Senhora Chefe de Divisão de Justiça Tributária daquela Direção de Finanças, ao abrigo de delegação de competências (Doc. n.º 2 juto ao PPA);

7.   Na informação sobre que incidiu o despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa consta, designadamente, o seguinte:

“(…)

(…)”

8.   Em execução da decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa, foi processada a liquidação n.º 2024..., com montante a pagar de €17.333,55, sendo € 17.307,00 relativo a tributações autónomas e € 26,55 a juros compensatórios, liquidação que substituiu a anterior liquidação n.º 2023... (documento junto pela Requerida em 23 de junho de 2025).

 

 

B. Factos não provados: 

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada: 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e à resposta da Requerida e processo administrativo instrutor.

 

 

 

III.2 DO DIREITO

1.   A questão decidenda

Anulada administrativamente a liquidação impugnada, na parte respeitante à não aplicação do n.º 2 artigo 43.º, do Código do IRS, que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, constitui violação do n.º 1 do artigo 63.º do TFUE, por comportar uma discriminação desfavorável aos sujeitos passivos não residentes em território nacional, como é o caso do Requerente, a questão que subsiste e que cabe decidir, é a de saber qual o valor de aquisição a considerar para cálculo das mais-valias na alienação, em 2022, da quota-parte de um imóvel adquirido a título gratuito, em data anterior à da vigência do Imposto do Selo nas transmissões gratuitas, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.

 

 Defende a Requerida que, tendo a quota parte do imóvel em causa sido adquirido por sucessão hereditária dos pais do Requerente, no âmbito da vigência do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), nele se prevendo a avaliação de imóveis inscritos na matriz com valor patrimonial, desde que o respetivo valor tivesse sido contestado pelos herdeiros e que, não tendo havido contestação desse valor pelo Requerente, deve o mesmo ser tido como valor de aquisição a título gratuito. 

 

Por seu turno, o Requerente defende que, tendo o imóvel sido avaliado nos termos do Código do IMI, aquando da avaliação geral dos prédios urbanos determinada pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, é o valor assim determinado que, face ao disposto nos artigos 45.º, do Código do IRS e 13.º, do Código do Imposto do Selo, que deve ser considerado como valor de aquisição a título gratuito, para efeitos do cálculo das mais-valias.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

2.   Enquadramento normativo. 

Aplicação da lei fiscal no tempo.

À data em que o Requerente adquiriu, por óbito dos pais, ocorrido em 1998, a quota parte do prédio alienado em 2022, vigorava o CIMSISSD e o prédio em causa tinha o seu valor tributável determinado nos termos do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de novembro, então em vigor.

 

Concomitantemente, dispunha o artigo 43.º, do Código do IRS, na redação que vigorou até à sua republicação pelo Decreto-Lei 198/2001, de 3 de julho:

 

Artigo 43.º - Valor de aquisição a título gratuito 

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.

  

2 - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.”.

 

Quer o Código da Contribuição Autárquica, quer o CIMSISSD foram revogados pelo Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de novembro que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de julho, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), alterando, entre outros diplomas legais, o Código do Imposto do Selo e o Código do IRS, embora mantendo inalterada a redação do artigo 45.º, deste último compêndio normativo, na redação  que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 198/2001, de 3 de julho, idêntica à do anterior artigo 43.º, acima transcrito.

 

O artigo 45.º, do Código do IRS apenas passou a conter referência ao Imposto do Selo nas transmissões gratuitas com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (LOE para 2007):

 

Artigo 45.º - Valor de aquisição a título gratuito

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto do selo. 

 

2 - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

 

3 - No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos há menos de dois anos, por doação isenta nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário anterior à doação.

 

A reforma da tributação do património aprovou novas normas específicas para avaliação dos prédios urbanos, tendo por objetivos fundamentais “criar um novo sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, o de atualizar os seus valores e o de repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, principalmente no plano intergeracional”, uma vez que “a enorme valorização nominal dos imóveis, em especial dos prédios urbanos habitacionais, comerciais e terrenos para construção, por efeito de sucessivos processos inflacionistas e da aceleração do crescimento económico do País nos últimos 30 anos, minaram a estrutura e a coerência do atual sistema de tributação” combinação de fatores que “conduziu a distorções e iniquidades, incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno” (preâmbulo do Código do IMI).

 

Dispunha o artigo 15.º, do Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, na redação originária que fosse promovida a avaliação dos prédios já inscritos na matriz, aquando da sua primeira transmissão após a data da entrada em vigor do Código do IMI, fixando-se um prazo máximo de 10 anos para avaliação geral dos prédios urbanos:

 

Artigo 15.º – Avaliação de prédios já inscritos na matriz

1 - Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artigo 17.º.

2 – O disposto no n.º 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto do selo, bem como às previstas na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de janeiro de 2004, inclusive.

3 – (…)

4 –Será promovida uma avaliação geral dos prédios urbanos, no prazo máximo de 10 anos após a entrada em vigor do CIMI.

5 – (…)”

 

Essa avaliação geral dos prédios urbanos viria a ser determinada pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, ficando por ela abrangidos os prédios urbanos que em 1 de dezembro de 2011 não tivessem sido avaliados e em relação aos quais não tivesse sido iniciado procedimento de avaliação, nos termos do Código do IMI (conforme a redação dada pela referida Lei ao n.º 1 do artigo 15.º, do Decreto-lei n.º 287/2003).

 

A mesma Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, aditou ao Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, os artigos 15.º-A a 15.º-P, contendo preceitos relativos ao procedimento de avaliação dos prédios urbanos.

 

E, de acordo com o n.º 4 do artigo 15.º-D, do Decreto-Lei lei n.º 287/2003, de 12 de novembro: “4 - Os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos que tenham sido objeto da avaliação geral entram em vigor:

a) Em 31 de Dezembro de 2012, para efeitos do imposto municipal sobre imóveis;

b) No momento da ocorrência dos respetivos factos tributários, para efeitos dos restantes impostos.”.

 

À data da alienação do imóvel de que tratam os autos, era a seguinte a redação do artigo 45.º, do Código do IRS:

 

“Artigo 45.º - Valor de aquisição a título gratuito 

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.

2 - (Revogado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04))

- No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.”.

 

A remissão contida no artigo 45.º, do Código do IRS, à data da venda, aponta para o disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, no que respeita ao valor tributável dos imóveis à data da respetiva transmissão a título gratuito:

 

 

Artigo 13.º - Valor tributável dos bens imóveis

1 - O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

(…)”

 

Convocadas as normas pertinentes para a análise da questão decidenda, importa apurar qual o facto tributário que determina a sujeição a IRS, a título de mais-valias, e qual a lei aplicável à respetiva quantificação.

 

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, o facto tributário gerador de rendimentos de mais-valias, é a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, considerando-se obtidos os ganhos respetivos no momento da alienação (elemento temporal).

 

Decorre dos objetivos que regeram a reforma da tributação do património, de ter sido promovida uma avaliação geral dos prédios urbanos e, segundo o princípio do “tempus regit actum”, que o valor de aquisição a considerar para efeitos do cálculo das mais-valias realizadas seja o constante da matriz predial à data da produção do facto tributário, isto é, à data da alienação.

 

Deste modo decidiu o Supremo Tribuna Administrativo no Acórdão de11 de outubro de 2023, processo 0319/20.4BEPRT, cujo sumário se transcreve:

 

I - Para a determinação do valor dos rendimentos qualificados como mais-valias em IRS considera-se como valor de aquisição a título gratuito o que como tal for considerado pela lei vigente à data da alienação do bem;

II - A aplicação da lei vigente à data da alienação do bem não viola a proibição da aplicação retroativa da lei nova nem atenta, em si mesma, contra o princípio da segurança na vertente da proteção da confiança.”.

 

Resulta, de quanto fica exposto, que a liquidação n.º 2024..., com montante a pagar de € 17.333,55, emitida pela AT em substituição da liquidação n.º 2023..., enferma da mesma ilegalidade da anterior, por erro sobre os pressupostos de direito no que tange à determinação do valor de aquisição do imóvel alienado, para efeitos do cálculo da mais-valia realizada com a sua alienação.

 

Deverá, consequentemente, ser anulada a liquidação n.º 2024... e substituída por nova liquidação que tenha em consideração o VPT à data da avaliação (2012), corrigido nos termos da Portaria n.º 253/2022, de 20 de outubro, restituindo-se ao Requerente o valor da prestação tributária paga em excesso no âmbito do plano de pagamento em prestações que lhe foi autorizado.

 

 

3.   Do pedido de juros indemnizatórios 

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 – primeira parte, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, entre os quais o de apreciar pedidos de juros indemnizatórios.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 determina que os mesmos são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Embora a liquidação de IRS n.º 2023... tenha sido efetuada com base nos elementos declarados pelo Requerente, a mesma foi apenas parcialmente anulada no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., mantendo-se na parte restante, na origem da liquidação n.º 2024... .

Conclui-se, pois, que com a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, em 15 de outubro de 2024, a Administração Tributária e Aduaneira manteve parcialmente a situação de ilegalidade originada pela liquidação de IRS n.º 2023..., transferida para a liquidação oficiosa n.º 2024..., o que permite imputar-lhe o erro que a afeta, bem como a responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1, da LGT, embora o direito a esses juros apenas se constitua na esfera jurídica do Requerente na data do indeferimento da reclamação, sobre o valor do imposto que tiver sido pago em excesso[1].

 

 

IV. DECISÃO 

Com base nos fundamentos de facto e de direito enunciados supra, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se:

 

a.   A anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2024..., referente aos rendimentos do ano de 2022, na parte referente ao valor de aquisição do imóvel alienado para determinação do valor dos rendimentos da categoria G;

b.   A restituição à Requerente do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, a calcular desde a data do indeferimento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, atendendo aos elementos juntos aos autos e às posições assumidas pela Requerida e pelo Requerente, fixa-se ao processo o valor de € 17.333,55, (dezassete mil, trezentos e trinta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), a repartir pela Autoridade Tributária e Aduaneira na proporção de 23,53% e pelo Requerente, de 76,47%.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de setembro de 2025.

 

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Neste sentido, cfr. entre outros, o Acórdão do STA, de 3 de maio de 2018, processo n.º 0634/15.