Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 14/2025-T
Data da decisão: 2025-09-15  IRC  
Valor do pedido: € 1.675.125,22
Tema: circular 7/2004; art. 32.º, n.º 2, do EBF; ónus da prova
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Sumário:

1.              Para que a AT pudesse recorrer ao método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, impunha-se-lhe que demonstrasse que não podia fazer uma imputação direta. O que não fez, antes se limitando, sem mais, a aplicar aquele método.

2.           É à AT que compete o ónus da prova para a determinação da matéria tributável por métodos indiretos, não permitindo o n.º 3 do art. 74.º da LGT que se faça recair esse ónus sobre o contribuinte.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

A... SGPS, S.A., com sede na ..., ..., ...-... Cascais, NIPC..., veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    O pedido

 

A Requerente peticiona a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2018 ... (a qual veio substituir a liquidação n.º 2017 ...), relativa a 2014, que identifica como valor a reembolsar o montante de € 925.913,41. 

Pede também as consequentes anulações da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2018 ... e, bem assim, da decisão de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa apresentada.

Solicita ainda que “na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios.”

 

b) O litígio

 

Entendeu a AT, fundamentando as liquidações impugnadas, que “no cálculo da variação patrimonial negativa referente ao regime transitório (substituição do POC pelo SNC, o qual, em determinadas circunstâncias, prevê a valoração contabilística de ativos constituídos por ações segundo o critério do justo valor) não pode o sujeito passivo considerar que o valor dos encargos financeiros acrescidos fiscalmente nos exercícios de 2008 e 2009 passam a ser dedutíveis na totalidade, na medida que, após a entrada em vigor do novo normativo contabilístico (ano de 2010), continuou a ter participações sociais valorizadas ao custo de aquisição, às quais se aplicava o estipulado no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, utilizando-se sempre o método de cálculo determinado na circular 07/2004 de 30/03[1]”.

 

A Requerente alega, em suma, que 

(i)             A AT não demonstrou a verificação dos pressupostos que legitimariam o recurso a métodos indiretos de quantificação da matéria coletável no caso vertente; 

(ii)            A circular n.º 7/2004 é manifestamente ilegal por violação do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, já que estabelece critérios de afetação de encargos financeiros à aquisição de partes sociais não previstos na lei; 

(iii)          Os SIT «aplicam a fórmula da Circular n.º 7/2004 como se, após retirar os empréstimos a participadas ao montante de todos os passivos remunerados, o valor sobrante de dívida financeira estivesse afeto aos ativos, por forma indireta, (…), sem averiguar se haveria partes de capital cuja aquisição tivesse sido sustentada em capital próprio, daqui decorrendo a necessária violação do ónus da prova, previsto no artigo 74.º da LGT»; 

(iv)            Violação do princípio constitucional da tributação pelo lucro real; 

(v)            Violação do princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º da LGT.

A Requerida apresentou resposta, sustentando-se, no essencial, no teor da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a qual, também no essencial, reproduz a fundamentação da liquidação impugnada tal qual consta do RIT.

Além da tomada de posição sobre a questão principal, a Requerida

- peticionou a admissão da resposta por si apresentada, ainda que intempestivamente.

-  sustentou a incorreção do valor atribuído pela Requerente ao processo.

- impugnou o pedido da sua condenação em custas (em caso de decaimento).

 

c)     Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 05-01-2025.

A Requerente exerceu a opção de designar árbitro, indicando para o efeito o Sr. Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares. Por sua vez, a Requerida indicou a Srª Drª Maria dos Prazeres Lousa. Estes árbitros cooptaram o árbitro-presidente.

O tribunal arbitral ficou constituído em 17-03-2025.

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA. 

As partes apresentaram alegações nas quais reiteraram as posições que haviam sustentado nos articulados.

 

d)    Saneamento

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não existem exceções ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

e)    Tempestividade da apresentação da resposta

A Requerente alegou “justa causa” para a apresentação tardia da sua “resposta”, a qual ocorreu em 29 de abril, sendo que o prazo terminara no dia anterior.

A “justa causa” invocada foi o “apagão” elétrico que ocorreu no dia 28.

Este é um facto notório, bem como o são as suas consequências, quer ao nível dos serviços (p. ex., dificuldades no uso de computadores), quer ao nível das telecomunicações (as peças processais são enviadas para o CAAD com recurso à internet).

Assim, e sem necessidade de mais averiguações, há que considerar justificada a tardia apresentação da resposta.

 

II – PROVA

 

II.1 – Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)  A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), que se dedica à atividade de gestão de participações sociais, sendo a sociedade dominante do “Grupo F...”, o qual é tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

b)  No exercício de 2014, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC relativa a esse grupo, apurando um resultado fiscal negativo de € 17.873.026,71.

c)   A Requerente contraiu, em julho de 2007, um empréstimo junto do D... no valor de € 100.300.000,00 (contrato de financiamento n.º...), sobre o qual foi cobrado imposto do selo e comissão bancária nos valores de € 501.500,00 e € 300.900,00.

d)  Em 24 de julho de 2007, data em que o valor do empréstimo foi creditado na sua conta, foram adquiridos pela Requerente dois lotes de ações do B... pelo valor total, incluindo comissões bancárias, de €36.200.701,53 e €63.402.778,47, respetivamente. 

e)  Em 22 de Abril de 2008, a Requerente contraiu um empréstimo junto do Banco C... , no montante de € 9.000.000,00, a que foram deduzidos € 45.200,00 a título de comissão de abertura e Imposto do Selo.

f)               Deste valor foi transferido para a conta de depósito à ordem da Requerente, em 24 de abril de 2008, o montante de € 8.900.000,00.

g)             No dia 29 do mesmo mês, a Requerente adquiriu de um 3.º lote ações do B... no valor de € 9.022.330,78.

h)  Os fundos desses dois empréstimos bancários (junto do D... e C...) foram utilizados na aquisição de ações B... .

i)    As ações adquiridas nos anos em causa conferiram à Requerente uma participação financeira no capital social do B...  de 0,095%. 

j)    Até 31.12.2009, esta participação estava registada nas contas da Requerente ao respetivo custo histórico, pelo valor de € 81.998.932,00, em conformidade com as regras contabilísticas aplicáveis à data (POC), que correspondia ao respetivo custo histórico, deduzido das desvalorizações que refletiam as sucessivas reduções do valor de mercado, as quais, nos termos das normas fiscais em vigor à data, não tinham relevância fiscal.

k)    Com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), esta participação passou a ser valorizada e a constar do balanço da Requerente pelo montante de € 27.461.751,50, de acordo com o método do justo valor.

l)     Esta alteração do referencial contabilístico originou o apuramento de uma variação patrimonial negativa, refletida nos capitais próprios da Requerente, no valor de € 54.537.180,00.

m) Nos exercícios de 2008 e 2009, no preenchimento das declarações de rendimentos modelo 22, a Requerente acresceu ao resultado líquido contabilístico, para efeitos da determinação do lucro tributável, os encargos financeiros alegadamente incorridos com a aquisição dos referidos títulos de B..., no montante de € 6.353.655,85 e € 5.235.290,79, respetivamente, perfazendo um total de € 11.588.946,65. 

n)  Na sequência da adoção do método de mensuração das ações do B... pelo justo valor, a Requerente deixou de acrescer os encargos financeiros incorridos no exercício, deduzindo, no campo 705, das declarações de rendimentos modelo 22 apresentadas com referência aos exercícios de 2010 a 2014, a perda de justo valor reconhecida nos ajustamentos de transição para o SNC e, bem assim, o valor referente a encargos financeiros incorridos anteriormente (em 2008 e 2009), acrescidos ao resultado contabilístico, por 1/5 do respetivo somatório, ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de junho.

o)  Na declaração modelo 22 referente ao exercício de 2014, a Requerente deduziu no referido campo 705 o montante de € 13.259.753,48, sendo € 10.941.734,15, referentes ao ajustamento decorrente do reconhecimento da participação ao justo valor, e €2.317.789,33, referente a 1/5 dos encargos financeiros acrescidos nos exercícios de 2008 e 2009.

p)  Para além da participação no B..., nos exercícios de 2008 e 2009, a Requerente detinha outras partes de capital registadas ao custo histórico de aquisição.

q)   Parte destas participações de capital foram adquiridas pela Requerente mediante entradas em espécie no capital das participadas em questão. Apenas uma parte de tais participações resultou de subscrições de capital social feitas em dinheiro.

r)   No passivo da Requerente, nos exercícios de 2008 e 2009,  figuravam diversos empréstimos obtidos remunerados (E...; Outras aplic. Tesour SWAPS; Emprest. Banc.; Loc. Financeira), os quais originaram encargos financeiros suportados, parte dos quais foram acrescidos ao lucro tributável dos mesmos exercícios, nos termos do n.º 2 do art.º 32.º do EBF.

s)   A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva da qual resultou, entre outras, uma correção aritmética à matéria coletável no montante de € 1.675.125,22, em resultado da aplicação do método previsto na Circular n.º 7/2004, correções que estiveram na origem da liquidação impugnada.

t)   A fundamentação de tal correção foi, em resumo, a seguinte[2]:

 “…entende a AT, que no cálculo da variação patrimonial negativa referente ao regime transitório, não pode o sujeito passivo considerar que o valor dos encargos financeiros acrescidos fiscalmente nos exercícios de 2008 e 2009 passam a ser dedutíveis na totalidade, na medida que, após a entrada em vigor do novo normativo contabilístico (ano de 2010), continuou a ter participações sociais valorizadas ao custo de aquisição, às quais se aplicava o estipulado no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, utilizando-se sempre o método de cálculo determinado na circular 07/2004 de 30/03”. (…) 

Assim, de acordo com os cálculos adiante descritos, para os exercícios de 2008 e 2009, determinou-se o montante dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, à luz da Circular 7/2004 de 30 de março, excluindo das partes de capital, mensuradas ao custo de aquisição, o montante das ações do B... mensuradas ao justo valor”. 

Verificaram os SIT que a Requerente, detinha no seu ativo, em 2008 e 2009, diversas participações sociais, todas valorizadas ao custo de aquisição, e no passivo, diversos empréstimos obtidos remunerados (E...; Outras aplic. Tesour SWAPS; Emprest. Banc.; Loc. Financeira) que originaram encargos financeiros suportados, parte dos quais foram acrescidos pela Requerente nos termos do n.º 2 do art.º 32.º do EBF. 

Sublinhamos ainda que, CONFORME REFERE O RIT, RELATIVAMENTE AOS PERÍODOS DE TRIBUTAÇÃO DE 2008 E 2009, FOI A PRÓPRIA REQUERENTE (e não a AT) QUE ACRESCEU, NO QUADRO 07 DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS MOD. 22, PARA EFEITOS DE APURAMENTO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL, OS MONTANTES DE €6.353.655,85 E €5.235.290,79, RESPETIVAMENTE, TOTALIZANDO €11.588.946,65, de um total de encargos financeiros suportados de €13.632.902,94, EM CUMPRIMENTO DO ESTABELECIDO NO ARTIGO 32.º N.º 2 DO EBF E CIRCULAR 07/2004 DE 30/03, PORQUANTO A TOTALIDADE DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS DETIDAS, ENCONTRAVAM-SE VALORIZADAS PELO MÉTODO DO CUSTO DE AQUISIÇÃO.». 

«Vem a requerente defendendo ter o direito a deduzir, no âmbito do regime transitório plasmado no n.º 1 e 5 do artigo 5.º do DL 159/2009 de 13/06, a totalidade dos encargos financeiros por ela acrescidos em 2008 e 2009 ao abrigo do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, porquanto, afinal, todos os encargos financeiros suportados em 2008 e 2009 estão relacionados unicamente com empréstimos obtidos para a aquisição das participações sociais do B... (abrangidas pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC) e não com as restantes participações sociais. Sucede que, contrariamente ao que a Requerente parece fazer crer, NÃO JUNTOU PROVA CABAL DESTA AFETAÇÃO DIRETA DOS EMPRÉSTIMOS OBTIDOS EXCLUSIVAMENTE À AQUISIÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NO B... . Nomeadamente, NÃO FORAM JUNTOS OS CONTRATOS REFERENTES AOS EMPRÉSTIMOS EM CAUSA e que estão na origem dos encargos financeiros, MAS TÃO SOMENTE, TALÕES BANCÁRIOS REFERINDO O MONTANTE DO CRÉDITO e respetivos impostos suportados. Ora, e conforme referido pelos SIT, muito embora se conceda que parte das participações sociais adquiridas pela Requerente tenha sido efetuada por meio de aumentos de capital por entradas em espécie e por prestações acessórias em espécie, efetuadas pelos seus acionistas, que lhe transmitiram por permuta, as referidas participações sociais, de facto, a Requerente, “no âmbito do seu objeto social contraiu empréstimos, quer para aquisição das ações B..., QUER PARA APOIO DE TESOURARIA, BEM COMO RECEBEU VALORES MONETÁRIOS DOS SEUS ACIONISTAS, POSSUI CONTAS CAUCIONADAS E É OUTORGANTE EM CONTRATOS DE LEASING FINANCEIRO, não sendo possível com exatidão, garantir que determinado meio monetário obtido esteja relacionado com determinado ativo, pois a fungibilidade do dinheiro impede essa associação direta, e, por este motivo não é também possível estabelecer uma distinção entre formas de aquisição de partes sociais”. 

E foi perante esta impossibilidade de afetação direta dos encargos financeiros suportados pela Requerente com a aquisição de participações sociais, e tal como concede o STA no referido acórdão de uniformização de jurisprudência, lavrado no processo n.º 0406/18.9BELSB, de 26 de setembro de 2018, quando admite a aplicação do método a que alude o ponto 7 da Circular 7/2004, desde que demonstrada a inviabilidade da determinação direta dos encargos, que os SIT se socorreram da metodologia a que alude o ponto 7 da Circular 7/2004, para efeitos de determinação da parte dos encargos financeiros que seriam de imputar à participação social detida no B... (abrangidas pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC), e por isso dedutíveis, tendo apurado o montante de €642.664,11 e não o valor deduzido pela Requerente de €2.317.789,33, resultando na correção ora controvertida.».

u)  A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação em causa, a qual foi parcialmente deferida, tendo sido mantida apenas a correção relativa à aplicação do método previsto na Circular n.º 7/2004, a qual constitui o objeto do presente processo arbitral.

 

II.2- Factos não provados

Não há factos não provados com impacto ou relevância para a decisão.  

Todavia, há a realçar a ausência na documentação dos autos: (i) dos cálculos demonstrativos de que os encargos financeiros acrescidos pela Requerente ao lucro tributável nos exercícios de 2008 e 2009 respeitavam exclusivamente aos empréstimos cujos fundos foram investidos na aquisição das ações do B...; (ii) da identificação da origem dos fundos investidos nas participações financeiras que não resultaram de entradas em espécie.

 

II. 3 - Motivação da matéria de facto

Os factos provados resultam da documentação junta aos autos. O facto provado h) resulta da prova documental e da coincidência de datas e valores entre os empréstimos bancários concedidos pelo D... e pelo C... e a aquisição de ações B... e da falta de prova em sentido diverso.

 

III – O DIREITO

 

A)     A circular 7/2004 

Salvo melhor opinião, a Requerente parte, na sua análise da questão de direito, de uma falsa premissa: “Os serviços de inspeção tributária entenderam que (…)  sempre haveria que aplicar o método de imputação indireta e proporcional dos custos em causa de acordo com os critérios previstos na Circular n.º 7/2004, pelo facto de subsistirem na empresa outras partes de capital sujeitas ao regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º o EBF.”

Como bem frisou a AT na sua Resposta, “A questão a apreciar na presente ação arbitral não se prende com a “ de aplicar obrigatoriamente o método constante da «Circular n.º 7/2004 ao caso em apreço foi já, reiterada e consistentemente, considerada como ilegal», mas, isso sim, com a questão de saber se haviam sido demonstradas pela Requerente as condições para recorrer a um método de imputação direta, mormente se existia suporte probatório que permitisse validar o valor deduzido pela Requerente de € 2.317.789,33”. 

As questões da “legalidade” da circular 7/2004 e das condições em que deve ter lugar a aplicação do nela sugerido ficaram devidamente esclarecidas pelo STA no acórdão uniformizador de 26-09- 2018 que pôs termo ao processo nº 0406/18.9BELSB[3].

Tal como consta do respetivo sumário, padece de ilegalidade a correcção efectuada pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT).

 

Estamos, portanto, colocados perante uma questão de ónus da prova quanto à verificação dos pressupostos de utilização da metodologia preconizada pela circular em causa, tal como adiante se explicitará.

Há aqui apenas que sublinhar que o STA não entendeu que a consagração de um tal método num regulamento interno (circular/orientação genérica), só por si, resulte em afronta do princípio da tipicidade dos impostos.

Resulta, pois, ultrapassada toda a discussão feita nos autos relativamente à “legalidade” de tal circular.

 

 

B)    O ónus da prova

É aqui que se situa (deve situar) a divergência entre as partes relevante para a boa decisão da causa

Diz, em suma, a Requerente,

Com efeito, tem sido entendimento unânime por parte da jurisprudência arbitral e judicial que compete à AT provar que não existiria, na situação concreta, mecanismo mais justo, mais economicamente racional ou mais conforme à afetação específica dos encargos financeiros às partes de capital, que não seja a mencionada fórmula. 

Acontece que a AT enveredou pela correção e tributação lançando mão de três presunções: (i) foram alienadas participações sociais, (ii) foram contabilizados custos com o financiamento para a aquisição dessas participações e a (iii) terceira constituída pelas operações de cálculo: i. Imputou os passivos remunerados da SGPS aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros; ii. Afetou o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição; iii. Após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes ativos não remunerados, apurou de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis às partes de capital. Em face do acima exposto, verifica-se que os SIT aplicam a fórmula da Circular n.º 7/2004 como se, após retirar os empréstimos a participadas ao montante de todos os passivos remunerados, o valor sobrante de dívida financeira estivesse afeto aos ativos, por forma indireta.

Isto é, sem averiguar se haveria partes de capital cuja aquisição tivesse sido sustentada em capital próprio, daqui decorrendo a necessária violação do ónus da prova, previsto no artigo 74.º da LGT.

 

Por seu lado, a Requerida entende:

Por conseguinte, se a Requerente se arroga no direito à dedutibilidade da total dos encargos financeiros suportados deve possuir prova cabal bastante para demonstrar a afetação direta dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, se os SIT se depararem com factualidade que legitimamente coloca em causa o método de imputação utilizado. 

Efetivamente, como resulta do RIT, os SIT apuraram na ação inspetiva que a Requerente contraiu empréstimos, quer para aquisição das ações do B..., quer para apoio de tesouraria, bem como recebeu valores monetários dos seus acionistas, possui contas caucionadas e é outorgante em contratos de leasing financeiro. 

Pois bem, para dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, as SGPS que recorrem ao endividamento para financiar quer os investimentos na aquisição de partes de capital cujas mais-valias poderiam beneficiar de isenção, quer para outros fins, estavam obrigadas, por força da obrigação da alínea b) do n.º 3 do art.º 17.º do Código do IRC, a organizar a contabilidade de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes. 

Donde, perante a factualidade apurada em sede inspetiva, é forçoso concluir, como bem concluiu a decisão controvertida, que os SIT demonstraram, perante a insuficiência da prova documental recolhida, a inviabilidade da determinação direta dos encargos, constando do RIT os fundamentos que provam a existência de dúvidas prementes e justificadas, face à documentação contabilística analisada, sobre a concreta imputação dos montantes obtidos. 

Desta forma, os SIT adotaram a metodologia constante do ponto 7 da Circular n.º 7/2004, com vista a calcular a parte dos encargos financeiros que seriam de imputar à participação social detida no B... (abrangida pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC), passiveis de dedução, tendo apurado o montante de € 642.664,11 e não o valor deduzido pela Requerente de € 2.317.789,33. 

 

 

A questão da distribuição do ónus da prova neste tipo de casos deve ter-se por resolvida pelo já citado acórdão uniformizador no processo nº 0406/18. Citamos:

Do n.º 2 do art. 32.º do EBF resulta que a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelas SGPS apenas abrange aqueles directamente conexionados com a aquisição de participações sociais.


O que significa, desde logo, que não ficou afastada a regra da dedutibilidade dos encargos financeiros que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais, nos termos e condições previstas na alínea c) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.

(…)
O que significa que o método indirecto propugnado na Circular para cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais só poderia ser aplicado subsidiariamente e depois de se demonstrar a inviabilidade da quantificação directa.

Enquanto método indireto de determinação do lucro tributável, o mesmo só seria admissível, nos termos gerais [cfr. n.º 1 do art. 85.º e alínea b) do n.º 1 do art. 87.º, da LGT] nos casos em que se verifique inviabilidade de determinação direta dos encargos resultantes de financiamentos diretamente associados à aquisição de participações sociais, competindo à AT o ónus da prova da verificação desses pressupostos, nos termos do n.º 3 do art. 74.º da LGT, como bem ficou dito no acórdão fundamento.

Ora, no caso sub judice, no que às sindicadas correções respeita, a AT não questionou a verificação dos pressupostos mencionados no art. 23.º do CIRC quanto à dedutibilidade dos custos, antes se limitando a utilizar a fórmula constante da Circular n.º 7/2004, procedendo, dessa forma, a uma verdadeira utilização de métodos indiretos para determinar o valor dos encargos financeiros que supostamente terão sido suportados com a aquisição de partes do capital. Sendo que também não identificou qualquer participação social que haja sido adquirida com recurso a financiamento, nem qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir. 

Ora, para que a AT pudesse recorrer ao método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, impunha-se-lhe que demonstrasse que não podia fazer uma imputação direta, o que não fez, antes se limitando, sem mais, a aplicar aquele método.

Em conclusão, é à AT que compete o ónus da prova para a determinação da matéria tributável por métodos indiretos, não permitindo o n.º 3 do art. 74.º da LGT que se faça recair esse ónus sobre o contribuinte.

 

Haverá, ainda, que frisar o seguinte:

Conforme consta da Resposta da AT e do RIT, foram solicitados à Requerente, no âmbito do procedimento inspetivo, os contratos dos empréstimos celebrados com o D... e o Banco C... que não terão sido fornecidos por não constarem da documentação junta aos autos. 

Ora, os referidos contratos não revelando certamente – conforme pretendia a AT – o destino dos fundos obtidos, conteriam a indicação das condições dos empréstimos, nomeadamente a taxa de juro e a duração, que permitiriam confirmar se os encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável dos exercícios de 2008 e 2009, por força do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, respeitavam apenas a tais empréstimos. 

De todo o modo, nesta situação em concreto, a documentação facultada pela Requerente permite formar a convicção da existência de uma conexão entre os financiamentos obtidos junto do D... e do Banco C... e os investimentos realizados em ações do B..., o que, por si só, em linha com a jurisprudência uniformizada do STA, legitima o afastamento do recurso à aplicação da metodologia da circular n.º 7/2004. 

 Fica em aberto a validação dos valores dos encargos financeiros objeto da correção.

            

C) - Decidindo

Há, pois, que apreciar e decidir se a Requerida logrou fazer prova dos pressupostos do recurso a métodos indiretos, no caso, dos critérios consagrados na referida circular. A conclusão deste tribunal arbitral é que o não logrou.

Anulando-se o ato impugnado com o presente fundamento, torna-se desnecessário que o tribunal se debruce sobre os demais vícios imputados ao ato impugnado

 

D)    Juros indemnizatórios e pagamento das custas pela Requerida

A Requerente solicita ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios. Porém, nos seus articulados, não fundamenta tal pedido, nem sequer de forma mínima ou com os dados factuais que o consubstanciem. Por conseguinte, esta matéria tem de ser remetida para execução de sentença. 

No contexto, se da anulação do ato impugnado brotar que a Requerente tem direito ao reembolso de qualquer IRC de 2014 (em correções consolidadas, face às de outros anos anteriores), serão devidos juros indemnizatórios por verificação dos requisitos constantes do artigo 43.º da LGT, nomeadamente a existência de erro imputável aos serviços, pois a AT praticou um ato ilegal, no não deferimento da revisão oficiosa, como solicitado pela Requerente.

 

A Requerente pede ainda que a requerida seja condenada ao pagamento das custas do processo. Mas aqui, não tem razão. Optando por nomeação de árbitro suporta todas as custas, sem qualquer acerto a jusante, via condenação judicial ou custas de parte. É isso o que diz expressamente o art. 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos processos de arbitragem tributária.

 

 

E)    Valor da ação

A Requerente atribuiu à ação o valor de 1.675.125,22€; a Requerida sustenta que a ação deveria ter antes o valor de 925.913,41€, valor afirmado pelo Requerente. 

Apreciando;

O pedido reporta-se à correção fiscal das variações patrimoniais negativas decorrentes do regime transitório do IRC em 2009 e anos seguintes – no caso, o ano de 2014; haverá que ter também em consideração os prejuízos fiscais reportáveis a que a Requerente se arroga nesse ano, fruto de imputação de gastos fiscalmente aceites nos anos anteriores. 

 

A AT isolou o ano em causa, sem ter em conta o possível lastro dos anos anteriores, via existência de prejuízos.

 

 

Isso mesmo decorre da decisão de deferimento parcial da revisão oficiosa (p. 5 doc. 1 junto pela Requerente):

 

Uma vez que a Requerente impugnou o valor fixado para a matéria coletável, dada a eventual existência de prejuízos fiscais é esse o valor da causa, nos termos do art. 97.º-A, n.º 1, al. b), do CPPT.

 

IV- DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.

b)    Anular o ato impugnado

 

Valor: € 1.675.125,22

Custas a cargo da Requerente, que já procedeu ao seu pagamento, uma vez que exerceu a opção de designar árbitro - artigo 5.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 15 de setembro de 2025

 

Os árbitros,

 

 

Rui Duarte Morais 

 

 

 

 

Maria dos Prazeres Lousa 

 

 

Tomás Cantista Tavares 

 

 

 

 



[1] O ponto 7 da referida circular contém a indicação de um método suscetível de ser utilizado para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados relativos à aquisição de participações sociais, referindo que ”dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.”

[2] Transcrevemos da resposta da Requerida, a qual cita o constante da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. O tribunal verificou que o constante da decisão de indeferimento coincide com a fundamentação da liquidação adicional, tal qual consta do RIT, o que não foi posto em causa pelas partes, nomeadamente em sede de alegações.

[3] O que torna “irrelevantes” muitas das referências feitas por ambas as partes a jurisprudência anterior, uma vez que a função dos acórdãos uniformizadores é, precisamente, pôr termo divergências jurisprudenciais.