Sumário
A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia, gozando de primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais.
As normas do n.º 1 e n.º 3, do artigo 22.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo (OIC) que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado Membro ou de um Estado Terceiro, violam os princípios da liberdade de circulação de capitais e da não discriminação, consagrados nos artigos 18.º e 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia - Processo C-545/19, Acórdão de 2022-03-17.
A liberdade de circulação de capitais refere-se, quer a Estados Membros, quer a países terceiros, pelo que tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia decidido que o artigo 63.° do TFUE dever ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que preceitue que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção, mesmo incidindo sobre estes outras formas de tributação, têm os tribunais nacionais de invalidar as liquidações correspondentes.
Decisão arbitral
Os árbitros Professor Victor Calvete (árbitro-presidente), Drs Paulo Alves e Vítor Braz (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 2025-03-25, acordam no seguinte:
I – Relatório
A..., fundo de investimento constituído ao abrigo da lei do Canadá, com sede em ..., ... ..., Canadá, com o número de contribuinte fiscal canadiano ... e com o número de identificação fiscal português ..., representado pela sua entidade gestora B... Limited, sociedade constituída ao abrigo da lei do Canadá, com sede em ..., ..., Canadá, com o número de contribuinte fiscal canadiano ..., (doravante designada por “Requerente”), vem apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) e constituição de Tribunal, em que é parte a “Autoridade Tributária e Aduaneira”, (doravante designada por “Requerida” ou “AT”), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e dos n.º 1 e 2.º do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (RJAT), com as alterações subsequentes, em conjugação com os artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O PPA é apresentado na sequência do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., relativo aos atos de retenção na fonte respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2022.
Atos de retenção na fonte de IRC sobre dividendos obtidos em Portugal, na parte correspondente à aplicação da taxa de 15% (nos termos do art.º 94.º do CIRC e art.º 10 da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e o Canadá), num valor total de € 69.176,87, sendo que aquele imposto terá sido entregue nos Cofres do Estado pelo substituto tributário “C... S.A.”, entidade de direito francês que à data dos pagamentos operava em Portugal, através de uma sucursal com número de identificação fiscal ... .
Na tramitação do presente processo foram praticados os principais atos processuais seguintes:
Em 2025-01-13, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral (PPA), aceite em 2025-01-15.
Em 2025-03-25, por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foi constituído o Tribunal arbitral coletivo, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro - (RJAT).
Em 2025-03-31, foi exarado o Despacho arbitral previsto no artigo 17.º do RJAT e em cumprimento do referido despacho, a Requerida apresenta resposta em 2025-05-12.
Em 2025-07-29, é proferido despacho ao abrigo do art.º 18.º do RJAT e em 2025-09-05, a Requerida apresenta alegações.
II - Saneamento
O Tribunal arbitral coletivo encontra-se regularmente constituído e é competente – cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade - artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
O PPA é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10.º do RJAT.
O Processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver.
III – Da posição das partes
1. Da Requerente
A Requerente apresenta PPA na sequência do referido indeferimento da referida Reclamação Graciosa, alegando, em síntese, o seguinte:
- Que é um fundo de investimento mobiliário, comparável a um OIC, constituído e a operar de acordo com o direito Canadiano e que no ano de 2022 era residente, para efeitos fiscais, no Canadá.
- Que, nos meses de abril, maio e setembro de 2022, recebeu dividendos distribuídos por sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal, sujeitas a tributação em Portugal por se tratar do Estado da fonte, cuja retenção na fonte foi efetuada pelo substituto tributário, em conformidade com o art.º 94.º do CIRC, à taxa reduzida de 15%, ao abrigo do art.º 10.º da CDT celebrado entre Portugal e o Canadá no montante global de € 69.176,87, imposto que não foi deduzido naquele país.
- Que o regime previsto no art.º 22.º do EBF ao excluir de tributação os dividendos auferidos por fundos de investimento residentes em Portugal, e a sujeitar a retenção na fonte os dividendos auferidos por fundos que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por isso, não residentes, consubstancia uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE, i.e., a livre circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE, sem que se verifique uma razão imperiosa de interesse geral.
- Que a legislação nacional de um Estado-membro que faça depender uma exclusão de tributação dos dividendos recebidos da localização geográfica da residência do fundo de investimento que aufere os dividendos, não pode deixar de consubstanciar uma afronta ao princípio da não discriminação em razão da residência, colidindo com a livre circulação de capitais consagrada no art.º 63.º do TFUE.
- Que nesse sentido se pronunciou recentemente o Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, processo C-545/189, pelo que, na senda da referida decisão não poderá deixar de ser determinada a anulação do ato de retenção em apreço, com fundamento em violação do disposto no art.º 63.º do TFUE.
- Que se encontra numa situação comparável à de um fundo de investimento residente em Portugal, pelo que, este tratamento diferenciado em matéria de tributação de dividendos de origem nacional é visivelmente desvantajoso para um fundo de investimento não residente, como é o caso do reclamante, constituindo, por isso, uma restrição à livre circulação de capitais.
- Que este entendimento tem por base a jurisprudência do TJUE, invocando, para o efeito, diversos acórdãos do referido Tribunal, assim como decisões do CAAD.
- Termos em que solicita o reembolso da retenção na fonte de dividendos no montante global de € 69.176,87, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto na al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT.
2. Da Requerida
A Requerida na Resposta ao PPA, alega, em síntese, o seguinte:
- Que não sendo a Requerente uma entidade com sede ou estabelecimento estável em Portugal não poderia beneficiar da isenção consignada no art.º 22º do EBF, dispensando-se de analisar com maior detalhe os factos alegados pela Requerente e a prova junta para demonstrar o alegado, quer no que respeita à sua natureza jurídica e enquadramento jurídico-tributário no Canadá, quer no que respeita aos montantes de imposto retidos na fonte e entregues nos Cofres do Estado.
- Que considera não provado que a Requerente seja um Organismo de Investimento Coletivo que cumpra as condições requeridas pela diretiva 2009/65/EC, facto que a Requerente alega sem juntar qualquer documento que comprove essa sua qualidade,
- Que em face do documento n.º 1 junto pela Requerente à sua reclamação graciosa, “(…) constata-se que afinal a Requerente é um TRUST, e quanto ao documento nº 1 junto com o PPA esse documento nada atesta quanto aos factos que permitem concluir quanto à sua natureza jurídica para os efeitos ora em discussão.
- Que considera não provado, “(…) o montante de dividendos distribuídos à Requerente em Portugal, qual o montante das retenções na fonte efectuadas e o número das guias através das quais foi feita a entrega controvertida,
- Que as “(…) as declarações da entidade bancária JP Morgan, relativas a depósitos efectuados em nome do substituto tributário da Requerente, assim como o extracto da JP Morgem de 2024, com a indicação do beneficiário de importâncias creditadas em 2022, a fls. 50 a 52 do PA (…) E mesmo as declarações da D..., que não mencionam a identidade do beneficiário dos rendimentos aí elencados, a fls. 53 a 55 do PA, (…) Não substituem a prova a efectuar pela entidade que paga os rendimentos e pelo substituto tributário,” (…)
- “Mais concretamente, nesta parte da matéria de facto, cumpre salientar que a mesma é impugnada porque não consta demonstrado o seguinte:
pelas entidades pagadoras dos dividendos obtidos em Portugal, cujas declarações não foram juntas com o presente PPA nem constam do PRG, não consta demonstrado o montante dos dividendos pagos, a data em que foram colocados à disposição, identificando ainda a Requerente como sendo a beneficiária dos mesmos,
pelo substituto tributário não consta demonstrado, através de declarações que o atestem, quais as datas de distribuição dos dividendos obtidos nos aludidos meses, o montante bruto dos dividendos distribuídos à Requerente e o montante do imposto retido na fonte bem como o número da guia através da qual foi entregue o imposto retido junto dos cofres do estado. (…)
Alega, ainda, a Requerida, que “(…) as guias de retenção na fonte referidas pela Requerente mencionam um montante total de imposto retido na fonte pelos substitutos tributários com respeito a um determinado período e tipo de rendimentos sem, contudo, discriminar os beneficiários dos rendimentos.”.
Por fim, a Requerida, impugna, “(…) por não provado, que os dividendos obtidos em Portugal foram declarados e isentos de tributação no estado de residência, no caso o Canadá, de forma a não poder acionar o crédito de imposto que se encontra previsto na CDT celebrada entre Portugal e o país de residência da Requerente.
IV – Matéria de facto
O Tribunal arbitral, com relevo para a decisão, atento tudo o que foi alegado pelas partes e a prova junta, maxime, os documentos juntos com a Petição Inicial (PI) e com o Processo Administrativo, considera provado o seguinte:
- A Requerente, A..., é um fundo de investimento, à data dos factos, residente no Canadá e constituído ao abrigo da legislação desse país.
- A Requerente foi gerida pela sua representada, a entidade B... Limited, igualmente, residente constituída ao abrigo da legislação daquele país.
- Em 2022, a requerente foi sujeita a IRC como não residente e sem estabelecimento estável em Portugal.
- Em 2022, a Requerente investiu em participações sociais de sociedades com sede em Portugal e auferiu dividendos objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15%, como apresentado a seguir:

- Em 2024-04-15, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa n.º ...2024..., contra o imposto pago título definitivo (por retenção na fonte), a qual foi objeto de Despacho de indeferimento por parte da Requerida, notificado em 2024-10-09.
- Em 2025-01-13, a requerente apresentou o presente PPA onde pede a anulação da decisão de indeferimento e das retenções na fonte em IRC pela aplicação da taxa de 15% sobre os dividendos auferidos em Portugal.
Em face das alegações e dos elementos de prova juntos aos autos e identificados, considera-se não existirem factos relevantes indevidamente provados.
1. Motivação da decisão da matéria de facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – Cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do CPC, aplicável, ex vi, alíneas a) e e) do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT.
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, assenta nos factos alegados, no reconhecimento de factos não controvertidos, na apreciação do PPA e documentos, da resposta e alegações da Requerida, do Processo Administrativo e documentos juntos, como indicado em relação aos factos dados como provados.
Acresce que o enquadramento tributário da Requerente nunca foi questionado, quer no procedimento administrativo, quer no PPA, facto que pressupõe o reconhecimento e a aceitação dos respetivos requisitos e elementos integradores, dados como provados.
Esse julgamento teve, ainda, presente as disposições legais sobre o ónus da prova, o inquisitório, a igualdade das partes, a economia dos atos e os deveres de imparcialidade do Tribunal.
V – Do mérito – fundamentação de direito
A AT entende que um OIC não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRC, incidindo o imposto sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 3 e n.º 2 do art.º 4.º, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do art.º 94.º do CIRC, exceto no caso de existência de CDT em que se aplica o regime aí previsto.
No caso da questão decidenda perante este Tribunal Arbitral, no momento da retenção e feita prova da verificação dos pressupostos da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e o Canadá - al. b) do n.º 2 do art.º 10.º, nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 98.º do CIRC -, foi aplicada a taxa reduzida de 15%, a qual não foi corrigida nem questionada pela AT, confirmando os respetivos requisitos e pressupostos, de facto e de direito.
Termos em que releva decidir se a sujeição da Requerente à referida tributação viola a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do TFUE, o facto de os dividendos distribuídos a OIC não residentes (no caso, residente em país terceiro - Canadá) por entidades com sede ou com estabelecimento estável em Portugal estarem aqui sujeitos a tributação por retenção na fonte, enquanto idêntico tipo de rendimentos, quando distribuídos a fundos de investimento constituídos e operando de acordo com a legislação nacional, estão isentos de tributação, por força do disposto no nº 3 do artigo 22º do EBF.
A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22º do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no Processo n.º C-545/19, no qual se concluiu que “(…) o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
Sublinha-se que a supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8.º da CRP.
No presente PPA é pretendido anular os actos de retenção na fonte, a título definitivo, em sede de IRC em virtude de a Requerente entender que os mesmos consubstanciam uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63º, do TFUE, norma vigente na ordem jurídica interna "ex vi" n.º 4 do artigo 8.º da CRP, atenta, ainda, a consideração a jurisprudência do TJUE, principalmente, a constante do processo C-545/19, de 17/03/2022 [cfr. AC STA Pleno da 2ª Secção (28/09/2023), rec. 93/19.7BALSB, AC STA 2ª Secção (13/09/2023), rec. 715/18.7BELRS e AC STA 2ª Secção (08/05/2024), rec.2412/21.7BELRS].
Citando apropriadamente a jurisprudência do STA “Resumidamente, pode concluir-se que o art.º 63.º, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Que a interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia. Que o citado Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, também se aplica em situações de comparabilidade face à legislação de Países Terceiros (como é o caso dos presentes autos).” – cf. Proc. n.º 02412/21.7BELRS, Ac. STA de 2024-05-08.
Atento o enquadramento e fundamentos expostos sobre a incompatibilidade do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, dele excluindo as sociedades constituídas segundo ordenamentos jurídicos de países terceiros (como é o caso do Canadá), deve concluir-se que a tributação efetuada e o indeferimento expresso da reclamação graciosa interposta contra aqueles atos de retenção na fonte, enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a respetiva anulação, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força da alínea c) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Quanto ao direito a juros indemnizatórios, a liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia confere ao contribuinte o direito a esses juros - cf. neste sentido, entre outros, a decisão arbitral proferida no Proc. n.º 114/2022-T e o Acórdão do STA de 2020-10-14, proferido no Proc. n.º 01273/08.6BELRS.
Porém, num primeiro momento o erro apenas pode ser imputável ao substituto (e não à AT), pelo que releva observar o decidido pelo STA no acórdão de uniformização de jurisprudência de 2022-06-29, proferido no Proc. n.º 093/21.7BALSB: “(…) Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do art.º 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.”.
Nesse mesmo sentido, a mais recente jurisprudência do Pleno do STA (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 8/2025, publicado no DR de 09-07-2025, afirma que: “Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito”.
VI - Decisão
Termos em que o Tribunal Arbitral Coletivo decide:
- Anular as retenções na fonte dos rendimentos identificados, no montante de € 69.176,87 e reconhecer o direito ao respetivo reembolso.
- Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
- Reconhecer o direito a de juros indemnizatórios, calculados nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
- Condenar a Requerida no pagamento integral das custas.
VIII - Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 69.176,87, em conformidade com o disposto, na al. a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e Processo Tributário e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
XIX - Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida dada a improcedência do pedido, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 12 de setembro de 2025.
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Prof. Victor Calvete (Presidente)
Dr. Paulo Ferreira Alves
Dr. Vítor M.R. Braz (relator)