Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 24/2025-T
Data da decisão: 2025-09-09  IVA  
Valor do pedido: € 63.991,65
Tema: IVA - Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF).: redução do preço.
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SUMÁRIO:

1- As obrigações que resultam, para as empresas aderentes, do acordo APIFARMA não têm natureza tributária, não constituem um modo diverso de cumprimento da CEIF.

2. Sempre que, depois de realizada uma operação, se verifique diminuição do preço inicialmente faturado, ainda que essa vicissitude não envolva a contraparte, reduz-se o valor tributável em IVA.

3. A emissão de notas de crédito a favor das entidades do SNS suas devedoras, feita pela Requerente em razão da sua adesão ao acordo APIFARMA, consubstancia uma redução do valor tributável e, em consequência, autoriza a regularização a seu favor do IVA mencionado em tais notas.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., ..., n.º ..., ..., Algés, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I-              RELATÓRIO

 

A)   O pedido

A Requerente peticiona:

- que seja declarada a ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IVA n.º2023..., n.º2023..., n.º2023 ... e n.º 2023..., relativas, respetivamente, aos períodos de 2019/01, 2019/05, 2019/11 e 2019/12, no montante total de EUR 54.832,74 e respetivas liquidações de juros compensatórios, nº 2023..., nº 023 ..., nº 2023 ... e nº 2023..., no montante de total EUR 9.158,91,

- que a Requerida seja condenada, para além da restituição do imposto indevido, no pagamento de juros indemnizatórios.

-subsidiariamente, no caso de improcedência do pedido principal, a anulação da liquidação de juros compensatórios.

 

b) O litígio

 

A Requerente aderiu acordo celebrado entre o Estado e a Indústria Farmacêutica - Acordo Apifarma.

No quadro de tal acordo, emitiu notas de crédito a favor de entidades do Serviço Nacional de Saúde suas clientes, o que implicou que estas vissem diminuída a sua dívida.

A Requerente considera que se está perante a redução do preço inicialmente praticado e que, portanto, se verificou uma alteração do valor tributável e, consequentemente, do valor do IVA devido ao Estado, razão pela qual regularizou a seu favor o imposto contido em tais notas de crédito.

 

A Requerida não aceitou tal regularização por entender que o resultante do cumprimento  do Acordo Apifarma e o pagamento da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica - CEIF - se apresentam como idênticos, quer quanto aos seus objetivos, quer quanto à forma de apuramento, não podendo o contribuinte obter qualquer vantagem em razão da sua opção quanto à forma de cumprimento. 

Entende que os montantes em causa no âmbito do Acordo Apifarma se encontram fora do âmbito de incidência do IVA, revestindo sempre a natureza de contribuição financeira.

Assim, entende que as notas de crédito emitidas pela Requerente não consubstanciam uma redução do preço dos medicamentos anteriormente faturado, sustentando que, através da emissão de tais notas de crédito, a Requerente apenas dá quitação a uma parte dos créditos em dívida por parte do SNS em montante igual ao valor da contribuição que teria de entregar ao Estado, caso não tivesse aderido ao Acordo.

 

Sugere ainda a formulação de um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE porque a jurisprudência do TJUE existente sobre a matéria não importa as mesmas especificidades de facto que se verificam no caso em apreço e não existe mais jurisprudência que possa esclarecer esta questão[1].

 

c) Tramitação processual

 O pedido foi aceite em 08/01/2025.

Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição. 

O tribunal arbitral ficou constituído em 17/03/2025

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

Em 08/07/2025, foi realizada a reunião a que se refere o art. 18 do RJAT, conforme consta da respetiva ata.

As partes apresentaram  alegações nas quais reafirmaram as suas posições.

 

d)    Saneamento

 

O Processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram alegadas exceções e não existem questões que devam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

 

II – PROVA

 

II.1- Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) A Requerente é sujeito passivo de IVA que exerce a sua atividade no setor farmacêutico, dedicando-se, entre outros, à comercialização de medicamentos e outros produtos farmacêuticos.

b)  A Requerente comercializa os seus produtos farmacêuticos e outros junto de hospitais que integram o Sistema Nacional de Saúde (“SNS”). 

c) A Requerente aderiu ao Acordo entre o Estado Português e a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (“APIFARMA”), em representação das empresas da Indústria Farmacêutica, previsto no artigo 5.º do Regime da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (“RCEIF”).

d) Ao abrigo da cláusula 5.ª de tal acordo e da sua declaração de adesão, a Requerente concretiza a sua Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica trimestralmente, na proporção da sua quota de mercado do ano anterior, mediante a emissão de notas de crédito em benefício das entidades do SNS suas clientes, notas que compensam ou liquidam as faturas mais antigas anteriormente emitidas a estas entidade

e) Assim aconteceu nos períodos de tributação em causa neste processo, janeiro, maio, novembro e dezembro de 2019.

f) A Requerente considerou as notas de crédito emitidas no campo 40 das correspondentes declarações periódicas de IVA, regularizando a seu favor o imposto contido em tais notas de crédito. 

h) A Requerente foi sujeita a uma inspeção tributária externa, da qual resultaram correções em sede de IVA, as quais deram origem às liquidações ora impugnadas.

g) A fundamentação de tais correções foi, no essencial, a seguinte:

(…) através da emissão das notas de crédito, a A... apenas liquida uma parte dos créditos em dívida por parte do SNS em montante igual ao valor da contribuição que teria de entregar ao Estado (caso não estivesse no Acordo)”

(…) esta situação não se enquadra nas situações previstas no n.º 7 do artigo 29.º do CIVA em conjugação com n.º 2 do artigo 78.º do mesmo diploma, pois, em termos práticos, a operação de pagamento da contribuição não se consubstancia num abatimento ou desconto sobre o valor das suas vendas uma vez que não se verifica uma diminuição do valor tributável das operações ativas anteriormente realizadas conforme previsto no artigo 16.º do CIVA

 (…) O valor da faturação anteriormente realizada ao SNS e sobre a qual o sujeito passivo liquidou o respetivo IVA, não sofreu qualquer diminuição, apenas foi objeto de liquidação financeira por parte do SNS através do mecanismo da emissão de um crédito em seu favor, a título de contribuição financeira (leia-se a título de substituição da CEIF - contribuição a que a A... está sujeita, face à atividade exercida)”. 

(…) “a emissão destas notas de crédito traduz o pagamento da contribuição financeira a que a A...  está obrigada e como tal nunca poderão dar lugar à regularização de IVA, por parte do fornecedor, pois não tem enquadramento nas situações previstas no artigo 78.º ou em qualquer outro artigo do Código do IVA”. 

(…)sendo a contribuição financeira/entrega de meio monetários pelos aderentes ao Acordo à entidade pública que centraliza as operações financeiras do SNS, a ACSS, não constitui a contrapartida de uma prestação de serviços ou transmissão de bens, tal como definidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, tratando-se, por conseguinte, de uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto.

h) A Requerente efetuou o pagamento das referidas liquidações adicionais.

i) A Requerente apresentou reclamação graciosa com vista à respetiva anulação de tais liquidações, a qual não foi decidida dentro do prazo legal para tal.

 

Estes factos constam da documentação junta aos autos, nomeadamente do RIT, não tendo sido objeto de qualquer controvérsia entre as partes.

 

II-           Factos não provados

Não existem com relevância para a decisão da causa

 

 

III O DIREITO

 

 

III. I – O direito à dedução do IVA

 

A questão essencial a decidir é saber se o pagamento da contribuição financeira devida pela Requerente ao abrigo da Adesão ao Acordo Apifarma, mediante a emissão de notas de crédito às entidades do SNS suas devedoras, consubstanciou uma redução do valor tributável em IVA e, em consequência, autoriza a Requerente a regularizar a seu favor o IVA mencionado naquelas notas de crédito.

A questão foi já objeto de várias decisões arbitrais de sentido coincidente, ou seja, estamos perante uma questão que, até ao momento, se apresenta como pacífica[2].

 

Antes de mais, importa recordar a relação entre o regime decorrente dos Acordos Apifarma e o regime decorrente da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF), em especial, dilucidar se as obrigações decorrentes de tais regimes se equiparam ou se são distintas. 

Na sequência de diplomas legais anteriores, que não interessa agora referir, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (LOE de 2015) criou, no seu artigo 168.º, o regime da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica.

 

O artigo 5.º deste regime é do seguinte teor:

 

Artigo 5.º - Acordo para sustentabilidade do SNS

 

1 - Pode ser celebrado acordo entre o Estado Português, representado pelos Ministros das Finanças e da Saúde, e a indústria farmacêutica visando a sustentabilidade do SNS através da fixação de objetivos de valores máximos de despesa pública com medicamentos e de contribuição de acordo com o volume de vendas das empresas da indústria farmacêutica para atingir aqueles objetivos.

2 - Ficam isentas da contribuição as entidades que venham a aderir, individualmente e sem reservas, ao acordo a que se refere o n.º 1 nos termos do número seguinte, mediante declaração do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P.

3 - A isenção prevista no presente artigo produz efeitos a partir da data em que as entidades subscrevam a adesão ao acordo acima referido e durante período em que este se aplicar em função do seu cumprimento, nos termos e condições nele previstos.

 (…)

Em 2012, foi celebrado um acordo entre os Ministérios da Saúde, da Economia, e do Emprego e das Finanças e a Indústria Farmacêutica, no qual foi fixado um objetivo de despesa máxima com medicamentos; para contribuir para a sua concretização, as empresas aderentes se comprometeram-se pagar uma contribuição proporcional à despesa que o SNS teve com os seus medicamentos, seja através do consumo hospitalar destes medicamentos ou da comparticipação dos mesmos aos pacientes[3].

Para tal, e como também previsto em tal acordo, a Requerente emitiu notas de crédito pelo valor da percentagem da contribuição financeira sobre o valor total das compras que lhe haviam sido efetuadas por essas entidades, de modo a reduzir o montante devido.

 

Nenhuma dúvida parece suscitar o facto de a obrigação de pagamento decorrente da CEIF[4] ter natureza tributária, de esta figura dever ser qualificada como sendo uma contribuição financeira[5]

A pergunta é se a obrigação que decorre, para as empresas aderentes, da celebração do acordo Apifarma mantêm essa natureza tributária, o mesmo é dizer, usando a argumentação da Requerida, se a “compensação de créditos” prevista nesse acordo mais não é que uma outra forma de extinção da obrigação decorrente da contribuição financeira. 

 A natureza não tributária da obrigação pecuniária decorrente do acordo APIFARMA resulta evidente da natureza contratual desse acordo. Ora, as obrigações tributárias têm, por definição, origem legal, os seus elementos essenciais são fixados por lei (em sentido material, no caso das contribuições financeiras).

Os acordos Apifarma revestem a natureza de contratos administrativos, as obrigações deles têm fonte contratual, resultam de acordos de vontade e não, diretamente, da lei[6]

 

Como já referimos, a “coexistência” da obrigação tributária resultante da adesão ao acordo Apifarma é lograda através da isenção do pagamento do tributo pelas empresas que adiram a tal acordo.

 

Porém, nos termos do já transcrito artigo 5.º, nºs 2 e 3, do regime da CEIF:

 

2 - Ficam isentas da contribuição as entidades que venham a aderir, individualmente e sem reservas, ao acordo a que se refere o n.º 1 nos termos do número seguinte, mediante declaração do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P.

3 - A isenção prevista no presente artigo produz efeitos a partir da data em que as entidades subscrevam a adesão ao acordo acima referido e durante período em que este se aplicar em função do seu cumprimento, nos termos e condições nele previstos.

 

Ora, «a isenção tem a natureza jurídica de um facto impeditivo autónomo e originário [pelo que] é certo que a isenção se configura como facto impeditivo quanto à constituição da obrigação tributária […]».

 

E, por isso, «isenção dá-se quando, não obstante se ter verificado o facto tributário em todos os seus elementos, a eficácia constitutiva deste é paralisada originariamente pela ocorrência de um outro facto a que a lei atribui assim eficácia impeditiva».[7]

 

Portanto, se a obrigação tributária não se constitui, por via da isenção, daí decorre que não pode haver, posteriormente lugar ao seu cumprimento, ainda que “por via indireta”. Os “descontos” efetuados pelas empresas no quadro do acordo Apifarma têm, necessariamente, que decorrer de outra realidade jurídica, ter outra fonte, que não a contribuição financeira.

  

Concluindo-se que o regime decorrente dos Acordos APIFARMA e o regime decorrente da CEIF são distintos e não-equiparáveis, resta determinar se as notas de crédito a que se referem os presentes autos consubstanciaram uma redução do valor tributável em IVA das transmissões efetuadas pela Requerente e são, em consequência, dedutíveis em sede de IVA.

Resulta da Diretiva IVA que o valor tributável das operações sujeitas a imposto corresponde ao valor efetivo da contraprestação, recebida pelo fornecedor, pelas entregas dos bens ou pelas prestações de serviços. 

Mas resulta igualmente daquele texto comunitário - artigos 78.º e 79º - que o valor dos bens possa não corresponder ao preço que serviu de base à liquidação, no caso, entre outros, de redução deste.

 Haverá ainda que chamar à colação o artigo 90.º, n.º 1, da Diretiva IVA[8], transposto pelo artigo 16.º, n.º 6, alínea b), do CIVA[9].

 

Não existem quaisquer normas legais (ou razões para tal …) que devam levar a concluir pelo afastamento destas regras gerais do IVA quando estão em causa operações económicas, sujeitas a IVA, ainda que decorrentes de contratos administrativos. 

Assim, «[…] torna-se fácil perceber que o pagamento da contribuição financeira à APIFARMA através da emissão de notas de crédito aos hospitais, não é mais do que uma redução do preço devido pelos hospitais às empresas farmacêuticas, não existindo qualquer obstáculo a que as empresas farmacêuticas procedam à regularização do IVA pago ao Estado excesso»[10].

 

Uma nota última: a AT (para além da perda de receita que o direito à dedução do IVA constante das notas de crédito origina) pretende fazer “equivaler” os dois regimes (o do cumprimento da CEIF e o resultante do acordo APIFARMA) com base numa ideia de igualdade, de neutralidade, por entender que a adesão ao acordo implica, para as empresas aderentes, um esforço financeiro menor que o decorrente da tributação pela contribuição financeira.

Este é um facto!

Mas tal não permite ao intérprete afastar as normas legais aplicáveis (as que, para este consagram o direito à dedução do IVA inicialmente faturado em excesso).

Aliás, a manutenção desta opção legal, nas condições em que pode ser exercida, pese embora a desigualdade que cria, poderá ser entendida como correspondente a uma vontade legislativa, Com o ac. do STA 0191/20BEVIS, de  10-05-2023,“deve salientar-se que estes acordos são, geralmente, mais favoráveis do que as condições resultantes do regime legal de pagamento do tributo (cfr.artºs.6 e 7, do Regime da CEIF supra). Julga-se que a perda de receita do tributo decorrente da adesão será, de algum modo, compensada pela obtenção pelo SNS - sem a intermediação da AT - da renda proveniente dos acordos, que ocorreria de modo mais célere e pressupondo uma redução da conflitualidade (cfr.Aquilino Paulo Antunes, ob. cit., pág.220 e seg.).”

 

 

III.2 – Pedido de reenvio prejudicial

O reenvio prejudicial para o TJUE só se justifica quando o julgador tenha dúvidas quanto ao sentido e alcance de alguma disposição do direito da União Europeia.

 

Quando tal dúvida não exista, deve o tribunal limitar-se a aplicar o direito da União Europeia, mesmo que alguma disposição de direito interno com ele se mostre desconforme.

 

Tal como resulta da economia da presente decisão arbitral, este Tribunal considera que a resolução do litígio pode ser encontrada por recurso às normas e princípios, sejam da legislação nacional, sejam da União, quer por recurso à jurisprudência do TJUE sobre situações jurídicas semelhantes.

E assim, porque ao Tribunal não se colocam quaisquer dúvidas quanto à conformidade, com o direito comunitário, do entendimento adotado - e com a fundamentação anterior -, entende-se não se justificar o pedido de reenvio prejudicial.

Na realidade, a questão central que se coloca neste processo não é uma questão de IVA passível de ser interpretada à luz do Direito da União.

A questão central é saber se os “descontos” concedidos pelas empresas farmacêuticas a clientes, por força do acordo Apifarma, constituem uma forma alternativa de cumprimento da CEIF ou se trata de uma posterior redução do preço de uma operação ”normal” sujeita a IVA.

Estamos, pois, perante um problema de qualificação jurídica de determinados factos e não perante um problema de interpretação da lei aplicável (as normas de IVA, caso se conclua pelo último desses entendimentos).

O que, ainda mais, torna desnecessária, até mesmo despropositada, a intervenção do TJUE

 

III.3 – Juros indemnizatórios

 

Peticiona a Requerente que a Requerida AT seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos constantes do artigo 43.º, da LGT. 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estatui que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Não existem dúvidas que, da prática do ato impugnado, resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

A ocorrência de «erro imputável aos serviços» constitui pressuposto da condenação da Requerida em juros indemnizatórios.

No caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das liquidações impugnadas se fundam em erro nos pressupostos de direito, erro esse imputável aos serviços da AT.

Tem assim a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, do CPPT, relativamente ao montante já pago, o que será determinado em execução de sentença.

 

IV - DECISÃO

 

Acorda-se em julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

  1. Declarar ilegais e determinar a anulação das liquidações adicionais de IVA ora impugnadas;
  2. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos e no pagamento de juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

VALOR: € 63.991,65

 

 

CUSTAS: fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, a cargo da Requerida atenta a total procedência do pedido.

 

09 de setembro de 2025

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

 Marta Vicente

 

 


A. Sérgio de Matos

 


 

 

 

 



[1] As questões a ser colocadas ao TJUE seriam:

Opõe-se o princípio da neutralidade a esta forma de cálculo e pagamento das contribuições, na qual, apenas numa de 4 situações, que depende apenas da celebração do acordo e, da existência ou não de dívida por parte das entidades do SNS, é permitida a regularização de imposto em função dos fornecimentos anteriores e, nas demais situações, tal regularização não é possível? 

É permitida a regularização do IVA, mesmo quando no caso de o facto gerador dos pagamentos da contribuição não coincidir com o facto gerador do IVA devido sobre os fornecimentos de medicamentos?

[2] Seguiremos de perto o ac. arbitral que pôs termo ao proc. 644/2024, subscrito pelo ora relator.

[3] Joana Branco Pires / Rita Coimbra de Oliveira, «A recuperação do IVA na contribuição sobre a indústria farmacêutica», Cadernos IVA 2020, 2021, pág. 323.

[4] Estão sujeitas à contribuição as entidades que procedam à primeira alienação a título oneroso, em território nacional, de medicamentos de uso humano, sejam elas titulares de autorização, ou registo, de introdução no mercado, ou seus representantes, intermediários, distribuidores por grosso ou apenas comercializadores de medicamentos ao abrigo de autorização de utilização excecional, ou de autorização excecional, de medicamentos.

A contribuição incide sobre o total de vendas dos tipos de medicamentos enumerados na lei, realizadas em cada trimestre. As taxas variam, consoante o tipo de medicamento, entre 2,5% e 14,3%.

[5] A imposição a que nos vimos referindo abate-se sobre um agregado de sujeitos passivos que se presume provocar - em certa medida - os custos para a sustentabilidade do SNS que aquele visa colmatar, conjunto esse que apresenta uma conexão relevante com o SNS e com as atribuições da citada "ACSS, I.P.".
Consideramos, por conseguinte, que o tributo em análise, tal como já o deixava indiciado o seu "nomen iuris" é uma contribuição financeira a favor de uma entidade pública (cfr.artº.165, nº.1, al.i), da C.R. Portuguesa; artº.3, nº.2, da L.G.T.; Aquilino Paulo Antunes, ob.cit., pág.221) – 
Ac. STA de 17/12/2024, proc. 077/17.

 

[6] A questão da natureza dos pagamentos devidos pelas empresas aderentes no quadro do acordo APIFARMA foi analisada no acórdão do STA (curiosamente, pela sua 1ª secção) que concluiu que o  não pagamento da contribuição a que a recorrente ficou obrigada por ter aderido ao Acordo, celebrado em 14/5/2012, entre o Estado e a Indústria Farmacêutica representada pela APIFARMA com vista à redução da despesa pública com medicamentos configura o incumprimento de um contrato administrativo.

Daí se ter entendido que uma situação de incumprimento de tal obrigação não pode ser havida como correspondendo a uma “situação fiscal não regularizada”, impeditiva de a sociedade em questão concorrer a concursos públicos.

Também no sentido de estar em causa um contrato administrativo, pois que que apreciou à luz das regras de interpretação dos contratos a questão da inclusão, não especificamente prevista, de mais um medicamento em tal acordo, vd. o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º P000322015.

[7] Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, 1972, pág. 283.

[8] 1- Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

(…)

[9] 6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:

(…)

b) Os descontos, abatimentos e bónus concedidos;

(…)

[10] Joana Branco Pires / Rita Coimbra de Oliveira, cit. pág. 326.