Sumário: A dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria tributável aos sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto no artigo 90.º do Código do IRC, não sendo aplicável o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
1. Em 03 de Fevereiro de 2025 os contribuintes A..., contribuinte n.º..., B..., contribuinte n.º ... e C..., contribuinte n.º ..., todos com domicílio profissional na Rua ..., número ..., ...-... ..., freguesia de ..., concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 07 de fevereiro de 2025.
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceite nos termos legalmente previstos.
4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 11.04.2025 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
5. A AT apresentou a sua resposta em 28.05.2025.
6. O Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino renunciou às funções arbitrais.
7. Por despacho de 24.06.2025, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD determinou a sua substituição, como árbitro no presente processo, pelo signatário (Dr. André Festas da Silva), tendo aceite a nomeação.
8. Por despacho de 15.07.2025 a reunião prevista no art. 18º do RJAT foi dispensada e as partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações.
9. Os Requerente apresentaram as suas alegações em 24.07.2025.
10. A Requerida apresentou as suas alegações em 08.09.2025.
11. Pretendem os Requerentes que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o ato de indeferimento da reclamações graciosa (proc. n.º ...2024...) e consequentes liquidações de IRS do ano de 2022, (Liquidação n.º 2023..., com imposto a pagar no montante de 27.450,36 Euros, relativa a A.../ Liquidação n.º 2023... com imposto a pagar no montante de 2.038,81 Euros relativa a B.../ Liquidação n.º 2023 ... com imposto a pagar no montante de 2.427,05 Euros relativa a C...) e a restituição da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios.
I.2. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
1. Retira-se das informações que sustentam os despachos de indeferimento que nada há a opor quanto à aplicabilidade do benefício fiscal de IRC previsto no CFI - SIFIDE à sociedade D..., Lda, por se verificarem os respetivos pressupostos, o que igualmente se conclui quanto à imputação do referido benefício fiscal aos requerentes, enquanto únicos sócios daquela sociedade, de harmonia com o disposto no n.º 5 do art.º 90.º do Código do IRC.
2. Não estando em causa um benefício fiscal de IRS, é indubitável que não será aplicável a limitação prevista no n.º 7 do art.º 78.º do Código do IRS, dado que tal limitação visa apenas as deduções à coleta previstas no próprio Código do IRS, a que acrescem, apenas, os benefícios fiscais aplicáveis em sede IRS, nomeadamente os previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
3. Note-se que é o próprio normativo que regula o benefício fiscal do SIFIDE (ou seja, os artigos 35.º a 42.º do CFI, aprovado pelo Decreto-Lei 162/2014, de 31 de setembro) sendo que o artigo 38.º do CFI estabelece a respetiva quantificação, não havendo qualquer limitação à dedução da coleta.
4. O facto de o benefício fiscal de IRC operar, no caso em apreço, através de dedução à coleta do IRS, não significa que se esteja perante um benefício fiscal de IRS, resultando tal dedução ao IRS, tão somente, do modo como se processa a tributação das sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, cuja matéria coletável não é tributada em IRC, ao abrigo do artigo 12.º do respetivo Código, mas sim em sede de IRS, na pessoa dos respetivos sócios, conforme disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC e do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IRS.
5. Tendo os impostos (IRS) sido pagos e padecendo as liquidações dos sobreditos erros de facto e de Direito, além da restituição dos tributos indevidamente pagos os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º nº 1 da LGT.
I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
1. Quando em causa estejam sociedades de transparência fiscal, deverão considerar-se dois momentos distintos em sede de tributação:
a) O momento do apuramento da matéria coletável, que opera na sociedade de transparência fiscal, segundo as regras do CIRC;
b) O momento do apuramento da coleta, que ocorre já na espera do sócio, segundo as regras do CIRS.
2. Nestes termos, definiu o legislador que as despesas elegíveis, para efeitos de atribuição de benefício fiscal ao abrigo do SIFIDE, teriam de ser sempre “as realizadas pelo sujeito passivo de IRC”, conforme resulta do disposto no artigo 36.º do CFI, que as poderá deduzir “ao montante da coleta do IRC”, conforme preveem os n.os 1, 3 e 4 do artigo 38.º do referido diploma.
3. É patente a previsão expressa da dedução do valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento “ao montante da coleta do IRC”.
4. Não obstante isso, no caso em concreto, a AT não põe em causa que o SIFIDE – apesar de se consubstanciar numa dedução à coleta de IRC – seja repercutido na esfera dos Requerentes (na qualidade de sócios de uma sociedade transparente e em função da imputação que lhes cabe), em sede de IRS.
5. Num primeiro momento, e por força do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC, a matéria coletável da sociedade de profissionais é determinada nos termos do CIRC.
6. Num segundo momento, a matéria coletável da sociedade de profissionais – determinada segundo as regras do CIRC – é imputada aos seus sócios, sendo tal matéria coletável integrada no rendimento tributável de cada um dos sócios, para efeitos de IRS (cfr. artigo 6.º, n.º 1 do CIRC e artigo 20.º, n.º 1 do CIRS).
7. Nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC, a matéria coletável da sociedade de profissionais é imputada aos respetivos sócios nos termos que resultarem do ato constitutivo; na medida em que os Requerentes têm igual participação na sociedade “D..., Lda”, a imputação da matéria coletável desta sociedade aos seus sócios será igualmente feita em partes iguais.
8. Mais estipula o artigo 20.º, n.º 2 do CIRS que a matéria coletável gerada na sociedade “D..., Lda” e integrada no rendimento tributável de cada um dos Requerentes, será integrada como rendimento líquido da categoria B com os restantes rendimentos do agregado familiar, para determinação da taxa geral de IRS a aplicar.
9. Tem-se, assim, por inquestionável que o apuramento da coleta ocorrerá na esfera dos sócios – aqui Requerentes –, sendo efetuado de acordo com o procedimento de liquidação de IRS, previsto no CIRS.
10. Nessa decorrência, atento o disposto no n.º 1, al. k) do artigo 78.º do CIRS, o legislador determinou que à coleta apurada segundo as regras definidas no CIRS são efetuadas as deduções relativas aos benefícios fiscais.
11. Sendo o SIFIDE um benefício fiscal, o mesmo é deduzido à coleta por força da alínea k) do n.º 1 do artigo 78.º do CIRS, ficando, todavia, sujeito às limitações referidas nos n.os 7 e 8 do mesmo preceito normativo.
12. É a posição defendidas pelos Requerentes que potencia desigualdades entre os sócios de sociedades de profissionais e os profissionais independentes, que o legislador certamente não pretendeu com o estabelecimento do regime das sociedades de transparência fiscal.
13. Crê a Requerida ser a sua interpretação mais consentânea com a intenção do legislador de neutralidade fiscal e respeito pelo princípio da igualdade e da capacidade contributiva e a que menos provoca situação de discriminação negativa (por contraposição com a jurisprudência que dá razão aos Requerentes).
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março e encontram-se legalmente representadas.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n. º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão central a decidir, tal como colocada pelos Requerentes, prende-se com os limites à dedutibilidade, em sede de IRS, dos montantes relativos às deduções à coleta apuradas numa sociedade de transparência fiscal, resultantes do SIFIDE.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. Os requerentes são os sócios de uma sociedade de transparência fiscal, denominada de “D..., Lda”, NIPC..., com sede na Rua ..., número ..., ...-... ..., freguesia de ..., concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro.
2. O capital social da referida sociedade é de 7.500 Euros, sendo que cada um dos sócios é detentor de uma quota no valor nominal de 2.500 Euros.
3. A “D..., Lda.” é uma sociedade de profissionais, sujeita ao regime da transparência fiscal.
4. Em 2020, aquela sociedade efetuou investimento no capital do Fundo de Capital de Risco (FCR) “E..., FCR” de que resultou um benefício fiscal (SIFIDE) de 82.500 Euros.
5. Resultante das imputações efetuadas aos sócios nos anos de 2021 e 2022, ainda transitou para o ano de 2022 o valor global remanescente de 50.435,56 Euros.
6. No ano de 2022 a sociedade de transparência fiscal apurou matéria coletável no montante de 83.498,00.
7. A matéria coletável apurada no ano de 2022, foi imputada a cada um dos sócios na proporção das suas quotas, cabendo a cada um sócios:
a. A... o valor de 27.832,68 Euros;
b. B... o valor de 27.832,66 Euros;
c. C... o valor de 27.832,66 Euros
8. O valor total do benefício fiscal, SIFIDE, correspondente ao ano de 2022, seria de 16.534.58 Euros, de acordo com o seguinte:
a. Matéria coletável: 83.498,00 Euros
b. Coleta: 17% * 25.000 + 21 * 58.498,00 = 16.534,58 Euros
9. O que corresponde a cada um dos sócios, um montante de 5.511,53, ou seja, o 1/3 daquele valor total.
10. Cada um dos sócios, mencionou na sua declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, os rendimentos assim imputados ao ano de 2022.
11. No anexo D da Modelo 3 do IRS, campo 902, quadro 9, cada um dos sócios mencionou o correspondente benefício fiscal, a este ano de 2022.
12. Nas liquidações de IRS, relativas ao ano de 2022, o benefício fiscal, de cada um, não foi considerado na liquidação pela sua totalidade, apesar de ter sido mencionado no campo 902, do quadro 9 do Anexo D à declaração Modelo 3 de IRS.
13. Em 27 de fevereiro de 2024, os requerentes reclamaram daquelas liquidações, para AT.
14. A AT em 9 de novembro de 2024 notificou, cada um dos requerentes, da Decisão Final – Reclamação Graciosa, decidindo pelo seu indeferimento.
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos alegados relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal e do mérito da causa foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos que constam dos números 1 a 14 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 11 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes em relação à matéria de facto.
V. Do Direito
I) Dedução à coleta
A questão que ora cumpre apreciar e decidir foi decidida pelo STA em Acórdão proferido em 07.06.2023, no âmbito do processo n.º 01301/21.0BEBRG, em conhecimento de recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença em tudo idêntica ao assunto sub judice, proferida em processo de impugnação judicial deduzida relativamente a IRS do ano de 2019. Em sentido igual decidiu também o Tribunal Central Administrativo do Norte, proc. n.º 02222/21.1 BEBRG, de 16.01.2025 e as seguintes decisões do CAAD: proc. n.º 93/2022, de 26.09.2022, proc. n.º 336/2022 de 27.10.2022, proc. n.º 807/2022 de 11.05.2023, proc. n.º 251/2023 de 07.12.2023, proc. n.º 260/2023 de 27.09.2023, proc. n.º 453/2023 de 26.02.2024, proc. 221/2024 de 20.09.2024, proc. n.º835/2024 de 13.12.2024, proc. n.º 884/2024 de 28.11.2024 e proc. n.º 885/2024 de 02.01.2025.
Ora, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito à luz do disposto no artigo 8.º nº 3 do Código Civil, e porque concordamos com o Acórdão da STA (processo n.º 01301/21.0BEBRG) citado e respetivos fundamentos, por semelhança ao caso sob apreciação, acolhemos a argumentação jurídica aduzida naquele Acórdão, na medida em que não se vislumbra justificação para decidirmos em sentido contrário, passando-se aqui a citar o mesmo.
“Nos termos do artigo 6.º do CIRC - diploma que regula o regime de tributação das pessoas colectivas, sob a epígrafe “Transparência fiscal”, consta o seguinte:
«1 — É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b) Sociedades de profissionais;
c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público.
2 — Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direcção efectiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis directamente aos respectivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.
3 — A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
4 — Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais:
1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade; ou,
2) A sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75 %, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e, pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade; (…)».
Como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, o regime de transparência fiscal tem natureza imperativa, o que significa que este regime é sempre o aplicável às pessoas colectivas ou singulares que reúnam as características plasmadas no artigo 6.º, n.ºs 1, 4 e 5 do CIRC.
Subjacente à consagração deste particular regime de tributação – que parte da ideia de que certas pessoas colectivas, delimitadas em função do seu tipo societário, objecto social ou estrutura de negócios, não devem ser tributadas, devendo a tributação antes incidir sobre os respectivos sócios Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2023, página 53, autor e obra a que se reportam todas as transcrições subsequentes que não sejam de outro modo identificadas. - estiveram, especialmente, objectivos: de neutralidade fiscal (visando o regime “promover a neutralidade fiscal entre formas colectivas e individuais de certas actividades” em que releva sobremaneira a componente humana, a rendimentos idênticos deve corresponder uma tributação idêntica independentemente da figura societária a que esses rendimentos estejam associados); de eliminação da dupla tributação económica dos rendimentos, obstando a que os sócios das sociedades submetidos ao regime sejam, pelos mesmos rendimentos, tributados em sede de IRC e, num momento posterior (após distribuição dos lucros), sejam objecto de nova tributação na sua esfera individual, a título de IRS (ao impor a transparência fiscal, o Código de IRC fixa a tributação exclusivamente ao nível dos sócios, pessoas colectivas ou singulares, embora a partir de uma base de incidência determinada em IRC); de combate à evasão fiscal, eliminando/reduzindo a possibilidade de um planeamento fiscal abusivo, que o legislador presume poder existir quando determinadas actividades passíveis de serem desenvolvidas a título pessoal são realizadas sob a forma societária; e de mera harmonização europeia, designadamente através das imposições decorrentes do Regulamento (CEE) n.º 2137/85, de 25 de Julho de 1985. Recorde-se que o regime de transparência fiscal foi introduzido pela primeira vez na ordem jurídica portuguesa em 1989, com a entrada em vigor do CIRC. Neste sentido, vide, ainda, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-6-2016 (processo n.º 01508/13 e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27-3-2012 (processo n.º 05287/12) e de 10-2-2022 (processo 949/09.5BELRS), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt e Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, página 293.
É de salientar ainda que, por força do preceituado no artigo 12.º do CIRC, «as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas».
Da conjugação dos preceitos referidos antes decorre que as sociedades ditas “transparentes” (identificadas no artigo 6.º), apesar de excluídas de incidência tributária por os rendimentos dela provenientes não serem tributados na própria pessoa colectiva mas na pessoa dos sócios, desempenham enquanto sociedade «um papel determinante na fixação da matéria colectável», já que esta quantificada nos termos do IRC como se a sociedade o próprio sujeito passivo do IRC. Isto é, a imputação aos sócios imposta pelo artigo 6.º do CIRC é precedida da determinação da matéria colectável segundo o regime próprio das pessoas colectivas.
Sobre a determinação da matéria colectável consta no artigo 90.º do CIRC (na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, atento o preceituado no seu artigo 329.º, n.º 2), sob a epígrafe «Procedimento e forma de liquidação» que:
«1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;
b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;
c) A relativa a benefícios fiscais;
d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
e) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 — (Revogado).
4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 — (Revogado)
8 — Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.
9— Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
10 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos nºs 2 a 4.
11 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
12 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.».
Ou seja, resulta deste preceito, para o que aqui interessa, que o legislador não impôs qualquer limitação à dedução à colecta no caso dos benefícios fiscais em sede de IRC, excepto, para além da colecta virtual, que, das deduções operadas, não resulte valor negativo, o que está fora de questão na situação sub judice, sendo a imputação das deduções, por força do n.º 5, realizada nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC.
Resulta ainda deste Código, mais concretamente do seu artigo 92.º ( revisto pelo legislador no diploma que aprovou o CFI – vide, artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro), que, no que respeita especificamente ao benefício fiscal que se analisa (SIFEDE II), não há lugar a qualquer correcção, mesmo nas situações em que, por via da aplicação da dedução resulte um valor de imposto a pagar inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse desse benefício [cf. artigo 92.º, n.º 2, al. b)].
Tendo presente o que ficou dito, é de concluir que a questão a resolver está em saber se, impondo a Lei que é a matéria colectável da sociedade transparente determinada nos termos do CIRC que é imputada na esfera jurídica do sócio a título individual, em sede de IRS, e operando as deduções à colecta em momento posterior a essa definição da matéria colectável, a dedução relativa ao benefício fiscal em apreço deverá seguir o regime estabelecido no artigo 78.º do CIRS, incluindo a sua sujeição aos limites consagrados no n.º 7 do referido preceito [nos termos do qual a soma das deduções à colecta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 (a última dessas alíneas relativa a benefícios fiscais) não pode exceder, por agregado familiar e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas: a) Para contribuintes que tenham um rendimento colectável igual ou inferior ao valor do 1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite; b) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do 1.º escalão e igual ou inferior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o limite resultante da aplicação da seguinte fórmula:€ 1 000 + [€ 2 500 - € 1 000) x [valor do último escalão - Rendimento Coletável] valor do último escalão - valor do primeiro escalão; c) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de € 1 000] ou se, pelo contrário, existirão razões que justifiquem que, nestes casos, essas limitações devam ser afastadas.
A resposta, como deixámos já adiantado, para nós, só pode ser no sentido do afastamento ou inaplicabilidade das limitações consagradas no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS.
Para que se compreenda a razão do entendimento aqui sufragado, importa recordar que, nos termos enunciados na nossa Lei Fundamental, os impostos visam primacialmente a arrecadação de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado ou de outras entidades públicas, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza e a redução de desigualdades (artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa – CRP). Porém, para além destas, a tributação prossegue também outras finalidades, designadamente a promoção do desenvolvimento económico e social, constituindo a concessão de benefícios fiscais ou o estabelecimento de regimes preferenciais a investimentos considerados relevantes pelo Estado, medidas directas para e na prossecução da concretização desse objectivo.
Um dos mecanismos que o Estado introduziu no ordenamento jurídico para a captação de investimento, entre os vários consagrados de forma especial no CIF, foi o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II, que o legislador qualifica como benefício excepcional exclusivamente reconhecido por razões de interesse público para responder à necessidade do país de promover a competitividade e o investimento empresarial.
É precisamente este objectivo que o legislador assume, quer no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 162/14, quer no artigo 1.º do CFI: «O presente decreto-lei aprova um novo Código de Investimento Fiscal e procede à revisão dos regimes de benefícios fiscais ao investimento produtivo e respectiva regulamentação, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas».
Podemos dizer, em termos gerais, que o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) especialmente regulado nos artigos 35.º a 42.º do CFI constitui um benefício fiscal que o Estado consagrou perante a necessidade de aumentar a competitividade da economia. Ou seja, o Estado reconheceu ao aumento de competitividade um interesse público superior ao interesse da própria tributação que a consagração do benefício impede (ou limita). Neste sentido, Rui Marques/Sónia Martins, Código Fiscal do Investimento, Anotado e Comentado, Almedina, 2022, página 326.
Do regime especial consagrado nos artigos 35.º a 42.º do CFI decorre que o SIFIDE II constitui um sistema que faculta «uma redução fiscal através do reconhecimento do esforço, fazendo com que as despesas com actividades de I&D não sejam um custo mas um investimento e que permitam ao mesmo tempo uma poupança fiscal», uma vez que, para efeitos de SIFIDE II: (i) são dedutíveis as despesas de investigação ou de desenvolvimento realizadas pelo sujeito passivo que se mostram definidas no artigo 36.º e devam ser consideradas relevantes (elegíveis) nos termos do artigo 37.º; (ii) essa dedução é realizada nos termos especialmente previstos no artigo 38.º do mesmo Código, que regula a dedução à colecta, em sede de IRC, do valor correspondente, estipulando o seu n.º 3 que a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código de IRC.
Posto isto e revertendo aos factos concretamente apurados nos autos, temos que a Recorrida é sócia de uma sociedade de profissionais nos termos do artigo 6.º, n.ºs 1 e 4, alínea a) do CIRC, portanto é sócia de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, sociedade esta que mencionou no IES/DA relativa ao ano de 2019, no Campo G05, benefícios fiscais passíveis de dedução à colecta no valor de € 66.871,79, a que corresponde o benefício atribuído à sociedade ao abrigo do SIFIDE II no valor de € 165.000,00, com o limite da colecta virtual, ou seja, a colecta que a entidade teria caso houvesse lugar a IRC.
Encontrando-se a sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal e, por isso, sendo a matéria colectável imputada aos sócios, temos que o benefício fiscal em causa (despesas de investigação e de desenvolvimento, elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II) regulado nos artigos 35º e 38º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Dec. Lei nº 162/2014, de 31/10) deve ser incluído no campo 902 do anexo D da declaração modelo 3, por cada um dos sócios e na proporção que lhe seja afecta (artigo 6.º, n.º 3 e 90.º, n.º 2 e 5 do CIRC), que, no caso da Impugnante, ascende ao valor de € 18.008,57.
Cremos que esta interpretação não só não ofende o preceituado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do CIRC, como respeita o regime especial consagrado nos artigos 35.º a 42.º do CIF e os fins que determinaram a consagração do benefício fiscal, ou seja, que garantem o prosseguimento do interesse público superior ao da própria tributação que lhe é inerente. E, bem assim, afigura-se-nos mesmo ser a interpretação que se revela mais conforme ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
Com efeito, entende-se que não ofende o preceituado no artigo 6.º, n.º 1 do CIRC, porque o que neste normativo se impõe é que a matéria colectável seja imputada aos sócios no seu rendimento tributável em sede de IRS, exigência que a nossa interpretação não afronta. Na verdade, não está em questão que a matéria colectável apurada nos termos definidos no artigo 90.º do CIRC tenha de ser imputada aos sócios individualmente, tal como impõe o n.º 1 do primeiro normativo citado, nem que o regime a aplicar à dedução à colecta em que este benefício fiscal se traduz contende com essa imputação, por lhe ser subsequente.
Também se entende que é compatível com o artigo 6.º n.º 3 do CIRC, porque nos termos deste normativo e da sua conjugação com o preceituado no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC decorre que, no caso das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, as deduções à colecta (artigo 90.º n.º 2) são efectuadas nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades transparentes ou, na falta de elementos, em partes iguais. No caso em apreço a dedução que os Recorridos pretendem que lhes seja reconhecida é precisamente a que resulta do acto constitutivo.
E entende-se que respeita ainda o regime especial que disciplina os benefícios em investigação e desenvolvimento, por desse regime resultar que a dedução é realizada nos termos do artigo 90.º do CIRC (artigo 38.º, n.º 3 do CFI).
Donde, salvo o devido respeito por toda a argumentação aduzida pela Recorrente, a tese que defende não tem suporte na letra da lei, conduz a uma distorção e obstrução dos objectivos prosseguidos pelo legislador nacional e europeu com a consagração do regime de transparência fiscal, determina que o investimento e o sacrifício financeiro inerente a esse regime não se traduzam efectivamente num benefício fiscal e, por último, conduz a situações de desigualdade injustificáveis.
Com efeito, a tese da Recorrente não tem suporte na letra da lei porque o que o legislador diz, tendo em vista os objectivos que identificámos, é que o regime de transparência fiscal impõe que a matéria colectável da sociedade apurada segundo o regime do CIRC é imputada na esfera pessoal dos sócios, e não que, posteriormente, após a integração ou englobamento dessa matéria colectável com outros rendimentos dos sócios, só se possam realizar as deduções à colecta previstas em sede de IRS e com os limites aí estabelecidos. E tratando-se de um benefício fiscal concedido a uma sociedade, que opera por dedução à colecta, apenas pelo regime aplicável a essa sociedade se pode realizar a dedução na esfera pessoal dos sócios. Aliás, o legislador terá mesmo pretendido salvaguardar esta especificidade ao determinar que a integração no rendimento do sócio se faz “nos termos da legislação que for aplicável”, que só pode ser a disciplina consagrada de forma especial nos artigos 90.º e 92.º do CIRC e 35.º a 42.º do CIF. Isto, sem prejuízo da tributação incidir, sendo caso disso, conjuntamente com os rendimentos de outros membros do agregado familiar, sendo-lhe, subsequentemente, aplicada a taxa correspondente.
A tese da Recorrente também conduz a uma distorção ou obstrução dos objectivos que o regime de transparência visa alcançar, porquanto os objectivos que o legislador quis alcançar com a consagração deste regime ficam substancialmente comprometidos, particularmente o objectivo de neutralidade fiscal, para muitos o seu objectivo estrutural e “edifício teleológico”.
E a essa tese implica até que, nestas situações, o investimento em investigação e desenvolvimento não se traduza num benefício fiscal para a sociedade, mas num custo para os sócios pessoas singulares, já que ao sacrifício relativo ao investimento e à “promessa legal” de amplíssima dedução das respectivas despesas, nos termos especialmente previstos nos artigos 35.º a 38.º do CFI, corresponderia, afinal, uma dedução à colecta residual, no caso em apreço, uma dedução de cerca de € 500,00 em vez de cerca de € 18.000,00 ou, eventualmente, até a sua total eliminação.
Por fim, a mesma tese conduz a situações de discriminação carentes de justificação legal. Efectivamente, como bem salientou o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, no qual, após defender a não aplicação dos limites dos limites consagrados no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, sustentou que “o entendimento contrário conduz, de forma inaceitável, a que as sociedades sujeitas ao regime de transparência sejam discriminadas relativamente a todos os outros sujeitos passivos de IRC o que, na falta de justificação cabível, suscita, no mínimo, dúvidas sobre a constitucionalidade de tal interpretação”. E acrescentamos agora nós, conduz até a uma insustentável discriminação em matéria de tributação entre os próprios sócios nas situações em que a sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal tenha como sócios simultaneamente pessoas singulares e pessoas colectivas, uma vez que, a estes últimos, relativamente a um mesmo benefício e ano fiscal, nunca é aplicável a limitação consagrada no citado artigo 78.º, n.º7 do CIRS.
É que, o respeito pelo princípio da igualdade, contrariamente ao que alega a Recorrente nas suas conclusões, não pode ser aferido por referência ao confronto entre um sujeito passivo cuja tributação de rendimento se encontra integralmente submetida ao regime consagrado no CIRS e um sujeito passivo, sócio de uma sociedade em regime de transparência fiscal, cuja matéria tributável que lhe é imputável, provém do exercício da pessoa colectiva, é determinada nos termos do CIRC e à qual é reconhecido um benefício fiscal de dedução de despesas (elegíveis) reguladas por um regime especial (CIF), que determina que essa dedução seja realizada nos termos do CIRC.
Carece, pois, de sentido, neste contexto, alegar a existência de uma desigualdade entre sujeitos passivos de IRS, por ser seguro que os sujeitos que a Recorrente convoca para comparar não estão numa mesma situação material: os sujeitos passivos pessoas singulares que não são sócios de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal e a quem não foi reconhecido o benefício fiscal, ou seja, que não realizaram as despesas de investimento e desenvolvimento cuja dedução o Estado, sem limites (além dos já salvaguardados), assegurou que seriam efectivadas não é idêntica à das pessoas singulares – sócios de sociedades sujeitas a regime de transparência fiscal a quem foi reconhecido o benefício, investimento que as pessoas colectivas, que a Recorrida integra na qualidade de sócia, confiando na economia fiscal prometida, realizaram.
Em suma, se bem vemos, da conjugação dos vários normativos citados, e tendo presente os critérios interpretativos consagrados nos artigos 9.º do CC e 11.º da LGT, há que concluir que, nas situações em que o benefício em I&D é concedido a sociedades imperativamente sujeitas ao regime de transparência fiscal, a sua dedução ocorre na matéria colectável do sócio, em sede de IRS, mas sem a limitação consagrada no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, uma vez que a tal obstam o preceituado nos artigos 90.º e 92.º do CIRC, o disposto no CFI, em especial no seu artigo 38.º n.º 3 e, bem assim, os princípio da igualdade e boa-fé, constitucionalmente consagrados.” – fim de citação.
Deste modo, constatando-se que a sobredita sociedade está enquadrada no regime de transparência fiscal e, por isso, a matéria coletável é imputada aos sócios, no seguimento da Jurisprudência que aqui demos conta, a dedução do beneficio fiscal em questão ocorre na coleta dos Requerentes, em sede de Imposto Sobre o Rendimento da Pessoas Singulares, mas sem a limitação imposta pelo artigo 78.º n.º 7 do Código de Imposto Sobre o Rendimento da Pessoas Singulares, face ao que decorre do disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, assim como ao que resulta do disposto no Código Fiscal do Investimento, em particular no seu artigo 38.º n.º 3 e ao abrigo dos princípios da igualdade e boa-fé, constitucionalmente consagrados.
Posto isto conclui-se pela anulação do indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações de IRS relativas a 2022, já melhor identificadas.
II) Juros indemnizatórios
Os Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação dos atos tributários, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas relativas à dedução à coleta e ficou demonstrado que as liquidações de IRS padecem de erro de direito imputável à AT, vício para o qual os Requerentes em nada contribuíram.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que os Requerentes pagaram indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
VI) DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do indeferimento da reclamação graciosa e das liquidação IRS 2022, nas partes em que têm como pressuposto a não dedução à coleta de IRS da quantia que beneficia do SIFIDE;
b) Condenar a Requerida na devolução do imposto indevidamente pago, por força das liquidações parcialmente anuladas acrescido de juros indemnizatórios, a apurar pela AT na execução do presente decisão;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, face ao decaimento.
Fixa-se o valor do processo em €12.257,30 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 09 de setembro de 2025
O Árbitro
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(André Festas da Silva)