Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 87/2025-T
Data da decisão: 2025-09-08  IRC  
Valor do pedido: € 226.475,22
Tema: Organismo de investimento coletivo não residente – Distribuição de Dividendos - Discriminação - Tratado de Funcionamento da União Europeia
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SUMÁRIO:

I - O regime contido no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) é incompatível com o disposto no artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE"), na medida em que restringe o regime de isenção aos organismos de investimento coletivo (“OIC”) constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC estabelecidos segundo a legislação de outros Estados Membros (“EM”) da União Europeia (“UE”).  

II - Impende sobre a AT o dever de conhecimento do Direito da UE, de que resulta a obrigação de não aplicação das normas internas desconformes com aquele e cuja inobservação é suscetível de originar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). 

III – O prazo de contagem dos juros devidos inicia-se com a formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa.

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., organismo de investimento coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com sede em ..., Alemanha, com o número de identificação fiscal português ..., (“Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

I.         Relatório

O pedido formulado pela Requerente tinha em vista (i) a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) por retenção na fonte, incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2022 e 2023, no valor total de € 226.475,22, com a consequente revogação do indeferimento tácito da reclamação graciosa por si apresentada e (ii) o reconhecimento do direito da Requerente à restituição desta quantia e ao pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22 de janeiro de 2025.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação em 11 de março de 2025, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 31 de março de 2025.

Tendo sido devidamente notificada para o efeito, em 12 de maio de 2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, sem suscitar matéria de exceção, e remeteu o processo administrativo.

Nessa mesma data, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, e fixou um prazo de 15 dias para a apresentação de alegações finais, o que ambas as Partes fizeram, no dia 2 de junho de 2025, tendo mantido o essencial dos fundamentos anteriormente alegados.

a.             Posição da Requerente

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou que:

i)           A Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um OIC, com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária;

ii)         É um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país;

iii)       Detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal; 

iv)        Em 2022 e 2023 deteve participações de capital nas sociedades «B... SGPS, SA» e «C... SGPS, SA»;

v)          Nos referidos anos, e na sua qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal; 

vi)        Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de 2022 e 2023 foram sujeitos a tributação, por retenção na fonte liberatória, às taxas de 25% e 35%, previstas no artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”), no valor total de € 226.475,22;

vii)      Conforme já foi confirmado pelo Tribunal de Justiça da UE (“TJUE”) - em acórdão proferido em dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) -, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em EM da UE (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal, viola, de forma frontal, o artigo 63.º, do TFUE;

viii)    Em 20.06.2024, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 132.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 137.º, do CIRC, reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2022 e 2023, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal;

ix)        A Requerente nunca foi notificada de qualquer decisão no procedimento, pelo que decorrido o prazo legal para o efeito, se presume o indeferimento tácito da referida reclamação graciosa;

x)          Com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que, em sede de outro processo arbitral que correu termos junto do CAAD (processo n.º 93/2019-T), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, tendo o processo corrido termos junto do TJUE sob o n.º C-545/19;

xi)        Em 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC; 

xii)      Dessa decisão decorre, inapelavelmente, a procedência do presente pedido, uma vez que a questão material controvertida se mostra integralmente resolvida por aquela instância comunitária;

xiii)    Tal como sintetizado pelo TJUE no referido acórdão: 

Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado-Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 29);

xiv)     De forma perentória e inequívoca, o TJUE declarou que: 

O artigo 63.º TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”;

xv)       Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4, e 87.º, n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º, do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes), não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE;

xvi)     O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, prevê que “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário, sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”;

xvii)   Por força do disposto no n.º 3 do referido preceito legal, os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos;

xviii) Nos termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro EM da UE beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º, do EBF;

xix)     Assim, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4, e 87.º, n.º 4, também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF;

xx)       Por seu turno, nos casos de dividendos distribuídos a OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa, tais rendimentos estão isentos de imposto, ao abrigo do regime previsto (à data dos factos e ainda atualmente) no artigo 22.º, do EBF;

xxi)     Conforme decorre da decisão do TJUE no referido processo C-545/19: 

Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 38); 

xxii)   Ora, um tratamento desfavorável por um EM dos dividendos pagos a entidades não residentes face ao tratamento favorável reservado aos dividendos pagos às entidades aí residentes é inequivocamente suscetível de dissuadir as entidades não residentes de realizarem investimentos nesse EM e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º, do TFUE;

xxiii) De facto, embora residentes e não residentes não estejam sempre numa situação comparável, são colocados nessa posição a partir do momento em que um EM opte por exercer o seu poder de tributação sobre ambos;

xxiv)  Também concluiu o TJUE que: “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 81);

xxv)    A consequência jurídica do princípio do primado do Direito da UE é a não aplicação, em caso de conflito entre leis, das disposições internas contrárias à disposição comunitária bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária;

xxvi)  Ou seja, o dever de anulação dos atos tributários ora sindicados decorre diretamente do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à presente data;

xxvii)O que motivará a integral procedência do presente pedido arbitral, concluindo-se pela anulação do ato tributário ora sindicado e pelo direito do Requerente à restituição do imposto indevidamente suportado, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos nos termos do artigo 43.º, da LGT, tudo com as demais consequências legais.

b.             Posição da Requerida

A Requerida apresentou resposta, tendo alegado que:

i)           É sobre a Requerente que recai o ónus de demonstrar os factos constitutivos e legitimadores da sua pretensão, pelo que a falta de demonstração da verificação dos factos por si alegados ter-se-á de resolver contra as suas pretensões processuais;

ii)         A Requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efetivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da UE;

iii)       A situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas;

iv)        Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente;

v)          Tem o TJUE entendido que o facto de determinado EM não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável (Acórdão Truck Center, processo C-282/07, de 22-12-2008);

vi)        No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português;

vii)      Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e de coerência do sistema fiscal nacional;

viii)    O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal;

ix)        Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC;

x)          Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à Tabela Geral do Imposto do Selo, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;

xi)        Está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º do CIRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período;

xii)      Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente;

xiii)    E ainda que o OIC não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pela Requerente não possa vir a ser recuperado pelos investidores;

xiv)     Não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu;

xv)       A AT não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada;

xvi)     Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos - IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;

xvii)   Acresce que o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores; 

xviii) Todavia, a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores;

xix)     Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário;

xx)       A jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro EM constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal;

xxi)     Embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, não exista a obrigação de retenção na fonte (cf., n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do CIRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano;

xxii)   Acresce que as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no n.º 5 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo;

xxiii) E, portanto, o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas a que não corresponde uma discriminação em substância;

xxiv)  Será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros EM da EU;

xxv)    Inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

II.        Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação dos ato de liquidação de IRC por retenção na fonte.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades ou irregularidades.

III.      Matéria de Facto 

§1 - Fundamentação da fixação da matéria de facto

O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente a prova documental junta aos autos pela Requerente, do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, tendo os mesmos sido apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, e

apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.

§2 - Factos provados

Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão, consideram-se os seguintes factos provados:

a)          A Requerente é uma pessoa coletiva constituída segundo o direito alemão e com residência fiscal na Alemanha;

b)         É um sujeito passivo de IRC não residente para efeitos fiscais em Portugal e que não possui neste território um estabelecimento estável;

c)          Nos anos de 2022 e 2023, auferiu dividendos decorrentes das suas participações no capital das sociedades «B... SGPS, Lda» e «C... SGPS, Lda», no montante total de € 676.653.29;

d)         Os dividendos foram sujeitos a retenção na fonte, no montante total de € 226.475,22, calculado às taxas de 25% e de 35%, assim discriminado:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo (€)

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da
retenção (€)

2022

   208.089,37 

18.05.2022

35%

...

   72.831,28 

2022

     68.798,60

20.09.2022

25%

...

   17.199,65 

2022

  100.157,72 

20.09.2022

35%

...

   35.055,20 

2023

     99.921,80

17.05.2023

35%

...

   34.972,63 

2023

      9.045,30 

17.05.2023

25%

...

     2.261,32 

2023

     80.919,02

23.05.2023

35%

...

   28.321,65 

2023

     13.247,78

23.05.2023

25%

...

     3.311,94 

2023

     84.031,29

25.08.2023

35%

...

   29.410,95 

2023

     12.442,41

25.08.2023

25%

...

     3.110,60 

TOTAL

676.653,29 

 

 

 

226.475,22 

 

e)     Em 20 de junho de 2024, a Requerente submeteu uma reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2022 e 2023, na qual solicitou a anulação do mesmo por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal;

f)     A reclamação graciosa não foi apreciada pela AT dentro do prazo legal de 4 meses, tendo a Requerente considerado a mesma como tacitamente indeferida e apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.

§3 - Factos não provados

Com relevo para a decisão, não há factos alegados que se tenham dado como não provados.

IV.      Do Mérito 

O pedido e a causa de pedir, que circunscrevem a apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral, centram-se na incompatibilidade do regime estatuído no artigo 22.º, do EBF face ao TFUE, na medida em que o mesmo introduz uma discriminação entre OIC residentes e não residentes.

A Requerente entende que a situação controvertida é inteiramente coincidente com a matéria apreciada pelo TJUE no processo n.º C-545/19, que opôs a Requerente AllianzGI-Fonds AEVN e o Estado português: a Requerente é uma OIC com residência fiscal na Alemanha e auferiu dividendos que foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal, o que não teria sucedido relativamente a OIC com residência fiscal em Portugal.

Já a Requerida contende que uma tal discriminação exigiria que nos encontrássemos perante situações objetivamente comparáveis, o que não se verifica in casu. Pelo contrário, a tributação de dividendos auferidos por residentes e não residentes opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.

Esta matéria já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em Acórdão de uniformização de jurisprudência de 28.09.2023 (processo n.º 093/19.7BALSB), em consequência de interposição de recurso visando a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 96/2019-T. 

O pedido de pagamento de juros indemnizatórios por incompatibilidade do direito nacional para com o Direito da União, foi esclarecido pelo STA em Acórdão, igualmente de uniformização de jurisprudência, de 28.05.2025 (processo n.º 078/22.6BALSB).

Pelo que a decisão arbitral seguirá de perto tais arestos.

Começando pelo primeiro dos supra referidos Acórdãos:

Em sede de conhecimento do mérito do presente recurso compete a este Tribunal aferir da compatibilidade entre os normativos nacionais que isentam de tributação, na cédula de IRC, os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, mais tributando, por retenção na fonte a título definitivo, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro da União Europeia, no caso, a Alemanha e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), especialmente, com o seu artº.63, normativo que consagra a liberdade de circulação de capitais.

(…)

Recorde-se que o direito europeu, originário ou derivado, vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade directa e do efeito directo (…). Por força dos citados princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário for, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível.
No caso "sub iudice", está em causa a apreciação de normas de direito interno (cfr.v.g. artºs.22, do E.B.F.) e a sua compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais, estatuída no artº.63, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). 
(…)

Ora, para aferir se existe, ou não, uma situação de discriminação é necessário determinar, desde logo, se as duas situações são, ou não, comparáveis. Depois, partindo do princípio que, de facto existe comparabilidade entre as duas situações, impõe-se verificar se diferentes regras se aplicam a situações comparáveis, ou se as mesmas regras se aplicam a situações diferentes, dado que ambos os casos podem levar a uma discriminação no que diz respeito às liberdades económicas fundamentais (…).

Revertendo ao caso dos autos, deve considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes, que não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à mesma tributação. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação (cfr.acórdão Santander Asset Management SGIIC, do T.J.U.E., de 10/05/2012, Processo C-338/11 e apensos, § 28).

Passando a apreciação para o Acórdão do TJUE no processo C-545/19:

“a) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A...-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A...-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE. (§ 17);

b) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33);

c) Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57);

d) Um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69);
e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74);

f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83);

g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85).

Como vimos, verifica-se uma identidade factual abrangente: (i) uma OIC não residente (na verdade, com residência fiscal no mesmo EM), (ii) que auferiu dividendos pagos por sujeitos passivos residentes em território nacional, (iii) numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (iv) tendo este último beneficiado de um regime de isenção de tributação em divergência para com o regime de tributação por retenção na fonte liquidada à OIC não residente. 

A aplicabilidade direta da decisão do TJUE (ato claro) não oferece dúvida, além de estar ancorada no Acórdão de uniformização de jurisprudência do STA. Assim se concluindo pela incompatibilidade do regime contido no artigo 22.º, do EBF, com o disposto no artigo 63.º, do TFUE, na medida em que restringe o regime de isenção aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros EM da UE.

Quanto aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, o Acórdão de uniformização de jurisprudência do STA de 28.05.2025 oferece uma resposta clara e precisa, conforme o correspondente sumário:

Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia, e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Note-se que os acórdãos recorrido e fundamento versam sobre um quadro factual idêntico à situação controvertida: OIC que auferiram dividendos em Portugal, os quais foram sujeitos a tributação por retenção na fonte.

E tendo tais retenções sido declaradas ilegais por violação do princípio do tratamento nacional de Direito da UE, em sede de livre circulação de capitais, que obriga a que o regime nacional de dispensa de retenção na fonte aplicado às entidades beneficiárias residentes seja também aplicado às entidades beneficiárias não residentes, verifica-se um erro imputável à AT. Com efeito, impende sobre a AT o dever de conhecimento do Direito da União, de que resulta a obrigação de não aplicação das normas internas desconformes com aquele e cujo incumprimento é suscetível de originar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

O STA pronunciou-se sobre o termo inicial da obrigação de pagamento dos juros indemnizatórios, perante a oposição de duas decisões arbitrais: uma, considerando que o início do prazo de contagem corresponde à data do trânsito em julgado da decisão judicial que determina a desaplicação da norma julgada ilegal e outra decidindo que o início se verifica na data de pagamento da prestação tributária indevida (data da retenção na fonte).

Seguindo a Acórdão em apreço:

“(…) está em causa a desaplicação de norma legal, por decisão judicial transitada em julgado, em virtude de ilegalidade/desconformidade com Direito Convencional supra legal (artigo 8.º, n.º 4, da CRP e artigo 70.º/1/i), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), da norma do artigo 22.º/1, do EBF, quando se entenda ser de aplicar apenas aos organismos de investimento colectivo, residentes em território nacional, em detrimento de idênticas entidades sedeadas noutros Estados membro da União Europeia, que se encontram na mesma situação.

Tendo ocorrido retenções na fonte consideradas ilegais, constitui jurisprudência assente do STA a fixada no Acórdão do Pleno da CT, de 29-06-2022, P. 093/21.7BALSB, segundo a qual,

«Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T».

(…)

Em face do exposto, impõe-se conceder provimento parcial ao recurso de uniformização de jurisprudência, no sentido seguinte: 

«Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito».”.

Uma solução que se compreende pela necessidade do procedimento administrativo (no caso, reclamação graciosa) e no poder-dever que recai sobre a AT de corrigir as retenções na fonte indevidamente liquidadas, conformando-as com o Direito da União. Essa omissão imputável à AT, de indeferimento expresso ou tácito da reclamação graciosa, é constitutiva do dever de pagamento de juros indemnizatórios.

No presente caso, em que foi apresentada reclamação graciosa que a Requerida não apreciou no prazo legal de 4 meses, é a partir dessa data, de formação do indeferimento tácito, que se inicia a contagem dos juros indemnizatórios.

V.        Decisão

Face ao exposto, decide-se:

i)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, e, em consequência, declarar a ilegalidade dos actos de retenção na fonte contestados no presente processo, referentes aos anos de 2022 e 2023, e, também, em consequência, declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente;

ii)         Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente retido, no valor de € 226.475,22, e condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável, contados desde a data de formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, sobre a importância a reembolsar, até à emissão da nota de crédito.

iii)       Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI.      Valor do Processo 

Fixa-se ao processo o valor de € 226.475,22, respeitante ao montante das liquidações de IRC por retenção na fonte e cuja anulação a Requerente pretende (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VII.    Custas 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, a cargo da Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Lisboa, 8 de setembro de 2025

 

 

Carla Castelo Trindade

 

                                               

Jónatas E. M. Machado

 

José Luís Ferreira (relator)