Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 147/2025-T
Data da decisão: 2025-09-08  IRC  
Valor do pedido: € 42.260,00
Tema: IRC – Retenção na fonte; Dividendos; Benefício fiscal; Organismo de Investimento Colectivo (OIC) não residente; Livre circulação de capitais.
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            SUMÁRIO:

                                                                                                      

I - O artigo 63.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

II -       Os nºs. 1 e 10 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao limitarem o regime neles previsto a Organismos de Investimento Colectivo constituídos segundo a legislação nacional, estabelecem uma discriminação arbitrária, configurando uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

 

            A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ..., Frankfurt am Main, Alemanha, (doravante designado “Requerente”), veio, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral singular, com designação de árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, tendo em vista obter pronúncia arbitral que aprecie a legalidade do ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidente sobre o pagamento de dividendos relativo ao ano de 2022.

            Pede a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados, por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, o reconhecimento do seu direito à restituição da quantia de EUR 42.260,00, relativa a retenção na fonte de IRC suportada em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.

 

            É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

 

            Em 12-02-2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.

            Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro deste Tribunal Arbitral que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) a c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

 

            O Tribunal Arbitral ficou constituído em 22-04-2025. 

 

            A Requerida apresentou Resposta, em 23-05-2025, na qual suscita, em primeiro plano, diversas questões prévias / excepções inominadas potencialmente impeditivas do êxito da pretensão formulada pelo Requerente e defende a sua tese quanto ao Direito, concluindo pela improcedência do pedido arbitral e juntou o Processo Administrativo (PA).

            Convidado a pronunciar-se sobre a matéria das questões prévias e documentos inerentes, o Requerente veio, em 16-06-2025, exercer o direito ao contraditório, em termos que adiante veremos com algum detalhe, mantendo no mais o requerido.

            Em 26-06-2025, proferiu-se despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, facultando às partes a apresentação de alegações escritas.

            As partes apresentaram alegações, nas quais mantiveram e / ou desenvolveram as teses já anteriormente defendidas.

 

            II. SANEAMENTO  

 

            O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das pretensões aqui formuladas, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), b) e c) todos do RJAT.

            As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). 

 

            III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

            

            1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.     O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), constituído sob a forma contratual e não societária, com residência fiscal na Alemanha, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país (Doc. n.º 1 junto com o PPA, que se dá por reproduzido).

 

B.     

 

 

 

A...

O Requerente é um fundo de investimento, segundo a informação disponível em https://portal.mvp.bafin.de/database/FondsInfo/?locale=en_GB, mediante pesquisa pelo BaFin-Id 7..., consulta da qual se constata o seguinte: 

 

 

 

 

C.      No ano de 2022, o Requerente era detentor de um lote de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, tendo recebido, na qualidade de acionista dessas sociedades, dividendos sujeitos a tributação em IRC em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos (Doc n.ºs 2 e 3 juntos com o PPA, que se dão por reproduzidos).

 

D.     As entidades responsáveis pela custódia dos títulos detidos em Portugal eram a B... e o C... (cit. Doc. n.º 2).

 

E.      Os referidos dividendos, recebidos no decorrer do ano de 2022, foram sujeitos a tributação em IRC por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (cits. Docs. n.ºs 2 e 3).

 

F.      O Requerente suportou, em Portugal, no ano em causa, a quantia total de imposto de 

EUR 42.260,00, assim discriminado:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

 

Valor da retenção (€)

2022

50 000,00

10.05.2022

25%

..

12 500,00

2022

62 800,00

18.05.2022

25%

...

15 700,00

2022

56 240,00

07.06.2022

25%

...

14 060,00

TOTAL

42 260,00

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cits. Docs. n.ºs 2 e 3).

 

G.     Por discordar da retenção na fonte efetuada, no dia 20.06.2024, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2024..., para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2022, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade, por violação direta do Direito da União Europeia (UE), bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal, acrescido de juros indemnizatórios (Doc. n.º 4 junto junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido e PA-RG).

 

H.     No dia 11.11.2024, o Requerente foi notificado, através de Ofício com carimbo e registo postal de 06-11-2024, do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada (Doc. n.º 5 junto junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido). 

 

I.        Do despacho de indeferimento da RG, proferido em 31-10-2024, pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegaçáo de competências, consta, além do mais o seguinte: 

V – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

Salienta-se o facto de não ter sido feita prova de que a reclamante detém efetivamente o estatuto de OIC nem que não logrou deduzir na Alemanha, estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, e, atendendo a que se trata de uma entidade estrangeira, a AT. não tem conhecimento da sua natureza jurídica.

Assim, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, cabe aos reclamantes a sua prova, com a junção dos respetivos estatutos, pois, se não provarem que são um OIC, não lhes é, desde logo, de aplicar o art.º 22.º do EBF

No entanto, quanto à desconformidade do regime previsto no art.° 22.° do EBF com o Direito da Uniáo Europeia, cumpre dizer o seguinte:

13. Através do Decreto-Lei n.° 7/2015, de 13 de janeiro (2), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.° 22.° do EBF (3), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (4), conforme resulta do n.° 1 do art.° 22.° do EBF, e Circular n.° 6/2015.

14.Com a nova redação, o legislador estabeleceu que, para esses sujeitos passivos de IRC, (i) não são considerados, na determinação do lucro tributável, os rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.°s 5.°, 8.° e 10.° do CIRS, conforme resulta do n.° 3 do referido art.° 22.° do EBF, (ii) estão isentos das derramas municipal e estadual (n.° 6) e, (iii) estabeleceu ainda uma dispensa da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos por si obtidos (art.° 22.° n.° 10 do EBF).

15. Tal regime não é aplicável à reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação da Alemanha, por falta de enquadramento com o disposto no n.° 1 do art.° 22.° do EBF, conforme entendimento sancionado superiormente. Vejamos.

16. Efetivamente, o Tribunal de Justiça da Uniáo Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo n.° C — 545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que «O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção».

17. De notar que, o legislador prevê no n.° 10 do art.° 22.° do EBF uma dispensa (e não uma isenção) da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional (n.° 1).

18. Todavia, não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.

19. Evidenciando-se que, a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, mas não afastam a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu.

20. E, no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.° 1 do art.° 22.° do EBF e, consequentemente, dos n.°s 2, 3 e 10 da referida norma legal.

21. Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.° 10 do art.° 22.° do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

22. Pelo que, nos parece viável uma interpretação juridica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC´s não residentes e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

23. Ora, no caso em apreço, conforme informado, a reclamante é não residente fiscal e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.° 1 do art.º 22.° do EBF.

24. Pelo exposto, é de indeferir o pedido quanto aos períodos RF/IRC de 2022.

(...)

 

J.       O presente PPA foi apresentado em 2025-02-10 (SGP do CAAD).

 

                        2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

            Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

                        3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

 

            Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

            A convicção do Tribunal quanto à matéria não consensual fundou-se na análise do Processo Administrativo (PA) e nos documentos juntos pelas Partes, conforme está refectido em relação a cada facto considerado provado. O Requerente integra a Listagem Oficial do Registo Público dos Fundos de Investimento da Autoridade Supervisora Financeira da Alemanha, BaFin – ID ..., constituindo tal menção o comprovativo de que se trata de um organismo de investimento coletivo devidamente autorizado.

 

            IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 

 

            1. QUESTÕES PRÉVIAS

 

            Antes de penetrar na análise da questão de fundo, a Requerida coloca, sinteticamente, os seguintes obstáculos à pretensão deduzida:

            - Não se aferiu que o requerente reveste a forma de Organismo de Investimento Coletivo (OIC), nem que tais rendimentos foram declarados e isentos de tributação no estado de residência, de forma a não poder acionar o crédito de imposto que se encontra previsto na CDT celebrada entre Portugal e o país de residência da requerente;

            - As retenções foram, alegadamente, entregues através das guias, n.ºs ... e ... entregues D... SA., apresentando valores muito superiores ao peticionado, pelo que torna-se impossível a confirmação do pedido;

            - Não foi apresentado pela requerente a declaração emitida pelo agente pagador em Portugal nos períodos relevantes (artigo 28.º da LGT), ou seja, pelo substituto tributário, atestando a data de distribuição dos dividendos, montante bruto dos dividendos distribuídos ao requerente e imposto retido na fonte em Portugal bem como o número da guia através da qual foi entregue o imposto retido junto dos cofres da autoridade tributária;

            - As “MODELO 30 – rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não

residentes”, relativas ao período tributário de 2022, em que foi entidade declarante D... SA, NIF ..., revelam rendimentos pagos nos períodos indicados, no montante de €169.039,98, a que corresponde uma retenção na fonte de €42.260,00, valor este coincidente com o peticionado e documentos apresentados;

            - Solicitada informação à Direção de Serviços de Relações Internacionais, no sentido de saber se foram pedidos/efetuados quaisquer reembolsos relativos aos rendimentos supra referidos, veio a DSRI esclarecer o seguinte: “(…) - Em resposta ao solicitado informamos que, da análise efetuada às aplicações RELINT e SGRI, não foram pedidos/efetuados quaisquer reembolsos relativos aos rendimentos indicados, conforme comprovativos em anexo.”

 

            Respondendo as estas questões, o Requerente aduz, em suma:

            - O Requerente encontra-se inscrito junto da Bundesanstal für Finanzdienstleistungaufscicht (“BaFin”), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação (“BaFin-Id”) ... (cfr. informação disponível em https://portal.mvp.bafin.de/database/FondsInfo/?locale=en_GB, mediante pesquisa pelo BaFin-Id...);

            - Quanto à alegada falta de prova de impossibilidade de recuperação de imposto no Estado de residência ou na esfera dos investidores a Requerida vem lançar a confusão nos autos, fazendo “renascer” no processo sub judice questões que já tinham sido suscitadas, e integralmente resolvidas pelo TJUE, no processo n.º 545/10 (AllianzGI-Fonds AEVN) e que foram mais recentemente firmadas pelas decisões uniformizadoras da jurisprudência, proferidas através do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de setembro de 2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de janeiro de 2025, no âmbito do processo n.º 02465/21.8BELRS (este último caso de um contribuinte residente, para efeitos fiscais, nos EUA);

            - A discriminação negativa dos OIC não residentes – como é o caso do Requerente -, face aos OIC residentes em Portugal para efeitos fiscais ocorre porque os OIC não residentes ficam sujeitos a retenção na fonte, ao passo que os OIC residentes em Portugal não estão sujeitos a tal retenção, pelo que a análise à tributação dos proveitos ou ao modo como os proveitos gerados pelo OIC são distribuídos aos seus investidores e tributados na esfera destes é irrelevante no exercício da comparabilidade, tal como foi esclarecido pelo TJUE;

            - Sobre os pagamentos de dividendos e retenções na fonte objeto do pedido, a Requerida pôde confirmar que “[a]s declarações “MODELO 30 – RENDIMENTOS PAGOS OU COLOCADOS À DISPOSIÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES”, relativa ao período tributário de 2022, em que foi entidade declarante D... SA NIF ..., revelam rendimentos pagos nos períodos indicados, no montante de €169.039,98, a que corresponde uma retenção na fonte de € 42.260,00, valor este coincidente com o peticionado e documentos apresentados” (cfr. artigo 11.º da Resposta);

            - A Requerida procura desvalorizar o valor probatório dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos à p.i., concluindo que os factos alegados pelo Requerente não se encontram demonstrados, porém os factos alegados são sustentados por documentos idóneos, emitidos por entidades financeiras, sujeitas a supervisão e regulação estrita, dos quais decorre que foi efetuado o pagamento dos dividendos ao Requerente, que o Requerente é o beneficiário efetivo dos rendimentos, que os mesmos foram sujeitos a retenção na fonte e que o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal;

            - Sobre a alegada falta de declarações emitidas pelo agente pagador em Portugal, resulta, de uma análise cuidada das declarações juntas à p.i. como documento n.º 3, ainda que seja identificada a sede em Paris do substituto tributário, na parte final da página da declaração, é possível identificar que o substituto tributário E..., com o número de identificação fiscal ... atesta o pagamento de dividendos, imposto retido na fonte e que tais montantes foram declarados, indicando o número da guia de pagamento através da qual o imposto foi entregue junto dos cofres da AT;

            - Quanto ao facto de as guias supra identificadas exibirem valores muito superiores ao reclamado (artigo 10.º da Resposta), clarifique-se que é relativamente comum que sejam agregados, numa mesma guia de pagamento, vários pagamentos de dividendos, pelo que não se compreende que ilação pretende a Requerida retirar;

            - Em qualquer caso, para confirmação dos factos alegados pela Requerente, a Requerida pode cruzar a informação das guias de pagamento identificadas no documento n.º 3 junto à p.i. com as declarações Modelo 30 identificadas – o que fez, tendo sido possível à Requerida confirmar os valores objeto do pedido (cfr. artigo 11.º da Resposta);

            - No que concretamente diz respeito à alegada falta de pedidos de reembolso, não se compreende que ilação pretende a Requerida retirar, uma vez que ainda que a Requerente não tenha apresentado qualquer pedido de reembolso ao abrigo do ADT celebrado entre Portugal e Alemanha, foi apresentada reclamação graciosa onde requereu a anulação dos atos tributários em causa e consequente reembolso do imposto indevidamente retido.

 

            Apreciando:

 

            O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país, integrando a Listagem Oficial do Registo Público dos Fundos de Investimento da Autoridade Supervisora Financeira da Alemanha, BaFin – ID ..., constituindo tal menção o comprovativo de que se trata de um organismo de investimento coletivo devidamente autorizado, como resulta da prova e respectiva fundamentação (Factos A e B), carecendo de base a afirmação em contrário por parte da Requerida.

            Outrossim, não tem cabimento a invocada falta de prova da impossibilidade de recuperação de imposto no Estado de residência ou na esfera dos investidores, por se tratarem de questões já suscitadas e integralmente resolvidas pelo TJUE no processo n.º 545/10 (AllianzGI-Fonds AEVN) e pelas decisões uniformizadoras da jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de setembro de 2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de janeiro de 2025, no âmbito do processo n.º 02465/21.8BELRS, conforme salientado e desenvolvido na mencionada e parcialmente transcrita Resposta do Requerente e que ainda voltarão a abordar-se adiante.

            Por outro lado, há que realçar os factos provados D, E e F, segundo os quais o Requerente recebeu, no decorrer do ano de 2022, dividendos tributados em IRC por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, e suportou, em Portugal, um total de 42.260,00€ de imposto

            Ora, estes valores resultam dos documentos 2 e 3 juntos com o PPA, foram identificados pela Requerida e coincidem com os declarados nas Modelo 30 apresentadas pelo substituto tributário, de acordo com a transcrição supra da Resposta da AT (art. 11.º), pelo que se torna ininteligível a incongruência alegadamente detectada.

 

 

 

E...

            Na verdade, e como evidencia o Requerente, o Doc. nº 2 junto com o PPA é constituído por cópias dos documentos emitidos pela B... e pelo C..., correspondentes a tabelas discriminativas do número de ações (identificando o respetivo ISIN), valor dos dividendos, datas de pagamento e valores de imposto suportado em Portugal, e que comprovam ainda que o Requerente é o beneficiário dos rendimentos. Por seu turno, o Doc. n.º 3 junto com o PPA é constituído por cópias das declarações (vouchers) emitidas pelo E..., atestando a data de distribuição dos dividendos, montante bruto dos dividendos distribuídos ao Requerente e imposto retido na fonte em Portugal, bem como os números das guias através das quais foi entregue o imposto retido junto dos cofres da Autoridade Tributária. Sendo ainda de vincar que o o substituto tributário E..., com o número de identificação fiscal ... atesta o pagamento de dividendos, imposto retido na fonte e que tais montantes foram declarados, indicando o número da guia de pagamento através da qual o imposto foi entregue           No que tange à circunstância de as guias poderem conter valores superiores ao reclamado, e como bem destaca o Requerente, é comum que sejam agregados, numa mesma guia de pagamento, vários pagamentos de dividendos. De qualquer modo, a pretensa dúvida semeada pela Requerida, neste caso não faz sentido algum, porquanto é a própria a reconhecer que  “As declarações “MODELO 30 – RENDIMENTOS PAGOS OU COLOCADOS À DISPOSIÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES”, relativa ao período tributário de 2022, em que foi entidade declarante D... SA NIF..., revelam rendimentos pagos nos períodos indicados, no montante de €169.039,98, a que corresponde uma retenção na fonte de €42.260,00, valor, este, coincidente com o peticionado e documentos apresentados” (art. 11.º da Resposta da AT). 

 

            Outro tanto se diga quanto à invocada ausência pedidos de reembolso, isto é, não se entende o alcance pretendido pela Requerida, dado que ainda que a Requerente não tenha apresentado qualquer pedido de reembolso ao abrigo do ADT celebrado entre Portugal e Alemanha,  apresentou reclamação graciosa onde requereu a anulação dos atos tributários em causa e consequente reembolso do imposto indevidamente retido (Factos provados G e H).

 

            Termos em que improcedem as “questões prévias” suscitadas pela Requerida.

                        

            2. QUESTÃO A DECIDIR

 

            O objeto do litígio é a decisão de indeferimento proferida pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de Subdelegação de competências, sobre a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente contra os Actos de Retenção na Fonte de IRC do ano de 2022 e, consequentemente, desses mesmos actos.           

            A questão de fundo a decidir é a de saber se o entendimento da AT, segundo o qual o disposto no artigo 22.º, n.ºs 1 e 10, do EBF apenas é aplicável aos Organismos de Investimento Colectivo residentes em Portugal e aos que, não sendo residentes, operem através de estabelecimento estável aqui situado, consubstancia um tratamento discriminatório injustificado e, nessa medida, uma restrição à livre circulação de capitais, nos termos em que se encontra proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

            3. POSIÇÕES DAS PARTES

 

            A AT sustenta a sua posição com os fundamentos exarados no Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa (RG), que se transcrevem no Facto Provado I) e que transporta para a Resposta, alegando e concluindo, sucintamente:

            - A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.

            - O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.

            - Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.

            - Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo

ser mantida na ordem jurídica.

 

            Por seu turno, a Requerente pugna pelo entendimento contrário, argumentando em resumo:

            - Na ótica do Requerente – e conforme já foi confirmado pelo TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”), in casu a Alemanha, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, frontalmente, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).

            - Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE.

            - E, nessa medida, deve o regime que resulta daqueles normativos ser afastado, por força do princípio do primado do Direito da UE, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sendo, assim, forçoso concluir que não podem manter-se os atos tributários de retenção na fonte ora sindicados, porque manifestamente ilegais.

                        

            4 – APRECIAÇÃO

 

            Convocam-se para decidir, essencialmente, as seguintes normas:

 

            DO TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE),

 

             Artigo 63.º

            “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

            2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as retenções aos pagamentos entre Estados-Membros e países terceiros.”

            

            Artigo 65.º 

            “1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

            a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

            b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

            2 - O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

            3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

            (...)

 

            DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS (EFB),

 

            Artigo 22.º - Organismos de Investimento Coletivo (Redação do artigo 2.º do DL n.º 7/2015, de 13 de janeiro)

            1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

            (...)

            3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

            (...)

            10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

            (...)”

            

            No âmbito do processo C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), de 17 de Março de 2022, por sinal originado num pedido de reenvio prejudicial formulado pelo tribunal arbitral constituído no CAAD para o processo n.º 93/2019-T, no qual estava em causa um pedido de anulação de actos de retenção na fonte de IRC sobre dividendos pagos entre 2015 e 2016 a um organismo de investimento coletivo constituído ao abrigo da legislação alemã, como sucede no caso em apreço, o TJUE pronunciou: 

            “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

            

            O Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferiu, em 28 de setembro de 2023, o acórdão n.º 093/19.7BALSB, a uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:

            “I - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório, ou não, da referida regulamentação. 

            II - O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. 

            III - A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

 

            Este mesmo entedimento, foi reiterado no ainda mais recente Acórdão do STA, no P. 02465/21.8BELRS, de 15-01-2025, em que se sumariou:

            “O artigo 22º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais que decorre do artigo 63.º do TFUE.

 

            Nesta senda, são plúrimos os exemplos de decisões arbitrais (DA) prolatadas por tribunais constituídos sob a égide do CAAD, como pode ilustrar-se com a proferida no P. 194/2019-T, em 19-09-2019.

            Referindo o acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12, “(...) resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).

            Acentuando que a diferença de tratamento fiscal dos dividendos, entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes, baseada apenas nesse critério (residência), “é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia [naquele caso] e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o, já referido, n.º 17)”, para concluir que daí resulta “uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.

            Confrontando o artigo 22.º , n.º 1, do EBF com o artigo 63.º do TFUE, observa ainda esse Tribunal Arbitral: “Na verdade, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque tem de enfrentar a concorrência de sociedades que usufruem do benefício fiscal, ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.” 

            E prossegue:

            “É certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «a alínea a) do n. 1 do Art.º 65.º do TFUE, permite que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal».

            Mas, como se refere no n.º 3 deste artigo 65.º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».

            Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, como ressalta da decisão da reclamação graciosa e da posição assumida no presente processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que não é aventada qualquer justificação para a diferença de tratamento.

            Por outro lado, se é certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)", também o é que no caso presente, actuando a Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.

            Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, «para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral», se «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação».

            

            Ainda sobre o argumento de não estarmos perante situações comparáveis, vem a propósito o que se fez constar DA prolatada no P. 621/2024-T, de 12-11-2024, ademais transcrevendo em parte a já mencionada jurisprudência do TJUE: 

            “Acresce que, tal como concluiu o TJUE, “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc-545/19, parágrafo 57). 

            (...)

            De notar ainda que, como o TJUE concluiu, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C 190/12, EU:C:2014:249, n.º 93)” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 79). 

            Como conclui, “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 81).”

 

            Aliás, como já se tinha notado nesse Aresto do TJUE “(…) um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 61)”.

 

            Importa ainda referir que (conforme já expresso noutras decisões arbitrais) a eventual possibilidade de manter a tributação discriminatória, se o detentor do rendimento a neutralizar no Estado de Residência, será um facto impeditivo do direito à anulação com fundamento na ilegalidade (arts. 268.º, n. 4, da CRP e 99.º do CPPT)  e, como tal, o ónus da prova recai sobre a AT, de harmonia com o preceituado no artigo 74.º, n,º 1, da LGT (que só impõe o ónus da prova dos factos constitutivos e não também dos impeditivos) e, sobretudo, à face do preceituado no art. 342,º, n.2, do CC: “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.

            Para além disso, no nosso Direito (que é o aplicável relativamente ao ónus da prova, que não é regulado pela legislação da União), as regras do ónus da prova situam-se a jusante do princípio  do inquisitório (ac. do STA de  21-10-2009, processo n.º 583/09), só podendo a AT invocar a falta de prova de qualquer facto relevante para a procedência da pretensão do contribuinte quando, após ter realizado todas as diligências necessárias para o apurar (artigo 58.º da LGT) , chegar a uma situação de non liquet.

            Ora, não é esta a situação que aqui se nos coloca, pois não resulta dos autos que a Requerida tenha lançado mão de qualquer diligência para apurar se o Requerente teve a possibilidade de neutralizar a tributação no Estado de Residência – Alemanha.

 

            Noutro passo, não faz sentido dizer-se que a AT, por estar vinculada ao princípio da legalidade, está impedida de desaplicar uma norma interna com fundamento na violação do direito da União Europeia. 

            Pelo contrário, conforme evidenciou a DA proferida no P. n.º 951/2019- T, de 18-09-2020, “a Constituição estabelece o princípio do primado do direito da União Europeia, como decorre do n.º 4 do artigo 8.º (…) Sendo que as normas e princípios de direito internacional comum  são parte integrante do direito português com o conteúdo e extensão que possuem no plano jurídico-constitucional e vinculam o Estado Português, e, encontrando-se a Administração subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), não pode deixar o cumprir o disposto nas disposições convencionais”.

 

            Pelo mesmo trilho seguira o já mencionado Acórdão do Tribunal do CAAD, constituído no P. 194/2019, de 19-09-2019, ao exarar que 

            “De harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

            

            A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15, em que se entendeu que «nos termos do art. 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado", na esteira de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, página 261. (1)[1]

 

            Focando no caso concreto, a prova revela que: o Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, comummente designado de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país (Factos A e B);  no ano de 2022, o Requerente era detentor de um lote de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, tendo recebido, na qualidade de acionista dessas sociedades, dividendos sujeitos a tributação em IRC em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos (Facto C); os referidos dividendos recebidos no decorrer do ano de 2022 foram sujeitos a tributação em IRC por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, atingindo o imposto a quantia de 42.260,00€ (Factos D, E e F). 

            Donde, emerge incontroverso o valor de 42.260,00€ como apurado e entregue ao Estado Português, no ano de 2022, em sede de IRC, por meio de retenção na fonte, a título de tributação sobre dividendos, pagos à Requerente. Acresce que a própria AT reconhece, no artigo 11.º da sua Resposta, que tal valor coincide com o indicado nas Declarações Modelo 30 entregues pelo substituto tributário (D... SA – NIF...), que se encontram na sua posse. 

 

Concluindo, as retenções na fonte de IRC efetuadas ao aqui Requerente sobre dividendos distribuídos por sociedades portuguesas, no ano de 2022, bem assim a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles apresentada são ilegais, por assentarem em disposição legal que viola o princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE. Bem assim, impõe-se reconhecer como ilegal o artigo 22.º, n.ºs 1 e 10, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo do mesmo as sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados Membros da União Europeia. Nessa medida, os mencionados actos de retenção na fonte e a decisão da reclamação graciosa que os confirmou enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Em conclusão, procede o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.         

 

            V. DEVOLUÇÃO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE COBRADO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS 

 

            Na sequência da anulação das aludidas retenções na fonte, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas e não reembolsadas, consoante o supra exposto, o que é consequência da anulação. 

            Atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito

 

            De harmonia com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que nos remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

            Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

            O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido abundantemente interpretado pelos tribunais, entendendo-se que a actuação ilegal da Administração constitui sempre erro imputável aos serviços (acórdão STA, de 21-01-2015, proc. n.º 632/14). Assim, tendo a Administração Tributária errado nos pressupostos de facto e de Direito, como ficou demonstrado no caso presente, tal erro é imputável aos serviços, para efeitos da citada norma.

            Em total sintonia, o artigo 100.º da LGT estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

            Tem, portanto, a Requerente o direito a ser reembolsada da quantia de 42.260,00€ e ainda a ser indemnizada, através de juros indemnizatórios calculados sobre aquela quantia, “...computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito” (ac. uniformizador do STA, no P. nº 78/22.6BALSB, de 28-05-2025), em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

            VI. Decisão

 

            Em face do exposto, o Tribunal julga procedente o pedido arbitral, decidindo:

 

a)    Anular a decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa n.º ...2024..., apresentada pelo Requerente em 20.06.2024, referente aos atos de retenção na fonte de IRC praticados no ano de 2022;

b)    Anular os atos de retenção na fonte impugnados, no montante de 42.260,00€;

c)    Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do montante das retenções na fonte indevidamente suportadas, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre esse montante, nos termos acima expostos;

d)    Condenar a Requerida nas custas do processo.

             

            VI. Valor da Causa 

 

            Fixa-se o valor da causa em 42.260,00€ (quarenta e dois mil, duzentos e sessenta euros), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

            VII. Custas

 

            Custas no montante de 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerida, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

            

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de Setembro de 2025.

 

O Árbitro,

 

(A. Sérgio de Matos)

 



[1] Na mesma linha, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 24-04-2002, proferido no processo n.º 0159/02. de 10-07-2002, proferido no processo n.º 0160/02. de 05-02-2009, proferido no processo n.º 491/08. Embora haja divergências doutrinais e jurisprudenciais, a primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno tem sido maioritariamente reconhecida, como se refere, entre muitos, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 242/2009, de 12-05-2009, proferido no processo n.º 250/09.