Decisão Arbitral
Requerente: A...
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
I - RELATÓRIO
1. Em 22 de abril de 2014, a contribuinte A..., Cabeça de Casal da Herança de B..., com o NIF … requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 24 de abril de 2014, e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”) em 29 de abril de 2014.
3. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a nulidade dos atos tributários que constituem o seu objeto, relativos à liquidação de Imposto do Selo (IS) no valor de € 3.796,66 (três mil setecentos e noventa e seis euros e sessenta e seis cêntimos).
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
5. As partes foram notificadas, em 20 de junho de 2014, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de julho de 2014.
7. Em 24 de setembro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta. Na mesma data apresentou um requerimento a solicitar a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a prescindir da realização de alegações.
8. Por despacho de 26 de setembro de 2014 o Tribunal Arbitral concedeu o prazo de cinco dias para a Requerente se pronunciar sobre o requerimento identificado no n.º anterior, caso a Requerente discordasse ou não se pronunciasse a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT seria realizada na data estabelecida anteriormente.
9. No dia 10 de outubro de 2014, pelas 16h, nas instalações do CAAD realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo comparecido o Árbitro designado e o representante da Requerente. Os representantes da Requerida comunicaram que não podiam comparecer mas não se opunham à realização da reunião.
10. Ambas as partes prescindiram da realização de alegações.
11. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto na petição de constituição do Tribunal Arbitral, é, em síntese, a seguinte:
11.1. Verifica-se uma manifesta inexistência de um dos pressupostos legais do fato tributário nas liquidações em causa, enfermando as mesmas de nulidade. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, a liquidação do IS sobre a qual incide o presente pedido enferma de erro, quer quanto aos pressupostos de facto, quer quanto à taxa aplicável ao tributo em causa.
11.2. O prédio em causa não se encontra constituído em propriedade horizontal logo a liquidação não pode incidir sobre cada uma das frações autónomas, sob pena de erro sobre os pressupostos de fato.Além disso, não se encontraria preenchido o requisito legal relativo ao valor patrimonial tributário constante da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), porquanto nenhum dos fogos objeto de liquidação ascende ao valor patrimonial tributário de € 1.000.000,00 conforme prevê a citada norma legal.
11.3. A própria lei estabelece expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. Assim, a adoção do critério defendido pela AT viola manifestamente os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
11.4. O legislador ao introduzir a regra da verba 28 da TGIS através da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos com afetação habitacional de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de IS, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
11.5. Só haveria lugar a incidência do novo imposto do selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um Valor Patrimonial Tributário (VPT) superior a € 1.000.000,00, o que não sucede. Não pode a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.
11.6. A norma do artigo 12.º, n.º 3, do CIMI revela para efeitos de inscrição na matriz predial a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes. Ora tal não se afigura coerente com a decisão da AT de tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio e não do que é efetivamente atribuído a cada parte. A AT não pode distinguir entre as duas situações (propriedade horizontal e vertical) onde o legislador não o fez.
11.7. Qualquer dos VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afetação habitacional é inferior a € 1.000.000,00. Sobre os mesmos não pode incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS sendo portanto ilegais os atos de liquidação impugnados.
11.8. A Requerente solicita o direito a juros indemnizatórios ou indemnização pelos prejuízos resultantes da eventual prestação de garantia. Assim, deverá no âmbito dos presentes autos a AT ser condenada a ressarcir à Requerente de todos os montantes que venham a ser suportados em virtude do pedido de suspensão de execuções que possam vir a ser instauradas, com as despesas decorrentes da prestação das garantias, concretamente, comissões respeitantes à emissão das mesmas taxas, juros e demais encargos bancários a quantificar logo que efetivamente determinados.
12. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:
12.1. Para efeitos de IS revela o prédio na sua totalidade pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI.
12.2. A entrada em vigor do regime da propriedade horizontal (Código Civil de 1966) e a sua referência expressa na delimitação do conceito de prédio previsto no artigo 2.º, n.º 4, do CIMI determinam a relevância de tal figura em matéria de incidência tributária.
12.3. O que resulta expressamente da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária.
12.4. A AT entende que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio constitucional da igualdade porque inexiste qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações.
12.5. A verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00. Trata-se de uma norma geral e abstrata aplicável de uma forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respetivos pressupostos de facto e de direito.
12.6. Com efeito a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do CIMI e artigo 1414.º e segs. do Código Civil, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.
12.7. A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode ser ignorado.
12.8. Encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita que é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.
12.9. Quanto ao pedido de juros da Requerente, a Requerida entende que o pedido é incipiente no seu teor e insuficiente para que o tribunal sobre ele possa decidir.
II – SANEAMENTO
13. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º n.º 1 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.
O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.
Nestes termos, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO
14. Factos provados
14.1. Com base na prova documental junto aos autos consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de B…, de acordo com a escritura de habilitação de herdeiros realizada em 9 de fevereiro de 2010, no Cartório Notarial de …, cuja cópia está junta como documento n.º 1 anexo ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
B) A herança indivisa referida na alínea anterior é constituída pelo prédio urbano sito na Avenida …, n.ºs …, … A, … B, … C, … D e … E tornejando para a Rua … n.º …, registado, em 27 de setembro de 2010, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária em nome da Requerente e dos três filhos do casal, conforme cópia da certidão do registo predial, junta como documento n.º 2 anexo ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
C) O prédio identificado na alínea anterior é composto por rés do chão e quatro pisos com diversos andares suscetíveis de utilização independente estando inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … em Lisboa, sob o artigo matricial U -… e tem o valor patrimonial de €1.114.850,00 (um milhão cento e catorze mil oitocentos e cinquenta euros).
D) O referido prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal.
E) Cada um dos andares independentes tem um valor patrimonial tributário atribuído, determinado nos termos do disposto no CIMI, compreendido entre €48.240,00 (quarenta e oito mil duzentos e quarenta euros) e €65.840,00 (sessenta e cinco mil oitocentos e quarenta euros).
F) A soma dos valores patrimoniais de todos os andares perfaz o valor de €1.114.850,00 (um milhão cento e catorze mil oitocentos e cinquenta euros) que constitui o valor patrimonial do prédio.
G) Em 17 de março de 2014 foram emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa-… as seguintes liquidações de IS relativas ao prédio em causa e ao ano de 2013, que se encontram juntas ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, cujos teores se dão por reproduzidos:
i) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-…-R/c-E, no valor de €192,18.
ii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-…-R/c D, no valor de €241,20.
iii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-…-1E-…, no valor de €201,00.
iv) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-1D-…, no valor de €217,30.
v) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-2E-…, no valor de €201,00.
vi) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-2D-…, no valor de €217,30.
vii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-3E-…, no valor de €203,04.
viii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-3D-…, no valor de €219,48.
ix) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-4E-…, no valor de €203,04.
x) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-4D-…, no valor de €219,48.
xi) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-1E-…, no valor de €217,30.
xii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-1D-…, no valor de €201,00.
xiii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-2E-…, no valor de €217,30.
xiv) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-2D13, no valor de €201,00.
xv) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-3E-13, no valor de €219,48.
xvi) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-3D-13, no valor de €203,04.
xvii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-4E-13, no valor de €219,48.
xviii) Liquidação n.º 2014 … relativa ao artigo U-...-4D-13, no valor de €203,04.
14.2. Os factos enunciados no n.º anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
15. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
16. Em face do exposto, nos números anteriores, a primeira questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se os andares com utilização independente num prédio urbano em propriedade total estão abrangidos pelo âmbito de incidência da Verba 28.1 da TGIS.
A segunda questão decidenda prende-se com o reconhecimento da indeminização pela prestação de garantia.
17. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 14) e vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões já enunciadas (vd., supra n.º 16).
18. O enquadramento legal desta questão é o seguinte:
18.1. A Verba 28 foi aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e tem a redação seguinte:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”
18.2. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro aditou o artigo 67.º ao Código do Imposto do Selo que estabelece no n.º 2 do seguinte: “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”
18.3. O CIMI, no artigo 12º, que tem por epígrafe “Conceito de matrizes prediais”, dispõe no n.º 3 “ Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.”
19. Verifica-se, de acordo com os preceitos legais citados anteriormente, que a regra constante do CIMI implica a liquidação de IMI individualizada em relação a cada uma das partes suscetível de utilização independente. Esta regra é aplicável também à liquidação de IS.
Importa sublinhar que o critério legal que impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios é único, não existindo diferenciação entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical.
20. A AT considera que nos prédios em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o IMI é liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente, mas para efeito de IS o que releva é o prédio na sua totalidade. Este critério introduz uma diferenciação de regime que não tem sustentação legal e que contraria a regra do CIMI, que é aplicável também em sede de IS, devido à norma de remissão do artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo.
21. De acordo com o critério legalmente estabelecido, só haverá lugar à incidência do IS ao abrigo da Verba 28 da TGIS se alguma das partes ou divisões com utilização independente apresentar um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00.
22. Atendendo à factualidade objeto dos presentes autos arbitrais (vd., supra n.º 14.1., alíneas C), D) E) e F), o prédio em causa encontra-se em propriedade vertical e nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial tributário igual ou superior a €1 000 000,00. Assim, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS.
23. O árbitro do presente processo proferiu uma decisão em tribunal arbitral singular, no processo n.º 281/2013-T, sobre questão idêntica à apresentada nos presentes autos tendo considerado ilegal o critério utilizado pela AT na tributação em IS, Verba 28 da TGIS, da propriedade vertical e, em consequência, julgado procedente o pedido.
24. A sujeição da mesma questão de mérito num novo processo pode sempre originar a modificação da posição anteriormente adotada, porque do novo contraditório pode resultar um aprofundamento da análise e uma reponderação da matéria de direito.
25. Dos presentes autos não resultam elementos que justifiquem a alteração da posição que subscrevi na decisão arbitral proferida no processo n.º 281/2013-T.
26. A jurisprudência arbitral, através das Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs, 50/2013-T, 248/2013-T e 268-2013-T tem-se pronunciado sobre a ilegalidade do critério utilizado pela AT na tributação em IS, Verba 28 da TGIS, da propriedade vertical e julgado procedentes os pedidos.
27. A segunda questão decidenda respeita ao reconhecimento da indemnização pela prestação de garantia pela Requerente.
28. A Requerente no n.º 57 da petição afirma “Na eventualidade da Requerente não efetuar o pagamento voluntário das liquidações em causa, serão certamente instaurados os competentes processos de execução fiscal.” E prossegue no n.º 58 “Caso assim seja, e para efeitos da suspensão de execuções fiscais que decorram das liquidações em causa, a Requerente solicitará a prestação de garantia em valor legalmente previsto.” Por isso, conclui no n.º 60 “ Nestes termos, deverá no âmbito dos presentes autos ser a Administração Fiscal condenada a ressarcir a Requerente de todos os montantes que venham a ser suportados em virtude do pedido de suspensão de execuções que possam vir a ser instauradas, com as despesas decorrentes da prestação das garantias, concretamente, comissões respeitantes à emissão das mesmas, taxas, juros e demais encargos bancários a quantificar logo que efetivamente determinados.”
29. De acordo com o disposto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos na proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a discussão da legalidade ou da exigibilidade, da dívida.
O direito a indemnização previsto no artigo 53.º da LGT deverá ser exercido nos termos do disposto no artigo 171.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja, na petição inicial do processo em que seja controvertida a legalidade ou a exigibilidade da dívida ou, na eventualidade de o facto de que emerja o direito a indemnização ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
Em conclusão, o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida.
30. O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral implica que no processo arbitral vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida. (vd., neste sentido Decisão Arbitral no processo n.º 77/2012-T)
31. Nos termos do disposto no artigo 74.º, da LGT, na esteira do disposto no artigo 342.º, do Código Civil, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” Nos presentes autos em relação ao pedido agora em análise – indemnização por garantia indevidamente prestada -, não existem dúvidas de que se trata de um direito invocado pela Requerente, pelo que tem de ser ela a fazer prova da verificação dos respetivos pressupostos.
32. No caso em apreciação verifica-se que a Requerente formulou o pedido indemnizatório na petição inicial do pedido de pronúncia arbitral. Sucede, porém, que da análise dos autos a Requerente não provou que tenha prestado garantia para suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida cuja legalidade se discute nos presentes autos.
33. Em conclusão, este Tribunal desconhece se foram instaurados os competentes processos de execução fiscal e se, nesse âmbito, foram prestadas as respetivas garantias bancárias, porque a Requerente não fez a prova que lhe é imposta de que se verificam os pressupostos para reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevida.
Assim, nos termos do disposto nos artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT os poderes de cognição do Tribunal estão limitados aos factos alegados. Deste modo, não tendo sido alegado qualquer facto de que possa emergir o direito indemnizatório que a Requerente pretende fazer valer está vedado a este Tribunal Arbitral a sua apreciação.
34. A conclusão constante do n.º anterior é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos juros indemnizatórios. Quanto aos juros indemnizatórios a Requerente não faz um pedido autónomo mas limita-se a referi-los na epígrafe V da petição de constituição do Tribunal Arbitral. Efetivamente, o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT estatui que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”. De acordo com o disposto no artigo 43, n.º 1, da LGT, o processo de impugnação judicial admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido. Só que nos autos a Requerente não fez prova que procedeu ao pagamento do imposto em causa e portanto não se verificam os pressupostos para reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, que não constam do pedido mas apenas são referidos numa epígrafe da petição de constituição do Tribunal Arbitral.
V – DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação nºs 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 ….
b) Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia bancária indevida;
c) Condenar a Requerente e a Requerida em custas, na proporção do decaimento que se fixa em um décimo para a Requerente e em nove décimos para a Requerida.
Fixa-se o valor do processo em € 3.796,66 (três mil setecentos e noventa e seis euros e sessenta e seis cêntimos) nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se a taxa de arbitragem em €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a pagar pela Requerente e pela Requerida na indicada proporção, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 20 de novembro de 2014
O árbitro
Olívio Mota Amador