SUMÁRIO:
- A constituição de provisão para a reparação de danos de carácter ambiental está sujeita ao cumprimento do estabelecido nos artigos 39º nº1 alínea d) e 40º nº 2, ambos do CIRC, designadamente a apresentação à AT de um plano previsional de encerramento da exploração dos locais de exploração de aterros.
– Contudo, não será, por si só, de desconsiderar a dedução fiscal da provisão se esta, cumprindo os respetivos requisitos legais, não foi justificada ou validada no exercício respetivo pela comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao termo final do prazo previsto no artigo 40º nº2 do CIRC.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam os árbitros Víctor Calvete (árbitro-presidente), A. Sérgio Matos e Maria Antónia Torres (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11 de março de 2025:
I. RELATÓRIO:
A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., na sequência do indeferimento tácito do recurso hierárquico n.º ...2024..., interposto contra a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., relativo ao ano de 2018, o qual teve por base a fundamentação constante do relatório final de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI2022..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa e dos respetivos juros compensatórios, bem assim como da demonstração de acerto de contas, da qual resultou um valor total de €23.665,58 a ser devolvido, inconformada com estes procedimentos, veio requerer PRONÚNCIA ARBITRAL, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
É Requerida a Autoridade Tributária (AT).
A fundamentar o pedido, vem a Requerente dizer que foi objeto de uma inspeção que incidiu sobre o ano de 2018, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, da qual resultaram correções à matéria tributável em sede de IRC, para o ano de 2018, fundamentadas no relatório da inspeção tributária (RIT) junto aos autos.
A Requerida notificou a Requerente do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., no valor de €841.421,70 a reembolsar, e do respetivo acerto de contas n.º 2022..., do qual resultou o valor de €23.665,58 a ser devolvido pela Requerente, a título de reembolso de IRC recebido em excesso.
A Requerente não concordando com o teor do referido relatório, apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação adicional de IRC e respetivo acerto de contas, reclamação graciosa que viria a ser expressamente indeferida, por decisão da Direção de Finanças de Lisboa. Nessa sequência, a 5 de agosto de 2024, a Requerente interpôs recurso hierárquico, ao qual foi atribuído o n.º ...2024... .
A Autoridade Tributária dispõe de um prazo de 60 dias para decidir o recurso hierárquico, sendo que, uma vez decorridos esses 60 dias, presume-se o indeferimento para efeitos de abertura à via contenciosa judicial/arbitral, conforme resulta dos artigos 66.º, n.º 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário, 57.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária, 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT, ex vi artigo 10.º do RJAT. Assim, considerando que a Autoridade Tributária e Aduaneira não decidiu dentro do prazo mencionado supra, o recurso hierárquico presumiu-se indeferido.
Não se conformando com o indeferimento do recurso hierárquico, veio a Requerente apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista, a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, da reclamação graciosa e, consequentemente, a anulação do ato de liquidação adicional de IRC e respetivo acerto de contas.
Conforme já referido, da demonstração de acerto de contas resultou um montante a pagar de €23.665,58, valor esse que a Requerente pagou a 13 de fevereiro de 2023, apesar de não concordar com a referida liquidação.
E expõe a Requerente porque inconformada.
Entende que a correção ao lucro tributável da sociedade dominada B..., S.A., (adiante “B...”), em particular no que respeita aos gastos com provisões de carácter ambiental, assenta numa errónea interpretação dos factos, em particular do conhecimento e da eficácia temporal do ato de aprovação do plano previsional apresentado pela B... junto da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (adiante apenas “CCDR -LVT”).
Com efeito, a B... iniciou o desenvolvimento da atividade de deposição de resíduos durante o exercício de 2017, sendo certo que à data, de um ponto de vista contabilístico, não lhe era possível estimar no imediato, com a certeza e viabilidade necessárias, qual o montante dos encargos que iria incorrer com a reparação dos danos de carácter ambiental dos locais afetos à atividade de deposição de resíduos, vulgo, aterros.
Pelo que, não sendo possível alcançar uma estimativa viável e com carácter regular dos custos a incorrer, naturalmente que, em cumprimento dos critérios resultantes do disposto no § 12, ex vi do § 40, da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 26, a Requerente foi forçada a adotar um critério contabilístico distinto, dotado de maior viabilidade, para a constituição e reforço da provisão criada para o efeito, tendo, por isso, recorrido ao quociente entre os gastos estimados das operações de selagem e monitorização dos aterros após o seu encerramento e o total de toneladas de resíduos a depositar, de modo a quantificar concretamente os montantes da dotação da provisão para cada exercício e proceder ao seu respetivo registo contabilístico como gasto do período.
Continua a Requerente expondo que, de acordo com o artigo 39.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante “CIRC”), são aceites como gasto fiscalmente dedutível e, por tanto, a ser considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal de um determinado exercício, os gastos incorridos com a constituição ou reforço de provisões constituídas com a finalidade de fazer face aos encargos com a reparação dos danos de carácter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável.
Ou seja, entende a Requerente que a dedutibilidade fiscal do gasto associado à constituição e reforço de provisões constituídas nos termos acima indicados, resulta expressa e inequivocamente da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 39.º do CIRC.
Acresce que o n.º 2 do artigo 40.º do mesmo diploma, refere expressamente a possibilidade de, nos casos em que se preveja um nível de exploração irregular ao longo do tempo, o sujeito passivo poder deduzir enquanto gasto fiscal, um montante distinto do estipulado pela regra geral do n.º 1.
Sendo certo que, o n.º 3 do artigo 40.º do CIRC diz que a constituição da provisão depende da apresentação pelo sujeito passivo à AT, de um plano previsional de encerramento da exploração, com indicação detalhada sobre:
i Trabalhos a realizar com a reparação;
ii dos danos de carácter ambiental;
iii Estimativa dos encargos inerentes;
iv Referência ao número de anos de exploração previsto e eventual irregularidade ao longo do tempo do nível previsto de atividade, sujeito a aprovação pelos organismos competentes;
No caso em apreço, a B... apresentou junto da AT o referido plano previsional de encerramento da exploração, com todas as indicações acima mencionadas, o qual ratifica o procedimento adotado pela sociedade dominada pela Requerente, em matéria de selagem, manutenção e controlo na fase pós-encerramento do aterro sito na freguesia ..., bem como, quanto à constituição da provisão relativa aos encargos a suportar com a reparação de danos de carácter ambiental, nos exercícios de 2017 e seguintes, plano previsional esse aprovado e validado pela própria CCDR-LVT.
Considera a Requerente que estão assim preenchidos os requisitos enunciados na alínea a) do n.º 3 e do n. º 2 do artigo 40.º do CIRC. Com efeito, entende que o dever de comunicação à AT decorrente da parte final do n.º 2 do artigo 40.º do CIRC, é um requisito meramente formal para validar a dedutibilidade efetiva dos gastos incorridos pelo sujeito passivo com a constituição ou reforço de provisão de carácter ambiental, não podendo o atraso na comunicação dos referidos elementos à AT, ser argumento bastante para negar, sem mais, a dedutibilidade dos gastos incorridos com a constituição ou reforço da provisão, sob pena de o direito à dedutibilidade desses gastos, mesmo que materialmente comprovado, ser excluído com base em requisitos de ordem meramente formal.
E, consequentemente, entende a Requerente, passando os sujeitos passivos de IRC que estão legalmente obrigados a incorrer neste tipo de gastos, por força do tipo de atividade económica que prosseguem, a ser tributados de acordo com o rendimento formal e não com o rendimento real, em direta violação do disposto nos artigos 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 5.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e ainda do próprio 3.º, n.º 1 do CIRC.
Continua defendendo que a dedutibilidade destes gastos deve ser aferida em termos materiais, de acordo com os critérios dos artigos 23.º, n.º 1, 39.º, n.º 1, alínea d) e 40.º, n.º 2, primeira parte, todos do CIRC, pois a segunda parte do n.º 2 e o próprio n.º 3 do artigo 40.º do CIRC, dispõem apenas sobre os critérios que devem presidir à constituição de uma provisão de carácter ambiental.
Em suma, a interpretação pelos SIT da factualidade e da legislação aplicável ao caso concreto, e que foi a mesma que serviu de suporte para a decisão de indeferimento da AT quanto à reclamação graciosa apresentada pela Requerente, viola não só o disposto nos artigos 23.º, n.º 2, alínea i), 39.º, n.º 1, alínea d), 40, n.º 2 e n.º 3, todos do CIRC, mas também o princípio da tributação pelo rendimento real, concretizada pelos artigos 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 5.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e ainda do próprio 3.º, n.º 1 do CIRC.
Aliás, na sequência da notificação do RIT que pôs termo à inspeção tributária instaurada à sociedade dominada B..., em sede de IRC do ano de 2017, a qual antecedeu a ação inspetiva instaurada à Requerente, a B... solicitou a pronúncia expressa da CCDR-LVT relativamente ao plano provisional que está na origem da correção efetuada pela AT.
Nessa sequência, pronunciou-se a referida CCDR conforme infra se reproduz (e que se junta como Documento n.º 6), tendo assumido que, aquando da análise e validação do plano previsional apresentado, tinha conhecimento que a atividade de exploração do aterro teve início em 2017, na sequência da emissão, em 07/02/2017, do Alvará para deposição de resíduos em aterro n.º 009/2017.
Pelo que, entende a Requerente que, ao pronunciar-se favoravelmente sobre o plano previsional apresentado pela B... em 2019, a CCDR-LVT, não só validou o plano em termos substanciais, como validou também em particular, o método de apuramento do nível de exploração subjacente à forma de apuramento da dotação inicial e anual da provisão constituída contabilisticamente pela sociedade em 2017.
Nesse sentido, entende que ao emitir o parecer favorável, a CCDR-LVT ratificou também o procedimento contabilístico adotado pela B... ab initio, pelo que se devem ter por verificados os requisitos do artigo 40.º do CIRC e os gastos incorridos serem fiscalmente dedutíveis.
Segundo a Requerente, a AT está a perpetuar uma correção ilegal e contrária ao entendimento jurisprudencial sobre esta matéria, devendo, pois, ser revogada a presumida decisão de indeferimento do recurso hierárquico, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, anulada a liquidação adicional de IRC aqui em crise, devendo a mesma ser corrigida no segmento influenciado pela não aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos pela sociedade B..., em 2018, com a constituição da provisão para reparação de danos de carácter ambiental, e, em consequência, ser aceite como gasto fiscalmente dedutível na esfera da sociedade dominada B..., o montante de €145.394,69. Devendo assim permanecer inalterado nesta parte, o valor do resultado fiscal do Grupo.
Pede ainda a Requerente, para além da devolução do montante pago em excesso (€23.665,58), ser ressarcida dos juros vencidos e vincendos desde a data de pagamento até integral liquidação.
Já a Requerida vem dizer que verificaram os SIT que o sujeito passivo “B...”, em 2018, reconheceu na sua contabilidade, como gasto do período, provisões para reparação de danos de carácter ambiental, por forma diversa à estabelecida no nº 1 do artigo 40º do CIRC, sem que tenha comunicado à AT, no prazo estabelecido no nº 2 deste artigo, um plano irregular de constituição da provisão que resultasse da revisão do respetivo plano previsional, não aceite como fiscalmente dedutível nos termos do citado artigo.
No seguimento do exercício do direito de participação, os serviços de inspeção mantiveram a correção relativamente à não dedutibilidade das provisões para reparação de danos de carácter ambiental.
De acordo com o verificado pelos SIT, «o sujeito passivo comunicou, através de exposição apresentada em 30.10.2019, que a constituição e reforço da provisão para recuperação de danos de carácter ambiental, relacionada com o encerramento, selagem e monotorização do aterro sanitário, estavam a ser reconhecidos na sua contabilidade não de uma forma retilínea, conforme previsto no nº 1 do artº 40º do CIRC, mas sim pelo quociente entre os gastos estimados das operações de selagem e monotorização dos aterros após o seu encerramento e o total de toneladas aprovadas na Licença Ambiental nº .../0.0/2013, de 20 de maio, emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente.
Ora, em 2018 o sujeito passivo efetuou a deposição dos resíduos e constituiu a provisão para a
reparação de danos de carácter ambiental, partindo do pressuposto da irregularidade da atividade, não em função do número de anos previstos de exploração da mesma (24 anos).
Verifica-se assim que, em 2018, o sujeito passivo não reunia as condições impostas pelo artº 40º do CIRC, para a constituição da provisão em causa, ou seja, mais especificamente, a condição prevista na alínea a) do nº 3 do citado artº 40º não se verificava, uma vez que só apresentou o plano previsional de encerramento da exploração com indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de carácter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes e a irregularidade ao longo do tempo da atividade, 24 anos, em 28 de outubro de 2019, tendo recebido aceitação por parte da APA em 27 de dezembro de 2019.
Assim, considerando que o sujeito passivo não reunia as condições referidas na alínea a) do nº 3 do artº 40º do CIRC e, ainda, porque não comunicou à AT, um plano de constituição da provisão que previsse um nível de exploração irregular ao longo do tempo, até ao termo do primeiro período de tributação, em que os gastos com a sua constituição ou reforço foram reconhecidas, tais gastos, no montante total de €145.394,69 não são aceites como fiscalmente dedutíveis, nos termos das citadas normas.
E continua a Requerida dizendo que verificaram ainda os serviços que, na petição dirigida à Diretora de Serviços do IRC datada de 28 de outubro de 2019, “o sujeito passivo, em cumprimento do determinado no nº 2 do artº 40º do CIRC, comunicou à Autoridade Tributária um plano de constituição da provisão para reparação de danos de carácter ambiental, que tivesse em conta o nível de exploração apresentado, e seria determinado pelo quociente entre o total de toneladas depositadas em cada ano e a capacidade de deposição da totalidade licenciada de deposição, multiplicada por 5,40€. Tal petição foi analisada pela Direção de Serviços de IRC e mereceu despacho concordante, todavia a aplicação do plano de constituição da provisão para reparação de danos de carácter ambiental, apenas teria o seu início no ano de 2019, dado que, conforme consta no referido despacho “No período de tributação de 2017, ano em que iniciou a atividade com a deposição de resíduos na célula 1, não reunia as condições impostas no artº 40º do CIRC para a constituição da provisão em causa, ou seja, a condição prevista na alínea a) do nº 3 do artº 40º do CIRC não se verificava, uma vez que a requerente apenas apresentou o plano previsional de encerramento da exploração com a indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de carácter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes e a irregularidade ao longo do tempo da atividade (24 anos em 28.10.2019 e recebeu a aceitação do mesmo por parte daquela entidade em 27.12.2019)”.
No mesmo parecer pode-se ler: “(…) de acordo com o nº 3 do artº 40º do CIRC, as dotações para a provisão para a reparação de danos de carácter ambiental só serão aceites para efeitos fiscais a partir do período de tributação de 2019 e seguintes, uma vez que nos períodos de 2017 e 2018, não se verificou a condição da alínea a) do nº 3 do artº 40º do CIRC (…) “ e ainda “relativamente aos períodos de tributação de 2017 e 2018, as dotações da provisão não são aceites como gasto fiscal, por a requerente não ter dado cumprimento à alínea a) do nº 3 do artº 40º do CIRC, pelo que deve entregar as respetivas declarações de rendimentos modelo 22 de substituição, acrescendo no quadro 07 das mesmas, os valores respetivos em causa…”».
E, deste modo, continua, em face da análise dos elementos apresentados pelo sujeito passivo, do despacho referido da DSIRC e das alegações invocadas no âmbito do exercício do direito de audição, os serviços concluíram pela não dedutibilidade do gasto associado à constituição da provisão, uma vez que o contribuinte, para o fazer, tinha de o comunicar à AT até ao termo do prazo do primeiro período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a constituição ou reforço.
Em face do exposto, parece-nos que a correção promovida pelos SIT a título de “Provisões” no montante de €145.394,69€ não nos merece quaisquer reparos, não assistindo, assim, razão à ora Reclamante, na qualidade de sociedade dominante.
Em suma, a Requerente entende que a questão da falta de comunicação à AT é apenas uma mera formalidade, a qual não poderia ter qualquer relevância, não bastando para que os SIT desconsiderem o gasto.
Por seu lado, entende a Requerida que a correção à B... resultou do facto de esta ter reconhecido tal valor como gasto para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2018, com referência à dotação da provisão para fazer face aos encargos com a reparação de danos de carácter ambiental, tendo concluído os SIT que, a B... não reunia as condições referidas na al. a) do n.º 3 do art.º 40.º do CIRC, pois não apresentou atempadamente o plano previsional de encerramento da exploração com indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de carácter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes e a irregularidade ao longo do tempo da atividade.
Pelo que, entende a Requerida que, de acordo com o n.º 3 do art.º 40.º do CIRC, as dotações para a provisão para a reparação de danos de carácter ambiental só serão aceites para efeitos fiscais, a partir do período de tributação de 2019 e seguintes, uma vez que nos períodos de 2017 e 2018, não se verificou a condição da alínea a) do n.º 3 do art.º 40.º do CIRC.
Face a isto, conforme já referido, a Requerente inconformada entendeu avançar para o pedido de constituição do tribunal arbitral.
Após regulamentar tramitação, o Tribunal, coletivo ficou constituído em 11 de março de 2025. No mesmo dia, foi notificada a Requerida para, querendo, apresentar resposta e a produção de prova adicional. A Requerida veio apresentar resposta e juntar o processo administrativo em 22 de abril de 2025.
A 28 de abril foi notificada a Requerente para vir indicar os pontos da matéria de facto que justificariam a audição das testemunhas indicadas, ao que veio a Requerente dizer que mantém o interesse na audição das testemunhas e quanto aos pontos 31 a 37 da PI. Igualmente veio requerer que, sendo os factos do presente processo totalmente idênticos a um outro processo que correu os seus trâmites no CAAD (Processo n.º 546/2023-T), e as testemunhas as mesmas, com base no princípio da livre determinação das diligências de prova, se faça o aproveitamento dessa prova testemunhal nos presentes autos.
Não tendo a Requerida apresentado oposição ao pedido, entendeu este Tribunal que, porque a reunião do artigo 18.º do RJAT deixou de ter objeto útil, dispensar esta, bem assim como as alegações (exceto se existisse oposição da Requerente ou Requerida, o que não ocorreu). A gravação da referida inquirição de testemunhas foi junta ao processo em 21 de maio de 2025.
Foi estabelecido que a prolação da decisão seria até ao dia 11 de setembro de 2025.
Saneamento do processo:
O Tribunal é materialmente competente, o processo é o próprio e as partes legítimas, capazes e devidamente representadas.
Não há exceções ou questões prévias a apreciar e decidir. O processo não enferma de nulidades e/ou irregularidades.
Cumpre então apreciar e decidir o litígio.
II. FUNDAMENTAÇÃO:
A- Os factos provados
(i) A Requerente é uma sociedade anónima, dominante de um grupo de sociedades identificadas no RIT e está inscrita, entre outras, para o exercício da atividade de “recolha de outros resíduos não perigosos” – CAE 38112 -, que é a atividade principal, sendo tributada segundo o regime geral de tributação, com opção pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS) (relatório da inspeção tributária junto com o processo administrativo);
(ii) Pela Ordem de Serviço interna nº OI2022..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi a Requerente alvo de uma ação inspetiva tributária, em sede de IRC, visando o controlo declarativo e a fazer refletir no resultado do Grupo societário as correções efetuadas (relatório da inspeção tributária junto com o processo administrativo);
(iii) Em resultado dessa ação foi emitido e notificado o respetivo relatório final (RIT), com a proposta de correção do resultado fiscal do Grupo no valor de €841.421,70 (relatório da inspeção tributária junto com o processo administrativo);
(iv) A dita correção foi baseada na desconsideração como gasto fiscal de provisões pela empresa dominada B... para fazer face aos encargos com a reparação dos danos ambientais dos locais afetos à exploração, por, designadamente, e de acordo com a AT, não se considerarem reunidas as condições previstas no artigo 40.º, nº 3, alínea a), do CIRC (relatório da inspeção tributária junto com o processo administrativo);
(v) A Requerente exerceu o seu direito de audição em 9 de dezembro de 2022 (fls 66 e ss., do relatório da inspeção tributária junto com o processo administrativo);
(vi) A correção proposta foi mantida e emitida a liquidação adicional nº 2022..., no valor de €841.421,70 e do respetivo acerto de contas nº 2022..., ora objeto de impugnação, de que resultou o valor a pagar de €23.665,58 (documento nº1 junto à PI);
(vii) A Requerente apresentou a Reclamação Graciosa (RG) nº ...2023..., a qual foi indeferida (parcialmente deferida) por despacho proferido pelo Diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, em 29 de junho de 2024 (v. fls. 138 e seguintes do PA junto pela Requerida);
(viii) A Requerente efetuou o pagamento da sobredita liquidação em 13 de fevereiro de 2023 (doc. nº 5 junto com a PI);
(ix) A sociedade dominada B... iniciou em 2017 o desenvolvimento da atividade de deposição de resíduos e por não ser possível então uma estimativa viável e com carácter regular dos custos a incorrer com a reparação dos danos de carácter ambiental dos locais afetos à atividade de deposição de resíduos (vulgo “aterros”), adotou o critério contabilístico possível para a constituição e reforço da provisão criada para os citados custos: o do quociente entre os gastos estimados das operações de selagem e monitorização dos aterros após o seu encerramento e o total de toneladas de resíduos a depositar, concretizando deste modo os montantes da dotação da provisão para os exercícios de 2017 e seguintes e consequente registo contabilístico como gasto incorrido em cada período (incontrovertido);
(x) A exploração do sobredito aterro teve início em 2017, tendo sido apresentado à AT, em outubro de 2019, o plano previsional de encerramento da exploração, com indicação detalhada sobre (i) trabalhos a realizar com a reparação dos danos de carácter ambiental, (ii) estimativa de encargos inerentes, (iii) referência ao número de anos de exploração previsto e eventual irregularidade ao longo do tempo do nível previsto de atividade, sujeito a aprovação pelos organismos competentes, sobre o qual a CCDRLVT (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) emitiu pronúncia nos seguintes termos (Doc. nº 6 junto à PI):

De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação à prova produzida, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC); somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, nomeadamente o assinalado supra e que não foi impugnado, bem como nas posições assumidas pelas partes. Relativamente à prova testemunhal, considerou o Tribunal relevante os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas, que confirmaram os argumentos e factos apresentados pela Requerente na PI, no que concerne às dificuldades que precederam a tramitação, desde data anterior a 2017, do processo desenvolvido para encontrar a autoridade ou organismo competente para aprovar o plano previsional de encerramento da exploração previsto no artigo 40º nº3 al. a), do CIRC, dificuldades essas também inerentes ao início dessa atividade pela sociedade dominada.
B - O Direito:
A questão essencial objeto do presente processo é saber, conforme foi já dito, se pode ser deduzida fiscalmente a provisão para reparação de danos de carácter ambiental quando a referida comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira ocorre para além do termo do 1º período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a sua constituição, ainda que todos os demais requisitos se verifiquem (artigos 39º nº1 al. d) e 40º nºs 2 e 3, ambos do CIRC).
De acordo com o disposto no artigo 39º nº1, al. d), do CIRC (“Provisões fiscalmente dedutíveis”), na redação em vigor à data dos factos, “podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões: (…) d) As constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com a reparação dos danos de carácter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta”.
O n.º 2 do mesmo artigo refere ainda que “A determinação das provisões referidas no número anterior deve ter por base as condições existentes no final do período de tributação”.
No artigo 40º do CIRC (“Provisão para a reparação de danos de carácter ambiental”), na redação também em vigor à data dos factos, dispõe-se no nº 1 que “a dotação anual da provisão a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 39º corresponde ao valor que resulta da divisão dos encargos estimados com a reparação de danos de carácter ambiental dos locais afetos à exploração (…) pelo número de anos de exploração previsto em relação aos mesmos”
Ainda, e nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a constituição da provisão fica subordinada à observância de duas condições: (i) A primeira, referida na alínea a), consiste na apresentação de um “ (…) plano previsional de encerramento da exploração, com indicação detalhada dos trabalhos a realizar com a reparação dos danos de carácter ambiental e a estimativa dos encargos inerentes, e a referência ao número de anos de exploração previsto e eventual irregularidade ao longo do tempo do nível previsto de atividade, sujeito a aprovação pelos organismos competentes;” (ii) a segunda, constante da alínea b), é a “constituição de um fundo representado por investimentos financeiros cuja gestão pode caber ao próprio sujeito passivo, de montante equivalente ao do saldo acumulado da provisão no final de cada período de tributação.”.
Por outro lado, de acordo com o n.º 4 do artigo 40º, do CIRC “sempre que da revisão do plano previsional (…) resultar uma alteração da estimativa dos encargos inerentes à recuperação ambiental dos locais afetos à exploração, ou se verificar uma alteração no número de anos de exploração previsto, deve proceder-se do seguinte modo: a) tratando-se de acréscimo dos encargos estimados ou de redução do número de anos de exploração, passa a efetuar-se o cálculo da dotação anual considerando o total dos encargos ainda não provisionado e o número de anos de atividade que ainda restem à exploração, incluindo o do próprio período de tributação da revisão; b) tratando-se de diminuição dos encargos estimados ou de aumento do número de anos de exploração, a parte da provisão em excesso correspondente ao número de anos já decorridos deve ser objeto de reposição no período de tributação da revisão
Por fim, nos termos do disposto nos nºs 6 e 7 do referido artigo 40º do CIRC, “a provisão deve ser aplicada na cobertura dos encargos a que se destina até ao fim do terceiro período de tributação seguinte ao do encerramento da exploração” sendo que “decorrido o prazo previsto no número anterior sem que a provisão tenha sido utilizada, total ou parcialmente, nos fins para que foi criada, a parte não aplicada deve ser considerada como rendimento do terceiro período de tributação posterior ao do final da exploração”.
Conforme decorre do acima exposto, o reconhecimento de uma provisão para danos de carácter ambiental está dependente da apresentação de um plano previsional de encerramento de exploração e da constituição de um fundo representado por investimentos financeiros de montante equivalente ao do saldo acumulado da provisão no final de cada período de tributação. A constituição deste fundo é dispensada sempre que seja exigida a prestação de caução a favor da entidade que aprova o Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística, de acordo com o n.º 5 do artigo 40.º do CIRC.
No caso concreto, a Requerente viu indeferida a reclamação graciosa que apresentou porque, relativamente ao exercício de 2018 em causa (e ao contrário dos exercícios subsequentes) “(...)não se mostrava verificada a condição prescrita na al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC (...)” mais concretamente que “ (...) relativamente aos períodos de 2017 e 2018, as dotações da provisão não são aceites como gasto fiscal, por a requerente não ter dado cumprimento a al. a) do nº 3 do artº 40º do CIRC, pelo que deve entregar as respetivas declarações de rendimentos mod.22, de substituição, acrescendo no quadro 07 das mesmas, os valores respetivos em causa(…)”, não tendo sido dado cumprimento pelo contribuinte ao “(...)prazo para comunicar à AT o plano de constituição da provisão, até ao termo do 1º período de tributação em que sejam reconhecidos gastos com a sua constituição ou reforço, violando, assim, o disposto no nº 2 do artº 40º do CIRC.”
Ou seja: para a AT o não cumprimento da alínea a), do nº 3, do artigo 40º, do CIRC, designadamente o incumprimento do prazo estabelecido no seu nº 2, acarreta como consequência a desconsideração como custo fiscal da provisão no exercício de 2018, ainda que ulteriormente se verifique ou reconheça que, para a exploração em causa, iniciada em 2017, a entidade ou organismo competente viesse a aprovar o plano previsional de encerramento dessa exploração e este viesse a ser considerado pela AT para reconhecer as provisões constituídas em ulteriores exercícios.
A fundamentação da decisão da AT para a liquidação adicional reside na circunstância de que, pese embora ter sido comunicado pelo contribuinte e aceite pela AT um plano de constituição de provisão para reparação de danos de carácter ambiental tendo em conta o nível de exploração apresentado e que seria determinado pelo quociente entre o total de toneladas depositadas em cada ano e a capacidade de deposição da totalidade licenciada de deposição multiplicada por 5,40€, foi esta aceitação pela AT considerada apenas para os exercícios de 2019 e seguintes “(...) uma vez que nos anos de 2017 e 2018 não se mostrava verificada a condição prescrita na al. a), do nº 3, do artº 40º, do CIRC (...)”.
É certo que a atividade de deposição de resíduos da Requerente se iniciou em 2017 e, por vários anos, sendo que foi apresentado no exercício de 2019 o plano previsional de encerramento dessa exploração o qual, obviamente, toma em conta todo o período exploração, designadamente para efeitos de estimativa dos danos ambientais.
Ora, não faz sentido que a Requerida aceite as provisões para o exercício de 2019 e seguintes e, com base na mesma exata realidade, as desconsidere para o exercício de 2017 e 2018. O plano previsional apresentado e aprovado em 2019 vem ratificar a provisão constituída em 2017, verificando-se que cumpre os critérios legais exigidos, e levando a que a própria AT aceite o valor anual fiscalmente dedutível em 2019 e seguintes.
Seguimos de perto o entendimento resultante do Processo 546/2023-T ao dizer que: “A acolher-se o entendimento da AT, então o montante plurianual fiscalmente dedutível seria diferente (menor) do respetivo montante contabilístico, suscitando legítimas dúvidas sobre a aceitação fiscal do gasto, no final da exploração, na parte coberta pela provisão não deduzida. De facto, e conforme já mencionado anteriormente, o n.º 4 do citado art. 40º do CIRC esclarece que sempre que existir uma alteração da estimativa de encargos, deve o respetivo valor da provisão ser retificado. A norma refere a expressão “deve”, não “pode”, pelo que sempre se poderá concluir que não sendo efetuada a provisão conforme concedido pelo CIRC, então o respetivo custo não poderá ser dedutível quando este efetivamente ocorrer.”
Com a posição da AT, a forma prevalece sobre a substância, levando a um prejuízo grave e notório para a Requerente, não lhe permitindo a dedução de encargos que está obrigada legalmente a suportar e cujo cálculo foi validado pela Autoridade competente como correto.
Entende, assim, este tribunal que o ato de indeferimento da reclamação graciosa e os consequentes atos de liquidação e de acerto de contas enfermam, assim, dos invocados vícios de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei.
Juros Indemnizatórios:
Por esse facto, pede a Requerente o reembolso do imposto e juros indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do artigo 43º da LGT.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
É também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Assim, estamos perante um vício de violação de lei, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito e erro esse imputável à Administração Tributária.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT e do artigo 61º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou e que se revelou indevida. Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (13 de fevereiro de 2023), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61º, n.º 5, do CPPT).
III. DECISÃO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal Coletivo julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente e, em consequência, anular, por ilegalidade e erro nos pressupostos de facto:
i O ato de indeferimento da referida reclamação graciosa nº ...2023...;
ii Os atos de liquidação e de acerto de contas supra identificados relativos a IRC do exercício de 2018;
iii Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição, com juros indemnizatórios nos termos expostos, do montante de IRC erroneamente pago pela Requerente.
Valor do processo:
Fixa-se o valor do processo em €145.394,69 (cento e quarenta e cinco mil trezentos e noventa e quatro euros e sessenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas:
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00 (três mil e sessenta euros) nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, conforme condenação supra, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Lisboa, 4 de setembro de 2025
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Victor Calvete
(Árbitro Presidente)
A. Sérgio de Matos
(Árbitro Vogal)
Maria Antónia Torres
(Árbitro Vogal e Relatora)