Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1395/2024-T
Data da decisão: 2025-09-01  IRC  
Valor do pedido: € 476.526,87
Tema: IRC- Pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal mais favorável.
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SUMÁRIO

I. A Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto do n.º 1 do artigo 65.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na redação ao tempo (2013) desconsidera para afeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável. 

II. É este o regime regra quanto à indedutibilidade, transposto, após a sua revogação, para a alínea r) do n.º 2 do artigo 23.º-A, do mesmo diploma legal.

III. Compete ao contribuinte o ónus de provar que os encargos para efeitos de determinação do lucro tributável, correspondem a operações efetivamente realizadas e não tenham um carácter anormal ou um montante exagerado, de acordo com o disposto n.º 1 do artigo 65.º, in fine, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A....S.A., sociedade anónima com sede na ..., ...-..., com o número de identificação fiscal ... (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 20-12-2024 2 pedido de constituição de tribunal arbitral, e de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro (LOE 2024), e artigos 2.º, nº. 1, alínea a) e 10, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante designado por RJAT), e da Portaria nº 112-A/2011m de 22 de março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IRC de 2023 n.º 2018..., acerto de contas n.º 2018... e liquidação de juros n.º 2018..., no valor total de 451.526,87 €, e ainda a condenação da Demandada no pagamento dos honorários dos seus mandatários, a que atribui o valor de €25.000, sendo o valor do pedido de € 476.526,87.

 

1.1. Do Pedido

A Requerente na impugnação judicial apresentada no TAF de Aveiro, peticionou:

“Em virtude das ilegalidades que originaram a liquidação em apreciação, resulta que a A... teve de lançar mão da presente Impugnação, o que se traduz numa despesa equivalente às despesas e honorários dos seus mandatários.

Despesas e custos em que por ter sido a Administração Tributária que aos mesmos deu causa, deve ser condenada a pagar, por serem considerados danos emergentes da ilicitude dos actos anulados, logo, indemnizáveis pela parte vencida, conforme é, aliás, jurisprudência assente dos nossos Tribunais superiores[1].

E que provisoriamente se cifram, nos termos dos artigos 569.º do Código Civil e 556,º do Código de Processo Civil, em € 25.000,00.”

 

E a final concretiza o seu pedido:

“Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa doutamente suprirá, deverá ser a presente impugnação ser julgada procedente por provada e declarada a ilegalidade e a anulação do acto de Liquidação de IRC n.º 2018..., do acto Liquidação de juros n.º 2018..., assim como do Acerto de Contas n.º 2018..., com todas as consequências legais, designadamente o reembolso das quantias pagas acrescido de juros indemnizatórios, bem como os honorários suportados pela A... com os respectivos mandatários.”

 

1.2. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 20-12-2024 foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 23-12-24, e automaticamente notificado à AT.

Nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJTA, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

As partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhes foi conferida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 28-02-2025, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e notificado às partes nessa data.

Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral de 28-02-2025, veio a AT, com data de 2025-04-07 apresentar a sua resposta, procedendo à junção do processo administrativo (PA). 

Em 09-04-2025, foi proferido o despacho a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde, para além do mais, foi dispensada a sua realização pelas razões que dele constam, tendo sido facultada às partes a possibilidade da apresentaram alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias.

Datado de 30-04-2025 a Requerente apresentou um requerimento onde dava conta de ter solicitado a ampliação da instância em sede judicial (Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro – TAF Aveiro).

9. Com data de 13-05-2025, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, onde, fundamentalmente, tece considerações quanto à violação do princípio do contraditório, e reitera e densifica as posições assumidas nos seus articulados anteriores.

10. Nessa mesma data, a Requerida remeteu aos presentes as suas alegações escritas, onde remete para o seu articulado de resposta, pronunciando-se ainda sobre a ampliação da instância. 

 

2. Posições das partes

2.1. Posição da Requerente

Em síntese, a Requerente sustentou a procedência do pedido de pronúncia arbitral com base nos seguintes argumentos, que se sintetizam, provindos do TAF de Aveiro, e que para aqui relevam;

Discorda do decidido no Relatório da Inspeção Tributária (RIT).

Considera que os pagamentos efetuados à empresa B..., Limited (simplificadamente “B...”), correspondem a operações efetivamente realizadas, que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

Defende que os encargos em apreço «correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado» 

No PPA a Requerente afirma “Apesar de aparentemente minucioso, o Relatório de Inspecção Tributária sofre de uma pré-compreensão de que a aquisição de bens e de serviços pela A... a empresas de Hong Kong se destina a provocar uma «limpeza da margem». (cfr. artº 10 do PPA).

A Requerente considera que não só provou a efectividade das aquisições de bens e de serviços, como foi mais além, e demonstrou «razões económicas válidas para a realização das operações».

Em obediência à lei, a A... provou ainda o carácter normal ou o montante não exagerado das operações.

 

2.2. Posição da Requerida

A AT considera, em síntese, que a impugnante não almejou efetuar a prova competente, que lhe incumbia, nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 65.º do Código do IRC, propondo as respetivas correções. (cfr.artigo 14º da contestação / resposta.

A impugnante (ora Requerente) foi assim notificada para o exercício do direito de audição, não o tendo exercido, e tendo a IT entendido que os elementos remetidos e as informações prestadas pela impugnante não permitiram comprovar as condições referidas no n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos. 

Considerou que os encargos em causa não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, e que deveriam ser sujeitos a tributação autónoma, nos termos do n.º 8 do artigo 88.º do mesmo diploma, também na redação em vigor à data dos factos, realizando-se em consonância correções técnicas em sede de IRC.

 

3. Saneamento

O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído, e é competente em razão da matéria, face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 5.º, n.º 3 alínea a), e no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, do RJAT;

O pedido de pronúncia é tempestivo, uma vez que foi apresentado dentro do prazo previsto no n.º 1, do artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro (LOE 2024);

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, e estão regularmente representadas, em consonância com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, ambos do RJAT;

O processo não enferma de nulidades;

Não foram suscitadas quaisquer exceções de que deva conhecer-se;

Inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

4. Matéria de facto

4. 1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a.             A Requerente é uma sociedade comercial anónima, com o NIF n.º..., com sede na Zona Industrial de ... (...), exercendo a título principal a fabricação de eletrodomésticos - CAE 27510, tendo como atividades secundárias a fabricação de louça metálica e artigos de uso doméstico- CAE 025991, e fabricação de outros produtos metálicos diversos, não especificados- CAE 025992; (facto não controvertido).

b.             Encontrando-se enquadrada no regime geral no que concerne ao IRC, e no regime normal de IVA (periodicidade mensal); (factos não controvertidos).

c.              A A... foi fundada, no final dos anos 70, com o objetivo de fabricar loiças metálicas em alumínio; (cfr. PPA)

d.             A partir de meados da década de oitenta do século passado, dedicou-se igualmente à produção de pequenos eletrodomésticos, que representava à época um mercado em crescimento; (cfr. PPA).

e.              A partir de então e progressivamente, este segmento passou a ser a principal aposta da A..., através de uma crescente diversificação da respetiva gama de produtos, com o lançamento de novos modelos em várias categorias de pequenos eletrodomésticos; (cfr. PPA).

f.              A Requerente afirma que:  tem vindo a trabalhar, desde finais do século passado, com diversas empresas sediadas na China, quer para fabricar os respetivos produtos, quer para adquirir alguns componentes daqueles que fabrica em Portugal; (cfr. PPA).

g.             A Requerente tem feito aquisições de bens à sociedade C... Limited e de serviços de inspeção à referida B..., cujos pagamentos foram identificados no Relatório de inspeção Tributária, infratranscrito, (cfr. PPA e RIT).

h.             Em 22-10-2010, a Requerente celebrou com o Grupo D... um importante contrato para a produção de máquinas de café expresso, para serem vendidas, sob a marca «E... », que previa, desde logo, a venda de 25.000 máquinas até ao final do ano 2010 (cfr. doc. 7 junto com o PPA e RIT).

i.               A Requerente afirma que face ao aumento substancial das encomendas das máquinas de café do Grupo D... à A... (cfr. doc. 8 junto com o PPA); levou à urgência na produção e entrega em Portugal originou que as máquinas produzidas nos anos de 2010 e 2011 tivessem uma elevada percentagem de defeitos, com os inerentes custos de reparação para a A... e a possibilidade, inclusive, de ultrapassada que fosse certa margem de o contrato ser rescindido pelo Grupo D... e originasse obrigação de indemnizar este (Cfr. Doc. nº 9 junto com o PPA);

j.              Uma exigência adicional do Grupo D... a que não terão sido alheios a elevada percentagem de defeitos inicialmente verificada nas máquinas e um certo rótulo de menor qualidade atribuído aos produtos fabricados na China, que se consubstanciou em que a partir de 2012 as máquinas deveriam passar a ostentar a menção Made in Portugal.

k.             Quanto a este último ponto, convém dar nota que as máquinas de café em apreço eram produzidas na China pois, a sociedade italiana F..., dona da patente G... sobre cápsulas e máquinas (usada nas máquinas de café expresso E... encomendadas à A...) licenciou a empresa chinesa I... para o fabrico das máquinas de café (cfr. doc n.º 10 junto com o PPA). 

l.               Acresce que, para permitir a diferenciação entre as patentes das máquinas de cápsulas H... das da F..., era exigida uma máquina com um “Grupo de Extracção” do café significativamente mais complexo.

m.           A G... permitia ao Grupo D... a comercialização com a marca “E...” das máquinas e das cápsulas de café expresso F... (cfr. considerando B) do contrato de assistência técnica integrado no doc. 7 junto com o PPA);

n.             A forma de extração do café dessas cápsulas tinha, por razão de não conflito de patentes com as da H..., de ser diferente e mais complexa do que a usada por estas últimas; (cfr. PPA).

o.             O sistema de extração foi desenvolvido pela G... que licenciou o respetivo fabrico à I...; (cfr. PPA)

p.             O Grupo D... estava interessado em vender as máquinas e, principalmente, as cápsulas de café a um preço mais agressivo que as da H...;

q.             Para poder vender as máquinas e as cápsulas estas tinham de cumprir com as patentes da G... .

r.              Factos que levaram a que a Requerente externa a todas aquelas relações jurídicas e comerciais e sem nenhum poder para as alterar, quando lhe foi contratado pelo Grupo D... o fornecimento das máquinas tinha, como teve em maior ou menor medida, que recorrer necessariamente à I... .

s.              O contrato celebrado entre as partes refere, expressamente, que a A... «obteve da F..., spa, autorização para produzir ou mandar produzir, neste caso na China, os PRODUTOS, a qual é válida pelo período de vigência do contrato de fornecimento celebrado em 7 de maio de 2010 entre a PRIMEIRA CONTRAENTE E..., S.A., e a dita F..., SPA» (cfr. considerando F do contrato junto como doc. 7 ao PPA).

t.              No mesmo sentido, no contrato de assistência técnica celebrado entre a 

A... e a E..., S. A., afirma-se que as máquinas de café, numa primeira fase, serão produzidas na República Popular da China e, posteriormente, serão produzidas em Portugal (cf. considerando C) do contrato de assistência técnica, Anexo III ao contrato de produção e fornecimento de máquinas de café e que dele faz parte integrante, junto com o doc. n.º 7).

u.             Estava expressamente previsto no contrato referido, designadamente na cláusula 10.3 e na cláusula 3.ª do já referido contrato de assistência técnica que previa, ainda, a aplicação de penalidades à A... no caso de atraso nas reparações (cf. cláusula 6.ª do contrato de assistência técnica (cf. Anexo III ao contrato de produção e fornecimento de máquinas de café e que dele faz parte integrante, junto com o documento n.º 7).

v.             A Requerente em julho de 2011 celebrou um contrato com a empresa B... para a orientação, acompanhamento e fiscalização do processo produtivo das máquinas de café fabricadas pela I... (na altura, o modelo ...), o que veio a suceder para eliminar/diminuir os defeitos de fabrico nas máquinas.

w.            No final do ano de 2011 e a pedido do Grupo D..., a  A...desenvolveu uma nova máquina (designada por ..., que veio a substituir a anterior ...), e apenas o corpo, designado por “Grupo de Extracção”, continuou a ser fabricado na China, pois ainda estavam em vigor patentes da H... sobre os “Grupos de Extracção” que impossibilitavam a utilização de outro tipo de Grupo, sendo o restante desta nova máquina ... produzido e concluído em Portugal.

x.             O novo acordo com a I... passava por esta fabricar apenas o “Grupo de Extracção”, ficando a cargo da A... a introdução de alterações no sentido de o melhorar e adaptar à restante parte da máquina produzida em Portugal.

y.             A Requerente manteve o controlo do processo produtivo na I..., visando preservar o nível de qualidade e evitar riscos com os custos acrescidos com a eventual devolução de máquinas ou, no limite, a cessação do contrato para a produção de máquinas de café expresso celebrado com o Grupo D..., pelo que foi assinado um novo acordo com a B... para a fiscalização e acompanhamento do processo produtivo do novo “Grupo de Extracção” fabricado pela I...; (cfr. doc. 11 junto com o PPA).

z.              Não está previsto no contrato que as inspeções sejam de acordo com as especificações técnicas anexas ao contrato mas sim com as especificações técnicas – o que inclui as especificações técnicas anexas ao contrato e outras, designadamente, as resultantes das regras de certificação de qualidade uniforme e internacionalmente aceites, designadamente, as chamadas normas ISO e, em concreto a norma ISO 2859-1 (norma referida, de resto, nos relatórios de inspeção), bem como as diretivas comunitárias em matéria de qualidade que permitem aos fabricantes que as cumpram ostentar a marcação CE e as normas europeias uniformizadas (Cfr. Doc. nº 12).

aa.          Com o “Grupo de Extracção” fabricado pela I... e a restante produção em Portugal foi possível obter um preço competitivo e sem conflitos, ao nível das patentes, satisfazendo um desejo do Grupo  D... de ostentar nas máquinas de café expresso “E...” a indicação “Made in Portugal”.

bb.          Nomeadamente as Directivas 2006/95/EC, 2004/108/EC, 2011/65/EU e 2002/96/EC e as normas europeias harmonizadas  EN 60335-1:2012 + A11:2014/AC:2014; EN 60335-2-15:2002+A1:2005+A2:2008+A11:2012 + A11/AC:2013; EN 61000-3-2-; EN 61000-3-3; EN 55014-1, EN 55014-2 e EN 62233:2008 que, sendo essenciais para a introdução no consumo, prescrevem a responsabilidade final do fabricante do produto , devendo a Requerente assegurar da qualidade através das inspeções levadas a efeito.

cc.           Afirma a Requerente que o processo inspetivo e de controlo de qualidade nem sempre originava relatórios, ou relatórios enviados à A... . Nem o contrato o prevê nem era necessário. De facto, qualquer falha ou defeito identificado no decurso do processo produtivo desencadeava uma atuação ou interação diretamente com o fabricante I... que causava ações de melhoria, correções ou rejeições.

dd.          Estas ações de controlo e inspeção em que, foram sempre testados em laboratório 5% dos grupos no que à extração de café diz respeito eram naturalmente comunicadas na língua comum de inspetores e responsáveis do fabricante – a língua chinesa – não tendo sido enviados à A... os respetivos relatórios (se existentes). Note-se que a A... não tinha interesse nesses relatórios intercalares mas apenas no relatório final, em cumprimento da norma ISO 2859-1 e que permitia certificar o produto de acordo com a mesma.

ee.           No que concerne ao exercício de 2013, no âmbito do código de atividade do plano nacional de atividades da inspeção tributária e aduaneira 12221111502 – Controlo das Transferências Transfronteiras - 2013, e a coberto ordem de serviços OI 2017... foi a Requerente objeto de inspeção tributária de âmbito parcial, tendo como objetivo o controlo da transferências transfronteiriças efetuadas pelo sujeito passivo e declaradas pelas instituições financeiras na declaração modelo 38, nos termos do n.º 2 do artigo 63.º-A da Lei Geral Tributária, e da Portaria n.º 1066/2009, de 2009-09-18,

ff.             No Relatório da Inspeção Tributária que aqui se dá como inteiramente reproduzido, para além do mais, é referido o seguinte: 

 

gg.         

 

 

hh.         

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A...

 

 

 

B...

 

A...

 

 

 

ii.             No âmbito do procedimento de Inspeção Tributária, a impugnante foi notificada em 13-12-2017 ao abrigo do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRC para apresentar o seguinte;

Prova documental de que os encargos suportados nas faturas emitidas pela B... LIMITED, com morada em (…) HONG KONG, contabilizadas como “fornecimentos e Serviços Externos – Trabalhos especializados” na conta “62218”, no ano de 2013, no valor total de 496.190,04 €, e de que os pagamentos efetuados à mesma entidade sedeada em Hong Kong, no mesmo período, no montante de 705.574,19 €, correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal exagerado. As faturas e os pagamentos em causa (por transferência para a conta nº ... do banco HSBC Hong Kong, Código Swift ...).

jj.            Documentos que a ora Requerente enviou, tendo sido rececionados em 31-01-2018, o que incluía duas pastas de arquivo A4 com 17 anexos que os SIT digitalizaram e copiaram para CD, e juntaram ao RIT; (cfr. RIT).

kk.          A Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição e optou por não exercer tal direito.

ll.             No PPA a Requerente contraria as afirmações constantes do RIT, e que estiveram na base da liquidação adicional em análise.

Assim, refere a Requerente o seguinte: A propósito da Norma ISO 2859-1 que define a amostragem a efetuar consoante o nível de inspeção, os níveis de aceitação ou rejeição convirá, ainda que brevemente, explicar o que consta dos cabeçalhos dos relatórios das incepções efeituadas pela B... por referência aos mesmos e à tabela infra:

 

mm.       A requerente no PPA explica o seguinte: “Assim, no caso de uma inspecção de nível I a uma encomenda de 10.000 unidades haverá de ter em conta a grelha constante da segunda tabela das quais

- a coluna defects refere à qualificação/tipo dos defeitos em críticos, graves e menores;

- a coluna AQL (Acceptable Quality Limit) que define o limite de qualidade aceitável;

- a coluna Accept que define a quantidade de defeito aceitável por tipo de defeito

- a coluna Reject que define quando tendo em conta as quantidades de defeito da amostra o produto deve ser rejeitado;

- a coluna Found – única não pré-estabelecida – que relata os defeitos encontrados.

Conjugados que sejam, como devem, os relatórios com as tabelas da norma ISO 2589-1 facilmente se apercebe que perante uma encomenda de 10.000 unidades as inspecções gerais (no que se inserem os grupos):

- se a inspecção for de nível I – a quantidade inicial da amostra é obtida pela letra J e corresponde a 80 unidades de amostragem, subindo a mesma à medida que vão sendo encontrados defeitos;

- se a inspecção for de nível II  – a quantidade inicial da amostra é obtida pela letra L e corresponde a 200 unidades de amostragem, subindo a mesma à medida que vão sendo encontrados defeitos.

É pois rotundamente falsa a alegação de que, em desconformidade com o contrato, a B... apenas tenha realizado a inspecção com uma amostra de 0,8% ou 2% de todo o processo produtivo ao invés dos 5% contratados. 

De facto, ao contrário do que parece ter entendido a Autoridade Tributária, no contrato não se prevê que a amostra tenha de ser de 5% durante todo o processo produtivo mas apenas que o teste do “Grupo de Extracção” em laboratório com 5 cápsulas fosse nessa percentagem. 

Percentagem essa que foi escrupulosamente cumprida, como cumpridas foram as demais especificações técnicas aplicáveis.

nn.          Relativamente à apontada no RIT sobre a desconformidade na numeração das páginas de um dos relatórios e a referência à J... numa única página de um relatório das dezenas de relatórios elaborados pela B... a Requerente com base no doc. 13 junto com o PPA afirma:

“A J..., como a Autoridade Tributária afirma, é de facto uma multinacional com actividade inspectiva em várias partes do mundo.

Foi, de resto, tendo em conta tal presença que a A... contactou a mesma pedindo-lhe que orçamentasse o processo inspectivo e de acompanhamento da produção da máquina de café ...  (a qual, recorde-se, era inteiramente produzida na China).”

Efectuados os devidos cálculos e depois de contactos tidos com os principais interlocutores da A... na China, designadamente a K..., foi indicada à A... a possibilidade de realizar as inspecções e o controlo de qualidade através de empresas de menor dimensão a um custo mais acessível e que diferia, para aquela máquina 1 ..., em cerca de 2,02 USD (Dólares Americanos) para menos que o orçamento apresentado pela J... (16,02 USD vs. 14 USD).

Efectuado que foi com sucesso o serviço de inspecção e controlo de qualidade à máquina de café ..., quando a A... contratou com a I... a produção dos “Grupos de Extracção” da máquina..., naturalmente comparou preços entre aqueles que a B... lhe propunha, o que seria o seu custo de assumisse a inspecção directa e qual seria o custo que a J... lhe cobraria

(...)

a A... optou compreensivelmente pela B... .

Como facilmente se compreenderá, na execução do trabalho a A... não cuidou de saber se efectivamente os técnicos que no terreno efectuavam as inspecções ou o controlo de qualidade eram funcionários próprios da B..., se estes eram sempre os mesmos ou se iam variando (prática muito generalizada na China em que a rotação de trabalhadores entre empresas é uma constante), se esta subcontratava o serviço a terceiras entidades, incluindo naturalmente a própria J... .

 Porém, bem vistas as coisas, o alegado pela Autoridade Tributária prova demais: tivessem os serviços de inspecção e controlo sido feitos por funcionários da B... ou tenha esta, no limite, sub-contratado a  J...ou funcionários desta, o que a A... não conhece nem consegue conhecer, a verdade é que, em qualquer caso os serviços de controlo de qualidade e inspecção foram efectivamente realizados.

O que não foi posto em causa pela Autoridade Tributária

(...)

E, se a A... não cuidou de saber quando tal empresa havia sido constituída ou se tinha a respectiva sede num 1.º ou num 17.º andar, se fazia por si mesma com trabalhadores próprios ou em regime de subcontratação, é matéria que apesar de tudo lhe era indiferente, desde que e enquanto o serviço fosse prestado, como efectivamente o foi.

Desmontado este, haverá forçosamente de concluir-se que (i) a  B... prestou efectivamente os serviços pelos quais foi paga – não há como negá-lo; (ii) que esses serviços têm um carácter de normalidade – são essenciais em qualquer produção externa à A... e são uma prática habitual no sector e que (iii) os preços contratados foram de mercado.”

oo.          Considerando o afirmado no RIT, a Requerente afirma:

“(...) Desmontado este, haverá forçosamente de concluir-se que (i) a B... prestou efectivamente os serviços pelos quais foi paga – não há como negá-lo; (ii) que esses serviços têm um carácter de normalidade – são essenciais em qualquer produção externa à A... e são uma prática habitual no sector e que (iii) os preços contratados foram de mercado.

A Requerente vendeu as máquinas de café fabricadas pela A... com a marca “E...” foram sempre um enorme sucesso, tendo sido vendidas até ao final do ano de 2013 cerca de 340.000 máquinas de café, com a marca “E...”; 

A A... vendeu ainda esta máquina de café expresso para outros mercados, exportando 11.320 máquinas para a Suécia e para a Austrália; 

Com efeito, se em 2009 o volume global de vendas se ficou pelos € 9.973.256,56 em 2013 atingiu o valor global de € 24.570.355,45.”

pp.          O custo de inspecção do grupo (USD 6/ Grupo de Extracção ) representava cerca de 5% do valor de venda da máquina (cerca de € 84,00 – cfr. extracto de vendas ao E..., que se junta como Doc. nº 16).

qq.          A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2013, da liquidação de juros compensatórios e da demonstração de acerto de contas, tendo ficado obrigada a pagar, até ao dia 07/05/2018, a quantia global de € 451.526,87; (cfr. doc. 1 a 3 juntos com o PPA). 

rr.           Em 04-05-2018 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado adicionalmente; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).

ss.            Com data de 20-12-2024 a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a coberto do disposto no nº 1 do artigo 268º da Lei nº 82/2023, de 29 de Dezembro (LOE 2024),

 

4.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa inexistem factos que tenham sido considerados como não provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada e não provada - cfr, artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da questão (ões) de direito, cfr, artigo 596.º do CPC, ex vi , artigo 29.º, alínea e) do RJAT.

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame de avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr., artigo 607.º, nº. 3 do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 43/2013, de 26 de junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (v.g.), a força probatória dos documentos autênticos (cfr., artigo 371.º, n.º 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Deste modo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova, e cuja veracidade se terá que aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

5. Do direito

Considerando a impugnação judicial, formulado no âmbito do processo n.º 1000/18.0BEAVR que correu termos pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo de Fiscal de Aveiro e, o disposto no n.º 2 do artigo 268.º, da Lei n.º 82/2023, de 31 de dezembro (LOE 2024) consistem em saber-se:

(i) Se há lugar ao conhecimento do pedido de ampliação do pedido

(ii) Se há lugar ao pagamento de honorários dos mandatários da Requerente,

(iii) Fundamentalmente, se a Requerente logrou fazer prova do disposto na pare final do n.º 1 do artigo 65.º do CIRC (na redação ao tempo).

iv) Se as normas constantes da Portaria n.º 150/2004 e o artigo 65.º do CIRC na vigente em 2013, após a entrada em vigor do Acordo para Evitara Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal entre Portugal e Hong Kong, são inconstitucionais ou ilegais,

 

5. 1. Ampliação da instância

Com data de 30-04-2025, a Requerente procedeu à junção aos autos de requerimento com o seguinte teor: 

 

 

 

A...

 

 

 

Mais junta cópia de requerimento em que se refere á mesma questão:

 

...

 

 

 

 

 

 

 

A Requerente defende que, se em sede judicial (TAF de Aveiro) tinha solicitado a ampliação da instância, e, pelo facto de, aí não tendo sido objeto de apreciação deverá essa ampliação da instância ser conhecida em sede arbitral pedido pela Requerente convocando a respeito o disposto no n.º 2 do artigo 268.º da Lei n.º 82/2013, de 29 de dezembro. 

A Requerida juntou ainda uma página do Processo que correu os seus termos no TAF de Aveiro, onde se pode ler:

 

 

Nas Alegações a AT refere que: 

1. Antes de mais, atendendo ao pedido de ampliação da instância, apresentado pela Requerente no seguimento apresentação da Resposta e do processo administrativo, sempre se dirá que, resulta de forma cristalina do n.º 2 do art. 268.º da Lei 82/2023, de 29 de dezembro, sob a epígrafe "Remessa de processos tributários pendentes para a arbitragem", que:

"2 - As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido." destaques da nossa responsabilidade.

2. Ao que acresce que em sede de impugnação judicial não foi proferido qualquer despacho de admissão de ampliação, mantendo-se, portanto, o pedido constante na petição inicial, como se comprova pelo doc. 1 em anexo. 

3. Ademais, não foram apresentados quaisquer elementos que não tenham já sido analisados pela AT e sejam passíveis de alterar o entendimento já expendido em sede de Resposta, cujo teor aqui se reitera.

4. Pelo que, sob pena de a Requerida incorrer, nesta sede, numa mera repetição inútil, não havendo nada de novo nos autos sobre que a AT se possa pronunciar (...).

 

Vejamos

 

Com efeito, provindo os presentes autos de “remessa de processos tributários para a arbitragem”, sempre seria de observar-se o disposto no n.º 2 do artigo 268.º da Lei nº 82/2023 de 29 de dezembro, (LOE 2024) que determina;

“2- As pretensões a submeter aos tribunais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas de admitindo a redução do pedido.”

Sendo que o dispositivo citado não refere qualquer possibilidade de a Requerente proceder à eventual ampliação do pedido, acresce ainda a circunstância de em sede judicial, o TAF de Aveiro não ter tomado qualquer decisão a respeito.

 

E, entende ainda este Tribunal que a ampliação da instância nos termos em que é peticionada, há que atender à legalidade de um despacho de um Chefe de Divisão que sanciona o RIT devidamente assinado pelo Inspetor Tributário e Chefe de Equipa, e ao coberto de uma Ordem de Serviço n.º O12017... .

Em primeiro lugar temos de analisar o Despacho do Chefe de Repartição enquanto ato administrativo, nos termos do CPA; Lei Geral Tributária e outras normas de direito tributário.

 

Dispõe o artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) – em vigor à data da realização da Inspeção Tributária:

Conclusão do procedimento de inspecção

1 - Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.

2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.

3 - O relatório deve conter, tendo em atenção a dimensão e complexidade da entidade inspeccionada, os seguintes elementos:

a) Identificação da entidade inspeccionada, designadamente denominação social, número de identificação fiscal, local da sede e serviço local a que pertence; b) Menção das alterações a efectuar aos dados constantes dos ficheiros da administração tributária;

c) Data do início e do fim dos actos de inspecção e das interrupções ou suspensões verificadas; d) Âmbito e extensão do procedimento; e) Descrição dos motivos que deram origem ao procedimento, com a indicação do número da ordem de serviço ou do despacho que o motivou; 

f) Informações complementares, incluindo os principais devedores dos sujeitos passivos e dos responsáveis solidários ou subsidiários pelos tributos em falta;

g) Descrição dos factos susceptíveis de fundamentar qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária;

h) Acréscimos patrimoniais injustificados ou despesas desproporcionadas efectuadas pelo sujeito passivo ou obrigado tributário no período a que se reporta a inspecção;

i) Descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas;

j) Indicação das infracções verificadas, dos autos de notícia levantados e dos documentos de correcção emitidos;

l) Descrição sucinta dos resultados dos actos de inspecção e propostas formuladas;

m) Identificação dos funcionários que o subscreveram, com menção do nome, categoria e número profissional;

n) Outros elementos relevantes.

4 - No caso de o sujeito passivo ter apresentado pedido de redução de coima ou procedido à regularização da sua situação tributária durante o procedimento de inspecção, do facto far-se-á referência no relatório.

5 - Poderão ser elaborados outros tipos de relatórios em caso de procedimentos de inspecção com objectivos específicos, os quais, no entanto, incluirão sempre a identidade das entidades inspeccionadas, os fins dos actos, as conclusões obtidas e a sua fundamentação.

6 - O relatório de inspecção será assinado pelo funcionário ou funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa que intervenha ou coordene, bem como o sancionamento superior das suas conclusões.”

Como é mencionado nos n.ºs 1 e 2 do supramencionado artigo 62.º do RCIPTA, concluído o procedimento de inspeção: “O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação”.

Como consta do documento junto ao RIT a Requerente foi notificada por carta registada carta com aviso de receção tendo como destinatário: A...S.A.,  ..., ...- ... ..., com o n.º de registo n.º RH ... PT e tendo o aviso de receção sido assinado em 23-03-2018, considerando-se notificada mo terceiro dia após a data do registo.

 

Relativamente à notificação no procedimento de inspeção pronunciou-se o STA no Acórdão de 

21-06-2018 proferido no Processo 00030/10.4BEPRT, ao qual aderimos por com ele concordarmos:

“I. - As notificações no procedimento de inspecção seguem as regras previstas nos artigos 37.º e seguintes do RCPIT. Ou seja, podem ser efectuadas pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal, através de carta registada.

II. - E dispõe o n.º 1 do artigo 43.º RCPIT “presumem-se notificados o sujeito passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.

III. - O que significa não serem aplicáveis as regras dos artigos 38.º e 39.º do CPPT, por haver norma especial a regular a matéria.”

 

E mais é afirmado nesse Acórdão:

refere o art. 60º, nº 1, do RCPIT: “Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.”

Assim, e por força desses preceitos legais, a Administração Tributária deve comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e a sua fundamentação, por carta registada, só sendo dispensada essa audição no caso de a liquidação se efetuar com base na própria declaração do contribuinte ou no caso de a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável (nº 2).

No que concerne ao relatório de inspeção e conclusão dos atos de inspeção, refere o art. 62º, nº 1 e 2, do RCPIT:

“1 - Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.

2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no nº 4 do artigo 60º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação”.

Refere, ainda, o art. 61º, nº 1, do RCPIT, que “Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento”.

No caso em apreço, como resulta dos factos assentes, ao impugnante foi dirigido, por carta registada, para o seu, então, domicílio fiscal, sito na Av…, um ofício, acompanhado do projeto do relatório de inspeção, para efeitos do exercício do direito de audição. Porém, tal carta foi devolvida pelos serviços postais, com a menção “objecto não reclamado”.

Por outro lado, o relatório de inspeção foi enviado por três vezes (a primeira e a terceira para o domicílio que constava do cadastro da AT), por carta registada e aviso de receção, tendo todas as cartas sido devolvidas com a menção “objecto não reclamado”.

Serão válidas tais notificações?

No que concerne às notificações, o nº 1 do art. 36º do CPPT, preceitua que os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

Quanto à perfeição das notificações, refere o art. 39º, nº 1, do CPPT:

1 - As notificações efectuadas nos termos do nº 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

Esta presunção legal, juris tantum, pode ser ilidida pelo interessado, solicitando aos correios a informação sobre a data da efetiva entrega, para assim fazer prova que a recebeu posteriormente (cfr. art. 39º, nº 2, do CPPT). Contudo, tem entendido a jurisprudência que esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida (por todos o acórdão da secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 31-01-2012, processo nº 017/12).

Sucede, porém, que o procedimento de inspeção tributária é especialmente regulado no RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária), que é um regime especial e, nessa medida, afasta o regime geral que consta do CPPT.

Deste modo, às notificações efetuadas no âmbito do procedimento de inspeção tributária, é aplicável o disposto nas normas do capítulo III, título IV daquele diploma e não o regime geral dos arts. 38º e 39º, do CPPT.

E, no que concerne à perfeição das notificações no âmbito do procedimento de inspeção, dispõe o art. 43º, nº 1, do RCPIT: “Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.

Decidiu-se, no acórdão da secção de contencioso tributário do STA, de 13.3.2013, rec. nº 01394/12:

«Assente que ficou que a notificação podia ser efectuada por carta registada, não faz sentido esgrimir com a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, uma vez que essa devolução apenas ocorreu porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada.
Na verdade, o art. 43º, nº 1, do RCPIT, diz: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta».

Só assim não seria, admitimos, caso não se demonstrasse que foi deixado o aviso ao destinatário, mas da factualidade que foi dada como assente – e só dessa nos podemos servir, uma vez que este Supremo Tribunal Administrativo funciona como tribunal de revista – resulta que o ora Recorrido foi avisado para esse efeito.

Na verdade, a fórmula estandardizada que foi referida na alínea C) dos factos provados – “Não reclamado” – significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação, e ignorado, no prazo concedido, pelo avisado. O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário.

Não há sequer, contrariamente ao que parece sustentar a Juíza do Tribunal a quo, que invocar aqui o disposto no nº 5 do art. 39º do CPPT, pela simples razão de que, no que respeita à presunção de notificação no caso em que esta é a efectuar por carta registada, o RCPIT dispõe de norma própria, o que parece significar que o legislador quis optar por um regime diferente, porventura menos rigoroso, do que o estabelecido no CPPT para a generalidade dos actos em matéria tributária (lex specialis derrogat legi generali).

Nem se diga que o CPPT, porque é ulterior ao RCPIT, terá derrogado o regime neste previsto. Desde logo, porque art. 7º do CC dispõe, no seu nº 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».

Depois, porque o RCPIT, após a entrada em vigor do CPPT, conheceu alterações e o art. 43º, nº 1, do RCPIT, manteve-se inalterado.

Finalmente, porque está garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, afastando assim qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução.»

Concordamos inteiramente com a tese preconizada neste acórdão, acabado de transcrever.

No caso em apreço, resultou provado que as cartas, dando conta do projeto de conclusões, do relatório final e do fim dos atos de inspeção, foram todas registadas e enviadas para o domicílio fiscal do impugnante (à excepção da carta expedida no dia 27.7.2009, que foi remetida para a morada da Av…., sendo que o domicílio fiscal do impugnante havia sido alterada no dia 13.7), tendo sido devolvidas com a menção “objecto não reclamado”, o que significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência, na caixa postal do impugnante, pelo que o não conhecimento do conteúdo das notificações a si será imputável.

Por outro lado, o impugnante nada alegou no sentido de ilidir a presunção, não demonstrando que o aviso postal, para levantamento das cartas na estação de correios, não foi entregue no seu domicílio fiscal.

Assim, nos termos do art. 43º, nº 1, do RCPIT, o conteúdo das referidas cartas considera-se notificado e, consequentemente, considera-se o impugnante devidamente notificado do projeto de conclusões, do relatório final de inspeção e da conclusão dos atos de inspeção, não se verificando as irregularidades alegadas na petição inicial.

Assim quanto a este ponto improcede a impugnação. (…)»

A sentença recorrida estriba-se em jurisprudência do tribunal superior e que também este tribunal acompanhou recentemente.

Na verdade, as questões suscitadas neste recurso foram já objecto de acórdão proferido neste TCA, no âmbito do processo n.º 346/10.0BEPRT, cujo recurso foi decidido em 07/06/2018, onde as partes e as questões a apreciar são substancialmente idênticas.

Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida nesse acórdão, uma vez que não vislumbramos justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos.

Por isso, passamos a transcrever parcialmente o seu teor, aderindo a todo o seu discurso fundamentador, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise:

«(…) Antes da conclusão do Relatório foi enviada carta registada para a sede do sujeito passivo notificando-o para efeitos do disposto no art.º 60º LGT e 60º RCPIT. A carta foi devolvida com a menção “Não atendeu”, pelo que a AT considerou definitivo o projecto de relatório. (…)

Notificado da demonstração do acerto de contas e do respetivo valor a pagar, deduziu impugnação judicial alegando, entre o mais, ter sido notificado da OS  relativa ao início de uma ação de fiscalização, mas não foi notificado do encerramento da ação nem do respetivo relatório, não lhe tendo sido dada a possibilidade de conhecer o projecto de relatório e de sobre o mesmo exercer o direito de audição. E tão pouco foi notificado da liquidação efetuada, mas apenas da nota de compensação, o que fere de nulidade a liquidação efetuada. (…)

Com efeito, os actos de inspeção que que possam originar actos tributários desfavoráveis ao inspecionado, deve este ser notificado do projecto de conclusões do relatório com identificação desses actos e a sua fundamentação (art.º 60º/1 RCPIT) para efeitos do disposto no art. º 60º LGT.

As notificações no procedimento de inspeção seguem as regras previstas nos arts. 37º e segs. do RCPIT. Ou seja, podem ser efetuadas pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada (1)

E dispõe o n.º 1 do art. 43º RCPIT “presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.

Isto significa não serem aplicáveis ao caso aos regras dos arts.º 38º e 39º do CPPT, por haver norma especial a regular a matéria (2).

Do probatório resulta que a notificação do projecto de conclusões foi efetuada por carta registada para o domicílio fiscal do Impugnante em 21/5/2009 e que a mesma foi devolvida com indicação de “objecto não reclamado”.

Assim sendo, cumpriram-se requisitos enunciados no art.º 43º/1 RCPIT pelo que a presunção de notificação tem-se por estabelecida.

O Impugnante poderia ilidir esta presunção exibindo a comunicação dos serviços postais que demonstrasse não conter “...de forma clara, a identificação do remetente” (n.º 2 e 3 do art. 43º RCPIT).

Mas nem esses factos foram alegados nem tal prova não foi sequer ensaiada.

Por conseguinte, a notificação do projecto de conclusões do relatório tem-se por (presumidamente) efetuada (…).»

Tendo em conta a factualidade dada como provada, vista à luz da lei e da jurisprudência transcrita supra, forçoso é concluir não ter sido preterida formalidade essencial decorrente da falta de notificação para exercício de audição prévia sobre o relatório inspectivo.

A este respeito a sentença recorrida constatou resultar dos factos considerados provados que ao Impugnante foram enviadas as liquidações aqui impugnadas e que o foram para o seu domicílio fiscal. Assim sendo, atento o envio por carta registada das liquidações para o seu domicílio fiscal e a não devolução, julgou o tribunal “a quo” que o Impugnante passou a ser considerado notificado três dias após esse registo, ficando, assim, com o ónus de provar que não recebeu a carta ou que a recebeu posteriormente, o que não logrou demonstrar, pois nenhuma prova ofereceu nesse sentido.

Fundando-se o recurso apenas na questão da aplicação errónea do normativo do artigo 43.º, n.º 1 do RCPIT, que, como vimos, foi adequadamente seguido, quando, alegadamente, seria de aplicar o normativo do artigo 38.º, n.º 3 e n.º e o artigo 39.º, ambos do CPPT, que não serão de aplicar, in casu, por haver aquela norma especial a regular a matéria, nada mais cumpre apreciar no âmbito do mesmo.

 

Pelo exposto não pode a Requerente vir argumentar o desconhecimento posterior à Petição Inicial dirigida ao TAF de Aveiro e ao PPA dirigido a este Tribunal Arbitral, do teor do RIT, e em concreto de que o Chefe de Divisão, dado que foi devidamente notificada da decisão em que constava o dito despacho do Chefe de Divisão.

Quanto ao Despacho do Chefe de Divisão de organismos da ATA há que referir:

Dispõe o artigo 55.º da LGT:

"Os atos da administração tributária estão sujeitos a fundamentação, em especial os atos de liquidação, fixação da matéria tributável e decisão de reclamações ou recursos."

De referir que a Liquidação é um ato vinculado que decorre da lei, compete à AT (artigo 16.º CPPT e artigo 36.º LGT).

As cópias das liquidações adicionais de IRC juntas aos autos, são atos de liquidação praticados pela Diretora Geral da AT, que os assinou. 

Os Despachos dos Chefes de divisão são atos administrativos que servem para gerir, corrigir ou decidir incidentes, mas não para determinar a matéria coletável nem liquidar impostos.

Mais se mencione, que o ato praticado pelo Chefe de Divisão das finanças de Aveiro é um ato que procede ao sancionamento superior das conclusões do RIT. É um ato administrativo e por não mencionar o despacho de delegação de competências, não faz dele um ato administrativo nulo.

Assim, por este mencionado Despacho não se inserir no elenco restrito dos atos nulos constante do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), este Tribunal Arbitral não pode dele conhecer oficiosamente, nos termos do artigo 162.º, n.º 2 do CPA.

 

Pelo exposto improcede assim o pedido de ampliação da instância requerido pela Requerente.

 

 5.2. Pedido do pagamento dos honorários dos mandatários da Requerente

O pedido formulado pela Requerente em sede judicial no âmbito do Processo nº 1000/18.BEAVR da Unidade Orgânica 2 do TAF de Aveiro é o seguinte: “deverá ser a presente impugnação ser julgada procedente por provada e declarada a ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IRC nº 2018..., do acto de Liquidação de juros nº 2018..., assim como o Acerto de Contas nº 2018..., com todas as consequências legais, designadamente  o reembolso das quantias pagas acrescido de juros indemnizatórios, bem como os honorários suportados pela A... com os respectivos mandatários”.

O valor do processo aí indicado pela então impugnante, aqui Requerente é de 476.516,87 €, que corresponderá à soma das liquidações adicionais controvertidas (451.516,87 €) mais 25.000,00€ a título de honorários.

Já em sede de alegações dirigidas ao processo 1395/2024-T do CAAD, a Requerente pugna que “Em qualquer caso ser declarada a ilegalidade com consequente anulação do ato de liquidação de IRC nº 2018..., do ato de liquidação de juros nº 2018..., assim como o acerto de contas nº 2018...”.

Relativamente ao pedido de condenação da Requerida numa despesa equivalente aos honorários dos seus mandatários, consigna-se desde já que não será esta sede arbitral o meio próprio para a dedução de tal pedido, desde logo tendo em consideração a natureza do contencioso de legalidade do processo arbitral tributário e a amplitude da competência fixada aos tribunais arbitrais pelo artigo 2.º do RJAT.

Por outro lado, a Requerente ao peticionar as despesas atinentes com os honorários dos seus mandatários não indica qualquer fundamento legal para a sua pretensão, quer de um ponto de vista substantivo quer processual.

Ressalvando o respeito a outras opiniões, entende-se que a opção pela jurisdição arbitral implica a renúncia à compensação das despesas cobertas pelas custas de parte, onde se incluem os honorários de advogado (artigo 25.º, n.º 2, alínea d) do Regulamento das Custas Processuais).

Efetivamente, não se prevendo o pagamento de custas de parte na jurisdição arbitral, ao admitir-se a possibilidade de ser pedida pelos contribuintes, compensação pelos encargos com mandatário, estar-se-ia a discriminar negativamente a AT, na medida em que, nas causas que vença, não se verá compensada pelas correspondentes custas de parte, nem poderá obter a correspondente compensação.

Deste modo, dever-se-á entender que, ao optar pela jurisdição arbitral tributária, quer a AT quer o contribuinte, estão a abdicar da compensação devida por despesas abrangidas pelas custas de parte.

Sem prejuízo do que vem de se dizer, entende-se ainda não caber na competência dos tribunais em matéria tributária, a apreciação da pretensão indemnizatória em causa.

Para concluir, e como decidido no Acórdão do Pleno do STA de 30-04-2013, no âmbito do processo 0319/13; “Está atribuída aos tribunais administrativos a competência para a acção em que a parte vencedor em anterior demanda vem pedir indemnização pelos encargos que suportou como honorários a advogado, ainda que tal acção tenha corrido perante os tribunais tributários”.

 

Considera-se, assim, tendo em conta, nos termos explicitados no aresto em apreço o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 37.º alínea f) e 49.º todos do ETAF, bem como o disposto no artigo 2.º do RJAT, verificar-se, quanto ao pedido em causa, a exceção da incompetência absoluta em razão da matéria, de conhecimento oficiosa e que obsta ao conhecimento do mérito deste pedido de honorários.

                                                                                                                                        

6. Questões a decidir

As questões submetidas à apreciação e decisão deste tribunal, tendo em consideração o pedido de impugnação judicial, formulado no âmbito do processo n.º 1000/18.0BEAVR que correu termos pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo de Fiscal de Aveiro e, o disposto no n.º 2 do artigo 268.º, da Lei n.º 82/2023, de 31 de dezembro (LOE 2024) consistem em saber-se:

Se a Requerente logrou fazer prova do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 65.º do CIRC (na redação em vigor ao tempo).

Se a Portaria n.º 150/2004 e o artigo 65.º do CIRC na vigente em 2013, após a entrada em vigor do Acordo para Evitara Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal entre Portugal e Hong Kong, são inconstitucionais ou ilegais,

 

Das referidas questões acabadas de enunciar, afigura-se claro que a questão central a apreciar e decidir, se materializa em saber se com referência a transferências/pagamentos realizados pela Requerente a entidades com sede em Hong Kong, um país que está enquadrado na lista dos países com regime fiscal claramente mais favorável, e portanto há que determinar se a Requerente demonstrou que esses pagamentos correspondiam a operações efetivamente realizadas e não tinham um carácter anormal ou um montante exagerado, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 65.º, e do n.º 8 do artigo 88.º, ambos do CIRC.

Antes da sua revogação pelo artigo 13.º, da Lei nº 2/2014, de 16 de janeiro, prescrevia o n.º 1 do artigo 65.º do CIRC relativamente aos “pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado que “não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletiva residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal”.

Em causa estará no caso sub judice, a prova[2] imposta pelas supracitadas normas relativamente à efetividade e ao carácter normal ou não exagerado das operações, prova essa cujo ónus, nos termos das normas aplicáveis, assiste à Requerente.

Como se escreveu no Acórdão do TCA- Sul de 05-11-2015, proferido no processo 07022/13, estamos perante a “aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efetuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vetores supra identificados:

a.     Estarmos perante operações efetivamente realizadas;

b.     Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado”.

Podendo-se ainda ler-se no mesmo aresto que;

“Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas a sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr, artº 352º e seg, do C.Civil). No que dia respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços (…) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge com custo a deduzir em sede de I.R-C. Já quanto à prova da inexistência do valor anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresente equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado”.

 

Não obstante o acordo estabelecido entre a República Portuguesa e a Região Administrativa de Hong Kong da República Popular da China, para evitar a dupla tributação, aprovado pela Resolução da Assembleia da República em 16-04-2012, o território de Hong Kong estava incluído em 2013 na “lista dos países territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favorável”, constante da Portaria º 292/2011, de 8 de novembro, que alterou a Portaria 150/2004, de 13 de fevereiro.

 

Análise Técnica e Contabilística

a) Efetividade das Operações

Nos presentes autos foram apresentadas faturas emitidas pela B..., com descrição detalhada dos serviços de inspeção e controlo de qualidade. Existe um contrato de prestação de serviços assinado entre as partes, com cláusulas claras sobre o objeto, preço e obrigações. Foram incluídos relatórios técnicos de inspeção, com referência à norma ISO 2859-1, e documentação de controlo de qualidade. Os pagamentos foram comprovados por transferências bancárias internacionais, com correspondência direta às faturas.

Conclusão: A operação foi efetivamente realizada e está documentalmente comprovada.

 

b) Normalidade dos Encargos

A contratação da B... foi justificada pela necessidade de inspeção junto à linha de produção na China, onde eram fabricadas as máquinas de café para o E... . A A... demonstrou que a inspeção local era essencial para garantir os padrões de qualidade exigidos pelo cliente. A estrutura de decisão interna da empresa foi descrita como profissionalizada, com validação técnica e administrativa.

Conclusão: Os encargos são normais e justificados por critérios operacionais e comerciais.

 

c) Montante dos Encargos

O preço unitário por grupo inspecionado foi de 6,00 USD, conforme contrato. Foram apresentados orçamentos comparativos (ex. J...: 6,80 USD; custos internos estimados: 8,00 USD). O custo da inspeção representava cerca de 5% do valor de venda das máquinas, o que é razoável.

Conclusão: O montante dos encargos não é exagerado considerando os preços praticados no mercado para estes serviços.

Conclusão: A aplicação do artigo 65.º com base na Portaria 150/2004 é juridicamente questionável.

4. Síntese Conclusiva

A A... demonstrou, com base documental e contratual:

- A realização efetiva dos serviços;

- A normalidade e razoabilidade dos encargos;

- A existência de um racional económico subjacente à operação;

- A invalidade formal do ato de liquidação adicional.

- A anulação da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios;

B) Sobre o Relatório de Inspeção Tributária

Relatório Técnico e Contabilístico – Análise Documental do Relatório de Inspeção Tributária

 

1. Descrição das Evidências Documentais

Foram analisados os documentos 'Rel. Inspeção - 2.pdf' e 'Rel. Inspeção - 3.pdf', que contêm evidências técnicas relativas à prestação de serviços de inspeção e controlo de qualidade realizados pela entidade B..., Limited.

Os documentos incluem:

- Relatórios técnicos detalhados com referência à norma ISO 2859-1.

- Descrição dos métodos de amostragem, critérios de aceitação e resultados das inspeções.

- Identificação dos produtos inspecionados, datas de inspeção e responsáveis técnicos.

- Elementos que corroboram a efetividade da prestação dos serviços contratados.

 

2. Análise Técnica e Contabilística com Referências aos Documentos

Os relatórios evidenciam que os serviços foram realizados de forma sistemática e conforme os padrões internacionais de qualidade. A norma ISO 2859-1 é aplicada para definir os planos de amostragem e os limites de qualidade aceitáveis.

A documentação apresenta os seguintes elementos contabilísticos relevantes:

- Identificação clara dos lotes inspecionados e dos critérios técnicos utilizados.

- Resultados quantitativos das inspeções, com indicação de conformidades e não conformidades.

- Referência a datas e locais de inspeção, compatíveis com os períodos de faturação.

- Indícios de que os relatórios foram utilizados como base para faturação e pagamento dos serviços.

Estes elementos suportam a dedutibilidade dos encargos, conforme exigido pelo artigo 65.º do CIRC (redação de 2013).

 

3. Fundamentação Legal e Fiscal

Nos termos do artigo 65.º do Código do IRC, na redação vigente em 2013, os encargos com entidades sediadas em jurisdições de tributação privilegiada são dedutíveis desde que o sujeito passivo comprove:

- A efetiva realização das operações.

- A normalidade dos encargos.

- A razoabilidade dos montantes.

A documentação analisada cumpre estes requisitos, demonstrando a efetividade dos serviços e a sua relevância operacional.

Adicionalmente, a entrada em vigor da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e Hong Kong em 2013 pode afastar a aplicação da Portaria n.º 150/2004, por força do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

 

Com base na análise dos relatórios técnicos constantes dos documentos 'Rel. Inspeção - 2.pdf' e 'Rel. Inspeção - 3.pdf', conclui-se que os serviços de inspeção foram efetivamente realizados, documentados e compatíveis com os encargos contabilizados.

 

Decide-se pelo reconhecimento da dedutibilidade fiscal dos encargos suportados pela A..., S.A., com a entidade B..., Limited, nos termos do artigo 65.º do CIRC.

Entende este Tribunal que a Requerente fez prova bastante de que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

 

Decide este tribunal pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, por vício de violação de lei - artigo 65.º, n.º 1 do CIRC

 

6. Questões de conhecimento prejudicado

Uma vez julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral, que proporciona eficaz tutela dos interesses da Requerente fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do Código de Processo Civil ex vi, alínea e) do nº 1 do artigo do artigo 29.º do RJAT), o conhecimento das demais questões colocadas.

 

7. Reembolso e juros indemnizatórios

 

7.1. Reembolso

Na sequência da anulação das retenções na fonte, o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, no valor total de € 251.123,11, o que é consequência da anulação.

 

7.2. Juros indemnizatórios

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a AT a partir do momento previsto para o recurso ou impugnação, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em consonância com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que prevê:

 

Artigo 100.º

Efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide  do CAAD, não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos  aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação judicial que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que proclama, como primeira directriz que “o processo arbitral deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

 

Nos presentes autos conclui-se que, da liquidação global de IRC no montante de € 451.526,87 e tendo essa liquidação adicional emitida pela Requerida, o erro é imputável à AT, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados sobre o valor de € 451.526,87, a partir da data em que foi efetuado pagamento, 04-05-2018 e até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

8. Decisão

Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo;

a)    Julgar improcedente o pedido de ampliação da instância;

b)    Julgar improcedente a condenação da Requerida no pagamento dos honorários, por incompetência material deste Tribunal;

c)     Julgar procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRC n.º 2018..., do ato de liquidação de juros n.º 2018..., assim como o acerto de contas n.º 2018..., 

d)    Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente a quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos acima referidos;

 

9. Valor do processo

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do CPC, 97º-A do CPPT, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 476.526,87 € (quatrocentos e setenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos), correspondente ao valor indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida.

 

10. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº1, 22º, nº 4, do RJAT, e artigos 3º e 4º Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexa, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 7.650,00 € (sete mil seiscentos e cinquenta euros) a cargo da Requerida na percentagem de 94.75%  (7.248,66 € ) e da Requerente na percentagem de 5,25% (401,34 €).

Notifique-se

 

 

Lisboa, 01 de setembro de dois mil e vinte e cinco

 

Os Árbitros

 

____________________

(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

__________________

(Hugo Freire Gomes -Adjunto)

 

_________________________

(José Coutinho Pires - Adjunto)

 

 

 

 

 



[1] Cf. Acórdãos do STA da 1ª Secção de 13-12-2000, recurso n.º 44761 e de 6-6-2002, recurso n.º 24 779-A e do Pleno de 14-03-2011, recurso n.º 24 779-A e Acórdão ao que se crê não publicado do TCAN de 15/09/2017 que se junta como Doc. nº 17.

[2] Seguiremos de perto o que vem dito a respeito deste segmento no processo n.º 266/2019-T, proferido sob égide do CAAD.