Sumário
I – Os conceitos de lucro contabilístico e de lucro fiscal não são coincidentes. Contabilisticamente, a empresa pode mensurar ativos intangíveis e promover depreciações
de acordo com as normas contabilísticas em vigor o que não significa que sejam aceites como custos fiscais.
II – São as regras estabelecidas pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, que definem as depreciações de ativos intangíveis suscetíveis de ser aceites como custos fiscais. Neste enquadramento legal e nos termos do disposto no artigo 45º-A do CIRC, não tendo os mesmos sido adquiridos a título oneroso, não poderiam ser depreciados para efeitos fiscais.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A... Lda, Pessoa coletiva nº ..., com sede em ..., ..., ...-..., ..., ... e ..., (doravante designada por Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, na sequência da notificação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nº 2024..., referente ao ano de 2021, bem como da respetiva liquidação de juros e demonstração de acerto de contas mº 2024..., todas emitidas pela Senhora Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor global de €43.416,40, com data limite de pagamento no dia 31 de agosto de 2024. Assim, vem a Requerente apresentar, ao abrigo do disposto nos artigos 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT") e do artigo 10.º, nºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações identificadas.
A Requerente apresentou o seu pedido arbitral com vista à anulação do ato de liquidação adicional ao IRC e correspondentes juros compensatórios com a referência n.º 2024..., relativo ao exercício de 2021., invocando, em síntese:
«a) Falta de fundamentação do ato de liquidação adicional ao IRC 2021;
b) Violação de lei do ato de liquidação adicional ao IRC 2021 por erro nos pressupostos de direito e por violação do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro;
c) Na parte do ato de liquidação referente a juros compensatórios, vício de forma por falta de fundamentação e preterição de formalidade essencial (i.e. audiência dos interessados) e violação de lei, no caso do disposto no artigo 35.º, n.º 1 da LGT.»
*
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 19-11-2024, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 02-12-2024 e notificado à AT nesta mesma data. Decorrido o prazo legal constata-se que a AT não revogou o ato impugnado, pelo que o processo arbitral prosseguiu a sua tramitação.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 21/01/2025, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento, pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10/02/2025. Na mesma data foi proferido despacho arbitral nos termos do previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, foi notificada a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo.
A Requerida apresentou, em 17.03.2025 a sua Resposta.
Analisados os articulados, o Tribunal determinou, por despacho de 21.05.2025, o seguinte:
«1. Considerando os elementos juntos aos autos e a posição assumida pelas partes constata-se que não foi indicada prova testemunhal a produzir, nem alegadas exceções ou outras questões que obstem ao conhecimento da ação.
2. Assim, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de prova necessárias (cf. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), o Tribunal Arbitral dispensa a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT por desnecessária.
3. Quanto à apresentação de alegações finais escritas, entende o Tribunal serem desnecessárias, todavia em respeito ao princípio do contraditório, fixa-se o prazo de igual e simultâneo de 10 dias para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações escritas.
4. Notifique-se a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente no prazo de 10 dias.
5. Notifique-se as partes de que a decisão arbitral será proferida até ao final do prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.»
Em 05-06-25 a Requerida juntou aos autos o processo administrativo.
A Requerente não apresentou alegações.
A Requerida juntou requerimento, nos termos do qual declara que não foram apresentados quaisquer elementos novos ao processo que não tenham sido previamente analisados, pelo que, sem necessidade de juntar alegações, reitera tudo o que já vertera na sua resposta.
Em 06-08-2025 foi proferido despacho arbitral de prorrogação do prazo para prolação da sentença arbitral, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«1. Que a sentença arbitral se encontra em fase de conclusão e revisão final;
2. Que o prazo para prolação da sentença arbitral ocorre no próximo dia 10 de agosto de 20215 e que não foi ainda cumprido o pagamento da taxa subsequente, conforme determinado no despacho arbitral de 21-05-2025;
3. Por precaução, para que a Requerente possa efetuar o pagamento da taxa subsequente e seja possível a notificação ocorrer dentro do prazo devido, determina este tribunal a prorrogação do prazo para prolação da sentença por dois meses, nos termos previstos no nº2 do artigo 21º do RJAT.»
2. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo e foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e o Tribunal é competente.
O processo não enferma de nulidades.
Não foram invocadas exceções que obstem ao conhecimento da matéria suscitada nos autos.
Cumpre decidir.
3. DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
3.1. Factos provados
Com relevo para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerida AT emitiu a liquidação adicional de IRC nº 2024..., referente ao ano de 2021, bem como da respetiva liquidação de juros e demonstração de acerto de contas nº 2024..., no valor global de €43.416,40, com data-limite de pagamento no dia 31 de agosto de 2024. (cfr: documento 1 do pedido arbitral e processo administrativo - PA -1, juntos aos autos)
b) A liquidação em causa tem como base o Relatório de Inspeção, junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido, no âmbito do. procedimento de inspeção externo, de âmbito parcial, instaurado pela Ordem de Serviço nº OI2023..., com referência ao exercício de 2021. (cfr: Fls 1 e 2 do processo administrativo – PA e documento nº2 do pedido arbitral, junto aos autos)
c) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com o nº de pessoa coletiva nº..., com sede em ..., ...-..., ..., ... e ..., cuja atividade iniciou em 01/07/1995, estando registada com o CAE 1500 - agricultura e produção animal. (cfr: Fls 3 e ss do – PA 3 – Cap III.1 - junto aos autos)
d) No âmbito da sua atividade a Requerente dedica-se à criação, engorda e venda de gado bovino. (cfr: Fls 3 e ss do PA 3 – Cap III.1, junto aos autos)
e) Entre os seus clientes, destacam-se: o “B..., SA”; “C..., SA”, pertencentes ao Grupo D... . (cfr: PA - 3 – Cap III.1 junto aos autos)
f) As explorações onde o sujeito passivo exerce a atividade de exploração de gado são maioritariamente arrendadas e encontram-se localizadas nos concelhos de ... e ... . (cfr: PA - 3 - junto aos autos)
g) No âmbito do procedimento inspetivo verificou-se que na rúbrica de amortizações e depreciações, o sujeito passivo inscreveu o montante de €403.200,18, dos quais €193.000,00 dizem respeito a amortizações de ativo intangível respeitante ao “direito contratual de disposição de rendimentos” (cfr: PA - 3 - junto aos autos)
h) Os “direitos contratuais de disposição de rendimentos” que deram origem às depreciações resultam de contratos que o sujeito passivo celebrou no âmbito da sua atividade com entidades terceiras e que deram origem a rendimentos e gastos de exploração anual, a saber:
i) Contrato designado de “Contrato de Produção e Fornecimento de Carne de Vitela Nacional sob MARCA PRÓPRIA (B...) em que o SP se obriga a fornecer carne de vitela sob forma de carcaça, que se destina a ser desmanchada e transformada para comercialização sob a “marca própria” de entidades do grupo G... , que vigora até ser denunciado por qualquer das partes (foi celebrado a 22 de setembro de 2008), tendo, no exercício de 2021, sido registados rendimentos provenientes deste contrato no montante de €465.345,60;
ii) Contrato designado de “Contrato de Compra e Venda de Caça” pelo qual a Requerente, que detém a concessão da zona de caça da “Herdade ... e Anexas”, vende a terceiro a caça obtida nessa zona, tendo no exercício de 2021 sido registados rendimentos provenientes deste contrato no montante de €4.500,00, o contrato vigoraria entre 1 de maio de 2007 e 30 de abril de 2010;
iii) Contratos de arrendamento que a Requerente, assumindo a posição de locatária, celebrou com “E...” e “F...” e que têm por objeto os seguintes prédios rústicos: “Herdade ...” – contrato de arrendamento rural a vigorar por um período de 25 anos, com início de vigência a 01/01/2020, findo o qual se considera automaticamente renovado por períodos sucessivos de 2 anos, estando prevista uma renda mensal de €550, que pode ser revista anualmente, tendo no ano de 2021 sido registados gastos de exploração provenientes deste contrato de €6.600,00; “Herdade... – três contratos de arrendamento rural respeitantes a prédios rústicos inscritos sob os artigos matriciais n.ºs ..., ... e ... da freguesia de ... e ..., ... e ..., a vigorar por um período de 25 anos, com início de vigência a 01/01/2020, findo qual se consideram automaticamente renovados por períodos sucessivos de 2 anos, estando prevista uma renda mensal em cada um dos contratos de €1.080,00, que pode ser revista anualmente, tendo no ano de 2021 sido registados gastos de exploração provenientes de cada um destes contratos respetivamente de €12.960,00, €12.960,00, e €12.960,00; “Herdade ...” – contrato de arrendamento rural a vigorar por um período de 45 anos, com início de vigência a 01/012/2017, findo o qual se considera automaticamente renovado por períodos sucessivos de 1 ano, estando prevista uma renda anual de €6.600,00, que pode ser atualizada anualmente, tendo no ano de 2021 sido registados gastos de exploração provenientes deste contrato de €6.600,00; “Herdade...– contrato de arrendamento rural a vigorar por um período de 25 anos, com início de vigência a 01/01/2020, fundo o qual se considera automaticamente renovado por períodos sucessivos de 2 anos, estando prevista uma renda mensal de €660,00, que pode ser revista anualmente, tendo no ano de 2021 sido registados gastos de exploração provenientes deste contrato de €7.920,00. (Cfr: PA – 6, pags. 8 e ss e Anexos 1 a 8– junto aos autos)
i) Em 02/12/2012 foi elaborado estudo externo pelo economista/ROC n.º ... em 02/12/2020, que entendeu que dos contratos referidos resultavam “direitos contratuais de disposição de rendimentos”, a saber e respetivamente, i) valor do contrato, ii) direito à caça, iii) direito de arrendamento rural, que podiam ser reconhecidos como ativos intangíveis com base na NCRF 6. (Cfr: PA – 6, pag 11 e Anexo 9 – junto aos autos)
j) O estudo acima referido, propunha o critério do justo valor para mensuração do ativo intangível, tendo sido proposto como valor de reconhecimento inicial “…o rendimento futuro obtido através da detenção dos contratos, como retorno do valor dos ativos nele especificados, sendo um valor que renumere a cedência da utilização esperada, pelo que consideramos a expressão do free cash flow para um período de 10 anos e uma taxa de atualização de 2%” (Cfr: PA – 6 e Anexo 9 – junto aos autos)
k) Com base nesses pressupostos, foi determinado no exercício de 2020 o valor total de €1.930.000,00, tendo-lhes sido determinada uma vida útil de 10 anos. (Cfr: PA – 6 e Anexo 9 – junto aos autos)
l) Na sequência do estudo, em 2021, a Requerente procedeu ao reconhecimento contabilístico de “direitos contratuais de disposição de rendimentos”, aplicou-lhes uma taxa de depreciação de10% e, por isso, registou na conta SNC 64.3.5. – Gastos e depreciações – outros ativos intangíveis, o montante de €193.000,00. (cfr: Fls 3 e ss do PA - 3 – junto aos autos)
m) Tendo por base os registos contabilísticos, a Requerente determinou o lucro tributável do período, sendo que o reconhecimento do ativo intangível “direitos contratuais de disposição de rendimentos”, no valor €193.000,00 registado como custo de depreciação, influenciou a determinação do resultado tributável declarado nesse exercício. (cfr PA - 3 – junto aos autos)
n) Do RIT resulta como fundamentação para a desconsideração dos “direitos contratuais de disposição de rendimentos”, no valor €193.000,00, em síntese o seguinte:
«(…) Ao abrigo da alínea b), do n.º 2 e alínea b) do n.º 3, do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, são amortizáveis os ativos intangíveis respeitantes a elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, desde que adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo e que o valor amortizável se consubstancia no custo de aquisição ou de produção, nos termos do artigo 2.º do Decreto Regulamentar.
(…) que os ativos intangíveis consubstanciados nos direitos contratuais acima referidos não foram adquiridos a título oneroso a terceiros, sendo então, salvo melhor opinião, ativos intangíveis gerados internamente, conforme parágrafos 51 a 67 na NCFR 6 – Ativos Intangíveis…
(…) Que o modelo de mensuração utilizado a quando o reconhecimento inicial, isto é, o justo valor, não releva para efeitos fiscais, sendo antes e normalmente, atendível o custo de aquisição ou de produção do bem em causa (…)
(…) os ativos intangíveis em apreciação consubstanciados em direitos contratuais, salvo melhor opinião, não estão sujeitos a deperecimento.» (Cfr: PA – 3, 4, 7 e 8 – junto aos autos)
o) Com base nestes fundamentos os SIT concluíram que as amortizações em causa não seriam fiscalmente dedutíveis e, em consequência, que o seu valor deveria ser acrescido na linha 719 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, o que conduz ao apuramento do montante de €216.000,18 como resultado fiscal do exercício de 2021. (Cfr: PA – 3, 4, 7 e 8 – junto aos autos)
p) Do mapa resumo das correções efetuadas consta:


(cfr: Fls 3 e ss do PA - 3 – pags 3 e ss junto aos autos)
q) A Requerente foi validamente notificada do projeto do relatório, e não se pronunciou em sede de audiência prévia como bem resulta do processo administrativo junto aos autos. (cfr: PA - 3 e 4 – junto aos autos)
r) Em consequência, foi a Requerente notificada eletronicamente do Relatório de Inspeção através da VIACTT no dia 13-06-2024. (cfr: PA -7 e 8 – junto aos autos)
s) No campo “Fundamentação” da notificação do ato liquidação consta o seguinte:
“Apuramento proveniente de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) decorrente do procedimento de Inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2023..., no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção Tributária”. (cfr: PA - 3 – Cap. V – pág. 9 e ss, junto aos autos)
t) Em 14-08-2024 a Requerente efetuou um pagamento ao Estado no montante de 43.416,40 euros. (cfr. Doc. nº3 junto com o pedido arbitral).
u) Em 19-11-2025, a Requerente apresentou no CAAD o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, como consta do registo no SGP do CAAD.
3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Importa ressaltar que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos pelos Requerentes e a constante do Processo Administrativo junto com a Resposta,consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, assentes nos meios de prova especificadamente mencionados ao longo do probatório supra descrito.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
É pacífico na doutrina e jurisprudência que “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios”.[1]
A propósito dos factos carreados para os autos pela Requerente, considera este Tribunal que a prova documental apresentada tem valor objetivo e a respetiva informação se tem por verdadeira, e corroborada pela documentação constante do processo administrativo, junto aos autos pela Requerida.
Acresce que, quanto aos factos relevantes para a decisão a proferir não existe controvérsia entre as partes, sendo que esta assenta exclusivamente na interpretação do direito aplicável.
4. DECISÃO DA MATÉRIA DE DIREITO
4.1 Questões a decidir:
Considerando o pedido formulado pela Requerente a questão fundamental a decidir é a de saber se a correção operada em resultado do RIT padece dos vícios (1) de falta de fundamentação e/ou (2) de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito (ilegalidade substantiva).
Na perspetiva da Requerente a liquidação adicional de IRC padece dos vícios de forma e de violação de lei.
Na perspetiva da Requerida tais vícios são inexistentes e, conclui, as liquidações de imposto e de juros são perfeitamente válidas.
Vejamos, pois, se assiste razão à Requerente.
Na ordem de conhecimento dos vícios invocados deve ser tido em conta o disposto no artigo 124º do CPPT (subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por forca do que dispõe o artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) que determina o seguinte:
“1 – Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 – Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável oueficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Publico ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
No caso de vícios geradores de anulabilidade, como os que estão em causa nos presentes autos, a alínea b), do n.º 2, daquele art.º 124.º do CPPT, refere que se deve atender prioritariamente à ordem indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.
A Requerente começa por invocar o vicio de falta de fundamentação e, seguidamente, o vício de violação de lei. Assim, face ao que vem exposto, cabe iniciar a apreciação jurídica das questões submetidas a julgamento pelo vício de falta de fundamentação, e em caso de improcedência deste, caberá ajuizar da alegada violação de lei.
4.2 Do vício de falta de fundamentação:
O dever de fundamentação decorre de imposição constitucional, como bem resulta do disposto no n.º 3, do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, que garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. Esta exigência constitucional, reafirmada no ordenamento jurídico, nomeadamente, em sede de procedimento administrativo e tributário, assume particular importância e exigência no que tange aos atos tributários, dada sua particular lesividade, e encontra consagração legal no artigo 77º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2, que determinam:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposiçõeslegais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A este propósito são inúmeras as referências doutrinais e jurisprudenciais dos nossos tribunais superiores e arbitrais, como a seguir se enunciará.
O entendimento firmado entre nós, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, resulta que um ato se considera devidamente fundamentado quando o enunciado de motivos é suficiente para «proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.»[2]
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem vindo a afirmar que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, e que, especificamente no que respeita ao ato tributário, deve ter em conta a «necessidade de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.»[3]
Assim, a fundamentação terá de ser expressa, suficiente, clara e congruente. De ressaltar o excerto da decisão do STA, no âmbito do processo n.º 01674/13, de 03-12-2014, que a seguir se transcreve: "A fundamentação a que se refere este normativo legal terá, pois, de assentar em razões de facto e de direito que suportem formalmente a decisão administrativa. E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do ato, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.»
Considera-se, pois, a fundamentação como suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada.
No mesmo sentido segue a jurisprudência arbitral (numerosa e unânime), ao considerar que as exigências de fundamentação não podem ser de tal ordem que dificultem para além do razoável a tarefa da administração, ou lhe imponham tarefas redundantes, repetitivas e manifestamente desnecessárias. E, ainda neste contexto de análise, há que mencionar o entendimento, também ele unânime, no sentido de ser admissível fundamentar o ato por remissão, seja para parecer, relatório ou qualquer outro documento que anteceda o ato final, desde que, expressamente o mencione e este, por sua vez, cumpra as exigências de fundamentação supramencionadas.[4]
A este propósito, em Acórdão de 06-01-2005, o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) considerou que: «I - A fundamentação por remissão obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo que se perceba por que se decidiu naquele sentido.»[5]
Dito de outro modo, a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspetos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.
Seguindo, ainda, a jurisprudência vertida no mesmo Acórdão STA de 12 de março de 2014 (processo nº 01674/13): «No que se refere à fundamentação de direito, a jurisprudência deste Tribunal tem decidido que para que a mesma se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o ato fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico. Como se dá nota no acórdão do Pleno desta Secção de 25/03/93, no proc. nº 27387, o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram." (sublinhado nosso).
Face ao que vem exposto, conclui-se que o entendimento jurisprudencial unânime aponta do sentido de se considerara que a exigência legal e constitucional de fundamentação se considera cumprida, ainda que por remissão para Relatório ou Parecer anterior, que instrua o procedimento, se seja devidamente notificado e desde que permita aos interessados o conhecimento dos motivos subjacentes à prática do ato, de modo a permitir a sua aceitação ou a sua impugnação contenciosa. Por isso, é tão importante a exposição das razões de facto e de direito que conduziram à prática do ato, o que se afere, concretamente, em cada caso.
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Posto isto, e retornando ao caso dos autos, verifica-se que a fundamentação do ato de liquidação ocorre por remissão para o RIT – Relatório da Inspeção Tributária. O que, como vimos, é permitido. Resta saber se este RIT cumpre, no caso, com as exigências de fundamentação.
Como bem consta das alíneas n) a s) do probatório, analisado o RIT, resulta como fundamentação para a desconsideração dos “direitos contratuais de disposição de rendimentos”, no valor €193.000,00, em síntese o seguinte:
«(…) Ao abrigo da alínea b), do n.º 2 e alínea b) do n.º 3, do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, são amortizáveis os ativos intangíveis respeitantes a elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, desde que adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo e que o valor amortizável se consubstancia no custo de aquisição ou de produção, nos termos do artigo 2.º do Decreto Regulamentar. (…) que os ativos intangíveis consubstanciados nos direitos contratuais acima referidos não foram adquiridos a título oneroso a terceiros, sendo então, salvo melhor opinião, ativos intangíveis gerados internamente, conforme parágrafos 51 a 67 na NCFR 6 – Ativos Intangíveis. (…) Que o modelo de mensuração utilizado a quando o reconhecimento inicial, isto é, o justo valor, não releva para efeitos fiscais, sendo antes e normalmente, atendível o custo de aquisição ou de produção do bem em causa (…) os ativos intangíveis em apreciação consubstanciados em direitos contratuais, salvo quando não estão sujeitos a deperecimento.» (alínea n) do probatório)
Com base nestes fundamentos os SIT concluíram que as amortizações em causa não seriam fiscalmente dedutíveis e, em consequência, que o seu valor deveria ser acrescido na linha 719 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, o que conduz ao apuramento do montante de €216.000,18 como resultado fiscal do exercício de 2021. Do mapa resumo das correções efetuadas consta:


A Requerente foi validamente notificada do projeto do relatório, e não se pronunciou em sede de audiência prévia. Em consequência, foi a Requerente notificada eletronicamente do Relatório Final de Inspeção através da VIA CTT, no dia 13-06-2024.
Vejamos agora o que consta no campo “Fundamentação” da notificação do ato liquidação:
“Apuramento proveniente de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) decorrente do procedimento de Inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2023..., no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção Tributária”.
Em suma, a fundamentação por remissão para o RIT é suficiente e clara, expressa e coerente, além do que, ao longo dos V capítulos do RIT é, pormenorizadamente, exposta toda a análise dos contratos que estão na base das deduções que foram alvo de correção. Por último, o Relatório da Inspeção Tributária, fundamentador do ato final, foi validamente notificado ao sujeito passivo, aqui Requerente, Via CTT, em 13-06-2024.
Conclui, assim, este Tribunal que a fundamentação expressa contida no RIT (concorde-se ou não com a interpretação do regime jurídico aplicável), cumpre, pois, todos os pressupostos que devem caracterizar a fundamentação devida do ato tributário. Na verdade, apenas seria de considerar a fundamentação como obscura se não se percebessem as razões que conduziram a administração a decidir como decidiu. A motivação constante do RIT, como resulta evidente pela mera análise do relatório, não é genérica, vaga, muito menos incompreensível, como alega a Requerente. Esta entendeu, perfeitamente, os motivos subjacentes ao ato, como bem resulta do pedido arbitral deduzido, todavia, discorda da interpretação das normas jurídicas aplicáveis, o que é algo a discutir no plano de análise da legalidade substancial do ato.
Não há dúvida, como bem refere a Requerida na sua resposta, que o Relatório Inspetivo contempla as razões de facto e de direito que permitem percecionar o iter volitivo e cognoscitivo em que se fundou a liquidação adicional aqui impugnada, e que o mesmo foi compreendido e sobejamente rebatido pela Requerente. Da análise do RIT, enquanto documento fundamentador da liquidação, resulta com muita clareza para este Tribunal a fundamentação de facto e de direito do ato, já que enumera detalhadamente a análise dos contratos que estão no centro deste litígio e bem assim, o quadro normativo subjacente, cuja interpretação teremos de analisar de seguida, no âmbito do alegado vício de violação de lei.
Na verdade, da leitura do RIT e no que tange às correções meramente aritméticas em sede de IRC ali propostas, é facilmente entendível o percurso lógico e factual percorrido pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), justificando as correções propostas que redundaram na liquidação objeto de impugnação. Acresce que, nos termos do disposto no artigo 63º, nº1 do Regime Complementar da Inspeção Tributária (RCPIT) «Os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório».
Face ao que vem exposto, entende o Tribunal que da leitura do RIT se intui com manifesta clareza qual o caminho percorrido pelos Serviços de Inspeção para efetuar as correções em causa e que deram origem às liquidações ora impugnadas, a qual, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, como do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do RCPIT, que a fundamentação dos atos tributários pode fazer-se por remissão para o procedimento tributário.
Ainda a este propósito, como bem resulta do Acórdão do STA de 16/09/2020, proferido no proc. n.º 0921/15.6BEPRT, a cuja fundamentação adere sem qualquer reserva: “(...) o que o Recorrente questiona não é o desconhecimento em absoluto da qualificação e quantificação dos factos tributários que deram origem à liquidação impugnada, nem o seu fundamento de direito, mas tão-só se, atenta a factualidade em apreço – em especial a circunstância de no acto de liquidação de que veio posteriormente a ser notificado não se fazer referência expressa ao referido relatório de inspecção tributária – é possível considerar que se encontram preenchidas as exigências legais de fundamentação dos actos tributários. Ora, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal administrativo tem afirmado à saciedade (v., por todos,acórdão de 12 de Março de 2014, proc. 01674/13) «[O] acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art.º 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa tenha sido notificado anteriormente, ele serve como a base justificativa e contemporânea para o ato de liquidação do imposto.[6]
Assim sendo, e sem necessidade de mais explanação, perante fundamentação por remissão (ainda que anterior à notificação das liquidações sindicadas, o que é irrelevante) terá que improceder a impugnação quanto ao alegado vício de falta de fundamentação e, assim sendo, há que concluir que a liquidação sindicada não enferma do vício formal de falta de fundamentação que lhe é assacado pela Requerente, pelo que, não podem proceder as pretensões anulatórias formuladas pela Requerente nesta parte.
Vejamos, porém, quanto ao alegado vício de violação de lei, se assiste razão à Requerente.
4.3 Do vício de violação de lei por erro sob os pressupostos de direito subjacentes à liquidação impugnada
Resta agora analisar se, face à fundamentação que vem exposta, se a aplicação do direito ao caso concreto, que resultou na liquidação adicional emitida, padece ou não de ilegalidade como alegado pela Requerente.
Com o vimos já, decorre da análise do RIT (Relatório fundamentador) que a AT decidiu pela correção meramente aritmética do montante de depreciações do ativo, no montante de €193.000,00 (“direitos contratuais de disposição de rendimentos”) resultam de contratos que não se encontram sujeitos a deperecimento, nem estão condicionados por uma vigência temporal limitada (contratos descritos no probatório – alíneas h) a n) da matéria assente). Dito de outro modo, conclui a Requerida que não há lugar à amortização/depreciação do custo dos ativos intangíveis para efeitos fiscais, por força do disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea a), do CIRC e do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do Regime das Depreciações e Amortizações para efeito do IRC, previsto no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro; bem assim como do referido na Norma Contabilística do Relato Financeiro 6 (NCRF 6).
Já na perspetiva da Requerente, que contesta este entendimento, os ativos em causa estão sujeitos a depreciação porque perdem valor e têm uma vida útil limitada no tempo, resultando num valor em decréscimo na medida em que ao longo do tempo resulta uma diminuição de capacidade para gerar proveitos, concluindo tratar-se de ativos sujeitos a deperecimento e suscetíveis de amortização. Ancora esta sua posição num estudo realizado pelo ROC, como resulta da matéria assente, alegando ainda que a correção efetuada é meramente de natureza contabilística e não de natureza fiscal, não apresentando, por isso, qualquer implicação direta em termos de tributos, nomeadamente em sede de IRC. Ora, não é verdade, pois como sabemos, os valores considerados como depreciações têm efetivamente impacto fiscal, determinando o montante de imposto a pagar. A argumentação da Requerente é claramente inaceitável, e é negada objetivamente pelas regras de determinação do imposto a pagar, como bem resulta dos quadros constantes do RIT e constantes da matéria assente.
Assim, quanto à alegação da inexistência de impacto fiscal da depreciação alvo de correção (vd. artigo 65º do pedido arbitral) a posição da Requerente é inaceitável. Desde logo porque as implicações fiscais decorrentes da correção dos ativos intangíveis que resultaram dos ajustes contabilísticos operados e refletidos na declaração de IRC não podem deixar de ter impactos fiscais inevitáveis. Aliás, é exatamente por ter impacto fiscal que também a sua desconsideração, nos termos das conclusões do RIT o tiveram, já que a desconsideração do custo por aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do Regime das Depreciações e amortizações para efeitos do IRC, previsto no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, determinou a liquidação adicional de imposto aqui impugnada.
Chegados aqui, importa ainda dissecar a última e decisiva questão de saber se a aplicação dos referidos dispositivos legais, nos termos em que vêm plasmados no RIT, foi ou não devidamente interpretada e aplicada no caso concreto dos presentes autos. De facto, a correção realizada sobre os ativos intangíveis teve como consequência a não consideração de determinados gastos, que, em função da autoliquidação empreendida pela Requerente, estavam a influenciar o resultado tributável do exercício de 2021. A este propósito, é sublinhado no RIT que tais correções contabilísticas alteraram a forma como os resultados foram apresentados, levando a ajustes necessários no cálculo do imposto a pagar; o que é uma evidência objetiva.
A questão é, pois, a de saber se a correção operada pelos SIT enferma ou não de ilegalidade.
Dispõe o n.º 1 do art.º 34.º do CIRC, na versão em vigor à data do facto tributário, sob a epígrafe «Gastos não dedutíveis para efeitos» que:
1- Não são aceites como gastos:
a) As depreciações e amortizações de elementos do ativo não sujeitos a deperecimento;
(...).”
Ou seja, a contrário, resta saber se os contratos descritos no probatório (alínea h) da matéria assente) devem ser ou não considerados como ativos sujeitos a deperecimento.
À luz do disposto no artigo 29º do Código do IRC são aceites com gastos «as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais: a) os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis; b) os ativos biológicos não consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo de aquisição».
O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “[P]ara efeitos do disposto no número anterior consideram-se sujeitos a deperecimento os ativos que, com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo”.
Por sua vez o artigo 45.º-A, do CIRC esclarece o conceito de «Ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos não consumíveis», esclarecendo, na redação em vigor à data dos factos, que:
«1. - É aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição dos seguintes ativos intangíveis quando reconhecidos autonomamente, nos termos da normalização contabilística, nas contas individuais do sujeito passivo:
a) Elementos da propriedade industrial tais como marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e que não tenham vigência temporal limitada;
b) (...).»
Acresce, ainda, no que releva para a presente decisão, que o regime de depreciações e amortizações para efeitos de IRC consta do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro que dispõe, no seu artigo 16.º, que tem por epígrafe precisamente «Ativos Intangíveis», o seguinte:
«1. Os ativos Intangíveis são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.
2 - São amortizáveis os seguintes ativos intangíveis:
a) Despesas com projetos de desenvolvimento;
b) b) Elementos de propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.
3 – Exceto em caso de deperecimento efetivo, devidamente comprovado e reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não são amortizáveis:
a) trespasses de estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas;
b) elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas.»
Importa, ainda, referir que a contabilização dos ativos intangíveis está prevista na Norma Contabilística de Relato Financeiro NCRF - 6., a qual estabelece, em relação à vida útil do ativo intangível, o seguinte:
«87 Uma entidade deve avaliar se a vida útil de um ativo intangível é finita ou indefinida e, se for finita, a duração de, ou o número de produção ou de unidades similares constituintes, dessa vida útil. Um ativo intangível deve ser visto pela entidade como tendo uma vida útil indefinida quando, com base numa análise de todos os fatores relevantes, não houver limite previsível para o período durante o qual se espera que o ativo gere influxos de caixa líquidos para a entidade.
88- A contabilização de um ativo intangível baseia-se na sua vida útil. Um ativo intangível com uma vida útil finita é amortizado, e um ativo intangível com uma vida útil indefinida não o é. 89 – Muitos fatores são considerados na determinação da vida útil de um ativo intangível, incluindo:
a) o uso esperado do ativo por parte da entidade e se o ativo puder ser eficientemente gerido por uma outra equipa de gestão;
b) os ciclos de vida típicos para o ativo e a informação pública sobre estimativas de vida útil de ativos semelhantes que sejam usados de forma semelhante;
c) Obsolescência técnica, tecnológica, comercial ou de outro tipo;
d) A estabilidade do setor em que o ativo opera e alterações na procura do mercado para os produtos ou serviços produzidos pelo ativo;
e) Ações esperadas dos concorrentes ou potenciais concorrentes;
f) O nível de dispêndio de manutenção exigido para obter os benefícios económicos futuros esperados do ativo e a capacidade e intenção da entidade para atingir tal nível;
g) O período de controlo sobre o ativo e limites legais ou semelhantes sobre o uso do ativo, tais como as datas de extinção de locações relacionadas, e datas do termo do período de concessão;
h) Se a vida útil do ativo está dependente da vida útil de outros ativos da entidade.
90 - O termo "indefinida" não significa "infinita". A vida útil de um ativo intangível reflete apenas o nível de dispêndio de manutenção futuro exigido para manter o ativo no seu padrão de desempenho avaliado no momento da estimativa da vida útil do ativo, e a capacidade e intenção da entidade para atingir tal nível. Uma conclusão de que a vida útil de um ativo intangível é indefinida não deve depender do dispêndio futuro planeado para além do exigido para manter o ativo nesse padrão de desempenho.
92- A vida útil de um ativo intangível pode ser muito longa ou mesmo indefinida. A incerteza justifica estimar a vida útil de um ativo intangível numa base prudente, mas isso não justifica escolher uma vida que seja irrealisticamente curta.
94- Podem existir tanto fatores legais como económicos que influenciem a vida útil de um ativo intangível. Os fatores económicos determinam o período durante o qual os benefícios económicos futuros serão recebidos pela entidade. Os fatores legais podem restringir o período durante o qual a entidade controla o acesso a esses benefícios. A vida útil é o mais curto dos períodos determinado por estes fatores
106- Um ativo intangível com vida útil indefinida não deve ser amortizado.”
*
Face a este enquadramento legal, conclui-se que resulta do regime vertido no artigo 45.º-A[7] do CIRC, em vigor à data dos factos, que o legislador passou a considerar que os ativos intangíveis adquiridos a título oneroso (e apenas estes) são depreciáveis, mesmo quando não tenham uma vigência temporal limitada, caso em que a amortização será efetuada por um período de 20 anos, distinguindo-se dos ativos com vigência temporal limitada em que a amortização será efetuada de acordo com a respetiva vigência temporal.
Ressalta, pois, deste dispositivo legal que este regime se aplica, apenas e só, aos ativos intangíveis adquiridos a título oneroso, o que não é o caso dos contratos mencionados e identificados no RIT e na matéria assente como provada nos presentes autos, os quais não foram adquiridos a título oneroso.
Na verdade, resulta provado nos autos que todos os contratos descritos na alínea h) do probatório, foram celebrados sem qualquer custo de aquisição. Os “direitos contratuais de disposição de rendimentos” que deram origem às depreciações resultam de contratos que o sujeito passivo celebrou no âmbito da sua atividade, com entidades terceiras, e que deram origem a rendimentos e gastos de exploração anual, mas sem qualquer custo de aquisição. Trata-se de contratos, tais como o contrato designado de «Contrato de Produção e Fornecimento de Carne de Vitela Nacional sob a marca própria B... », em que a Requerente se obriga a fornecer carne de vitela sob forma de carcaça, que se destina a ser desmanchada e transformada para comercialização sob a “marca própria” de entidades do grupo G..., e cujo prazo de vigência é indeterminado, até ser denunciado por qualquer das partes (foi celebrado a 22 de setembro de 2008 e encontrava.se em vigor à data dos factos).
Todos os restantes contratos são similares no que respeita a não terem tido qualquer custo de aquisição.
Evitando repetições inúteis, basta remeter para a já mencionada alínea h) do probatório para concluir que os demais contratos em causa são de idêntica natureza, relacionados com fornecimento de bens no âmbito da atividade por si desenvolvida, como, por exemplo, o designado «Contrato de Compra e Venda de Caça», ou ainda os contratos de arrendamento mencionados nos autos (vd. al.h) do probatório). Em nenhum caso se verifica tratar-se de contratos que tenham implicado um custo de aquisição a título oneroso.
A este propósito faz pleno sentido invocar a jurisprudência arbitral constante da recente decisão proferida no processo nº 683/2024 T proferida em 30. 01.2025, referente à mesma situação de facto e de direito, embora reportando-se ao ano de 2020, à qual se adere integralmente, e da qual cabe citar o seguinte excerto:
«79. No Relatório da Comissão de Reforma do Código do IRC, esta opção legislativa é explicada nos seguintes termos: “(...) no caso dos subsídios que respeitem a ativos intangíveis sem vida útil definida, visto que estes não são amortizáveis, a Comissão de Reforma propõe a atribuição de efeitos fiscais à despesa realizada, como se de uma amortização se tratasse, optando, no entanto, por um período objetivo de 20 anos, para imputação dos gastos resultantes da utilização deste tipo de ativos. (...) O regime cuja introdução ora se propõe pretende conferir um tratamento fiscal competitivo e ambicioso aos ativos intangíveis sem período de vida útil definido. (...) Assim, e muito embora se tratem de ativos que – justamente por não terem o seu período de vida útil definido –, não estão sujeitos a depreciação, a Comissão considerou vantajoso que a lei fiscal reconheça a possibilidade de o seu custo de aquisição ser dedutível, em partes iguais, ao longo de vinte períodos de tributação.”
80. Os activos intangíveis passaram, assim, a ser amortizáveis, do ponto de vista fiscal, mesmo que tenham uma vida útil indefinida e desde que tenham sido adquiridos a título oneroso. O novo regime só passou a ser aplicável aos activos intangíveis adquiridos após 1 de janeiro de 2014, sendo que o que está em causa nos presentes autos são activos intangíveis que emergiram (sem que fossem adquiridos pela Requerente a título oneroso) após 01.01.2014, pelo que já o art.º 45.º-A lhes seria eventualmente aplicável.
81. Tal possibilidade (que permitiria subsumir os activos intangíveis aqui em causa na previsão do art.º 45.º-A do CIRC), fica, no entanto, comprometida pelo simples facto de os activos intangíveis aqui em causa não terem, como dito, sido adquiridos a título oneroso. (…)».
Seguindo o exposto, podemos dizer que bastava esta conclusão para rematar esta decisão arbitral, considerando que os pressupostos de facto enunciados na hipótese legal da norma legal citada são suscetíveis de depreciação certos ativos intangíveis, a saber: ativos que tenham uma vida útil definida ou, mesmo indefinida (1) desde que tenham sido adquiridos a título oneroso (2).
Dito de outro modo, o normativo de referência que permite a depreciação de certos ativos intangíveis coloca um pressuposto de facto, que constitui condição essencial para permitir a depreciação, qual seja, sem margem para qualquer dúvida, que os referidos ativos intangíveis tenham sido adquiridos a título oneroso.
Ora, no caso dos presentes autos é manifesto que não foram adquiridos a título oneroso, logo improcede a alegação da Requerente quanto à ilegalidade da correção operada pela IT.
Vejamos, ainda se os ativos intangíveis aqui em causa têm uma vida útil definida. Ora, parece que sim, pelo menos em parte, os direitos derivados dos contratos aqui em causa tem duração limitada, ou seja, um período de vida útil finito, mas obedecem, em cada caso concreto, a regras e prazos distintos, visto que integra vários direitos com vigências temporais distintas, como bem resulta dos contratos celebrados.
Ainda uma última nota breve sobre o ónus da prova quanto à verificação dos pressupostos legais acima enunciados. Tendo em conta o critério que resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Assim, no caso dos presentes autos, no que respeita à liquidação adicional impugnada, emitida pela Autoridade Tributária, corrigindo liquidação anterior baseada na declaração do contribuinte, o ónus da prova cabia à AT. Porém, a legalidade da depreciação efetuada pelo próprio contribuinte deve respeitar os pressupostos legais, nomeadamente a condição supramencionada, cujo ónus lhe cabia, bem assim como o ónus da prova da ilegalidade da liquidação cuja anulação pretende.
Concluindo, dos documentos juntos aos autos, quer pela Requerente quer no Processo Administrativo que a AT juntou, bem assim como do próprio estudo de Valorização do Intangível (elaborado pelo ROC da Requerente), conclui-se que os ativos intangíveis aqui em causa têm vida útil definida (embora indeterminada, por força da possibilidade de renovação dos prazos dos contratos) e, sobretudo, que estes ativos intangíveis não resultaram de aquisição onerosa por parte da Requerente.
Acresce que os parâmetros que serviram de base à depreciação, posteriormente corrigida pela Inspeção, assentam num estudo e interpretação contabilística, que, como vimos, não pode ser aceite em termos fiscais, por força de tudo o que vem exposto, nomeadamente, a propósito da própria NCRF-6, bem como do disposto no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, já sobejamente escalpelizado ao longo da exposição de motivos supramencionados.
Em suma, não tendo os ativos intangíveis sido adquiridos a título oneroso, ainda que, em termos contabilísticos fosse promovida uma depreciação nos termos propostos no estudo realizado, ela nunca poderia ser aceite fiscalmente à luz do disposto no artigo 45º A do CIRC, razão pela qual a correção operada pela Inspeção é conforme à lei, não viola os pressupostos de facto e de direito, como alega a Requerente, pelo que improcede o pedido de anulação da liquidação formulado.
Consequentemente, mantendo-se a liquidação impugnada na ordem jurídica, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos, muito concretamente, da questão suscitada a propósito da ilegalidade da demonstração e liquidação de juros compensatórios. Porém, considerando que a Requerente autonomiza o pedido de ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, impõe-se, ainda que sumariamente, analisar os alegados vícios nesta sede.
4.4. Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios
Por tudo o que vem exposto no item anterior (4.3), uma vez que não se verifica ilegalidade da liquidação adicional, há lugar ao apuramento de juros compensatórios sobre o diferencial do valor de imposto apurado em sede de correção da liquidação apresentada pelo sujeito passivo. Contudo, a Requerente veio alegar, de forma autónoma, a falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios e a falta de audiência prévia, pelo que se impõe conhecer destas questões. Pois, bem, também a este propósito, não assiste razão à Requerente como se demonstrará.
A este propósito importa atender à jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, vertida no Acórdão proferido no processo n.º 0679/12.0BELLE, de 27.01.2022, relativamente aos vícios imputados à liquidação de juros compensatórios, em termos que passamos a citar: (…)«No concernente à concreta necessidade de fundamentação do ato de liquidação de juros compensatórios, é inquestionável, enquanto ato tributário que se encontra sujeito a fundamentação (cfr. artigo 77.º da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP). Sendo que, neste concreto particular a Jurisprudência do STA e dos TCA, vem entendendo, de forma uniforme, que no respeitante aos juros compensatórios, as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo, entendendo-se, nesse âmbito, que uma liquidação de juros compensatórios se encontra fundamentada quando indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo. (Cf. nota de rodapé n.º 17 que refere: Vide, designadamente, Acórdãos do STA, de 21.4.2010, proc. n.º 743/09; de16.10.2010, proc. n.º 830/10; de 30.11.2011, proc. n.º 619/11; de 29.2.2012, proc. n.º928/11; e de 14.2.2013, proc. n.º 645/12.). Como sumariado no acórdão do STA proferido no processo n.º 0805/15, datado de 09 de março de 2016: “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art.º 559.º n.º 1 do CCivil) e o valor dos juros.“ Por seu turno, dimana do disposto no nº 1 do artigo 35.º da LGT, que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.” Sendo que para que o sujeito passivo deva juros compensatórios se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto. (Cf. nota de Rodapé 18 que refere: Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo no 01490/13, de 22.01.2014. Mais importa ter em consideração que a culpa que constitui pressuposto de juros compensatórios é de aferir segundo os deveres gerais de diligência, aptidão, conhecimento e perícia exigíveis a um bonus pater familiae, incumbindo o respetivo ónus probatório à AT. Daí que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica- se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável e que dá origem ao imposto em falta. (Cf. Nota de Rodapé n.º 19 que refere: Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 02414/08, de 05.05.2009. Com efeito, a atuação do sujeito passivo deve ser a condição necessária e adequada do retardamento da liquidação ou da entrega, isto é, deve existir um nexo de causalidade adequada entre esse retardamento e os prejuízos do Estado. Condição necessária, porque sem esse comportamento não se verificaria tal resultado. Condição adequada, porque para esse resultado não teriam que concorrer outras “circunstâncias excecionais e anómalas”. Daí que, sempre que uma determinada conduta integre um facto qualificado por lei como ilícito deve inferir-se dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (note-se que não no sentido da presunção, porquanto a culpa não se presume, mas sim por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do contribuinte abranja e subsuma a hipótese de qualquer infração tributária. É certo que essa culpa pode e deve ser excluída quando se retire, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, razão pela qual se firmou jurisprudência no sentido de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, designadamente, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária ou a erro desculpável do contribuinte. (…)»
Nestes termos, e seguindo esta jurisprudência, à qual se adere na íntegra, conclui-se, no caso dos presentes autos, que a liquidação de juros compensatórios não enferma da arguida falta de fundamentação, a qual decorre dos mesmos factos que originam a liquidação adicional do imposto, ou seja, assenta no mesmo RIT que contém a fundamentação da liquidação principal. É quanto basta para a fundamentação da liquidação de juros compensatórios. Isto dito e perante os elementos que enquadram a liquidação em apreço de acordo com o RIT, ao que acresce a nota demonstrativa da liquidação de juros compensatórios que contém todos os elementos necessários à sua compreensão (a disposição legal aplicável, o valor-base de incidência, período temporal, taxa e o valor apurado). Inexiste, pois, vício de falta de fundamentação e, consequentemente, também improcede esta alegação da Requerente.
Por último, também improcede a alegação do vício de preterição da audição prévia quanto à liquidação de juros compensatórios, porquanto, a observância do direito de audição previsto no artigo 60º da LGT), cumpre-se em relação à liquidação dos juros compensatórios com a que tiver ocorrido em relação à liquidação de imposto que lhe dá origem, na medida em que os juros constituem uma sobretaxa devida pelo retardamento da liquidação do imposto devido imputável ao contribuinte. No caso dos presentes autos o contribuinte foi chamada a exercer a audição prévia no âmbito do procedimento inspetivo, no momento da notificação do projeto de Relatório de Inspeção, como consta da alínea q) da matéria assente, o que se afigura suficiente para cumprir tal desiderato. Exigir uma audição autónoma em sede de liquidação dos juros compensatórios constituiria uma duplicação redundante e sem sentido, uma vez que esta liquidação de juros é mero reflexo da liquidação de imposto subjacente. Assim, a audiência prévia em sede de projeto de RIT cumpre plenamente essa exigência em relação à liquidação de imposto e bem assim à liquidação de juros. Na verdade, o direito de audição só faz sentido com referência à motivação das correções que conduzem ao projeto de liquidação adicional de imposto. Acresce ainda, em reforço do que vem exposto, que há um só procedimento de tributação, do qual emerge a liquidação de imposto e, por consequência, a liquidação de juros, e, em relação a ambas uma só audiência prévia cumpre plenamente o direito de participação do sujeito passivo na preparação da decisão final.
Termos em que improcedem, também, as alegações de ilegalidade imputadas à liquidação de juros compensatórios.
*
Por tudo o que vem exposto, considera-se improcedente o pedido principal, e bem assim o referente à liquidação de juros compensatórios, pelo que fica prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas nos autos, como a questão do pagamento dos juros indemnizatórios.
5. DECISÃO:
Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:
A) Julgar totalmente improcedente o pedido formulado pela Requerente no presente pedido arbitral, quer quanto à alegada ilegalidade da liquidação adicional de IRC quer quanto à liquidação de juros compensatórios, ambas devidamente identificadas nestes autos, bem assim como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
B) Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais.
6. Valor do Processo
Em conformidade com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €43.416,40.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da parte vencida.
Lisboa, 12- 08- 2025.
O Tribunal Arbitral singular,
Árbitro,
Maria do Rosário Anjos
[1] Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.03.2020, processo n.º 19/17.2BCLSB.
[2] Neste sentido, vide, entre outros, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada. Ed.: Encontro da Escrita, 4ª edição, 2012, página 675.
[3] Cfr.: Acórdão do STA nº 01674/13, de 12 de março de 2014. No mesmo sentido, a título meramente exemplificativo, vide: Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14; Acórdão do STA de 15-06-2016, processo n.º 01101/15. todos disponíveis in www.dgsi.pt-
[4] Neste sentido, vide, entre outros, as seguintes decisões arbitrais: decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 144/2023 T, de 2023-09-11; processo nº 683/2024 T de 26-01-2025; processo n.º: 912/2024-T, de 17.01.2025.
[5] Cfr. Acórdão TCAS, de 06-01-2005, proferido no processo nº 00439/04, disponível in www.dgsi.pt
[6] Neste sentido vd. Acórdão do STA de 12.01.2022, prolatado no Processo n.º 0887/20.0BELRS, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Normativo inserido no CIRC na reforma do Código de 2015.