Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 664/2014-T
Data da decisão: 2015-07-01  IVA  
Valor do pedido: € 162.258,38
Tema: IVA – Erro na autoliquidação; Descontos.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Diogo Feio e António Nunes dos Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte

 

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 4 de Setembro de 2014, A... UNIPESSOAL, LDA., doravante designada por “Requerente”, Pessoa Colectiva n.º …, com sede em …, Edifício … – piso 3, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA relativas ao período compreendido entre Setembro de 2008 e Julho de 2010, a que foi atribuído o n.º R…., e do Recurso Hierárquico n.º R…, interposto da decisão de indeferimento daquele pedido.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que as autoliquidações cuja revisão peticionou enfermam de erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos e não de erros materiais ou de cálculo nos registos da contabilidade ou nas declarações periódicas.

 

  1. No dia 09 de Setembro de 2014, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 21-10-2014, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 5 de Novembro de 2014.

 

  1. No dia 10-12-2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se quer por excepção, quer por impugnação.

 

  1. No dia 7-1-2015, na sequência de notificação para o efeito, a Requerente pronunciou-se, por escrito, quanto à matéria de excepção suscitada na resposta da AT.

 

  1. No dia 20-3-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. Nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, foi proferido despacho a prorrogar por dois meses o prazo a que alude o n.º 1 do mesmo artigo.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      Por considerar verificados os pressupostos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), a Requerente apresentou, em 2012/11/09, um pedido de revisão dos actos tributários de autoliquidação, com vista ao reconhecimento do direito de proceder à regularização do IVA e corrigir, a seu favor, no valor global de € 162.258,38.

2-      O pedido de revisão foi indeferido por despacho do Subdirector-Geral do IVA, de 2013/11/15, aposto na informação n.º …, de 2013/11/04, da Direcção de Serviços do IVA (DSIVA).

3-      Tendo a AT, conforme ponto 61, da referida informação, concluído que as liquidações de IVA são passíveis de revisão oficiosa, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e n.º 1 do artigo 98º do Código do IVA (CIVA).

4-      E que “a correcção das declarações periódicas que a requerente pretende agora efectuar, apenas poderia ser efectuada nos termos do art.º 98º n.º 2 do CIVA, através da apresentação das competentes declarações de substituição, caso não estivesse previsto prazo especial no art. 78º n.º 6 do CIVA”;

5-      Decidiu a DSIVA que o pedido de Revisão Oficiosa devia ser indeferido, por entender que a situação em apreço não se subsume no disposto nos artigos 98.º do CIVA e 78.º da LGT mas sim no disposto no artigo 78.º n.º 6 do CIVA, pelo que as correcções das autoliquidações só poderiam ser efectuadas no prazo especial de dois anos e não no prazo de 4 anos.

6-      Inconformada com a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Requerente interpôs, em 2013/12/17, o Recurso Hierárquico n.º R…, ao qual foi negado provimento por despacho da Subdirectora-Geral (em substituição do Director Geral da AT) de 2014/05/28, exarado na informação n.º …, de 2014/05/19, da DSIVA.

7-      A Requerente é uma sociedade de direito português sujeita ao regime normal de IVA que desenvolve a sua actividade no sector da comercialização de produtos de higiene oral, higiene pessoal e limpeza caseira.

8-      No âmbito de uma revisão interna de procedimentos, a Requerente considerou que  havia autoliquidado e pago IVA em montante superior ao efectivamente devido.

9-      O excesso de imposto apurado e pago decorre das seguintes operações efectuadas pela Requerente:

                                                              i.            Vales de desconto;

                                                            ii.            Descontos de quantidade atribuídos em espécie; e,

                                                          iii.            Venda de Multipacks.

10-  Uma das acções promocionais realizadas pela Requerente consiste na atribuição de vales de desconto diretamente aos consumidores finais.

11-  Os vales de desconto destinam-se à compra de um produto específico o que se reflecte na concessão de uma redução no preço de compra desse produto para o consumidor final.

12-  Os procedimentos inerentes à distribuição e utilização dos vales de desconto, bem como ao reembolso do respectivo valor encontram-se detalhados no quadro que se segue:

 

13-  A Requerente vende os seus produtos aos retalhistas.

14-  No âmbito de uma acção promocional de um determinado produto da Requerente, a Requerente distribui vales de desconto aos consumidores finais.

15-  Os vales de desconto, ao serem apresentados junto dos retalhistas, conferem ao consumidor final um desconto na aquisição do respectivo produto pelo montante equivalente ao valor facial do vale.

16-  Os retalhistas efectuam a venda do produto Requerente e liquidam IVA sobre o preço de venda ao público.

17-  Os consumidores finais entregam ao retalhista o vale de desconto e o remanescente (diferença entre o preço de venda ao público e o vale de desconto) em dinheiro.

18-  Por forma a gerir a recolha dos vales de desconto e certificar o valor que deverá ser reembolsado aos retalhistas, a Requerente recorre a uma entidade externa denominada B…, Lda. (“B…”).

19-  Para que possam ser reembolsados pela Requerente, os retalhistas enviam periodicamente à B... os vales de desconto apresentados pelos consumidores finais.

20-  Após a conferência dos vales de desconto recepcionados, a B... informa a Requerente do valor total a reembolsar aos retalhistas, emitindo-lhe, à data, uma nota de débito e disponibilizando a informação relevante.

21-  Esta informação é transmitida pela B... à Requerente, no mês imediatamente seguinte àquele em que se verificou a recepção dos vales apresentados pelos retalhistas.

22-  O valor em causa é então entregue pela Requerente à B... e, subsequentemente, por esta a cada um dos retalhistas.

23-  Por vezes ocorrem situações em que os retalhistas enviam os vales de desconto directamente para a Requerente, juntamente com uma nota de débito indicando o valor a ser reembolsado.

24-  Em tais casos, o reembolso do valor facial dos vales de desconto é efectuado directamente pela Requerente aos retalhistas.

25-  O valor dos vales de desconto em questão não altera o valor da operação realizada pelo retalhista, uma vez que este não concede qualquer desconto, já que recebe o valor total da contraprestação pelas transmissões dos produtos por si efectuadas, apesar de uma parte ser paga pelo consumidor final e a outra (correspondente ao valor facial dos vales de desconto) pela Requerente.

26-  O valor da operação é superior ao valor da contraprestação paga efectivamente pelo consumidor final.

27-  A Requerente, no apuramento do montante de IVA devido, nos períodos a que se referem as autoliquidações objecto do pedido de revisão oficiosa que apresentou, e que estão em causa no presente processo, não procedeu à consideração do IVA correspondente aos descontos por si concedidos através de vales de desconto, nos termos descritos nos pontos que antecedem.

28-  Outra tipologia de acção promocional levada a cabo pela Requerente nos períodos a que se referem as autoliquidações objecto do pedido de revisão que apresentou, e que estão em causa no presente processo, consistiu na atribuição de descontos de quantidade, em dinheiro ou em espécie, aos seus clientes.

29-  Nos casos em que os descontos de quantidade foram atribuídos em espécie, a Requerente entregou aos seus clientes uma determinada quantidade adicional de bens exactamente iguais aos bens cuja venda originou (ou iria originar) a atribuição do desconto.

30-  Na maior parte das vezes, estes descontos foram concedidos após a venda dos produtos que deram origem ao desconto, mas por vezes, também o foram de forma antecipada, ou seja, antes da venda dos produtos que origina o desconto.

31-  A Requerente, nos períodos a que se referem as autoliquidações objecto do pedido de revisão oficiosa que apresentou, e que estão em causa no presente processo, autoliquidou e pagou IVA relativamente aos produtos oferecidos como descontos de quantidade.

32-  Uma outra acção promocional levada a cabo pela Requerente nos períodos a que se referem as autoliquidações objecto do pedido de revisão que apresentou, e que estão em causa no presente processo, consistiu na venda de “Multipacks”.

33-  O Multipack é um “pacote” que inclui dois produtos diferentes e cujo preço de venda é inferior à soma do PVP dos dois produtos que o integram, sendo por regra equivalente ao preço do produto de maior valor.

34-  A Requerente, na elaboração das autoliquidações objecto do pedido de revisão que apresentou, e que estão em causa no presente processo, considerou que os Multipack’s eram um produto indivisível e liquidou o IVA à taxa normal.

35-  A Requerente considerou que estaria perante uma oferta do bem de menor valor e, para além de ter liquidado IVA sobre o PVP do Multipack, autoliquidou nas autoliquidações objecto do pedido de revisão que apresentou, e que estão em causa no presente processo, IVA relativo ao produto de menor valor como se de uma oferta se tratasse.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

1-      O imposto associado ao valor dos descontos concedidos pela Requerente aos consumidores finais dos seus produtos, incluído no valor facial dos vales de desconto, nos termos descritos na matéria de facto que antecede, por aqueles utilizados no período compreendido entre Setembro de 2008 e Junho de 2010, ascendeu ao montante de €10.558,66, de acordo com o seguinte quadro:

 

2-      O imposto associado ao valor dos descontos de quantidade concedidos pela Requerente aos seus clientes, nos termos descritos na matéria de facto que antecede, no período compreendido entre Setembro de 2008 e Junho de 2010, ascendeu ao montante de € 81.329,26, de acordo com o seguinte quadro:

 

3-      Do procedimento descrito na matéria de facto supra, relativo aos Multipacks, resultou nas autoliquidações objecto do pedido de revisão que apresentou, e que estão em causa no presente processo, o apuramento e o pagamento de IVA superior ao efectivamente devido, no montante de €70.370,46, de acordo com o seguinte quadro:

 

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida em sede da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos dados como não provados, devem-se essencialmente à não suficiência dos elementos probatórios apresentados nesse sentido, em termos de se poder cabalmente concluir que aqueles se encontram para lá do limiar da dúvida que, razoavelmente, se pode a seu respeito formular. Com efeito, como refere a AT, “a Requerente não logrou identificar com precisão nem as autoliquidações nem as operações em causa, não logrando demonstrar a validade dos cálculos efectuados com vista à quantificação dos montantes exigidos.”. Deste modo, e atento o ónus probatório que sobre a Requerente, na matéria em questão, impendia, teve de se dar como não provados os factos em questão.

 

B. DO DIREITO

            i. Matéria de excepção

a)

            Começa a AT, como matéria prévia ao conhecimento do mérito da causa, por questionar competência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de restituição à Requerente do IVA liquidado no montante de €162.258,38.

            Note-se, desde já, que a Requerida circunscreve esta arguição ao referido pedido que apelida de restituição mas que, em rigor, e conforme formulado, é de reembolso[1].

            Argumenta a referida Autoridade que não se insere no âmbito das competências do Tribunal Arbitral a apreciação de pedidos de regularização de imposto a favor dos sujeitos passivos ou de restituição ou reembolso de montantes liquidados e pagos em excesso.

            Assistindo razão à AT, na abstracção do afirmado, verifica-se que, em concreto não está em causa no presente processo uma daquelas situações.

            Com efeito, a Requerente formulou um pedido de revisão oficiosa de determinadas liquidações de imposto que reputou ilegais e, seguidamente, recorreu hierarquicamente, da decisão administrativa que indeferiu aquele seu pedido original.

Naturalmente que a obrigação de repor a legalidade, decorrente da procedência do pedido (de revisão oficiosa) originalmente formulado, implica a obrigação de restituição do imposto (ilegalmente, nessa perspectiva) pago em excesso.

E essa matéria, como é corriqueiramente reconhecido em praticamente todas as decisões condenatórias que emergem da jurisdição arbitral tributária, é matéria que cabe na competência material daquela, conforme resulta directamente, e para além do mais, da al. b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

Saber se, em concreto, tal pedido deve proceder ou não é outra questão, que diz respeito ao fundo da causa, e não à competência do Tribunal para a decidir. Mas isso, adiante se verá.

Por ora, no que diz respeito à excepção em causa, e pelo exposto, entende-se que deverá aquela improceder.

 

*

b)

            Seguidamente, argui a AT a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa formulados no presente processo, porquanto, no seu entender, “Nesta circunstância, resulta que na situação sub judice, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.”.

            Fundamenta a AT o seu entendimento no disposto no artigo 2.º/a) da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, que exclui dos litígios cognoscíveis pelos tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD, as “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

            Entende a AT, face a este normativo, que o mesmo deve ser entendido na sua literalidade, proscrevendo do âmbito da jurisdição arbitral tributária as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação nos termos das referidas normas do CPPT.

            Toda a argumentação da AT na matéria, contudo, acaba por se reconduzir a sustentar que foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades de actos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto é isso que diz no texto da norma interpretada.

            Sempre ressalvado o respeito devido, não se descortina, de entre as razões oferecidas pela AT, uma razão substancial que explique a racionalidade do entendimento que sustenta. Efetivamente, não se descortina qualquer razão substancial – e a AT nada apresenta nesse sentido – para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos actos de autoliquidação.

            Por outro lado, mesmo uma leitura literalística da norma em questão, desde que devidamente contextualizada, não conduz inexoravelmente ao resultado defendido pela AT nos autos.

            Com efeito, a expressão empregue por tal norma é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da assumida, e pacificamente reconhecida, intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

            A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia. Ou seja: tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela AT, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita.

            Assim, razão alguma se vê – e, uma vez mais, nenhum subsídio a AT dá nesse sentido – para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”. Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

            E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do Acórdão proferido no processo 48/2012T do CAAD, e jurisprudência arbitral subsequente.

            Deve, deste modo, improceder a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral, invocada pela AT.

 

*

c)

            Prossegue a AT, visando obstar ao conhecimento do mérito da causa, alegando a incompetência material do Tribunal Arbitral por no pedido de revisão oficiosa e subsequente recurso hierárquico não ter sido apreciada a legalidade de actos de liquidação.

            Sustenta a Requerida que “a Requerente, no pedido de revisão oficiosa, não solicitou a anulação de qualquer ato de autoliquidação, vindo tão só requerer que fosse «corrigida a (auto) liquidação do IVA e pagamento efectuada em excesso no período compreendido entre Setembro de 2008 e Julho de 2010 no montante de € 162.258,38, por via da inclusão deste valor numa próxima declaração periódica enquanto “regularização de IVA a favor do sujeito passivo”.» (cfr. conclusão do pedido de revisão oficiosa);

            Mais uma vez entende-se não lhe assistir razão.

            Com efeito, logo no primeiro parágrafo da decisão do pedido de revisão oficiosa, lê-se (sublinhado nosso):

Nos termos do artº 78º da Lei Geral Tributária (LGT), vem o sujeito passive A…, LDA., com o NIPC …, em requerimento apresentado em 2012/11/09 (a fls. 2 e seguintes dos autos), requerer a revisão oficiosa das autoliquidações de IVA, referentes ao período compreendido entre setembro de 2008 e julho de 2010 no sentido de corrigir a seu favor o valor global de €162.258,38, que considera ter liquidado e pago em excesso naqueles períodos de imposto.”.

            Também no ponto 3. da informação em que se fundamenta o indeferimento do recurso hierárquico oportunamente interposto pela Requerente, se lê (sublinhado nosso): “Ao abrigo do art.º 78.º da LGT, a aqui Recorrente apresentou pedido de revisão oficiosa "das liquidações de IVA relativas aos períodos de Setembro de 2008 a Julho de 2010, no sentido de corrigir o valor global de € 162.258,38, liquidado e pago naqueles períodos de imposto".”.

            As passagens transcritas são suficientes, crê-se, para evidenciar que quer no pedido de revisão oficiosa, quer no subsequente recurso hierárquico estava, efectivamente, submetida à apreciação da AT a legalidade dos actos de autoliquidação de IVA da Requerente “referentes ao período compreendido entre setembro de 2008 e julho de 2010”, que tratando-se de actos, notoriamente, do conhecimento pessoal da AT, esta não poderá alegar desconhecer.

            Conforme se escreveu no Ac. do CAAD proferido no processo 117/2013T[2], “embora a parte decisória do acto de indeferimento do pedido de revisão do acto de autoliquidação não se pronuncie sobre a legalidade deste, acaba por se admitir, na fundamentação, que a pretensão da ora Requerente poderia ter acolhimento se tivesse sido formulada dentro do prazo previsto no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, o que tem ínsito que o acto de autoliquidação é ilegal.

            Assim, e por todo o exposto, deverá também esta excepção improceder.

 

*

d)

Por fim, e antes de se apresentar a discutir o mérito da causa, argui a AT a incompetência material e a intempestividade para a impugnação directa dos actos de liquidação de IVA.

Começa, nesta matéria, a Requerida por referir que “a presente acção tem apenas como objecto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa e do recurso hierárquico, não tendo como objecto mediato qualquer acto tributário de liquidação.”.

Como se viu já, entende-se que não é esse o caso, resultando claramente das respectivas decisões, que, quer o pedido de revisão oficiosa, quer o recurso hierárquico, tiveram como objecto as autoliquidações de IVA de Requerente, referentes ao período compreendido entre Setembro de 2008 e Julho de 2010.

Alternativamente, alvitra a AT que “caso se considerasse, (...), que o objecto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral é constituído pelos actos de autoliquidação, apenas identificados pela indicação dos períodos a que respeitam, então, seria forçoso concluir, que o conhecimento directo da legalidade de tais questões pelo presente Tribunal se lhe mostra vedado face ao disposto no artigo 2.º do RJAT e do artigo 2º, da citada Portaria nº 112-A/2011, isto é, a possibilidade de apreciar tais actos de autoliquidação sem que tenha existido prévio "(...) recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131° a 133°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (...)".

Ora, como se viu já, a propósito da segunda excepção suscitada pela AT, entende-se também que, no presente caso, está preenchido o pressuposto do recurso à via administrativa, imposto pelo artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, e pelos artigos 131° a 133°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por fim, ainda neste âmbito, questiona a AT a tempestividade da presente lide, por ter expirado, há muito, o prazo de 90 dias contado desde o termo do prazo legal para o respectivo pagamento voluntário.

            Aponta, correctamente, a AT que “a "tempestividade" do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do acto de autoliquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um acto de segundo grau).”.

            Entende, ainda, a AT, que o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, não incidiu sobre a legalidade de qualquer autoliquidação, tendo o Requerente pedido, unicamente, autorização para a regularização de IVA dos períodos por si indicados, pelo que será insusceptível de interferir com o prazo de impugnação das referidas autoliquidações.

            Antes de prosseguir, diga-se desde logo que não terão aplicabilidade aqui as normas invocadas pela AT relativamente à limitação dos poderes de cognição do tribunal, uma vez que são normas que se aplicam – exclusivamente – ao processo judicial, e não já às fases de procedimento tributário que o precedem.

            Ou seja: as limitações aos poderes de cognição do Tribunal decorrem do pedido (e da causa de pedir) tal como condensados no requerimento inicial do processo tributário (sem prejuízo das alterações subsequentes que àqueles sejam permitidas), e não face ao pedido ou pedidos (ou causa/causas de pedir) formulados nas fases de procedimento tributário que, eventualmente, o hajam precedido.

            Isto que vem de se dizer não preclude, todavia, que como a AT aponta, “a "tempestividade" do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do acto de autoliquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um acto de segundo grau).”, e que, como tal, seja efectivamente relevante apurar se o pedido de revisão oficiosa (meio de impugnação gracioso) incidiu mesmo sobre os actos de autoliquidação impugnados, e respectiva legalidade ou se, pelo contrário, teve exclusivamente outro objecto, que não aquele.

            Ora, a resposta a esta questão não poderá deixar de ir no primeiro dos sentidos apontados, conforme se expôs já, tornando-se assim claro que o pedido de revisão oficiosa não só incidiu sobre os actos de autoliquidação indicados pelo Requerente, como apreciou a respectiva legalidade, confirmando-a por, no entender da AT, ter decorrido o prazo dentro do qual lhe seria permitido exercer o direito de aquela proceder às correcções por si propugnadas.

            Deste modo, existindo, efectivamente e ao contrário do que sugere a AT, um “meio de impugnação gracioso do acto de autoliquidação”, no caso o pedido de revisão oficiosa e o subsequente recurso hierárquico, onde foi “proferida decisão a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto”, e tendo o presente pedido de pronúncia arbitral sido apresentado dentro do prazo legalmente previsto, por referência ao último daqueles actos, deve considerar-se tempestiva a presente lide.

 

*

Não há, aqui chegados, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

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ii. Do fundo da causa

A questão de fundo submetida a este Tribunal Arbitral, prende-se com aferir se assiste ou não razão ao decido pelo AT no pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, e no subsequente recurso hierárquico, onde foi entendido que a situação em apreço não se subsume no disposto nos artigos 98.º do CIVA e 78.º da LGT mas sim no disposto no artigo 78.º n.º 6 do CIVA.

Vejamos, então.

Dispõe o artigo 98.º do CIVA que:

“1 — Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.

2 — Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.”.

Por sua vez, o artigo 78.º do mesmo Código refere, para além do mais, que:

“(...) 2 — Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

(...) 6 — A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”

Como resulta das normas transcritas, a legislação nacional permite que, nomeadamente, ocorrendo um erro material ou de cálculo, que se tenha dado em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado no artigo 78.º/6 do CIVA.

            Outros tipos de erros poderão ser corrigidos mediante a apresentação de declaração de substituição[3], caso tal ainda seja, nos termos legais, possível, ou, não o sendo, mediante pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, desde que verificados, igualmente, os correspondentes pressupostos, o que, de resto, decorre directamente do disposto no artigo 98.º do CIVA, acima transcrito.

Não se subscreve, assim, a tese de que o pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, relativamente a erro de direito ou de facto em autoliquidações de IVA, apenas se poderá efectuar no prazo fixado no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA[4]. Com efeito, na situação regulada por tal norma – correcção de erros materiais ou de cálculo – não será, de todo, necessário formular qualquer pedido de revisão oficiosa, já que aquela norma do artigo 78.º/6 do CIVA integra uma previsão própria de correcção do erro, motivador do correspondente procedimento, inexistindo qualquer relação entre este e o pedido de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT, para o qual o artigo 98.º do CIVA expressamente remete.

Para além da correcção de erros materiais ou de cálculo, também serão atendíveis factos supervenientes, nos termos regulados pelo n.º 2 do artigo 78.º do CIVA. Cumpre, contudo, ter sempre bem presente que uma coisa será um erro (um desfasamento entre a realidade representada na declaração periódica e a realidade – erro de facto – ou o direito) e outra coisa é a ocorrência superveniente de um facto (uma alteração na realidade), que acarreta uma alteração no imposto a suportar ou deduzir, sendo que é a estas últimas situações que a referida norma do artigo 78.º/2 do CIVA se reporta.

            No presente caso, manifestamente, o que ocorreu foi, não a superveniência de qualquer facto, mas, antes, um erro – não material ou de cálculo – mas de facto, e, consequentemente, do direito aplicável, que se terá traduzido na não determinação da matéria tributável nos termos em que, face aos factos que, na realidade, ocorreram, e ao direito aplicável, o deveria ter sido.

            A própria AT, de resto, na Resposta apresentada neste processo (cfr. artigo 173º), reconhece que estamos perante um erro de facto.

            O que ocorreu foi que a Requerente se consciencializou, entretanto, que nas autoliquidações a que procedeu não atendeu a determinados factos (como o reembolso dos vales), ou atendeu, erradamente, a outros (como a oferta de produtos), ou seja, que havia laborado em erro na determinação dos factos juridicamente relevantes, e, consequentemente, das normas, a relevar no cômputo da matéria tributável a fazer constar da declaração.

            Deste modo, não será o erro em causa corrigível nos termos do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA do mesmo artigo, uma vez que não se trata de erro de cálculo (não se traduz na incorrecta articulação de parcelas integrantes de operações aritméticas), nem de um erro material (uma divergência entre o que foi escrito e o que, manifestamente, se queria ter escrito no momento em que se escreveu).

            A correcção da situação em causa nos autos (erro de facto e de direito na autoliquidação), face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir foi suportado, se, e nas condições em que legalmente a rectificação desta – por iniciativa do contribuinte ou, oficiosamente, pela AT, ainda que a pedido daquele – se possa legalmente dar.

            E foi precisamente isso que aconteceu, relativamente às autoliquidações da Requerente, referentes ao período compreendido entre Setembro de 2008 e Julho de 2010, relativamente às quais foi apresentado um pedido de revisão oficiosa, nas condições legalmente admitidas, como se viu atrás.

            Não se concorda, assim, com a AT quando declara que “o erro na autoliquidação aludido no artigo 78.º da LGT, o qual é considerado imputável aos serviços, é o erro que só ocorre na operação de autoliquidação de imposto, não sendo o conceito extensível a erros prévios que vêm a repercutir-se no preenchimento da declaração periódica de imposto apresentada pelo sujeito passivo.” (cfr. artigo 213.º da resposta), e que “Erros na autoliquidação são aqueles que só ocorrem na declaração periódica, como é o caso típico de erros na transcrição dos registos para os campos das declarações periódicas de imposto” (cfr. artigo 210.º da resposta). Com efeito, este erro de transcrição que a AT apresenta como típico da previsão do artigo 78.º da LGT, integrará, antes, o erro material, a que alude o artigo 78.º/2 do CIVA e que, justamente por força da especialidade deste último, não poderá atender-se no âmbito do procedimento a que aquele primeiro artigo da resposta.

            Atemo-nos aqui, antes, ao conceito de erro para efeitos do artigo 78.º da LGT, que tem sido recorrentemente afirmado pela jurisprudência, como abrangendo o erro de facto, e o erro de direito, que não é compatível com o entendimento da AT, segundo o qual não haveria qualquer erro na autoliquidação, para efeitos do artigo 78.º da LGT, porquanto “mesmo que o imposto tivesse sido liquidado pelo Estado e não autoliquidado pelo sujeito passivo, reflectiria, de igual modo, os registos contabilísticos (alegadamente erróneos) da Requerente.”.

Com efeito, e desde logo, a Requerente é, no caso, tributada, não por ter feito constar dos seus registos contabilísticos determinadas inscrições, mas por ter efectivamente realizado operações sujeitas em volume superior às operações dedutíveis. Daí que o erro de facto na liquidação se afira, não face à contabilidade da Requerente, mas à realidade tal como ela ocorreu.

            Por outro lado, a circunstância de, objectivamente, o erro na autoliquidação poder não ser, concretamente, imputável à Administração Tributária, que é, no fundo, aquilo que a AT pretende demonstrar com a frase transcrita, não relevará, já que a lei, no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, ficciona a imputabilidade aos serviços do erro na autoliquidação.

Assim, por exemplo, no Ac. do STA de 14-12-2011, proferido no processo 0366/11[5], pode ler-se que “Apesar de não ter sido deduzida reclamação contra o acto de autoliquidação no prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, o interessado podia ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à administração”.

            Deste modo, não se corroborando o entendimento de que, in casu, há uma norma especial fixando genericamente o limite de dois anos para o exercício do direito à dedução, mas, antes, que aquele limite se situa no prazo geral de 4 anos prescrito pela norma do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, sendo que no caso não se verifica qualquer situação de especialidade (designadamente erro de cálculo ou material), conclui-se pela ilegalidade das decisões, fundadas naquele entendimento, do pedido de revisão oficiosa e do recurso hierárquico, objecto do presente processo, devendo, nessa medida, proceder os correspondentes pedidos arbitrais.

 

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            A Requerente peticiona ainda nos autos, a condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de €162.258,38 e, ao pagamento dos respectivos juros indemnizatórios.

            Nesta parte já não poderá, contudo, o pedido arbitral proceder.

            Como resulta dos factos provados e não provados, não se apurou que o montante de imposto a reembolsar à Requerente fosse aquele que ela reclama, ou outro qualquer.

            Deste modo, não podendo o Tribunal determinar qual o concreto valor do imposto indevidamente pago pela Requerente, não poderá proceder o pedido de reembolso formulado, e ter-se-á que concluir, como sugere a AT na sua Resposta, que “em face da anulação das decisões administrativas [do recurso hierárquico e do pedido de revisão oficiosa], deve o Tribunal determinar que o processo seja devolvido à Autoridade Tributária e esta se pronuncie pela regularização peticionada.”.

            Efectivamente, tal decorre, desde logo, da obrigação da AT “Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral”, consagrada na al. a) do n.º1 do art.º 24.º do RJAT, bem como do próprio efeito anulatório da presente decisão, que, retirando da ordem jurídica os actos decisórios do pedido de revisão oficiosa e do subsequente recurso hierárquico, e os que dele dependem, faz retornar o procedimento à fase imediatamente anterior à decisão daquele pedido, assistindo à AT o dever legal de o decidir.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular o Despacho de Indeferimento da Revisão Oficiosa, de 15 de Novembro de 2013;

b)      Anular o Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico, de 25 de Maio de 2014;

c)      Julgar improcedentes os restantes pedidos arbitrais formulados;

d)     Condenar as partes nas custas do processo, no montante de €3,672,00, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em €1.224,00 a parte a cargo da Requerente e em €2.448,00 a parte a cargo Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €162.258,38, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes, na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

1 de Julho de 2015

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Diogo Feio)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(António Nunes dos Reis)



[1] Nos termos do pedido: “Condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago no montante de € 162.258,38”.

[2] Disponível em www.caad.org.pt.

[3] Cfr. neste sentido o Ac. do STA de 02-10-2010, proferido no processo 0256/10, disponível em www.dgsi.pt.

[4] Neste sentido, cfr. os Acs. proferido nos processos 117/2013T, 185/2014T e 277/2014T, todos do CAAD, disponíveis em www.caad.org.pt.

[5] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência indicada sem menção especial.