I. O facto de o sujeito passivo não ter utilizado a impugnação judicial após a formação do acto tácito de indeferimento desse recurso, nenhum efeito tem nesta sede, já que tal utilização é meramente facultativa, que o mesmo poderá utilizar ou não, conforme lhe aprouver.
II. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
III. A interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, versa sobre uma situação idêntica à dos presentes autos, regida pelo mesmo quadro legislativo, impõe concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pelo Requerente, na qualidade de OICVM não residente, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC, uma vez que os OICVM residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), João Marques Pinto e Rita Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de Maio de 2025, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários, constituído ao abrigo da lei do Luxemburgo, com sede em ..., ..., Luxemburgo, com o número de contribuinte fiscal luxemburguês ..., e, com o número de contribuinte fiscal português ..., representado pela sua entidade gestora B... SÀRL, sociedade de direito luxemburguês, com sede em ... ..., Luxemburgo, com o número de contribuinte fiscal luxemburguês..., (doravante designado de “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a apreciação da legalidade e anulação dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos auferido no ano de 2022, bem como da formação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre eles recaiu.
A Requerente pede ainda a restituição das importâncias que considera indevidamente retidas, com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27 de Fevereiro de 2025.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 15 de Abril de 2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 8 de Maio de 2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 10 de Junho de 2025, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, e a Requerente foi notificada para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente apresentou a sua resposta as exceções no dia 26 de Junho de 2025.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) O Requerente é, uma entidade jurídica de direito Luxemburguês, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal no Luxemburgo, constituída sob a forma contratual e não societária;
B) O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país. (documento n.º 1 junto com a reclamação graciosa cujo teor se dá como reproduzido);
C) No ano de 2022 o Requerente era detentor de participações sociais na sociedade residente em Portugal C... SGPS S.A.
D) O Requerente, na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu, no ano de 2022, dividendos que foram sujeitos a tributação em Portugal, através de retenção na fonte liberatória, à taxa de 15%.
E) Os dividendos, datas de pagamento, importâncias retidas, guias referentes à entrega destas a Autoridade Tributária e Aduaneira são os que constam do quadro que segue:
Entidade Distribuidora dos Dividendos
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Dividendos
(valor bruto)
|
Data do
Pagamento
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Retenção na Fonte
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Guia de Imposto
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C... SGPS SA
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877.416,25 €
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10/05/2022
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131.612,44 €
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...
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C... SGPS SA
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712.201,62 €
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20/09/2022
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106.830,24 €
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...
|
(documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) No dia 20 de Maio de 2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações por retenção na fonte relativas ao ano de 2022, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;
G) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa em 9 de Dezembro de 2024, conforme ofício datado de 26-11-2024, do qual consta o seguinte:
( Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
H) Em 25 fevereiro de 2025 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral o que deu origem ao presente processo. cfr. SIT
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham consignado como provados.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não são impugnados.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Questões Prévias
a) Das Exceções Invocadas
A Requerida defendeu-se invocando a exceção de caducidade do direito de ação por motivo da (in)tempestividade da interposição do pedido de pronúncia arbitral.
Atento o disposto no artigo 608.º do Código de Processo Civil (CPC), e no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ambos aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o Tribunal iniciará por resolver a questão submetida a apreciação, designadamente a da exceção arguida pela Requerida, da (in)tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
A tempestividade do pedido de pronuncia arbitral é um pressuposto processual indispensável à viabilidade do processo e ao conhecimento do mérito da causa, constituindo nos termos da lei uma exceção perentória de acordo com as normas do artigo 89º nºs 1 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT. Esta interpretação, parece-nos consensual face à clareza da lei, e tem sido sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) e pelos tribunais arbitrais.
A Requerida alega, atenta a circunstância de a reclamação graciosa não ter sido decidida no decurso do prazo legal (120 dias), o facto que ocorreu em primeiro lugar foi indubitavelmente, o indeferimento tácito da reclamação graciosa. Para efeitos de impugnação contenciosa, o prazo findou em 20-12-2024. Como a petição inicial nos presentes autos só deu entrada em tribunal após o términus do prazo, é manifesto que foi apresentada muito para além do prazo legal previsto no artigo 58.º n.º 2 alínea b) do CPTA.
A Requerente no âmbito do exercício do direito ao contraditório, sustentou, nos presente autos que o que está em causa é o pedido de reembolso do imposto retido em maio e setembro de 2023, o qual foi entregue nos cofres do Estado, pelo substituto tributário em 20.06.2023 e 20.10.2023, respetivamente. Pelo que o prazo de dois anos para apresentar a reclamação graciosa apenas terminou em 20.06.2025 e 20.10.2025. Na decisão da reclamação graciosa a administração tributária refere que a reclamação graciosa é tempestiva. O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 09.12.2024 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 25.02.2025, ou seja, no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Exposta a questão, e atendendo à posição das partes, analisemos previamente o que nos diz a jurisprudência sobre esta questão, designadamente, relevamos as decisões proferidas pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-03-2016 no processo 0411/15, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo nº 410/15.9BEFUN, de 15.12.2021
Deste modo, a jurisprudência dos Tribunais superiores é clara em afirmar o seguinte: «o facto de o contribuinte não ter utilizado a impugnação judicial após a formação do acto tácito de indeferimento desse recurso, nenhuns efeitos tem nesta sede, já que tal utilização é meramente facultativa, que o mesmo poderá utilizar ou não, conforme lhe aprouver» - cfr. acórdão do TCA Sul de 19 de Janeiro de 2011, no processo n.º 03889/10.
É, assim indiscutível que a possibilidade de impugnar o indeferimento tácito constitui uma faculdade de acesso à via contenciosa. Por isso, a sua não utilização não acarreta prejuízos para o interessado, nomeadamente no que respeita à perda do direito de impugnar judicialmente atos expressos. Deste modo, ao contrário do alegado pela AT, o prazo para a impugnação judicial não se inicia com o decurso do prazo que gera o indeferimento tácito, mas sim com a notificação da decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa, conforme previsto expressamente na lei.
Vejamos a este propósito o que dispõe o artigo 95.º n.º 1 e 2 da LGT:
1 - O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.
2 - Podem ser lesivos, nomeadamente:
a) A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
b) A fixação de valores patrimoniais;
c) A determinação da matéria tributável por métodos indirectos quando não dê lugar a liquidação do tributo;
d) O indeferimento, expresso ou tácito e total ou parcial, de reclamações, recursos ou pedidos de revisão ou reforma da liquidação;
e) O agravamento à colecta resultante do indeferimento de reclamação;
f) O indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo;
g) A fixação de contrapartidas ou compensações autoritariamente impostas em quaisquer procedimentos de licenciamento ou autorização;
h) Outros actos administrativos em matéria tributária;
i) A aplicação de coimas e sanções acessórias;
j) Os actos praticados na execução fiscal;
l) A apreensão de bens ou outras providências cautelares da competência da administração tributária.
O artigo 10.º n.º 1 alínea a) do RJAT estabelece que:
“O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”
E o CPPT, dispõem na alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º o seguinte:
1 - O processo judicial tributário compreende:
(…)
c) A impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários;
E por seu turno o artigo 102.º do CPPT, dispõe que:
“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”
Efetivamente, face à legislação exposta, resulta que no indeferimento expresso de uma reclamação graciosa, o prazo de impugnação e a sua contagem obedecem ao estipulado no artigo 10.º nº 1 do RJAT e 102.º nº 1 al. f) do CPPT.
Assim, nos termos conjugados da al. a) do nº 1 do artigo 10.º do RJAT, e da al. f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o pedido de constituição de tribunal arbitral será tempestivo se apresentado no prazo de 90 dias, contados da notificação da decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa.
Conforme resulta da factualidade consignada como provada, a Requerente foi devidamente notificada da decisão de indeferimento expresso, no dia 9 de Dezembro de 2024, data a partir da qual se iniciou o prazo de contagem para a impugnação judicial.
Como se vê, sendo de 90 dias o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal, para impugnação de atos tributários de liquidação, contados a partir da data de notificação da decisão de indeferimento expressa da reclamação graciosa, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea f), do CPPT, e perante a notificação ter ocorrido em 9 de Dezembro de 2024, então o prazo de 90 dias terminaria em 10 de Março de 2025. Como o Pedido de Pronuncia Arbitral foi apresentado em 25 de fevereiro de 2025, dentro do prazo previsto, é tempestivo.
Assim, e face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, julga-se desprovida de provimento a exceção arguida pela Requerida, improcedendo-a.
4. Matéria de Direito
a. Retenção na Fonte de IRC aos OICVM não Residentes – Violação da Liberdade de Circulação de Capitais – Artigo 63.º do TFUE
A questão de direito sujeita a decisão respeita à compatibilidade do direito interno com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OICVM constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OICVM constituídos noutro Estado-Membro, com observância dos requisitos da Diretiva 2009/65/CE.
Na primeira hipótese, de OICVM residentes, aqueles dividendos não são tributados em IRC. No segundo pressuposto, de OICVM não residentes constituídos num outro Estado-Membro da União Europeia nos termos da Diretiva 2009/65/CE, os dividendos são sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC (no caso, com redução da taxa de 25% para 15% por força da Convenção de Dupla Tributação aplicável – v. artigo 10.º, n.º 2 da Convenção).
O problema jurídico equacionado foi objeto de pronúncia recente do Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob aplicação do mesmo enquadramento legislativo.
Verifica-se, o total paralelismo da decisão com a situação sob exame, o que justifica a aplicação da conclusão interpretativa alcançada pelo Tribunal de Justiça no processo assinalado, no sentido de que o artigo 63.° do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro [como a portuguesa], por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Com efeito, à semelhança da situação analisada no processo de reenvio prejudicial C-545/19, o Requerente:
- é um OICVM constituído ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro com observância do disposto na Diretiva 2009/65/CE;
- é gerido por uma entidade gestora com sede nesse outro Estado-Membro;
- não é residente nem dispõe de estabelecimento estável em território nacional; e
- foi sujeito a tributação por retenção na fonte sobre dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal, nas quais era detentor de participações sociais.
Neste âmbito, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça no aresto em referência, a situação é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais constante do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19.
Prossegue o Tribunal de Justiça nos seguintes moldes, com plena aplicabilidade à situação em análise:
“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].”
É, pois, nos termos expostos, indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OICVM não residentes face aos OICVM residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos recebidos de sociedades estabelecidas em Portugal [v. o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF conjugado com os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4 do Código do IRC]. Esta discriminação, nos termos enunciados pelo Tribunal de Justiça, é desconforme ao direito da União Europeia exceto se, de duas uma: i) respeitar a situações que não sejam objetivamente comparáveis; ou (ii) for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
Importa, assim, apurar sobre estes dois motivos de exclusão, no que se continua a acompanhar o aresto em referência na parte relevante para a matéria em discussão nestes autos [C-545/19], como se transcreve:
“ Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis
44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).
64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).
65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.
66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).
69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).
70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).
71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral
75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.
85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Resulta, em síntese, da apreciação efetuada pelo Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado da legislação portuguesa não é admissível por se verificar, por um lado, a comparabilidade dos OICVM residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique.
Neste âmbito, sublinha-se, em linha com a decisão arbitral proferida no processo n.º 99/2019-T, de 22 de julho, que o Tribunal de Justiça ponderou “(i) quer o facto de os OICs Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e o de, assim, os dividendos serem tributados na esfera dos Participantes”.
Acresce que, como salienta a decisão proferida no processo arbitral n.º 370/2021-T:
“Por outro lado, o Estado português não compensa aos titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros residentes em território português ao imposto português retido a estes em Portugal, o que é suficiente para que se considere a tributação desses residentes não estar salvaguardada pela doutrina do Acórdão [do Tribunal de Justiça] C-282/07.
Segundo o nº 23 daquele Acórdão, a possibilidade de reservar a isenção da retenção na fonte aos OICVMs residentes, como fez o legislador nacional, não pode ir além do necessário para garantir a coerência do regime fiscal em causa, o que deve ser determinado caso a caso, o que não acontece no presente caso: a coerência do sistema fiscal não justifica a abdicação pelo Estado português do poder de tributação dos não residentes titulares de unidades de participação em OICVMs nacionais, nem o não reconhecimento aos residentes titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros de crédito do imposto retido em Portugal .
Tendo o legislador optado por isentar os rendimentos redistribuídos por OICVMs nacionais a não residentes, a retenção aos OICVMs estrangeiros, mas que respeitem as exigências impostas pela lei nacional aos OICVMs violaria o princípio da equivalência de tratamento, já que a sua única justificação seria a garantia da cobrança de um imposto à qual, em situações equiparadas, renunciou.
Com efeito, de acordo com o nº 28 do Acórdão do TJUE C-338/11 a 347/11[3], apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação nacional da tributação dos OICVMs devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva.
Quando um Estado-Membro escolha exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICVMs beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações dos OICMVs seria desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação: a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório ou não da referida regulamentação deve ser realizada apenas ao nível do veículo de investimento, o OICVM, e não ao nível do investidor.”
Como salienta a decisão do processo arbitral n.º 131/2021-T, de 21 de março de 2022, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º TFUE, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça “tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».”
À face do exposto, tendo em conta a interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, que versa sobre uma situação idêntica à dos presentes autos, embora referente a uma entidade na República da Alemanha, aplicável à Requerente localizada no Luxemburgo, regida pelo mesmo quadro legislativo, impõe-se concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pela Requerente, na qualidade de OICVM não residente, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC, uma vez que os OICVM residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
Termos em que se dá por procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso do pedido de reclamação graciosa, com a consequente restituição do imposto pago (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigo 100.º da LGT, este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
5. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente, pede o reembolso das quantias retidas na fonte indevidamente, acrescidas de juros indemnizatórios.
5.1. Reembolso
Na sequência da anulação das retenções na fonte a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias retidas, em excesso, o que é consequência da anulação.
Dessa forma, a Requerente tem direito à restituição da quantia de € 238.442,68.
5.2. Juros indemnizatórios
O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:
21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, para o que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
O prazo da reclamação graciosa de actos de retenção na fonte em sede de IRC é de «dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior» (artigo 137.º, n.º 3, do CIRC).
Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador de jurisprudência de 22-03-2023, processo n.º 79/22.4BALSB, «em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT».
Pelo que é de concluir que o Requerente tem apenas direito a juros indemnizatórios desde a data do indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa, ocorrido em 20 de setembro de 2024 (artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT).
Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, desde a data em que se formou indeferimento tácito, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente a exceção de caducidade invocada pela AT.
b) Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de IRC, por actos de retenção na fonte, e anular esses actos, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...;
c) Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de € 238.442,68 (duzentos e trinta e oito mil, quatrocentos e quarenta e dois euros e sessenta oito cêntimos) e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;
d) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 5.2.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 238.442,68 (duzentos e trinta e oito mil, quatrocentos e quarenta e dois euros e sessenta oito cêntimos), indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4 284.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 2 de Julho de 2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
Arbitro-Presidente
(João Marques Pinto)
Arbitro Vogal,
(Rita Guerra Alves)
Arbitro Vogal, (relator)