SUMÁRIO:
I. A revogação do ato tributário pode ocorrer nos 30 dias subsequentes à notificação da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral.
II. A revogação do ato tributário em momento posterior, aceite pelo contribuinte, determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já que o fim visado pelo Requerente com a instauração da impugnação foi plenamente atingido por outro meio.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. Alberto Amorim Pereira (Adjunto e relator) e Dra. Catarina Belim (Adjunta), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
I. RELATÓRIO:
A..., titular do número de identificação fiscal..., doravante simplesmente designado Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando (i) a anulação do despacho de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 05/07/2024 contra o ato de liquidação adicional de IVA nº..., relativa ao período de novembro de 2008, no valor de € 126.000,00 e (ii) a anulação da referida liquidação adicional de IVA.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) A liquidação adicional de IVA objeto dos presentes autos foi emitida na sequência de um procedimento de inspeção tributária que padece de diversas irregularidades, que determinam a sua nulidade e, em consequência a nulidade da liquidação subsequente;
b) A liquidação impugnada padece de falta de fundamentação;
c) As faturas emitidas pela sociedade “B..., S.A.” contêm todos os elementos exigidos pelo artigo 36º do CIVA, não havendo, assim, qualquer impedimento â dedução do IVA suportado por esta sociedade;
d) O Requerente foi citado na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “B..., S.A.”, não tendo tido qualquer intervenção na emissão das faturas em causa.
O Requerente juntou 4 documentos e arrolou 4 testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº2 do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
No prazo previsto no artigo 10º nº 3 do RJAT, foi dado conhecimento à Autoridade Tributária do pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído.
O tribunal arbitral foi constituído em 11 de abril de 2025.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida informou os autos que os atos impugnados foram objeto de revogação por despacho proferido pelo Senhor Subdiretor Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado em 12/05/2025, requerendo, em consequência, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da Requerida.
Notificado do requerimento junto aos autos pela AT e para se pronunciar sobre o ato revogatório praticado, o Requerente veio requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da Requerida.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
II. SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
III. QUESTÕES A DECIDIR:
Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:
a) Decidir sobre a tempestividade da revogação do ato por parte da AT e sobre a consequência de tal revogação;
b) Decidir sobre a legalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente e da liquidação impugnada.
IV. MATÉRIA DE FACTO:
a. Factos provados:
a) Na sequência de procedimento inspetivo levado a efeito, a AT concluiu que a sociedade “B..., S.A.” havia deduzido indevidamente IVA por si suportado, atento o facto de as faturas de suporte não se encontrarem emitidas nos termos legais;
b) Em consequência, emitiu a liquidação adicional de IVA, no valor de € 126.000,00;
c) O Requerente foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da referida sociedade, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança da liquidação adicional de IVA nº ..., no valor de € 126.000,00;
d) O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral foi apresentado em 03/02/2025;
e) No prazo previsto no artigo 10º nº 3 do RJAT, foi dado conhecimento à Autoridade Tributária do pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído;
f) O tribunal arbitral foi constituído em 11 de abril de 2025;
g) Por despacho do Senhor Subdiretor Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, de 12/05/2025, foram os atos impugnados revogados.
b. Factos não provados:
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
c. Fundamentação da matéria de facto:
A convicção acerca dos factos julgados provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes, bem como as posições assumidas pelas partes.
V. MATÉRIA DE DIREITO:
A primeira questão a decidir prende-se com a tempestividade da revogação do ato impugnado por parte da AT e sobre a consequência de tal revogação.
Para o efeito, cumpre, desde logo, convocar o disposto no artigo 13º nº 1 do RJAT, que determina o seguinte:
“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.” (sublinhado nosso).
No caso dos autos, foi remetido email automático à AT no prazo previsto no artigo 10º nº 3 do RJTA, isto é, no prazo de dois dias contado da receção do pedido de constituição do tribunal arbitral, informando da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído.
Pelo que, atenta a data da entrada do pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral (03/02/2025), dispunha a AT do prazo de 30 dias, contado da data em que foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13º do RJAT (dois dias após 03/02/2025), para, querendo, revogar o ato impugnado.
Não foi isso, porém, o que sucedeu in casu, já que o ato impugnado apenas foi revogado em 12/05/2025, decorridos, pois, bem mais do que os 30 dias a que alude o indicado artigo 13º nº 1 do RJAT.
Deste modo, não restam dúvidas de que o ato de revogação do ato tributário não pode ter, no processo, a consequência prevista no referido preceito do RJAT.
No entanto, não poderá olvidar-se que, como também já referido, o Requerente, notificado para se pronunciar sobre a referida revogação, a aceitou, requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Com tal revogação e aceitação por parte do Requerente, parece evidente que se torna inútil o prosseguimento da presente lide, já que o fim visado pelo Requerente com a instauração do presente pedido de pronúncia arbitral foi plenamente atingido por outro meio, fora do âmbito do respetivo processo, embora na sua pendência.
Conforme explicam LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” – cfr. Código de Processo Civil anotado” volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.
Verifica-se, pois, a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação dos atos tributários objeto do presente processo, o que determina a extinção da correspondente instância, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões elencadas.
VI. DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se julgar verificada a inutilidade superveniente da lide, determinando-se, em consequência, a extinção da instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, com custas a cargo da Requerida.
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Fixa-se o valor do processo em € 126.000,00, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ter dado causa à ação.
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Lisboa, 22 de julho de 2025.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente)
Dr. Alberto Amorim Pereira (Árbitro Adjunto e relator),
Dra. Catarina Belim (Árbitra Adjunta)