Sumário:
I - Sendo o valor da causa, quando haja lugar à impugnação da liquidação, o da importância cuja anulação de pretende, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e correspondendo o valor da causa a € 55.035,52, verifica-se a incompetência do tribunal arbitral coletivo em razão do valor da causa, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., SGPS,S.A., com número único de pessoa coletiva ..., com sede na ..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação de IRC n.º 2023..., e de juros compensatórios com os n.ºs 2023 ... e 2023 ... e a respetiva demonstração de acerto de contas, pelos quais se apura o valor a pagar de € 55.035,52 , todos referentes ao período de tributação de 2019, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária ao período de tributação de 2019, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B... .
Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., foi realizado um procedimento de inspeção à Declaração Modelo 22 de IRC do Grupo B..., pelo qual os serviços inspetivos refletiram o resultado individualmente apurado pelas sociedades dominadas ao resultado apurado na declaração periódica Modelo 22 do Grupo.
Em sede de reclamação graciosa, a Requerente impugnou o dito ato de liquidação na parte em que concretiza as seguintes correções: (i) a correção referente aos dividendos recebidos da C..., S.a.l. pela D..., S.A., sociedade que integrava em 2019 o Grupo B..., no valor de € 1.513.522,91; (ii) as correções ao Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional considerado pela D... em 2019, no valor de € 166.640,94; iii) a correção ao lucro tributável da E..., Lda., sociedade que integrava em 2019 o Grupo B..., no que tange à aplicação do artigo 45.º-A do Código do IRC, no valor de € 3.475.000,00.
No entanto, no presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente cinge-se à correção individualmente realizada à E... e à correspondente liquidação adicional de IRC do Grupo B... de 2019.
A correção referente à sociedade E... resultou de um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., na sequência do qual se corrigiu o lucro tributável da sociedade em € 3.475.000,00.
Em 2017, a E... havia adquirido à D..., mediante contrato de aquisição de direitos de propriedade industrial e num contexto de reorganização operacional, a marca “...”, representativa de uma combinação dos seguintes intangíveis: trademarks, tradenames, características reputacionais, Know‐how e show‐how.
Segundo o procedimento inspetivo, a sociedade dominada teria procedido à dedução indevida de 1/20 do custo de aquisição, à D..., de direitos de propriedade industrial sobre um conjunto de marcas, em violação do disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 45.º-A do Código do IRC.
Com a entrada em vigor do artigo 45.º-A do Código do IRC, passou a ser aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição de elementos da propriedade industrial, tais como marcas, alvarás, processos de produção modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e que não tenham vigência temporal limitada”.
Sobre a sua aplicação no tempo, a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que aprovou a reforma do CIRC, no seu artigo 14.º, explicita que a lei se aplica aos períodos de tributação que se iniciem e aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.
A E... iniciou a dedução do custo de aquisição dos ativos adquiridos à D... em 2017.
Entretanto, a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019, aditou uma nova alínea d) ao n.º 4 do artigo 45.º-A do Código do IRC, nos termos da qual o disposto no n.º 1 do mesmo artigo não é aplicável aos ativos intangíveis adquiridos a entidades com as quais exista relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 63.º.
O artigo 12.º, n.º 1, da LGT prevê que as normas tributárias aplicam‐se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer tributos retroativos.
No caso, o contribuinte adquiriu, em 2017, o direito a deduzir ao seu lucro tributável o custo de aquisição dos ativos intangíveis em 20 períodos de tributação.
Requer, a final, a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do período de tributação de 2019 na parte em que refletiram no Grupo B... a correção ao lucro tributável da E..., bem como do indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, e a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a exceção dilatória da incompetência do tribunal em razão do valor da causa, por considerar que a Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.475.000,00, correspondente às correções ao lucro tributável da sociedade dominada E..., ao passo que na liquidação adicional de IRC n.º 2023... e correspondente demonstração de acerto de contas, que são impugnados, se apurou um valor total a pagar de € 55.035,52.
Ora, o artigo 97.º-A do CPPT, sob a epígrafe “Valor da causa”, na alínea a) do seu n.º 1, especifica que os valores atendíveis, para efeitos de custas, para as ações que decorram nos tribunais tributários, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.
O que significa que, estando em causa a legalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, e pressupõe, por conseguinte, que, na sequência da fixação da matéria coletável, haja imposto liquidado. Ao contrário do que sucede na hipótese contemplada na alínea b) do n.º 1 desse artigo, que se reporta aos casos em que são impugnados atos de fixação da matéria tributável sem liquidação de imposto, caso em que o valor da causa é o valor contestado, ou seja, é o próprio valor da correção à matéria coletável que tenha sido fixada pela Administração Tributária.
Tendo em conta que, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea a), do RJAT, os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando o valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, e funcionam com intervenção do coletivo de três árbitros quando o valor do pedido de pronúncia ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, verifica-se a incompetência do tribunal em razão do valor da causa.
Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária entende que o facto tributário que determina a consideração do gasto fiscal associado a ativos intangíveis não é a sua aquisição, mas sim a sua detenção, e, assim sendo, o direito a deduzir 1/20 do custo de aquisição nasce periodicamente, ou seja, a cada período de tributação, pelo que não se verifica a violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal ou da proteção da confiança.
Conclui pela procedência da exceção dilatória, e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.
2. Notificada para se pronunciar quanto à matéria de exceção, a Requerente veio dizer que a utilidade económica do pedido só pode ser aferida pelo valor do benefício fiscal em discussão no processo. No caso, discute-se a possibilidade de dedução, pela E..., do valor de € 3.475.000,00, à luz do regime vertido no artigo 45.º-A do Código do IRC e o afastamento dessa dedução pela Autoridade Tributária determinou que a E..., tendo apurado prejuízo fiscal em 2019, passasse para uma situação de lucro tributável, com o correspondente impacto na matéria coletável do GRUPO B... .
E, nesse sentido, o valor da causa não pode ser entendido linearmente como sendo a “importância cuja anulação de pretende”, mas com base na “utilidade económica do pedido”, que corresponde ao referido valor de € 3.475.000,00.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo cabido ao Conselho Deontológico a indicação do terceiro árbitro.
O tribunal arbitral coletivo ficou, nesses termos, constituídos pelos ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportunamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.ºs 4 e 5, do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 7 de abril de 2025.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Tendo sido suscitada a exceção da incompetência do tribunal em razão do valor da causa, cabe apreciar e decidir.
II - Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de empresas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, designado Grupo B..., e de faz parte como entidade dominada a sociedade E... .
B) A sociedade E... foi alvo de um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., de que resultou uma correção do lucro tributável da sociedade no montante de € 3.475.000,00 (documento n.º 9 junto ao pedido arbitral, ponto V.I.1.2.).
C) A Requerente, na qualidade de sociedade dominante, foi igualmente objeto de um procedimento inspetivo, referente ao ano de 2019, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., que veio a refletir na sua esfera jurídica as correções efetuadas individualmente nas sociedades que integram o Grupo (documento n.º 9 junto ao pedido arbitral).
D) Na sequência, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2023..., relativa ao período de 2019, emitida em 16 de dezembro de 2023, com um valor a pagar de € 58.042,63, que inclui juros de mora no valor de € 44,21 (documentos n.ºs 2 e 3 juntos ao pedido arbitral).
E) A Requerente foi igualmente notificada da demonstração de acerto de contas, emitida em 11 de dezembro de 2023, com um valor a pagar de € 55.035,52, e com data limite de pagamento em 29 de janeiro de 2024 (documento n.º 4 junto ao pedido arbitral).
F) A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional (artigo 3.º do pedido arbitral não questionado pela Requerida).
G) O Relatório de Inspeção Tributária elaborado no âmbito do procedimento inspetivo a que se refere Ordem de Serviço n.º OI2022..., e que consta do documento n.º 9 junto ao pedido arbitral, na parte que releva é do seguinte teor:
1.4.1.1.2. Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade E..., Lda.: 3.475.000,00 Euros
No cumprimento da Ordem de Serviço 012022..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade E..., Lda., NIPC..., do qual resultaram correções ao lucro tributável individual declarado no valor total de 3.475.000,00 Euros.
Assim sendo, e tendo em conta que de acordo com o disposto no n.0 1 do artigo 70.0 do Código do IRC, o resultado tributável do Grupo é o constituído pelo somatório dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o compõem, as correções efetuadas ao resultado individual da sociedade acima referida irão ser refletidas no resultado declarado pelo Grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo.
[…]
V.1.1.2. Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade E..., Lda.: 3.475.000,00 Euros
No cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012022..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2019, da sociedade E..., Lda., com o NIPC...,
As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2022-10-10, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo B, o qual foi notificado ao sujeito passivo em 2022-10-18 através de documento com o código ...,
Em consequência, corrigiu-se o lucro tributável da sociedade em 3.475.000,00 Euros referente ao gasto fiscal relativo a ativos intangíveis.
[…]
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V. l. Correções à matéria tributável do Grupo
De acordo com o n.º 1 do artigo 70.º do Código do IRC, «o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do artigo 67.º».
Desta forma, havendo alterações aos resultados fiscais declarados pelas sociedades pertencentes ao Grupo, o lucro tributável deste terá que ser ajustado no mesmo montante.
H) A Requerente apresentou uma reclamação graciosa, em 24 de maio de 2024, contra a liquidação de IRC n.º 2023... e a demonstração de acerto de contas, com um valor a pagar de € 55.035,52, que constitui o documento n.º 6 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido.
I) Por ofício de 24 de agosto de 2024, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição quanto ao projeto de decisão da reclamação graciosa (documento n.º 7 junto ao pedido arbitral).
J) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão do Serviço Central, de 15 de outubro de 2024 (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral).
L) A decisão de indeferimento baseou-se na informação n.º 304-AIR3/2024, que consta do documento n.º 1, e em que se conclui do seguinte modo:
116. A única interpretação conciliatória do n.º 1 do art. 45.º-A do CIRC com a norma de cariz transitório é a de que o regime consagra como facto tributário a detenção de ativos e não a sua aquisição.
117. Nesse sentido, o direito a deduzir 1/20 do custo de aquisição dos ativos intangíveis não amortizáveis elegíveis e reconhecidos autonomamente nasce a cada início do período de tributação, que no caso da Reclamante que adota um período de tributação coincidente com o ano civil, ocorre a 1 de janeiro.
118. E porque o regime visa a detenção de ativos e não a sua aquisição, não estamos assim perante nenhuma ofensa à garantia constitucional e legal da proibição da retroatividade tributária ou da proteção da confiança pois o direito da Reclamante nasceu no início do período de tributação correspondente ao ano de 2019 e não em 2017 no momento da aquisição dos ativos.
119. A introdução da alínea d) no n.º 4 do art. 45.º-A do CIRC com a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que produz efeitos a 1 de janeiro de 2019, aplica-se aos factos que ocorrem durante a sua vigência.
120. Considerando que o facto em causa para efeitos de aplicação do regime é a detenção de ativos intangíveis não amortizáveis, esta nova disposição antiabuso goza de plena aplicação à situação da Reclamante no período de tributação correspondente ao ano civil de 2019.
121. Deverá assim improceder a pretensão da Reclamante nesta parte do pedido.
L) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada por ofício de 15 de outubro de 2024, enviado pelo correio registado (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral).
J) O pedido arbitral deu entrada em 29 de janeiro de 2025.
Não há factos não provados que revelem para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
III – Saneamento
Incompetência do tribunal arbitral em razão do valor da causa
5. A Autoridade Tributária suscitou a exceção dilatória da incompetência do tribunal em razão do valor da causa, por considerar que a Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.475.000,00, correspondente às correções ao lucro tributável da sociedade dominada E..., quando, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, no caso em que haja lugar à impugnação da liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.
Tendo a Requerente impugnado a liquidação adicional de IRC n.º 2023 ... e a correspondente demonstração de acerto de contas, em que se apurou um valor total a pagar de € 55.035,52, é este o valor da causa.
Tendo em conta que, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea a), do RJAT, os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando o valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, e funcionam com intervenção do coletivo de três árbitros quando o valor do pedido de pronúncia ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, verifica-se a incompetência do tribunal em razão do valor da causa.
Notificada para se pronunciar quanto à matéria de exceção, a Requerente veio dizer que a utilidade económica do pedido só pode ser aferida pelo valor do benefício fiscal em discussão no processo. No caso, discute-se a possibilidade de dedução, pela E..., do valor de € 3.475.000,00, à luz do regime vertido no artigo 45.º-A do Código do IRC e o afastamento dessa dedução pela Autoridade Tributária determinou que a E..., tendo apurado prejuízo fiscal em 2019, passasse para uma situação de lucro tributável, com o correspondente impacto na matéria coletável do GRUPO B... .
E, nesse sentido, o valor da causa não pode ser entendido linearmente como sendo a importância cuja anulação de pretende, mas com base na utilidade económica do pedido, que corresponde ao referido valor de € 3.475.000,00.
É esta a questão que cabe analisar.
Importa começar por ter presente o teor do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que, sob a epígrafe “valor da causa”, no seu n.º 1, dispõe nos seguintes termos:
Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, excepto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.
Desconsiderando os comandos constantes das alíneas c), d) e e), que não tem directa relação com o caso dos autos, é possível discernir que a primeira hipótese, a da alínea a), se aplica às situações em que esteja em causa a ilegalidade de uma liquidação, caso em que o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, e que pressupõe, por conseguinte, que, na sequência da fixação da matéria coletável, haja imposto liquidado. A segunda hipótese, a da alínea b), reporta-se aos casos em que são impugnados atos de fixação da matéria tributável sem liquidação de imposto, caso em que o valor da causa é o valor contestado, ou seja, é o próprio valor da correção à matéria coletável que tenha sido fixada pela Administração Tributária.
A questão que tem vindo a ser discutida a propósito do artigo 97.º-A do CPPT é a discrepância que poderá resultar da aplicação estrita dos critérios definidos nas referidas alíneas a) e b). Uma correção de idêntico montante em termos económicos poderá originar um valor da causa diferenciado consoante haja ou não lugar a liquidação de imposto. Havendo liquidação de imposto, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende obter, reportando-se ao imposto liquidado; não havendo liquidação de imposto, mormente por virtude de o sujeito passivo reportar prejuízos fiscais relativamente ao período de tributação em causa, o valor da causa é correspondente ao próprio montante da matéria coletável corrigida que é necessariamente superior ao imposto que seria apurado se houvesse lugar a liquidação.
Esta diferenciação de critérios tem, por outro lado, um impacto direto quer no cálculo das custas, que são fixadas em função do valor da causa, quer na competência do tribunal arbitral, visto que a vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral está dependente de um limite máximo referenciado pelo valor da causa, quer ainda na composição do tribunal arbitral para efeito da apreciação do litígio.
Como assinala o acórdão do TCA Sul de 17 de janeiro de 2019 (Processo 62/18), as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT assentam em critérios objetivos para a determinação do valor da causa, tendo em vista definir a utilidade económica do pedido.
No caso da alínea a), a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de imposto impugnado e já liquidado, ou seja, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o sujeito passivo deixará de pagar ou lhe será devolvida. Ao passo que no caso da alínea b), o legislador pretendeu consagrar como valor da causa uma realidade com expressão monetária que possa ter-se como indiscutível: o valor contestado da matéria tributável. O que está, aliás, em consonância com o estabelecido na alínea c) para a impugnação do ato de fixação de valores patrimoniais, caso em que o valor da causa não é o montante do imposto a pagar, mas antes o valor patrimonial contestado sendo esse o valor que deverá servir para o cálculo do imposto.
A utilização destes diferentes critérios tem também a sua razão de ser.
Se na hipótese da alínea a) está em causa a impugnação de uma liquidação vigente na ordem jurídica e que se baseia em factos tributários concretos, assim se compreendendo que a utilidade económica imediata do pedido se traduza no montante da liquidação a que se pretende obstar, no caso da alínea b) a determinação do valor da causa por referência ao imposto que deixaria de ser cobrado com a procedência da ação - por analogia com o critério estabelecido para o caso em que tenha sido liquidado imposto - corresponderia a uma presuntiva liquidação futura baseada em factos tributários eventuais e incertos.
Neste mesmo sentido, o acórdão do STA de 14 de outubro de 2020 (Processo n.º 062/18) refere que só quando da fixação da matéria tributável não resulte o apuramento de imposto a pagar é que se será de adotar o critério do “valor contestado” para determinar o valor da ação, e, nos demais casos, o valor a atender corresponderá ao valor da prestação pecuniária que se pretende ver anulada, o que vale por dizer, que apenas nos casos em que está em causa o ato de fixação da matéria tributável (alínea b)) ou o ato de fixação dos valores patrimoniais (alínea c)) é que o critério a atender é o “valor contestado”.
Por assim ser, quanto às situações abrangidas pela alínea a) do nº 1 do artigo 97º-A do CPPT, ou seja, quando seja impugnada liquidação, a expressão monetária da “utilidade económica imediata do pedido” corresponde à “importância cuja anulação se pretende”.
Na situação do caso, tendo sido impugnada a liquidação adicional de IRC n.º 2023 ... e a correspondente demonstração de acerto de contas, em que se apurou um valor total a pagar de € 55.035,52, a utilidade económica do pedido corresponde a essa mesma importância, que, por efeito da procedência da ação, o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida.
6. O artigo 5.º do RJAT, sob a epígrafe “Composição dos tribunais arbitrais”, estatuiu nos seguintes termos.
1 - Os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular ou com intervenção do coletivo de três árbitros.
2 - Os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando:
a) O valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo; e
b) O sujeito passivo opte por não designar árbitro.
3 - Os tribunais arbitrais funcionam com intervenção do coletivo de três árbitros quando:
a) O valor do pedido de pronúncia ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo; ou
b) O sujeito passivo opte por designar árbitro, independentemente do valor do pedido de pronúncia.
Sendo a alçada do Tribunal Central Administrativo de € 30.000,00, e determinando o n.º 3, alínea a), do RJAT que a intervenção do tribunal arbitral coletivo apenas ocorre quando o valor do pedido de pronúncia ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, e não sendo ainda o caso de o sujeito passivo ter optado por designar árbitro, é claro que o tribunal coletivo é incompetente em razão do valor da causa, visto que na situação do caso esse valor da causa é de € 55.035,52.
7. Refere ainda a Requerente que, caso se entenda que o tribunal coletivo é incompetente em razão do valor da causa, não há lugar à absolvição da instância, na medida em que o julgamento arbitral perante um tribunal coletivo trará mais garantias a qualquer uma das partes e atribuirá maior legitimidade à decisão arbitral proferida.
A este propósito, cabe esclarecer que constituem regras tradicionais do contencioso administrativo ou tributário a qualificação como de ordem pública das matérias relativas à competência dos tribunais, qualquer que seja a espécie de competência que esteja em causa (artigo 13.º do CPTA), o que implica, por um lado, a insusceptibilidade de as regras legais relativas à competência do tribunal serem afastadas por vontade das partes e, por outro lado, a oficiosidade do seu conhecimento pelo tribunal.
Sendo o tribunal arbitral coletivo incompetente para conhecer do litígio e podendo mesmo declarar oficiosamente a sua incompetência, independentemente da iniciativa das partes, é claro que não poderá prosseguir com a tramitação do processo, sob pena de violação do disposto nos artigos 13.º do CPTA, 5.º, n.º 2, do RJAT e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.
Decisão
Termos em que se decide julgar procedente a exceção dilatória da incompetência do tribunal em razão do valor e absolver a Autoridade Tributária da instância.
Valor da causa
Fixa-se o valor da causa no montante de € 55.035,52, que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável subsidiariamente por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 15 de julho de 2025
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal
Cristiana Leitão Campos
O Árbitro vogal
Rui Miguel Zeferino Ferreira