Sumário:
I. Estão verificados os pressupostos para a inutilidade superveniente da lide se a Requerida revoga o ato impugnado, e assim os Requerentes obtêm a satisfação integral do seu pedido.
II. Se o despacho de revogação for proferido depois do prazo de 30 dias do artigo 13.º do RJAT, nos termos do artigo 536.º n.º 3 e n.º 4 do CPC (aplicável ex. vi. artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT), a responsabilidade pelas custas do processo é totalmente imputável à Requerida.
Decisão Arbitral
O Árbitro Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular (doravante, TAS), decide o seguinte:
I. Relatório
1. A..., titular do NIF: ..., e B..., titular do NIF: ..., casados entre si e residentes na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, Requerentes), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral — ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com o disposto no artigo 99.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) — o qual tem por objeto:
a) a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) com o n.º 2022 ... (documento n.º 2022...) e data de 23 de setembro de 2022, relativa ao ano de 2020, emitida em nome do Primeiro Requerente, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 9 174,82;
b) a liquidação oficiosa de IRS com o n.º 2023... (documento n.º 2023...) e data de 10 de fevereiro de 2023, relativa ao ano de 2021, emitida em nome do Primeiro Requerente, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 13 314,34;
c) a liquidação oficiosa de IRS com o n.º 2023 ... (documento n.º 2023...) e data de 10 de fevereiro de 2023, relativa ao ano de 2021, emitida em nome da Segunda Requerente, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 556,32;
d) o Despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa em 12 de dezembro de 2024 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º...2024..., o qual tinha por objeto os atos tributários de liquidação oficiosa de IRS identificados supra em (a), (b) e (c);
e) a liquidação oficiosa de IRS com o n.º 2024 ... (documento n.º 2024...) e data de 20 de setembro de 2024, relativa ao ano de 2022, emitida em nome do Primeiro Requerente, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 9.150,08;
f) a liquidação oficiosa de IRS com o n.º 2024 ... (documento n.º 2024...) e data de 20 de setembro de 2024, relativa ao ano de 2022, emitida em nome da Segunda Requerente, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 1.878,83.
2. O Pedido de constituição do Tribunal Arbitral (PPA), apresentado pelos Requerentes em 2025-01-27, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. No PPA as Requerentes pedem:
- “Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente pedido de constituição de tribunal arbitral tributário e pronúncia arbitral em matéria tributária ser recebido e, a final, considerado totalmente procedente, por provado, com a consequente:
- a) Declaração de ilegalidade e anulação das liquidações oficiosas de IRS com o n.º 2022... (documento n.º 2022 ...) e data de 23 de setembro de 2022, relativa ao ano de 2020, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 9.174,82, com o n.º 2023 ... (documento n.º 2023...) e data de 10 de fevereiro de 2023, relativa ao ano de 2021, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 13.314,34, e com o n.º 2024... (documento n.º 2024...) e data de 20 de setembro de 2024, relativa ao ano de 2022, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 9.150,08, todas elas emitidas em nome do Primeiro Requerente, na parte em que desconsideram a exclusão parcial de tributação dos rendimentos do trabalho dependente decorrente do regime fiscal dos ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS, o estado civil de casado, a opção pela tributação conjunta dos rendimentos com a cônjuge (Segunda Requerente) e, bem assim, a dedução à coleta por cada um dos dois dependentes a seu cargo;
- b) Declaração de ilegalidade e anulação das liquidações oficiosas de IRS com o n.º 2023 ... (documento n.º 2023...) e data de 10 de fevereiro de 2023, relativa ao ano de 2021, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 556,32, e com o n.º 2024 ... (documento n.º 2024...) e data de 20 de setembro de 2024, relativa ao ano de 2022, de onde resultou um valor total a pagar de EUR 1.878,83, ambas emitidas em nome da Segunda Requerente, na parte em que desconsideram o estado civil de casada, a opção pela tributação conjunta dos rendimentos com o cônjuge (Primeiro Requerente) e a dedução à coleta por cada um dos dois dependentes a seu cargo;
- c) Declaração de ilegalidade e anulação do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa em 12 de dezembro de 2024 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2024..., o qual tinha por objeto as liquidações oficiosas de IRS de 2020 e 2021 emitidas em nome do Primeiro Requerente, bem como a liquidação oficiosa de IRS de 2021 emitida em nome da Segunda Requerente, identificadas em a) e b) supra;
- d) Em resultado de a), b) e c), ser determinada a restituição aos Requerentes da prestação tributária indevidamente liquidada e paga a título de IRS e juros compensatórios por referência aos anos de 2020, 2021 e 2022;
- e) Ser a AT condenada no pagamento aos Requerentes de juros indemnizatórios sobre a prestação tributária indevidamente liquidada e paga a título de IRS e juros compensatórios por referência aos anos de 2020, 2021 e 2022, nos termos legais”;
- Como fundamentos do seu pedido, os Requerentes alegam que são ambos cidadãos portugueses e casados entre si. “O Primeiro Requerente residiu em território nacional até 2013. Entre os anos de 2014 e 2018, inclusive, o Primeiro Requerente residiu no Brasil. Enquanto residente para efeitos fiscais no Brasil, o Primeiro Requerente entregou às autoridades fiscais locais as declarações de Imposto de Renda sobre Pessoa Física (“IRPF”) – imposto equivalente ao IRS – relativas aos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 em 19 de abril de 2014, 22 de abril de 2015, 27 de abril de 2016, 26 de abril de 2017, 19 de abril de 2018 e 7 de maio de 2019, nesta ordem (...)”
- “Em todas estas declarações para efeitos de IRPF consta uma morada do Primeiro Requerente em território brasileiro. A alteração da morada de Portugal para o Brasil foi devidamente comunicada às autoridades portuguesas, incluindo à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) (...). Nos primeiros meses do ano de 2019, o Primeiro Requerente voltou a residir em Portugal, sendo, desde então, residente fiscal em território português. Nesta qualidade, na declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2020, submetida em conjunto pelos Requerentes, o Primeiro Requerente preencheu o quadro 4E do anexo A destinado ao regime fiscal aplicável aos ex-residentes que se encontra previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS (cf. Doc. n.º 9 que se junta), Tendo feito o mesmo na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2021, também submetida em conjunto pelos Requerentes (cf. Doc. n.º 10 que se junta), E ainda na declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2022, igualmente apresentada em conjunto pelos Requerentes (cf. Doc. n.º 11 que se junta). Assim fez o Primeiro Requerente na medida em que, tal como estipulava o artigo 12.º-A do Código do IRS na sua versão original, que resultou do aditamento promovido pela Lei n.º 71/2018, de 31 dezembro, não tinha sido residente em território português, mas sim no Brasil, nos anos de 2016, 2017 e 2018, para além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015. No entanto, as declarações Modelo 3 de IRS de 2020 e 2021 não foram aceites pela AT (cf. notificações datadas de 8 de junho de 2021 e 31 de maio de 2022, com o assunto “Erros centrais na declaração Mod. 3 de IRS”, que se juntam como Docs. n.º 12 e 13). Em ambas as notificações a AT indica que as declarações de rendimentos continham um erro central identificado como “Z 10 – Regime fiscal ex-residente não permitido – Reside em PT últimos 3A”. A declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante a 2022 também não foi aceite pelos serviços da AT. Em resposta a um pedido de fundamentação apresentado ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) após ter sido informado que também a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019 tinha o mesmo erro, o Primeiro Requerente foi comunicado pela AT que, “[c]onsultando a sua situação declarativa, verificasse que na declaração de IRS relativa ao ano de 2018, ambos os contribuintes que compõem o agregado familiar estão caracterizados como residentes em território nacional. Esta realidade inviabiliza, portanto, a utilização do benefício em causa [regime dos ex-residentes], uma vez que em 2018 foi considerado residente em território português. Assim, por força da realidade inscrita na declaração de IRS de 2018, não poderá usufruir do regime aplicável a ex-residentes previsto no art.º 12.º-A do CIRS” (cf. cópia do ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º..., de 31 de março de 2022, que se junta como Doc. n.º 14). Na sequência de contactos mantidos com o Serviço de Finanças da área de residência (Lisboa ...), o Primeiro Requerente foi informado que existiam declarações Modelo 3 de IRS respeitantes a 2016 e a 2018 submetidas pela sua cônjuge, a aqui Segunda Requerente, em que, por lapso, fora declarado como sendo residente fiscal em Portugal. Esta circunstância, por si só, obstou à entrega de declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS com o Primeiro Requerente enquadrado no regime fiscal dos ex-residentes. Foi neste contexto que os serviços centrais da AT procederam à emissão de liquidações oficiosas de IRS em nome do Primeiro Requerente relativamente aos anos de 2020, 2021 e 2022 (cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 5 ora juntos), Liquidações estas que desconsideram a aplicação do regime fiscal dos ex-residentes aos rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Primeiro Requerente (cf. quadro 4E do anexo A das declarações relativas a 2020, 2021 e 2022 ora juntas como Docs. n.ºs 9 a 11), Assim como não espelham o seu estado civil de casado com a Segunda Requerente e a opção exercida pela tributação conjunta dos rendimentos (cf. quadros 4 e 5A das declarações relativas a 2020, 2021 e 2022 ora juntas como Docs. n.ºs 9 a 11), Tão-pouco a circunstância de os Requerentes terem dois dependentes a seu cargo (cf. quadro 6B das declarações relativas a 2020, 2021 e 2022 ora juntas como Docs. n.ºs 9 a 11). Embora as declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS dos anos de 2021 e 2022 tenham sido entregues pelos Requerentes com os campos 01 dos quadros 4 e 5A assinalados, ou seja, no estado de casados com opção pela tributação conjunta, as liquidações oficiosas de IRS respeitantes a cada um destes anos com os n.ºs 2023 ... e 2024 ..., de 10 de fevereiro de 2023 e 20 de setembro de 2024, respetivamente, foram emitidas pelos serviços da AT apenas em nome da Segunda Requerente (cf. Docs. n.ºs 3 e 6 ora juntos), Desconsiderando, igualmente, a existência de dois dependentes a seu cargo. O mesmo sucedeu no ano de 2019, relativamente ao qual os serviços centrais da AT, depois de detetarem supostos erros cometidos nas declarações de rendimentos de 2016 e 2018 dos quais resultaria a impossibilidade de o Primeiro Requerente beneficiar do regime fiscal dos ex-residentes, procederam, em 10 de maio de 2022, à elaboração de uma declaração oficiosa de IRS para o ano de 2019 e, logo em seguida, à emissão de uma liquidação oficiosa de IRS em nome deste por referência a 2019 com o n.º 2022..., data de 24 de maio de 2022 e uma importância total a pagar de EUR 4.028,97 (doravante a “liquidação de 2019”). No dia 8 de setembro de 2022, o Primeiro Requerente apresentou no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em Lisboa, os pedidos de constituição de tribunal arbitral tributário e pronúncia arbitral com vista à anulação da liquidação de 2019, os quais deram origem ao processo arbitral tributário n.º 535/2022-T. (...) No dia 21 de setembro de 2023, o tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD no processo n.º 535/2022-T proferiu decisão a “A) Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral (...) (cf. decisão arbitral proferida no processo n.º 535/2022-T, doravante a “decisão arbitral”, cuja cópia se junta como Doc. n.º 15). (...)
- Uma vez que não foi objeto de recurso, nem de impugnação, pela parte vencida (AT), a decisão arbitral que concedeu provimento à pretensão do Primeiro Requerente e anulou parcialmente a liquidação de 2019 transitou em julgado no dia 25 de outubro de 2023. (...)
- No dia 9 de dezembro de 2024, o Primeiro Requerente apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa uma ação de execução de julgados tendo por objeto a decisão proferida no processo arbitral tributário n.º 535/2022-T que determinou a anulação parcial da liquidação de 2019. Ao processo de execução de julgados foi atribuído o n.º .../24.7BELRS. Em sede de oposição no processo de execução de julgados n.º .../24.7BELRS, a AT alegou que para cumprimento da decisão arbitral foram, em 16 de agosto de 2024, elaborados pelos serviços os documentos de correção das declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS respeitantes a 2016 e 2018 de modo a alterar a situação do Primeiro Requerente de residente para não residente em território nacional (cf. documentos de correção que se juntam como Docs. n.ºs 16 e 17).
- Não obstante discordarem do teor das liquidações oficiosas de IRS emitidas pelos serviços centrais da AT em relação a 2020, 2021 e 2022, o imposto e os juros compensatórios foram integralmente pagos pelos Requerentes” (...)
- O Primeiro Requerente reunia todos os requisitos legais para beneficiar do regime fiscal dos ex-residentes a partir de 2019, inclusive, e durante os anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 (cf. ponto 5 do Ofício-Circulado n.º 20206/2019 e artigo 259.º, n.º 1, da Lei n.º 71/2018). Quer isto dizer que apenas metade, e não a totalidade, dos rendimentos do trabalho dependente (categoria A) auferidos pelo Primeiro Requerente nos anos de 2020, 2021 e 2022 (EUR 40.601,77, EUR 49.691,16 e EUR 45.151,65, por esta ordem) era tributável em IRS. Acontece que estes rendimentos do trabalho dependente foram sujeitos a tributação em IRS na totalidade, como evidencia a linha n.º 1 (rendimento global) de cada uma das demonstrações de liquidação oficiosa de imposto emitidas pela AT por referência aos anos de 2020, 2021 e 2022 em nome do Primeiro Requerente (cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 5 ora juntos). Ao não concretizar a aplicação deste benefício fiscal automático ao Primeiro Requerente sem qualquer fundamento válido, as liquidações oficiosas de IRS respeitantes a 2020, 2021 e 2022 emitidas em nome deste pela AT padecem de uma ilegalidade que só aos seus serviços pode ser imputada e deve conduzir à respetiva anulação (cf. artigo 99.º, alínea a), do CPPT e artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). (...)”
- A AT “escudou-se unicamente na circunstância de “os contribuintes nas declarações de 2016 e 2018 terem declarado a residência em Portugal de ambos e a opção de tributação conjunta de rendimentos” para obviar à aplicação ao Primeiro Requerente do regime fiscal dos ex-residentes e consequente exclusão de tributação de metade dos rendimentos do trabalho dependente por ele obtidos nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022 (cf. informação que suporta o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024... ora junto como Doc. n.º 4),O que derradeiramente redundou na tributação separada dos Requerentes. (...) Adicionalmente, cumpre referir, em primeiro lugar, seguindo de perto o tribunal arbitral tributário do CAAD no processo 535/2022-T, que “[n]a verdade a AT nunca alegou que nos anos em questão [2016 a 2018] o [Primeiro] Requerente deveria ser considerado residente fiscal em território nacional por via de algum dos critérios estipulados pelo artigo 16.º, n.º 1, do CIRS”, alegação que a AT também não fez na decisão do procedimento de revisão oficiosa n.º ...2024... (cf. p. 19 da decisão arbitral e Doc. n.º 4 ora junto).
- Em segundo lugar, o putativo obstáculo de ordem declarativa ao gozo pelo Primeiro Requerente do regime fiscal dos ex-residentes soçobrou definitivamente com a correção pelos serviços da AT, em sede de execução judicial da decisão no processo arbitral n.º 535/2022-T, das declarações Modelo 3 de IRS dos anos de 2016 e 2018 para que o Primeiro Requerente passasse a figurar como não residente em território nacional (cf. Docs. n.ºs 16 e 17 ora juntos). (...)
- Nenhum fundamento válido existia para a AT abstrair do teor das declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS submetidas pelos Requerentes para 2020, 2021 e 2022 no que concerne ao seu estado civil de casados e à opção pela tributação conjunta dos rendimentos exercida nos termos do artigo 59.º, n.º 2, do Código do IRS (cf. campo 01 do quadro 4 e 01 do quadro 5A das declarações Modelo 3 de IRS ora juntas como Docs. n.ºs 9 a 11). Ao ignorar o estado civil de casados e a opção legítima dos Requerentes pela tributação conjunta, a AT procedeu, incorretamente, à tributação separada dos mesmos por intermédio das liquidações oficiosas de IRS com o n.º 2022 ...(documento n.º 2022...) e data de 23 de setembro de 2022, relativa ao ano de 2020, n.º 2023 ... (documento n.º 2023 ...) e data de 10 de fevereiro de 2023, relativa ao ano de 2021, e n.º 2024 ... (documento n.º 2024...) e data de 20 de setembro de 2024, relativa ao ano de 2022, todas elas em nome do Primeiro Requerente, e das liquidações oficiosas com o n.º 2023 ... (documento n.º 2023...) e data de 10 de fevereiro de 2023, relativa ao ano de 2021, e com o n.º 2024 ... (documento n.º 2024 ...) e data de 20 de setembro de 2024, relativa ao ano de 2022, ambas em nome da Segunda Requerente (cf. Docs. n.ºs 1, 2, 3, 5 e 6 ora juntos).
- No cálculo do rendimento coletável espelhado nestas liquidações oficiosas de imposto a AT olhou apenas para a situação individual de cada um dos Requerente e sobre este rendimento aplicou a taxa da tabela do artigo 68.º do Código do IRS correspondente, sem ter em consideração que, neste caso, as taxas progressivas a aplicar seriam as correspondentes ao rendimento coletável dividido por dois (cf. artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRS). (...) A situação não é inédita e também se verificou em relação a 2019 por idênticas razões de facto e de direito, o que levou o tribunal arbitral tributário do CAAD no processo n.º 535/2022-T a observar, por decisão transitada em julgado, que “tendo o [Primeiro] Requerente apresentado a sua declaração de IRS modelo 3 dentro do prazo legal e tendo indicado na mesma o seu estado civil de "casado" e o facto de ter dois dependentes, seus filhos, factos que nunca foram impugnados pela Requerida, a liquidação de IRS deveria também ter considerado essa sua situação pessoal para efeito das deduções legais aplicáveis, não se aceitando as considerações da AT de que tal declaração não foi validada e ficou em falta, desde logo, porque tal decorreu do entendimento da AT (do seu "sistema informático") de que o [Primeiro] Requerente não poderia beneficiar do regime fiscal aplicável aos ex-residentes (…) Todos estes vícios justificam a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT” (cf. pp. 30 e 31 da decisão arbitral). (...)
- Para além de ter sido injustificadamente ignorado o estado civil de casados dos Requerentes e procedido à tributação separada dos mesmos, as liquidações oficiosas de imposto dos anos de 2020, 2021 e 2022 ora contestadas não tiveram em consideração a existência de dois dependentes. Em todos estes anos (2020, 2021 e 2021) foram inseridos pelos Requerentes nos campos D1 e D2 do quadro 6B das declarações Modelo 3 de IRS os números de identificação fiscal dos dois dependentes (filhos menores) a seu cargo (cf. Docs. n.ºs 9 a 11 ora juntos). A existência de dois dependentes nunca foi colocada em crise pela AT. No entanto, por razões que os Requerentes desconhecem e que porventura se prendem com a falta de validação informática das declarações Modelo 3 em virtude do entendimento dos serviços que o Primeiro Requerente não poderia beneficiar do regime dos ex-residentes, a AT desconsiderou, sem qualquer fundamento válido, a dedução fixa à coleta de EUR 600,00 prevista nos artigos 78.º, n.º 1, alínea a), e 78.º-A, n.º 1, alínea a) , do Código do IRS para cada um dos dois dependentes, Facto que provocou um incremento ilegal da coleta de imposto. (...)
- Com as liquidações oficiosas de IRS de 2020 n.º 2022 ... (documento n.º 2022 ...), de 23 de setembro de 2022, de 2021 com o n.º 2023 ... (documento n.º 2023...), de 10 de fevereiro de 2023, e de 2022 com o n.º 2024 ... (documento n.º 2024 ...), de 20 de setembro de 2024, todas em nome do Primeiro Requerente, foram liquidados juros compensatórios nos montantes de EUR 163,92, EUR 216,73 e EUR 228,77 (cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 5 ora juntos). O mesmo sucedeu com a liquidação oficiosa de IRS de 2022 emitida à Segunda Requerente e identificada pelo n.º 2024 ... (documento n.º 2024...), datada de 20 de setembro de 2024, que inclui a importância de EUR 46,97 a título de juros compensatórios (cf. Doc. n.º 6 ora junto). Uma vez que, citando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0961/08, de 11 de março de 2009, “[a] liquidação de juros compensatórios pela Administração Fiscal está umbilicalmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devido pelo contribuinte”, a ilegalidade da liquidação de imposto tem como consequência inultrapassável a invalidade da liquidação dos juros compensatórios (cf. artigo 35.º, n.º 8, da LGT). Acresce que não existiu retardamento da liquidação de imposto por facto culposo (doloso ou negligente) imputável aos Requerentes que seja suscetível de dar origem a um dever de ressarcir a AT por qualquer espécie de dano. (...) Remetendo, uma vez mais, para a decisão arbitral no processo n.º 535/2022-T, “[t]endo o Requerente apresentado a sua declaração modelo 3 de IRS dentro do prazo legal (…), e só não tendo a mesma sido validada porque a AT entendeu que existiu erro na declaração relativo ao "Regime Fiscal ex-residente não permitido - residente em PT nos últimos 3 exercícios", tendo considerado que a sua entrega ficou em falta, o que veio a originar a liquidação oficiosa de IRS e a correspondente liquidação de juros compensatórios, entende o Tribunal que, atendendo ao pressuposto subjacente à liquidação e ao momento do início da contagem desses juros, se impõe, nesta situação, a anulação total da liquidação de juros compensatórios impugnada” (cf. p. 35 da decisão arbitral)”;
- Os Requerentes pedem ainda a condenação da AT a juros indemnizatórios.
4. Os Requerentes não procederam à nomeação de Árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como Árbitro do TAS, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Requerentes e a Requerida foram notificadas dessa designação em 2025-03-18, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o TAS ficou constituído em 2025-04-07 sendo que, na mesma data, a Requerida foi notificada para apresentar a sua Resposta.
6. Em 2025-05-05, a Requerida veio aos autos informar que em 16.04.2025 foi proferido despacho de revogação do ato impugnado (pela DS IMP. S/RENDIMENTO SINGULAR): “A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, entidade requerida no pedido de pronúncia arbitral acima identificado, deduzido por, A... e B... vem informar que, em 16.04.2025, nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos sobre o Rendimento, foi revogado o ato objeto de impugnação, conforme consta da Informação que se anexa”, o qual em síntese, apresenta os seguintes fundamentos:
“27. Logo, tendo o Tribunal [o tribunal arbitral tributário do CAAD no processo n.º 535/2022-T] considerado que o requerente foi não residente em território nacional nos três anos anteriores (2016, 2017 e 2018), encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 12.º-A do CIRS.
28. Também relativamente ao pedido de consideração do estado civil de casado e dos dois dependentes a cargo dos Requerentes, entende o Tribunal que a situação pessoal deve ser considerada para efeito das deduções legais aplicáveis, pois, tinham sido apresentadas declarações de rendimentos para os anos em questão contemplando a situação referida.
29. Em conclusão atendendo a que os factos já foram apreciados pela Tribunal e fixados nos termos expostos nos pontos supra, deve ser deferido o pedido do requerente.
30. Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
IV – CONCLUSÃO
Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser revogado o ato.
V – Proposta de decisão
Por tudo o exposto na presente informação, propõe-se que sejam anuladas as liquidações de IRS n.º 2022... de 2022-09-23 no valor de € 9.174,82, n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de € 13.314,34, n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de € 556,32, n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 9.150,08, n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 1.878,83, perfazendo o total de € 34.079,39, com as suas devidas consequências legais.
Deve remeter-se esta informação à DSCJC”.
7. Em 2025-05-09, as Requerentes foram notificadas do seguinte despacho “Notifique-se os Requerentes para se pronunciarem sobre o requerimento apresentado pela Requerida. Prazo: 10 dias”.
8. Em 2025-05-22, as Requerentes responderam ao despacho referido no ponto anterior:
- “A Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) juntou aos autos a informação elaborada pela Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“DSIRS”) com o n.º 155/2025, que mereceu pareceres concordantes da Exma. Senhora Chefe de Divisão e da Exma. Senhora Diretora de Serviços e foi sancionada pela Exma. Senhora Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos sobre o Rendimento por despacho de 16 de abril de 2025, no sentido da revogação – rectius, anulação – das liquidações de IRS objeto do presente processo arbitral.
- A informação em referência está estribada na decisão do tribunal arbitral tributário do CAAD de 21 de setembro de 2023 no processo n.º 535/2022-T, junta ao pedido de pronúncia arbitral como Doc. n.º 15, o qual envolveu o Primeiro Requerente e uma liquidação oficiosa de IRS referente a 2019 emitida em seu nome, onde se concluiu que “da própria informação cadastral relativa ao [Primeiro] Requerente consta a não residência em Portugal nos três anos anteriores a 2019. Existindo prova suficiente da residência fiscal do [Primeiro] Requerente no Brasil nos três anos anteriores a 2019 (2016, 2017 e 2018), incluindo na informação cadastral da AT, a condição prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 12.º-A do CIRS para poder beneficiar do regime aí consagrado está preenchida. Bom como todas as restantes como resulta da matéria de facto dada como provada (…) 28. Também relativamente ao pedido de consideração do estado civil de casado e dos dois dependentes a cargo dos Requerentes, entende o Tribunal que a situação pessoal deve ser considerada para efeito das deduções legais aplicáveis, pois, tinham sido apresentadas declarações de rendimentos para os anos em questão contemplando a situação referida”.
- A informação da DSIRS, sufragada superiormente pela AT, remata com a conclusão que “atendendo a que os factos já foram apreciados pelo Tribunal e fixados nos termos expostos nos pontos supra, deve ser deferido o pedido do requerente”.
- Acrescenta que “o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT”, conforme foi peticionado.
- Assim sendo, foi proposta pela DSIRS e depois aprovada a anulação das liquidações de IRS de 2020 com o n.º 2022..., de 23 de setembro de 2022, no valor de EUR 9.174,82 (em nome do Primeiro Requerente), de 2021 com o n.º 2023..., de 10 de fevereiro de 2023, no valor de EUR 13.314,34 (em nome do Primeiro Requerente), de 2021 com o n.º 2023..., de 10 de fevereiro de 2023, no valor de EUR 556,32 (em nome da Segunda Requerente), de 2022 com o n.º 2024..., de 20 de setembro de 2024, no valor de EUR 9.150,08 (em nome do Primeiro Requerente), e de 2022 com o n.º 2024..., de 20 de setembro de 2024, no valor de EUR 1.878,83 (em nome da Segunda Requerente), num total de EUR 34.079,39, com todas as consequências legais.
- Do exposto decorre que a Requerida AT anulou os atos de liquidação oficiosa de IRS objeto da pretensão arbitral por ter reconhecido, de forma expressa e inequívoca, que os mesmos enfermavam das ilegalidades imputadas pelos Requerentes, a saber:
- A tributação em IRS pela totalidade, e não apenas metade como prevê o artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do IRS, na redação original, dos rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Primeiro Requerente em 2020, 2021 e 2022 nas liquidações oficiosas de imposto respeitantes a cada um destes anos emitidas em seu nome;
- Desconsideração do estado civil de casados e da opção legítima dos Requerentes pela tributação conjunta dos rendimentos exercida nos termos do artigo 59.º, n.º 2, do Código do IRS, refletida na incorreta tributação separada dos mesmos nas liquidações oficiosas de IRS de 2020, 2021 e 2022 emitidas em nome do Primeiro Requerente e, bem assim, nas liquidações oficiosas de IRS relativas a 2021 e 2022 emitidas em nome da Segunda Requerente; e
- Desconsideração, sem qualquer fundamento válido, da dedução fixa à coleta de EUR 600,00 prevista nos artigos 78.º, n.º 1, alínea a), e 78.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRS para cada um dos dois dependentes a cargo dos Requerentes nas liquidações oficiosas de IRS dos anos de 2020, 2021 e 2022.
- No pressuposto que foram anulados todos os atos de liquidação impugnados, não obstante o emprego do singular no despacho da Exma. Senhora Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos sobre o Rendimento de 16 de abril de 2025, os autos ficam destituídos de objeto e a instância deve ser extinta por inutilidade superveniente, em conformidade com o disposto nos artigos 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro).
- Extinta a instância por inutilidade superveniente imputável à Requerida AT, esta é responsável pelas custas do processo.
- Trazendo à colação a decisão do tribunal arbitral tributário do CAAD presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa de 26 de junho de 2024 no processo n.º 280/2024-T, “[d]e harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral». Pelo que se referiu ocorre uma causa de extinção da instância que é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois apenas revogou a liquidação depois de constituído o Tribunal Arbitral. A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). No caso em apreço, a causa de extinção da instância é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que lhe é imputável a responsabilidade pelas custas do presente processo”.
9. Em 2025-06-03, o TAS proferiu o seguinte despacho arbitral: “Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, o Tribunal: i) Dispensa a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT; ii) Dispensa a apresentação de Alegações Finais, por todas as questões em causa nos autos estarem suficientemente discutidas; iii) Comunica que a decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até dia 2025-10-07); e iv) Notifica o Requerente para fazer o pagamento da taxa arbitral subsequente dentro do prazo de 10 dias a contar da data da notificação do presente despacho”. Em 2025-07-07, os Requerentes juntaram aos autos a taxa arbitral subsequente.
II. SANEAMENTO
10. O TAS foi regularmente constituído, os Requerentes e a Requerida gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, e estão regularmente representadas, encontrando-se verificados os pressupostos da coligação de autores e da cumulação de pedidos, em conformidade com o disposto nos artigos 3.º, 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.
III. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
11. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) Os Requerentes são ambos cidadãos portugueses e casados entre si;
b) O Primeiro Requerente residiu em território nacional até 2013;
c) Entre os anos de 2014 e 2018, inclusive, o Primeiro Requerente residiu no Brasil;
d) Enquanto residente para efeitos fiscais no Brasil, o Primeiro Requerente entregou às autoridades fiscais locais as declarações de Imposto de Renda sobre Pessoa Física (“IRPF”) – imposto equivalente ao IRS – relativas aos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 em 19 de abril de 2014, 22 de abril de 2015, 27 de abril de 2016, 26 de abril de 2017, 19 de abril de 2018 e 7 de maio de 2019, nesta ordem;
e) Em todas estas declarações para efeitos de IRPF consta uma morada do Primeiro Requerente em território brasileiro;
f) A alteração da morada de Portugal para o Brasil foi devidamente comunicada às autoridades portuguesas, incluindo à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”);
g) Nos primeiros meses do ano de 2019, o Primeiro Requerente voltou a residir em Portugal sendo, desde então, residente fiscal em território português;
h) Nesta qualidade, na declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2020, submetida em conjunto pelos Requerentes, o Primeiro Requerente preencheu o quadro 4E do anexo A destinado ao regime fiscal aplicável aos ex-residentes que se encontra previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS;
i) Tendo feito o mesmo na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2021, também submetida em conjunto pelos Requerentes;
j) E ainda na declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2022, igualmente apresentada em conjunto pelos Requerentes;
k) Assim fez o Primeiro Requerente na medida em que, não tinha sido residente em território português, mas sim no Brasil, nos anos de 2016, 2017 e 2018, para além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
l) No entanto, as declarações Modelo 3 de IRS de 2020 e 2021 não foram aceites pela AT;
m) A AT indica em ambas as notificações, que as declarações de rendimentos continham um erro central identificado como “Z 10 – Regime fiscal ex-residente não permitido – Reside em PT últimos 3A”;
n) A declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante a 2022 também não foi aceite pelos serviços da AT;
o) Em resposta a um pedido de fundamentação apresentado ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) após ter sido informado que também a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019 tinha o mesmo erro, o Primeiro Requerente foi comunicado pela AT que, “[c]onsultando a sua situação declarativa, verifica-se que na declaração de IRS relativa ao ano de 2018, ambos os contribuintes que compõem o agregado familiar estão caracterizados como residentes em território nacional. Esta realidade inviabiliza, portanto, a utilização do benefício em causa [regime dos ex-residentes], uma vez que em 2018 foi considerado residente em território português. Assim, por força da realidade inscrita na declaração de IRS de 2018, não poderá usufruir do regime aplicável a ex-residentes previsto no art.º 12.º-A do CIRS”;
p) Na sequência de contactos mantidos com o Serviço de Finanças da área de residência (Lisboa 11), o Primeiro Requerente foi informado que existiam declarações Modelo 3 de IRS respeitantes a 2016 e a 2018 submetidas pela sua cônjuge, a aqui Segunda Requerente, em que, por lapso, fora declarado como sendo residente fiscal em Portugal;
q) Esta circunstância, por si só, obstou à entrega de declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS com o Primeiro Requerente enquadrado no regime fiscal dos ex-residentes;
r) Foi neste contexto que os serviços centrais da AT procederam à emissão de liquidações oficiosas de IRS em nome do Primeiro Requerente relativamente aos anos de 2020, 2021 e 2022 (cf. Docs. n.ºs 1, 2 e 5 ora juntos);
s) As Liquidações emitidas desconsideram:
(i) a aplicação do regime fiscal dos ex-residentes aos rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Primeiro Requerente,
(ii) o estado civil do Requerente de casado com a Segunda Requerente e a opção exercida pela tributação conjunta dos rendimentos;
(iii) a circunstância de os Requerentes terem dois dependentes a seu cargo
t) Embora as declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS dos anos de 2021 e 2022 tenham sido entregues pelos Requerentes com os campos 01 dos quadros 4 e 5A assinalados, ou seja, no estado de casados com opção pela tributação conjunta, as liquidações oficiosas de IRS respeitantes a cada um destes anos com os n.ºs 2023 ... e 2024 ..., de 10 de fevereiro de 2023 e 20 de setembro de 2024, respetivamente, foram emitidas pelos serviços da AT apenas em nome da Segunda Requerente;
u) Desconsiderando, igualmente, a existência de dois dependentes a seu cargo.
v) O mesmo sucedeu no ano de 2019, relativamente ao qual os serviços centrais da AT, depois de detetarem supostos erros cometidos nas declarações de rendimentos de 2016 e 2018 dos quais resultaria a impossibilidade de o Primeiro Requerente beneficiar do regime fiscal dos ex-residentes, procederam, em 10 de maio de 2022, à elaboração de uma declaração oficiosa de IRS para o ano de 2019 e, logo em seguida, à emissão de uma liquidação oficiosa de IRS em nome deste por referência a 2019 com o n.º 2022..., data de 24 de maio de 2022 e uma importância total a pagar de EUR 4.028,97 (doravante a “liquidação de 2019”);
w) No dia 8 de setembro de 2022, o Primeiro Requerente apresentou no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em Lisboa, os pedidos de constituição de tribunal arbitral tributário e pronúncia arbitral com vista à anulação da liquidação de 2019, os quais deram origem ao processo arbitral tributário n.º 535/2022-T; Alegou o Primeiro Requerente que a liquidação de 2019 (i) desconsiderava de forma indevida a aplicação do regime fiscal dos ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS e sujeitava a imposto a totalidade, e não apenas metade, os rendimentos do trabalho dependente obtidos no ano em questão, bem como que (ii) não espelhava o seu estado civil de casado (iii) nem a circunstância de ter dois dependentes a seu cargo;
x) No dia 21 de setembro de 2023, o tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD no processo n.º 535/2022-T proferiu decisão a “A) Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e a consequente anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., de 2022-05-24, referente ao período de tributação de 2019, na parte em que não excluiu de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e não considerou o estado civil de casado e os dois dependentes a cargo do [Primeiro] Requerente. B) Julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e a consequente anulação total do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ... . C) Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o [Primeiro] Requerente da quantia que for determinada em execução desta decisão arbitral. D) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do [Primeiro] Requerente, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao [Primeiro] Requerente a quantia que for liquidada em execução da presente decisão arbitral, a contar sobre o valor do imposto a restituir, desde a data em que foi efetuado o pagamento (6 de julho de 2022) até à data de emissão do reembolso, à taxa legal supletiva (…)”;
y) O tribunal arbitral tributário no processo n.º 535/2022-T decidiu que “será de anular a liquidação [oficiosa de IRS de 2019], na parte em que não excluiu de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e não considerou o estado civil de casado e os dois dependentes a cargo do [Primeiro] Requerente”, bem como da totalidade dos juros compensatórios (cf. pp. 32, 33 e 35 da decisão arbitral);
z) Uma vez que não foi objeto de recurso, nem de impugnação, pela parte vencida (AT), a decisão arbitral que concedeu provimento à pretensão do Primeiro Requerente e anulou parcialmente a liquidação de 2019 transitou em julgado no dia 25 de outubro de 2023;
aa) Os Requerentes apresentaram, ao abrigo dos artigos 54.º, n.º 1, alínea c), e 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) e dos artigos 10.º, n.º 1, alínea b), e 44.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações oficiosas de IRS de 2020 e 2021 emitidas em nome do Primeiro Requerente e também da liquidação oficiosa de IRS de 2021 com o n.º 2023... e data de 10 de fevereiro de 2023 emitida em nome da Segunda Requerente;
bb) Por intermédio de despacho datado de 12 de dezembro de 2024, o Exmo. Senhor Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2024...;
cc) No dia 9 de dezembro de 2024, o Primeiro Requerente apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa uma ação de execução de julgados tendo por objeto a decisão proferida no processo arbitral tributário n.º 535/2022-T que determinou a anulação parcial da liquidação de 2019; ao processo de execução de julgados foi atribuído o n.º .../24.7BELRS;
dd) As liquidações oficiosas de IRS emitidas pelos serviços centrais da AT em relação a 2020, 2021 e 2022 (objeto do PPA) foram integralmente pagas pelos Requerentes;
ee) O despacho do Subdiretor Geral da DS IMP. S/RENDIMENTO SINGULAR proferido em 16-04-2025, e notificado aos autos em 2025-05-05; anulou as liquidações de IRS objeto do presente PPA, ou seja, as liquidações de IRS:
1) n.º 2022... de 2022-09-23 no valor de € 9.174,82,
2) n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de € 13.314,34,
3) n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de €556,32,
4) n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 9.150,08,
5) n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 1.878,83,
Perfazendo o total de € 34.074,39, “com as suas devidas consequências legais”.
ff) O despacho de revogação foi proferido após a constituição do TAS (2025-04-07) e após a notificação da Requerida para apresentar Resposta (nos termos do artigo 17.º do RJAT — 2025-04-07);
gg) O teor decisório do referido despacho de revogação do ato impugnado é, em síntese, o seguinte:
“27. Logo, tendo o Tribunal [o tribunal arbitral tributário do CAAD no processo n.º 535/2022-T] considerado que o requerente foi não residente em território nacional nos três anos anteriores (2016, 2017 e 2018), encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 12.º-A do CIRS.
28. Também relativamente ao pedido de consideração do estado civil de casado e dos dois dependentes a cargo dos Requerentes, entende o Tribunal que a situação pessoal deve ser considerada para efeito das deduções legais aplicáveis, pois, tinham sido apresentadas declarações de rendimentos para os anos em questão contemplando a situação referida.
29. Em conclusão atendendo a que os factos já foram apreciados pela Tribunal e fixados nos termos expostos nos pontos supra, deve ser deferido o pedido do requerente.
30. Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
IV – CONCLUSÃO
Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser revogado o ato.
V – Proposta de decisão
Por tudo o exposto na presente informação, propõe-se que sejam anuladas as liquidações de IRS n.º 2022... de 2022-09-23 no valor de € 9.174,82, n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de € 13.314,34, n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de € 556,32, n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 9.150,08, n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 1.878,83, perfazendo o total de € 34.079,39, com as suas devidas consequências legais.
Deve remeter-se esta informação à DSCJC”.
hh) Uma vez notificados do despacho de revogação do ato impugnado, os Requerentes vieram aos autos dizer: “No pressuposto que foram anulados todos os atos de liquidação impugnados, não obstante o emprego do singular no despacho da Exma. Senhora Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos sobre o Rendimento de 16 de abril de 2025, os autos ficam destituídos de objeto e a instância deve ser extinta por inutilidade superveniente, em conformidade com o disposto nos artigos 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro)”; Nesse seguimento, os Requerente pedem que a AT seja condenada nas custas do processo, dado ter sido a AT a dar causa à extinção da instância.
§2 – Factos não provados
12. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevância para os mesmos, não há matéria de facto relevante a considerar como “Não Provada”.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
13. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
14. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Adicionalmente, parte da matéria de facto alegada pelos Requerentes não foi contestada pela Requerida, considerando-se assim aquela matéria de facto assente por acordo.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
O artigo 277.º do CPC (aplicável ex. vi. artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT) prevê que: “A instância extingue-se com: e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Com o despacho de revogação do Subdiretor Geral da DS IMP. S/RENDIMENTO SINGULAR (i) proferido em 16-04-2025, e (ii) notificado aos autos em 2025-05-05, através de requerimento da Requerida (doravante, despacho de Revogação); a Requerida anulou as liquidações de IRS:
1) n.º 2022... de 2022-09-23 no valor de € 9.174,82,
2) n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de € 13.314,34,
3) n.º 2023... de 2023-02-10 no valor de €556,32,
4) n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 9.150,08,
5) n.º 2024... de 2024-09-20 no valor de € 1.878,83,
Perfazendo o total de € 34.074,39, “com as suas devidas consequências legais”.
Dando, assim, total provimento à pretensão dos Requerentes, incluindo reconhecendo o direito dos mesmos a juros indemnizatórios (vide pontos 27 a 30 do despacho de revogação):
“27. Logo, tendo o Tribunal considerado que o requerente foi não residente em território nacional nos três anos anteriores (2016, 2017 e 2018), encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 12.º-A do CIRS.
28. Também relativamente ao pedido de consideração do estado civil de casado e dos dois
dependentes a cargo dos Requerentes, entende o Tribunal que a situação pessoal deve ser considerada para efeito das deduções legais aplicáveis, pois, tinham sido apresentadas declarações de rendimentos para os anos em questão contemplando a situação referida.
29. Em conclusão atendendo a que os factos já foram apreciados pela Tribunal e fixados nos termos expostos nos pontos supra, deve ser deferido o pedido do requerente.
30. Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.”.
As liquidações anuladas através do despacho de Revogação são exatamente as liquidações de IRS objeto do presente PPA, totalizando o valor que corresponde ao valor atribuído ao processo (EUR 34.074,39), o que significa que, conforme referem os Requerentes, em consequência do despacho de Revogação do ato impugnado, verifica-se a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, o que determina a extinção dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 277.º al. e) do CPC, aplicável ex. vi. artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT.
No que respeita à responsabilidade por custas, a razão está também com os Requerentes, uma vez que tendo o despacho de revogação sido proferido e notificado aos Requerentes após o prazo de 30 dias do artigo 13.º do RJAT — na verdade, no caso concreto, o despacho de revogação foi proferido e notificado após a constituição do Tribunal Arbitral, e após a notificação efetuada pelo Tribunal para a AT apresentar Resposta (artigo 17.º do RJAT) —, nos termos do artigo 536.º n.º 3 e n.º 4 do CPC (aplicável ex. vi. artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT), a responsabilidade pelas custas do processo é totalmente imputável à Requerida.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide; e
b) Condenar a Requerida na totalidade das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 34 074,39.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de EUR 1 836,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 536.º n.º 3 e n.º 4 do CPC (aplicável ex. vi. artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT), 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de julho de 2025.
O árbitro,
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso