SUMÁRIO:
Tendo a Requerente apresentado requerimento de desistência do pedido, nos termos do disposto no artigo 283.º, n. º1, do Código de Processo Civil, o que acarreta extinção do direito, que pretendia fazer valer nos presentes autos, segundo o disposto no artigo 285.º, n.º 1, do mesmo diploma, com a consequente extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea d), do Código de Processo Civil.
DECISÃO ABITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (presidente), Dr. António de Barros Lima Guerreiro e Drª. Maria Alexandra Mesquita (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
I. RELATÓRIO
1.A..., UNIPESSOAL, LDA, com sede na ..., n.º ..., ..., Lisboa, com o número de identificação fiscal ... (“Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), deduzir PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL contra a liquidação adicional de IVA, relativa ao período 2023.09T, n.º 2024..., no montante de € 829.096,56 .
2.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou comos árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento.
O Tribunal Arbitral foi Constituído em 01.04.2025.
3. A fundamentar o pedido alegou a Requerente, entre o mais:
a) A Requerente tem por objeto social a aquisição, construção, gestão, operação e renovação, tendo em vista o seu arrendamento, de bens imóveis ou os direitos imobiliários ligados aos referidos complexos imobiliários;
b) Os serviços de construção civil adquiridos pela Requerente são exclusivamente afetos a prestações de serviços isentas (ainda que com opção de renúncia à isenção) – os arrendamentos dos imóveis a entidades que desenvolvem a atividade de retalho alimentar (supermercados);
c) Concretamente, no que releva para o presente pedido, a Requerente é proprietária de um prédio urbano em ..., cujo Projeto envolveu a aquisição de um lote de terreno e construção de um edifício (o “Edifício”) para funcionar como supermercado destinado a arrendamento;
d) Assim, o Projeto ... compreendeu duas fases: a) A fase de aquisição/construção, durante a qual a Requerente adquiriu bens e serviços com vista a preparar o Edifício para ser futuramente arrendado; e b) Após a celebração do contrato de arrendamento, a fase em que o edifício se encontra arrendado pela Requerente;
e) A Requerente adquiriu o lote de terreno que deu origem ao referido prédio urbano a 21.12.2022 e em dezembro de 2022 celebrou com a B..., S.A. (a “Arrendatária”) um contrato-promessa de arrendamento de um supermercado a ser desenvolvido no lote de terreno;
f) Entre janeiro e junho de 2023, a Requerente realizou obras no imóvel por forma a construir um edifício apto a funcionar como supermercado, para ser dado de arrendamento à Arrendatária, cujas faturas foram emitidas pelos prestadores de serviços;
g) A 29.06.2023, a Requerente e a Arrendatária celebraram o contrato de arrendamento relativo ao Edifício construído pela Requerente e acordaram em renunciar à isenção no arrendamento do Edifício, sujeitando as rendas cobradas a IVA e permitindo à Requerente deduzir o IVA suportado no âmbito do Projeto ...;
h) Aquando da entrega da declaração de início de atividade, a Requerente indicou tratar-se de um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, no entanto, a atividade por si desenvolvida consiste exclusivamente na prática de locações de bens imóveis isentas de IVA (arrendamento de bens imóveis), embora com possibilidade de proceder à renúncia à isenção, não realizando locações imperativamente tributadas, nem praticando quaisquer outras operações tributadas .Para cada projeto imobiliário desenvolvido pela Requerente, até que se efetive a renúncia à isenção, as operações ativas (locações de bens imóveis) efetuadas pela Requerente encontram-se isentas de IVA pela norma do artigo 9.º n.º 29 do Código do IVA, pelo que, passe a repetição, até que se efetive a renúncia à isenção, não conferem direito à dedução;
i) Assim sendo, para Requerente, até que se efetue a renúncia à isenção (o que acontece com a celebração do contrato de locação) considera que as operações efetuadas se encontram isentas de IVA, de acordo com o artigo 9.º do Código do IVA e daí não se encontrar sujeita ao mecanismo de inversão do Sujeito Passivo em relação às obras de construção civil que realiza.
4. Por sua vez, a Requerida alega, em suma:
a) A questão sub judice que cabe deslindar é acerca da aplicação do mecanismo da inversão do sujeito passivo aos serviços de construção civil adquiridos pela Requerente, no âmbito do projeto imobiliário desenvolvido em ..., o qual envolveu a aquisição de um lote de terreno e a construção de um edifício para funcionar como supermercado, e destinado a arrendamento;
b) A alínea j), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA, aplicável à data dos factos em análise, passou, então, a estabelecer o seguinte: “1- São sujeitos passivos do imposto: (…) j) As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”;
c) A regra de inversão, prevista na citada alínea j), só opera em razão da verificação de dois requisitos cumulativos, designadamente: i) o tipo de serviços prestados: “serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”; e ii) o tipo de adquirente/cliente dos serviços fornecidos: “pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto”;
d) Da consulta à situação cadastral da Requerente é facto que, desde 02/12/2021, data em que a mesma iniciou atividade, aquela está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, ou seja, nunca esteve enquadrada para a prática de operações isentas que não conferem o direito à dedução do imposto;
e) Qualificando-se a Requerente como um sujeito passivo misto, por assim figurar no Registo Informático de Contribuintes da Autoridade Tributária, é incontroverso que, na aquisição de serviços de construção civil, considera-se aquela abrangida pela regra de inversão do sujeito passivo, e, por conseguinte, estava obrigada à liquidação de IVA nas aquisições se serviços de construção civil;
f) Ao contrário a Requerente defende enquadra-se em sede de IVA como Sujeito Passivo isento, com direito de renúncia à isenção (e apresentação de declaração de início de atividade), pelo que a sua situação se define aquando da obtenção do certificado de renúncia, porque só a partir da prática da primeira operação, após a renúncia, é que fica definido o seu enquadramento em sede de IVA;
g) Tese rejeitada pela Requerida, que defende, em suma, que o enquadramento de um sujeito passivo de imposto, que recorde-se deve constar de uma declaração (de início de atividade), cuja entrega tem de preceder a prática de operações, porquanto o enquadramento de um sujeito passivo de imposto não se pode fixar aquando da prática da primeira operação, mas antes e sim, aquando da entrega da declaração e, de acordo com o que são as previsões do sujeito passivo, quanto ao tipo de operações que virá (eventualmente) a realizar. A seu favor a Requerida aponta também a Decisão arbitral proferida no processo n.º 933/2024-T, o qual por sua vez cita jurisprudência do TJUE;
h) No caso sub judice, não subsistem dúvidas de que se aplica a regra da inversão do sujeito passivo de imposto, uma vez que a Requerente é sujeito passivo de imposto que adquiriu serviços de construção civil, tornando inquestionável a aplicabilidade da regra da inversão, nos termos previstos na alínea j) do artigo 2.º do CIVA. A Requerente deveria ter devolvido as faturas aos prestadores de serviços para que fossem emitidas corretamente, sem liquidação de IVA e com a menção “IVA – autoliquidação”, conforme dispõe o n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, devendo o imposto ter sido liquidado pela adquirente por atuação da reverse charge;
i) Se a AT não pudesse impor a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, o regime de inversão do sujeito passivo, instituído pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro com a finalidade de prevenção da fraude fiscal, ficaria impossibilitado de produzir os efeitos para os quais foi concebido;
j) Se após a notificação do RIT, do qual decorre cristalinamente qual o entendimento da Requerida quanto ao enquadramento das faturas, quando (como hoje) estavam os emitentes das faturas em prazo para nos termos do previsto no art.º 98.º n.º 2 do CIVA e, dentro do que é jurisprudência firme do STA, as corrigir, então, salvo melhor opinião, era isso que a Requerente deveria ter solicitado. E dos autos nada consta no sentido de que após as correções em apreço, a Requerente tivesse pedido aos fornecedores a correção das faturas e a consequente devolução do IVA.
5. Por despacho, de 30 de maio de 2025, foram as partes notificadas para produzirem alegações, nos termos que se dão por reproduzidos, e foi designado o dia 1 de outubro de 2025 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. Apenas a Requerida apresentou a alegações.
6. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
7. Por Requerimento de 23.06.20025 veio a Requerente desistir do pedido, argumentando, em síntese, que:
a) Na Resposta apresentada pela Requerida (“Resposta da AT”), foi expressamente referido o seguinte: “quando (como hoje) estavam os emitentes das faturas em prazo para nos termos do previsto no art. 98.º n.º 2 do CIVA e, dentro do que é jurisprudência firme do STA, as corrigir, então, salvo melhor opinião, era isso que a Requerente deveria ter solicitado. E, se dos autos constam esclarecimentos do emitente de algumas das faturas de que liquidou IVA porque assim enquadrou a operação, nada consta dos autos, no sentido de que após as correcções em apreço, a Requerente tivesse pedido aos fornecedores a correcção das facturas e a consequente devolução do IVA.” (cfr. artigos 151.º e 152.ºda Resposta da AT);
b) Face à indicação escrita e expressa da Requerida de que a Requerente poderia e deveria assegurar a recuperação do IVA suportado através da reemissão das faturas, e face à declaração da Requerida de que a Requerente se encontrava ainda em prazo para efeito, a Requerente e a C..., S.A. (o “Empreiteiro”) procederam à reemissão das faturas emitidas entre janeiro e junho de 2023 objeto do reembolso que levou ao Pedido de Pronúncia Arbitral;
c) Em virtude da reemissão das faturas e da consequente regularização do IVA, a posição defendida pela Requerente no presente pedido arbitral tornou-se incompatível com a solução agora adotada, deixando de subsistir qualquer interesse útil no prosseguimento do presente pedido arbitral;
d) Mais se esclarece que a opção de reemissão das faturas, que determinou a perda de utilidade do presente pedido arbitral, foi adotada exclusivamente em virtude da indicação expressa da Requerida na sua Resposta, na qual se afirmou ser possível, tempestiva e adequada a regularização das faturas e a consequente recuperação do IVA por esta via, solução que a Requerente implementou em estrito cumprimento das indicações da Requerida;
e) Nestes termos, requer-se a V. Exas. que seja homologada a desistência do presente pedido, nos termos dos artigos 283.º, n.º 1 e 285.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, com as devidas consequências legais.
8. Em 23 de Junho foi a Requerida notificada para exercer contraditório, tendo comunicado que, em síntese, a desistência do pedido, pode ser feita a todo o tempo e não depende do acordo da Requerida. A desistência não é condicional, mas antes pelo contrário, é incondicional e, não tem subjacente qualquer tipo de acordo ou, por base, a fixação de quaisquer factos ou direitos, para os quais se verifique qualquer tipo de acordo e que careçam de homologação do Tribunal.
Mais acrescentou que, assim e, relativamente à desistência do pedido, porque o que esteve na base da formulação da decisão de apresentação de tal pedido, não é objeto dos presentes autos, entende a Requerida que podendo ser apresentado a todo o tempo e, não carecendo de acordo da Requerida, não tem porque não ser aceite e, que relativamente às custas, tem de ser necessariamente a Requerente a responsável pelo pagamento das mesmas.
9.Por despacho do Tribunal, de 29 de junho de 2025, foi novamente notificada a Requerida uma vez que, nos termos do disposto no artigo 286.º, n.º1, do Código de Processo Civil, a "desistência da instância depende da aceitação do réu desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação", o que aconteceu no caso dos autos.
10. Por requerimento de 02.07.2025, a Requerida limita-se a dizer que notificada para se pronunciar sobre o “Requerimento de desistência apresentado pela Requerente, vem dizer ao termo do processo, por desistência do pedido por parte da Requerente.”
II. FUNDAMENTACÃO.
Como ficou dito, a Requerente, tendo concluído que podia alcançar satisfação para o seu pedido de forma mais rápida e simples, através do expediente previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA solicitando ao emitente das faturas (fornecedores/empreiteiro) a correção das mesmas e a consequente devolução do IVA, dentro do prazo legalmente estabelecido, decidiu enveredar por essa via.
Face à remissão das faturas e consequente pedido de reembolso do IVA liquidado nas faturas originais pelo Empreiteiro, comunicou a Requerente que se encontra atualmente a aguardar o reembolso do IVA pelo Empreiteiro e que o reembolso do IVA ao Empreiteiro seja processado e pago pela Requerida. Assim sendo, nas palavras da Requerente,” em virtude da reemissão das faturas e da consequente regularização do IVA, a posição defendida pela Requerente no presente pedido arbitral tornou-se incompatível com a solução agora adotada, deixando de subsistir qualquer interesse útil no prosseguimento do presente pedido arbitral.”
Nas palavras da Requerente foi da sua iniciativa, quer a apresentação do presente pedido, quer a desistência do mesmo.
Ora, nos termos do disposto no artigo 283.º, n. º1, do Código do Processo Civil, “O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido”, não estabelecendo a lei qualquer requisito quanto ao momento temporal, como acontece com a desistência da instância.
Por sua vez, segundo o estatuído no artigo 285.º, n.º1, “A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer”.
Nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea c), do Código do Processo Civil, a instância extingue-se designadamente por desistência.
Como ficou dito, a Requerente veio desistir do pedido donde decorre, nos termos do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a extinção do direito.
Ante tal desistência determina-se, nos termos do artigo 277.º, alínea d), a extinção da instância.
III. DECISÃO
Termos em que se declara extinto o direito invocado pela Requerente e se põe termo à presente lide, com as legais consequências.
IV. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 829.096,56.
V.CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no montante de €11 934,00, a suportar pela Requerente conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem. As custas estão a cargo da Requerente porque deu causa à presente lide e não pode alegar ignorância quanto à existência do mecanismo previsto no artigo 98.º n.º 2 do CIVA.
Lisboa, 16 de julho de 2025
Notifique-se .
Os árbitros,
Fernanda Maçãs (árbitro presidente)
António de Barros Lima Guerreiro( árbitro vogal)
Maria Alexandra Mesquita (árbitro vogal)