SUMÁRIO
I. Da exigência de que existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o recebimento de créditos em mora há mais de seis meses (contida no artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c), do Código do IRC) decorre que é essencial determinar os créditos em mora relativamente aos quais foi constituída a imparidade (porquanto só assim é possível aferir, em relação aos mesmos, se existem provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento).
II. Também para efeitos da reversão de imparidades prevista no n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC é essencial determinar os créditos em mora relativamente aos quais foi (ou deverá ser) efetuada a dita reversão (porquanto só assim é possível aferir, em relação aos mesmos, se se deixaram de verificar as condições objetivas que determinaram o reconhecimento da correspondente imparidade).
III. Em aplicação do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que consagra a regra geral de repartição do ónus da prova no domínio tributário, é ao sujeito passivo (e não à Autoridade Tributária) que cabe demonstrar os custos que suporta para obter os proveitos, sendo o sujeito passivo que está em condições de esclarecer e demonstrar (a) sobre que créditos em mora constituiu uma imparidade nos termos dos artigos 28.º-A e 28.º-B, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, e (b) que, em relação a tais créditos, se mantêm a condições objetivas que determinaram o reconhecimento da imparidade (não sendo necessário proceder à reversão fiscal prevista no n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC).
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. José Manuel Parada Ramos e Dra. Alexandra Gonçalves Marques, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:
RELATÓRIO
A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ... (“a Requerente”), tendo sido notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2023..., referente ao exercício de 2019, com imposto a pagar no montante de € 399.684,32, veio, em 06-05-2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT” ou “Requerida”), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro, e peticionando a declaração de ilegalidade e anulação da referida liquidação de IRC, e a restituição do valor de € 399.684,32, acrescido de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 08-05-2024 e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros, tendo estes comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 16-07-2024.
Notificada para o efeito, a Requerida veio apresentar resposta ao PPA em 30-09-2024 e remeter cópia do processo administrativo (“PA”) em 16-10-2024.
A reunião do artigo 18.º do RJAT realizou-se em 26-11-2024, tendo a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente lugar na mesma.
As Partes apresentaram alegações escritas em 09-12-2024.
Em 18-12-2024, veio a Requerida peticionar o desentranhamento das alegações apresentadas pela Requerente, alegando que esta invocou nas mesmas um novo vício do ato de liquidação em análise (caducidade do procedimento de inspeção).
SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O PPA apresentado em 06-05-2024 é tempestivo, porquanto foi apresentado no prazo de 90 dias referido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária legalmente notificada ao contribuinte (cf. n.º 1 do artigo 102.º do CPPT).
Quanto ao pedido da Requerida de desentranhamento das alegações escritas apresentadas pela Requerente, o Tribunal Arbitral determina a manutenção das mesmas nos autos, mas considera a parte relativa ao vício de caducidade do procedimento de inspeção (gerador da anulabilidade da liquidação) como não escrita, por não se tratar de um vício de conhecimento oficioso, e por não ser permitido às partes, em sede de alegações, reformular o PPA. Como refere Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado (6.ª Edição) - Volume II, pág. 209:
“11- Alteração do pedido e invocação superveniente de vícios
A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120. ° do CPPT.
Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268. ° do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.° 1 deste art. 108.º do CPPT).
Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136.º, n.º 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto esse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.
Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado nos art. 86.º e 91.º, n.º 5, do CPTA (e, para os processos anteriores a este diploma, no art. 506.° do CPC), sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT”.
O processo não padece de nulidades nem de outros vícios que o invalidem. As Partes não suscitaram exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
QUESTÃO DECIDENDA E POSIÇÃO DAS PARTES
O PPA tem como objeto a liquidação adicional de IRC n.º 2023 ... e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2023... e n.º 2023..., do período de tributação de 2019, no montante total de € 399.684,32 emitidos na sequência das conclusões alcançadas no âmbito do procedimento inspetivo efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viana do Castelo, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2022..., e contidas no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto aos autos.
No âmbito deste procedimento inspetivo, a AT concluiu que (i) a Requerente não logrou provar os factos justificativos do alegado risco de incobrabilidade de créditos constituídos em 2015 (conforme determina o artigo 28.º-B do Código do IRC), reconhecidos contabilisticamente pela Requerente como perdas por imparidade nesse exercício, (ii) através de um Acordo de Pagamento celebrado em novembro de 2017 entre a Requerente e um dos seus clientes com sede em Luanda, Angola, a sociedade B..., Lda., (“B...”), e posterior cedência de créditos deste cliente a terceiros, a Requerente recebeu, em 2019, os valores dos créditos subjacentes à constituição das perdas por imparidade em 2015, (iii) em 31-12-2019, não subsistiam as condições objetivas que justificaram a constituição da perda por imparidade em 2015, razão pela qual a Requerente deveria ter revertido a imparidade em causa, e considerado o valor de € 1.894.854,13 como componente positiva do lucro tributável (conforme determina o n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC). Com estes fundamentos, a AT efetuou correções ao lucro tributável da Requerente com referência à não reversão, no exercício de 2019, da perda por imparidade em apreço, no montante de € 1.894.854,13, e procedeu à emissão da liquidação de IRC impugnada.
No PPA, a Requerente alegou que tentou cobrar o máximo valor possível da dívida do seu cliente B..., com origem em faturas emitidas em 2013 e 2014 (que juntou aos autos em sede arbitral), e sublinhou a dificuldade das empresas exportadoras para Angola em cobrar créditos a empresas angolas. A imparidade reconhecida em 2015, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, diz respeito a créditos em mora há mais de seis meses, que resultam da atividade normal da Requerente decorrentes da faturação emitida ao cliente B... . Disse também que, após o Acordo de Pagamento e perdão de dívida, ficou por regularizar o valor de € 1.894.854,13 da dívida inicial do cliente B... .
Na resposta ao PPA, a Requerida defendeu que, pese embora a apresentação de novos elementos probatórios no âmbito do processo arbitral, após análise aos mesmos, não deixa de se concluir que, no fim do período de tributação de 2019, não subsistiam as condições objetivas que determinaram a constituição da perda por imparidade (no exercício de 2015), no valor de € 1.894.854,13, porquanto os créditos subjacentes à sua constituição foram comprovadamente recebidos pela Requerente em 2019, nos termos do Acordo de Pagamento e da cedência de créditos a terceiros. Assim sendo, conclui a Requerida que a Requerente não logrou provar que as faturas de cobrança duvidosa, por pagar no final do período de tributação de 2015, continuavam a ser consideradas de cobrança duvidosa no final do período de tributação de 2019, pelo que a manutenção da perda por imparidade em 2019 carece de qualquer apoio e sustentação legal, devendo ser revertida.
Considerando a posição das Partes expressa nos respetivos articulados, a questão a decidir nos autos é a de saber se, in casu, a perda por imparidade deduzida pela Requerente ao lucro tributável de 2015 (no valor de € 1.894.854,13), em virtude da existência de créditos de cobrança duvidosa (nos termos dos artigos 28.º-A, n.º 1, alínea a), e 28.º-B, n.º 1, do Código do IRC), (A) deve continuar a ser reconhecida no exercício de 2019, por se continuarem a verificar nesse exercício as condições objetivas que a determinaram (como defende a Requerente), ou (B) não deve subsistir no exercício de 2019, por se terem deixado de verificar nesse exercício as condições objetivas que a determinaram, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 28.º-A, n.º 3, do Código do IRC (como defende a Requerida)?
Com relevância para esta questão, enquanto matéria de facto relevante para a decisão da causa, interessa determinar (entre o mais), se os créditos sobre a B..., relativamente aos quais foi constituída uma imparidade no exercício de 2015 (no valor de € 1.894.854,13), (i) foram extintos, na totalidade, em 2017, através de um acordo de pagamento e uma cessão de créditos (como alega a AT), ou (ii) encontram-se ainda por regularizar em 2019 (como alega a Requerente)?
MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após o exame crítico da prova documental junta ao PPA e ao PA, e considerando a prova testemunhal produzida, fixa-se como segue:
Atividade da Requerente
1. A Requerente é uma sociedade com sede em Viana do Castelo constituída em agosto de 2011, exercendo, desde 21-05-2014, a atividade principal “Comércio por Grosso de Produtos Farmacêuticos” (CAE 46460) e, desde 30-01-2013, a atividade secundária “Outras atividades consultoria para os negócios e a gestão” (CAE 070220) (cf. RIT, a fl. 175 do PA).
2. Até 2015, a Requerente exerceu a atividade de comércio de material médico e farmacêutico, tendo como cliente única a sociedade angolana B...; a partir de 2016, a Requerente deixou de realizar quaisquer operações ativas, apesar de não ter cessado a sua atividade para efeitos fiscais (cf. RIT, a fls. 175 a 177 do PA).
3. Nas suas declarações Modelo 22 do IRC, a Requerente apresentou lucros nos anos de 2012 (€ 3.713.678,31), 2013 (€ 3.916.448,04) e 2014 (€ 3.929.202,17), tendo, por sua vez, declarado prejuízos em relação aos anos de 2011 (€ -1.351,82), 2015 (€ -151.625,43), 2016 (€ -24.295,90), 2017 (€ -36.432,12), 2018 (€ -18.487,73), 2019 (€ -30.506,21), 2020 (€ -21.777,42), 2021 (€ -24.460,85), e 2022 (€ -2.222,38) (cf. RIT junto ao PA).
Faturas emitidas pela Requerente à B... em 2013 e 2014
4. Entre 2013 e 2014, a Requerente emitiu faturas ao seu cliente B... (em USD), entre as quais:
- Fatura FA 2014/17, no montante de USD 95.103,10;
- Fatura FA 2014/13, no montante de USD 98.097,28;
- Fatura FA 2014/5, no montante de USD 74.175,94;
- Fatura FA 2014/4, no montante de USD 66.750,00;
- Fatura FA 2013/34, no montante de USD 237.446,16;
- Fatura FA 33/2013, no montante de USD 12.087,60;
- Fatura FA 31/2013, no montante de USD 9.725,70;
- Fatura FA 30/2013, no montante de USD 47.060,50;
- Fatura FA 28/2013, no montante de USD 80.585,55;
- Fatura FA 27/2013, no montante de USD 806.669,55;
- Fatura FA 26/2013, no montante de USD 276.354,45;
- Fatura FA 23/2013, no montante de USD 16.450,75;
- Fatura FA 22/2013, no montante de USD 54.860,44;
- Fatura FA 20/2013, no montante de USD 3.240,50;
- Fatura FA 19/2013, no montante de USD 19.762,40;
- Fatura FA 18/2013, no montante de USD 13.611,60;
- Fatura FA 16/2013, no montante de USD 35.491,69;
- Fatura FA 13/2013, no montante de USD 158.409,20;
- Fatura FA 7/2013, no montante de USD 27.518,76;
- Fatura FA 6/2013, no montante de USD 8.524,48;
- Fatura FA 5/2013, no montante de USD 9.965,46;
- Fatura FA 1/2013, no montante de USD 2.148,28;
(cf. Documentos 5 a 27 juntos ao PPA).
Extrato da conta corrente do cliente B...
5. O extrato do cliente B..., a 31-12-2019, revela o seguinte:


(cf. RIT, a fls. 37 a 38, junto ao PA)
Registos contabilísticos e reconhecimento fiscal da imparidade em 2015
6. Os documentos contabilísticos de 2015 indicam o valor de € 1.894.854,13 na conta da cliente B... (21.1.1.3), reconhecido na conta SNC 21.9 – “Perdas por imparidade acumuladas” (cf. RIT junto ao PA).
7. No exercício de 2015, o resultado líquido negativo (€ -154.271,28) resultou, essencialmente, do reconhecimento uma “imparidade de dívidas a receber (perdas/reversões)”, no montante de € 1.894.854,13 (na conta SNC 21.9 – “Perdas por imparidade acumuladas”), tendo ocorrido simultaneamente um acentuado decréscimo da rúbrica “vendas e serviços prestados” face ao ano anterior (em 73%), já que, em 2014, a Requerente declarou o valor de € 6.351.998,53 e, em 2015, o valor de € 1.713.413,10 (cf. RIT junto ao PA).
8. A Requerente considerou esta imparidade como aceite fiscalmente, não acrescendo o valor da mesma no quadro 07, campo 718, da declaração Modelo 22 do IRC de 2015, em “Perdas por Imparidade em créditos não fiscalmente dedutíveis ou para além dos limites legais (art.º 28.º-A a 28.º-C)” (cf. RIT junto ao PA).
9. O Balancete Geral Analítico de 01-01-2019 e de 31-12-2019 indica € 1.894.854,13 como valor a crédito na conta “Clientes” (#21), e na subconta “Perdas por imparidade acumuladas” (#21.9) (cf. RIT, a fls. 26 a 31, junto ao PA, e Documento 1 junto ao PPA).
10. Os titulares do capital da Requerente aprovaram as respetivas contas do ano de 2019 em reunião de Assembleia Geral realizada em 25-07-2020, apresentaram a IES em 15-09-2020 (dentro do prazo), e efetuaram o depósito das contas na Conservatória do Registo Comercial em 19-09-2020 (cf. RIT junto ao PA).
Contrato de prestação de serviços com a C... em agosto de 2017
11. Em 16-08-2017, a Requerente contratou a empresa C..., com sede no Dubai, para efetuar a repatriação de capitais gerados através pela sua atividade no país, através de transferências financeiras entre Angola e os Emirados Árabes Unidos, e entre os Emirados Árabes Unidos e Portugal, sendo previsto uma taxa inicial e uma remuneração pelo sucesso na circulação de capitais à taxa de 5% (documento a fls. 43 a 47 do PA).
12. A remuneração inicial, no montante de € 20.000,00, foi paga pela Requerente em 22-08-2018 (cf. comprovativo de pagamento junto ao RIT, a fl. 49, junto aos autos).
Acordo de Pagamento de novembro de 2017
13. Em novembro de 2017, a Requerente e o cliente B... celebraram um Acordo de Pagamento, no qual as partes acordaram que a B... era devedora da Requerente de USD 7.034.159,34 (cf. RIT, a fls. 40 e ss.).
14. Nos termos deste Acordo, o pagamento voluntário da dívida pela B... seria feito, em Kwanzas, pelo valor total de AKZ 828.418.479,65 (por transferência bancária para o Banco BIC, cujo titular é a entidade D... S.A., empresa parceira da C...), nos seguintes termos: (a) AKZ 750.000.000,00 seria pago no prazo de sete dias contados da data de assinatura do Acordo, e (b) o remanescente, no valor de AKZ 78.418.479,65, acrescido da desvalorização do kwanza, seria pago até 30-03-2018 (cf. RIT, a fls. 40 e ss.).
15. Este Acordo abrangeu várias faturas emitidas pela Requerente à B... entre 2013 e 2015, no montante total de USD 7.034.381,51, incluído o valor da fatura FA 27/2013 (USD 806.669,55) (cf. Documentos 30 e 31 juntos ao PPA).
Cedência de créditos em 2017
16. Em 23 de Novembro de 2017, a Requerente cedeu à sociedade E..., Lda. um crédito no valor de USD 4.780.405,28 (incluído o montante da Fatura 2013/27), pelo preço de 562.500.000,00 Kwanzas, equivalente a USD 2.580.275,23, a pagar pela cessionária no prazo de 30 dias (cf. Documento 33 junto ao PPA).
17. Em 2019, a sociedade E... notificou a Requerente de duas cessões de créditos para terceiros, incluindo o crédito relativo à Fatura 2013/27 (cf. Documentos 34 a 36 juntos ao PPA).
Participação criminal
18. Em 2019, a Requerente efetuou uma participação criminal contra as sociedades C..., com sede nos Emirados Árabes Unidos, e a F..., Lda, com sede em Angola, por burla qualificada, com fundamento no incumprimento do contrato de prestação de serviços com a C..., de 16-08-2017, porquanto nem a D..., nem a F..., Lda restituíram à Requerente os valores de AOA 78.418.479,95 e AOA 187.500.000,00 (cf. documento a fls. 56 a 66 do PA, e Documento 32 junto ao PPA).
Procedimento inspetivo, liquidação e PPA
19. A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo com referência ao IRC do ano de 2019, efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viana do Castelo, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2022..., com início a 08-09-2022 e termino em 13-12-2023, que visou o controlo declarativo de contribuintes com perfil de risco (cf. RIT, a fl. 174 e 175 do PA).
20. Ao comparar os valores de Balanço constantes da contabilidade da Requerente referente ao exercício de 2019, e os declarados na IES do ano de 2018, a AT verificou que existiam diferenças, e notificou a Requerente, para esclarecer, designadamente, as diferenças de € 2.616.264,78 no resultado líquido, de € 749.760,54 na conta SNC 21.1 – “Clientes”, de € 51.544,09 na conta SNC 22.8 – “Adiantamento a fornecedores”, e de € 50.198,24 da conta SNC 56.1 – “Resultados transitados - Exercícios anteriores” (cf. RIT, a fls. 5 e 6, junto ao PA).
21. Mediante notificação efetuada em 23-02-2023, a AT solicitou à Requerente, entre o mais, o envio do Relatório do ROC referente à certificação legal de contas do exercício de 2015, tendo verificado que o Relatório do ROC e o Relatório e Parecer do Fiscal Único encontram-se datados de 13-03-2023 (cf. documento a fls. 123 e 125 do PA).
22. Em resposta à informação solicitada, em 20-03-2023, a Requerente esclareceu, com referência ao cliente B..., o seguinte:
“(…) em 2018 foi criada uma nova imparidade no valor de 2.616.264,78”
“o prejuízo do período antes da imparidade era de € 18.487,73.”
“uma vez que a IES já tinha sido entregue, reconheceu-se esta perda por imparidade através de resultados transitados em 2019”
“(…) as divergências de valores na conta 21, de € 749.760, 54, na conta 228 de € 51.544,09 e entre os balanços de 2018 e 2019, devem-se aos perdões de dívida e acordos de pagamento que, por lapso, não foram corrigidos na IES de 2018.”
23. No decurso deste procedimento inspetivo, a Requerente não apresentou uma relação das faturas emitidas em 2013 e 2014 que suportassem a existência do crédito de € 1.894.854,13 como sendo de cobrança duvidosa, datas dos créditos e provas das diligências efetuadas para a sua cobrança (cf. RIT junto ao PA).
24. No Projeto de Relatório de Inspeção, a AT fundamentou correções ao lucro tributável da Requerente, acrescendo a este o valor da imparidade reconhecida pela Requerente em 2015, no montante de € 1.894.854,13, por a Requerente não ter declarado a reversão da mesma imparidade em 2019 (cf. RIT junto ao PA).
25. No seguimento das correções efetuadas no âmbito da ação inspetiva, a AT procedeu à liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, objeto da presente ação arbitral (cf. RIT junto ao PA).
26. Em 06-05-2024, o Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.
§2. Factos não provados
Não se considera provado que os créditos sobre a B..., relativamente aos quais foi constituída uma imparidade no exercício de 2015 (no montante de € 1.894.854,13), encontravam-se ainda por regularizar em 2019.
§3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados e como não provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.
A este propósito, interessa salientar o disposto no artigo 75.º da LGT, sob a epígrafe “Declaração e outros elementos dos contribuintes”. O n.º 1 do referido artigo dispõe que: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”. As alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo esclarecem que:
“A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações”.
Dadas as omissões e inexatidões verificadas na contabilidade e escrita da Requerente, temos que os documentos contabilísticos referentes aos anos 2015 a 2019 não beneficiam da presunção de verdade e boa-fé prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT. Acresce que, no decorrer do processo arbitral, a Requerente apresentou novos documentos (designadamente as faturas emitidas à B... em 2013 e 2014), os quais não foram por esta disponibilizados em sede inspetiva, o que permite concluir que a Requerente não cumpriu o dever de esclarecimento da sua situação tributária.
Assim sendo, à luz do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, cabia à Requerente provar os factos constitutivos do seu direito a manter, no exercício de 2019, os montantes de dívidas da B... reconhecidos como perdas por imparidade em 2015 (no montante de € 1.894.854,13), nos termos do n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC.
Note-se que, da exigência de que existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o recebimento de créditos em mora há mais de seis meses (contida no artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c), do Código do IRC) decorre que é essencial determinar os créditos em mora relativamente aos quais foi constituída a imparidade (porquanto só assim é possível aferir, em relação aos mesmos, se existem provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento). Também para efeitos da reversão de imparidades prevista no n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC é essencial determinar os créditos em mora relativamente aos quais foi (ou deverá ser) efetuada a dita reversão (porquanto só assim é possível aferir, em relação aos mesmos, se se deixaram de verificar as condições objetivas que determinaram o reconhecimento da correspondente imparidade).
Em aplicação do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que consagra a regra geral de repartição do ónus da prova no domínio tributário, é ao sujeito passivo (e não à Autoridade Tributária) que cabe demonstrar os custos que suporta para obter os proveitos, sendo o sujeito passivo que está em condições de esclarecer e demonstrar (a) sobre que créditos em mora constituiu uma imparidade nos termos dos artigos 28.º-A e 28.º-B, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, e (b) que, em relação a tais créditos, se mantêm a condições objetivas que determinaram o reconhecimento da imparidade (não sendo necessário proceder à reversão fiscal prevista no n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC).
No caso sub judice, a Requerente juntou ao PPA as faturas emitidas em 2013 e 2014 que deram origem ao reconhecimento de uma imparidade em 2015 (no montante de € 1.894.854,13), incluindo a fatura FA 27/2013, no valor de USD 806.669,55. Esta fatura foi abrangida no Acordo do Pagamento que a Requerente celebrou com a B... em novembro de 2017 (cf. Documentos 30 e 31 juntos ao PPA). A mesma fatura foi abrangida pela cessão de créditos que a Requerente celebrou com a sociedade E... em 2017 (resultando numa extinção do direito ao crédito da Requerente sobre a B...). Assim sendo, não é possível concluir que o valor da fatura FA 27/2013 (USD 806.669,55) se encontra por regularizar em 2019.
Quanto ao valor remanescente que a Requerente alega encontrar-se por regularizar, temos que a Requerente não logrou provar que não havia recebido o mesmo antes de 2019. Isto porque o alegado pela Requerente e os documentos juntos aos autos com o PPA, em confronto com o teor do RIT e os documentos juntos ao PA, suscitam dúvidas várias. Por exemplo, não é claro o motivo pelo qual, no exercício de 2015, a Requerente reconheceu uma imparidade no valor de € 1.894.854,13, relativa a faturas emitidas ao cliente B... em 2013 e 2014, quando, em 01-01-2015, o saldo devedor da conta deste cliente era de € 7.068.195,97. O extrato da conta corrente da B... (entre 2015 e 2019) revela que foram feitos vários pagamentos por esta sociedade, não sendo claro a que faturas os mesmos se referem (por exemplo, em 2016, o cliente B... efetuou pagamentos à Requerente no valor de € 357.673,04). Em suma, da análise dos documentos juntos aos autos pelas partes, não possível determinar que créditos foram recuperados até ao final de 2019 (tal como defende a AT). Também não é inteiramente claro o motivo pelo qual a Requerente não esclareceu, em sede inspetiva, sobre que faturas foi reconhecida uma imparidade em 2015.
Acresce que, na sua contabilidade, a Requerente não registou adequadamente e tempestivamente todos os efeitos decorrentes do acordo celebrado com a B... e ulteriores cessões de crédito, sendo certo que o saldo registado como valor a receber desse cliente, que a Requerente afirma ser de € 2.939.007,29 em 31-12-2019, incluem os valores pagos por aquela e recebidos pela D... e pela F... (AKZ 265.918.479,95), os quais deveriam ter sido transferidos da conta do cliente para valores a receber destas outras entidades.
Pelo exposto, temos que a Requerente não logrou provar, como lhe competia (nos termos do artigo 74, n.º 1, da LGT), que os créditos sobre a B..., relativamente aos quais foi constituída uma imparidade no exercício de 2015 (no montante de € 1.894.854,13), encontravam-se ainda por regularizar em 2019.
A testemunha inquirida na reunião do artigo 18.º do RJAT disse ser amigo dos acionistas da Requerente e ter acompanhado as negociações que resultaram no Acordo de Pagamento de novembro de 2017, mas revelou não ter conhecimento se o mesmo foi reduzido a escrito, ou se foram realizadas diligências coercivas para cobrança coerciva de dívidas de clientes. Disse também não ter conhecimento dos pagamentos e registos contabilísticos da Requerente.
MATÉRIA DE DIREITO
Código do IRC
Dispõe o 28.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC o seguinte:
“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.
Dispõe o 28.º-B, n.º 1, do Código do IRC o seguinte:
“1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento”.
Já o n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC dispõe o seguinte:
“As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação”.
Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27
Tendo o nosso legislador fiscal optado por um modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para a determinação do lucro tributário relativamente aos créditos de cobrança duvidosa (cf. § 1.º do n.º 10 do preâmbulo do Código do IRC, expressamente reconhecido no §6.º do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, e concretizado pelo artigo 17.º do Código do IRC), interessa também atender ao teor da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27, na qual se pode ler, entre o mais, o seguinte:
“IMPARIDADE – Reconhecimento
§24 — Em cada data de relato, uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados. Se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados.
§25 — Evidência objetiva de que um ativo financeiro ou um grupo de ativos está em imparidade inclui dados observáveis que chamem a atenção ao detentor do ativo sobre os seguintes eventos de perda:
a) Significativa dificuldade financeira do emitente ou devedor;
b) Quebra contratual, tal como não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida;
c) O credor, por razões económicas ou legais relacionados com a dificuldade financeira do devedor, oferece ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria;
d) Torne -se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira;
e) O desaparecimento de um mercado ativo para o ativo financeiro devido a dificuldades financeiras do devedor; ou
f) Informação observável indicando que existe uma diminuição na mensuração da estimativa dos fluxos de caixa futuros de um grupo de ativos financeiros desde o seu reconhecimento inicial, embora a diminuição não possa ser ainda identificada para um dado ativo financeiro individual do grupo, tal como sejam condições económicas nacionais, locais ou sectoriais adversas.
26 — Outros fatores poderão igualmente evidenciar imparidade, incluindo alterações significativas com efeitos adversos que tenham ocorrido no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que o emitente opere.
(...)
Reversão
§29 — Para os ativos financeiros mensurados ao custo amortizado, se, num período subsequente, a quantia de perda por imparidade diminuir e tal diminuição possa estar objetivamente relacionada com um evento ocorrido após o reconhecimento da imparidade (como, por exemplo, uma melhoria na notação de risco do devedor), a entidade deve reverter a imparidade anteriormente reconhecida. A reversão não poderá resultar numa quantia escriturada do ativo financeiro que exceda aquilo que seria o custo amortizado do referido ativo, caso a perda por imparidade não tivesse sido anteriormente reconhecida. A entidade deve reconhecer a quantia da reversão na demonstração de resultados.
DESRECONHECIMENTO - Desreconhecimento de ativos financeiros
§31 — Uma entidade deve desreconhecer um ativo financeiro apenas quando:
a) Os direitos contratuais aos fluxos de caixa resultantes do ativo financeiro expiram;
b) A entidade transfere para outra parte todos os riscos significativos e benefícios relacionados com o ativo financeiro; ou
c) A entidade, apesar de reter alguns riscos significativos e benefícios relacionados com o ativo financeiro, tenha transferido o controlo do ativo para uma outra parte e esta tenha a capacidade prática de vender o ativo na sua totalidade a uma terceira parte não relacionada e a possibilidade de exercício dessa capacidade unilateralmente sem necessidade de impor restrições adicionais à transferência. Se tal for o caso a entidade deve:
i) Desreconhecer o ativo; e
ii) Reconhecer separadamente qualquer direito e obrigação criada ou retida na transferência;
§32 — A quantia escriturada do ativo transferido deverá ser alocada entre os direitos e obrigações retidos e aqueles que foram transferidos, tendo por base os seus relativos justos valores à data da transferência. Os direitos e obrigações criados de novo devem ser mensurados ao justo valor àquela data. Qualquer diferença entre a retribuição recebida e o montante reconhecido e desreconhecido nos termos do presente parágrafo deverá ser incluída na demonstração de resultados do período da transferência.
§33 — Se a transferência não resultar num desreconhecimento, uma vez que a entidade reteve significativamente os riscos e benefícios de posse do ativo transferido, a entidade deve continuar a reconhecer o ativo transferido de forma integral e deverá reconhecer um passivo financeiro pela retribuição recebida. Nos períodos subsequentes, a entidade deve reconhecer qualquer rendimento no ativo transferido e qualquer gasto incorrido no passivo financeiro”.
Da leitura das normas fiscais e contabilísticas supra referidas retira-se que as condições para o reconhecimento e desreconhecimento de imparidades por créditos de cobrança duvidosa podem não coincidir para efeitos fiscais e para efeitos contabilísticos (cf. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 274/2020-T, em 31-07-2021). De facto, caso uma imparidade reconhecida contabilisticamente, nos termos da NCRF 27, não deva ser reconhecida fiscalmente, nos termos do artigos 28.º-A, n.º 1, alínea a), e 28.º-B, n.º 1, do Código do IRC, o sujeito passivo deverá acrescer o respetivo montante no quadro 7 do campo 718 da Declaração Modelo 22 do IRC. Desta forma, previne-se que o gasto contabilístico se transforme em gasto fiscal.
Dedução fiscal de créditos de cobrança duvidosa como perdas por imparidade
Com relevo o caso sub judice, saliente-se que, para efeitos fiscais, o sujeito passivo pode deduzir um crédito de cobrança duvidosa como perda por imparidade se se verificarem três pressupostos:
(A) o crédito resulte da sua atividade normal;
(B) o crédito possa ser considerado de cobrança duvidosa no fim do período de tributação, sendo necessário, para o efeito, que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, ou seja:
(i) o devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial;
(ii) os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
(iii) os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;
(C) o crédito seja evidenciado como crédito de cobrança duvidosa na contabilidade no fim do período de tributação.
Da exigência de que existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o recebimento de créditos em mora há mais de seis meses (contida no artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c), do Código do IRC) decorre que é necessário e essencial determinar os créditos em mora relativamente aos quais foi constituída a imparidade (porquanto só assim é possível aferir, em relação aos mesmos, se existem provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento). Como resulta da legislação supra referida, não basta um cliente atrasar-se no pagamento de uma fatura para ser reconhecida uma imparidade para efeitos fiscais (cf. Acórdão do TCAS, de 25-04-2004, processo n.º 04778/01).
Assim se entende a exigência decorrente do artigo 1.º, n.º 1, e Anexo I, da Portaria n.º 92-A/2011, de 28 de fevereiro, de que o processo de documentação fiscal, ou dossier fiscal, a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, integre o Modelo 30 - MAPA DE PROVISÕES, PERDAS POR IMPARIDADE EM CRÉDITOS E AJUSTAMENTOS EM INVENTÁRIOS, no qual devem ser discriminadas as perdas por imparidade em créditos (dedutíveis) e as perdas por imparidade fiscalmente não dedutíveis, e evidenciada a determinação do limite legal da perda por imparidade e o montante a acrescer no Quadro 07 da Declaração Modelo 22 do IRC.
Reversão fiscal de imparidades por créditos de cobrança duvidosa
Já quanto à reversão de imparidades, resulta do n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC que, para efeitos fiscais, as perdas por imparidade não devem subsistir quando deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, devendo o respetivo montante ser acrescido ao lucro tributável do período de tributação. Note-se que, também para efeitos da reversão de imparidades prevista no n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC é necessário e essencial determinar os créditos em mora relativamente aos quais foi (ou deverá ser) efetuada a dita reversão (porquanto só assim é possível aferir, em relação aos mesmos, se se deixaram de verificar as condições objetivas que determinaram o reconhecimento da correspondente imparidade).
Daqui se retira que, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º-A do Código do IRC, quando o sujeito passivo recebe o crédito em mora relativamente ao qual foi constituída uma imparidade, deverá proceder à reversão fiscal da imparidade anteriormente reconhecida para efeitos fiscais, acrescentando respetivo montante no Quadro 07 da Declaração Modelo 22 do IRC, o que significa um acréscimo ao lucro tributável do período de tributação (em cumprimento dos referidos preceitos).
O caso sub judice
Questão a decidir
Tal como referido supra, a questão a decidir pelo Tribunal Arbitral é a de saber se, in casu, a perda por imparidade deduzida pela Requerente ao lucro tributável de 2015, no montante de € 1.894.854,13, em virtude da existência de créditos de cobrança duvidosa (nos termos dos artigos 28.º-A, n.º 1, alínea a), e 28.º-B, n.º 1, do Código do IRC), (A) deve continuar a ser reconhecida no exercício de 2019, por se continuarem a verificar nesse exercício as condições objetivas que a determinaram (como defende a Requerente), ou (B) não deve subsistir no exercício de 2019, por se terem deixado de verificar nesse exercício as condições objetivas que a determinaram, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 28.º-A, n.º 3, do Código do IRC (como defende a Requerida)?
Apreciação do Tribunal Arbitral
Aqui chegados, interesse sublinhar que a Requerente não logrou provar, como lhe competia (nos termos do artigo 74, n.º 1, da LGT), que os créditos sobre a B..., relativamente aos quais foi constituída uma imparidade no exercício de 2015 (no montante de € 1.894.854,13), encontravam-se ainda por regularizar em 2019. Nestes termos, temos que a Requerente não logrou provar, como lhe competia (nos termos do artigo 74, n.º 1, da LGT), que a perda por imparidade deduzida ao lucro tributável de 2015 (no montante de € 1.894.854,13), em virtude da existência de créditos de cobrança duvidosa (nos termos dos artigos 28.º-A, n.º 1, alínea a), e 28.º-B, n.º 1, do Código do IRC), deve continuar a ser reconhecida no exercício de 2019 (por se continuarem a verificar nesse exercício as condições objetivas que a determinaram).
Note-se que não está em causa uma re-caracterização dos negócios jurídicos em apreço, ou a alegação de que os mesmos têm uma natureza artificial (relevante para efeitos dos artigos 38.º, n.º 2, da LGT e 63.º do CPPT), mas apenas e tão só o facto de a Requerente não ter logrado demonstrar que o montante de € 1.894.854,13 se encontrava por regularizar em 2019.
Quanto ao vício da caducidade da correção alegado pela Requerente, temos que esta não logrou demonstrar que a correção deveria ter sido efetuada com referência ao exercício de 2017. Isto porque as várias contradições entre os acordos celebrados pela Requerente em 2017, os registos na conta extrato da B... entre 2015 e 2019, os valores inscritos na contabilidade da Requerente nestes anos, e declarações de rendimentos apresentadas pela Requerente, não permitem concluir, com algum grau de segurança, que pagamentos foram efetivamente efetuados pela B... entre 2013 e 2019, e que faturas se encontravam por regularizar em 2019. A prova junta aos autos não revela que AT não procedeu em cumprimento do seu dever de descoberta da verdade material. Ao invés, foi a Requerente que não apresentou, nem no decorrer do procedimento inspetivo, nem em sede arbitral, os documentos necessários para demonstrar o que alega.
Pelo exposto, indefere-se o PPA, e determina-se a manutenção na ordem jurídica da liquidação de IRC impugnada.
DECISÃO
Com base nos fundamentos enunciados supra, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a AT do pedido.
***
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 399.684,32, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 6.426,00, a cargo da Requerente, em razão do decaimento.
Notifique-se.
CAAD, 11 de julho de 2025
O Tribunal Arbitral,
Professora Doutora Rita Correia da Cunha
Dr. José Manuel Parada Ramos
Dra. Alexandra Gonçalves Marques