SUMÁRIO
I. Tendo a Requerida revogado o acto impugnado, dando satisfação à pretensão que a Requerente formulara, dá-se a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
II. Notificado o Tribunal Arbitral da revogação do acto após a sua constituição, ficam as custas a cargo da Requerida.
Decisão Arbitral
1. Relatório
A...– SGPS, S.A., titular do número de identificação fiscal ..., com sede no..., ..., ...-......, anteriormente designada B..., SGPS, S.A., sociedade dominante, no ano de 2022, do grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC (Requerente), apresentou no CAAD, em 3 de Fevereiro de 2025, um pedido de constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto no artigo 95.º, n.os 1 e 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (LGT), no artigo 66.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
Era Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida ou AT).
Não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, o Conselho Deontológico designou como Árbitros o Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), o Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos e a Dra. Maria Alexandra Mesquita (Árbitros Adjuntos).
Seguindo-se os normais trâmites, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou regularmente constituído em 11 de Abril de 2025.
Em 14 de Abril de 2025 foi proferido despacho convidando a AT “a apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional no prazo de 30 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), sendo aplicável o disposto no seu n.º 2”, mas, em vez disso, a 22 de Maio, a Requerida veio dar conta de que “Na pendência do pedido de pronúncia arbitral e após reanálise do mesmo por parte dos competentes serviços da Requerida, a 2025-05-15, foi revogado o ato tributário objeto dos presentes autos.”.
Em 27 de Maio, a Requerente veio solicitar “que a entidade requerida seja notificada para vir juntar aos presentes autos a cópia da decisão que determinou aquela anulação.”, o que foi determinado por despacho de 12 de Junho seguinte.
Em 17 de Junho, veio a Requerida juntar a informação n.º 2025... de 6 de Maio de 2025, que defendia “a anulação da tributação autónoma no valor de € 202.549,26 declarada na autoliquidação do IRC do Grupo tributado pelo RETGS com referência ao período de tributação de 2022, acrescida dos juros indemnizatórios devidos, ao abrigo e nos termos do art.º 43.º da LGT.”, com o despacho concordante de 15 de Maio de 2025 da Sub-Directora Geral, por delegação de competências.
Nesse seguimento, foi, em 20 de Junho, proferido Despacho convidando a Requerente a pronunciar-se, querendo, sobre a inutilidade superveniente da lide, o que esta veio a fazer em 4 de Julho, requerendo “que seja declarada a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância”.
2. Verificação dos pressupostos processuais
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e era competente para se pronunciar sobre o mérito da questão suscitada.
O pedido de pronúncia arbitral era tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, contado da data da presunção do indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2024..., interposto do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... deduzida contra o acto tributário (presunção do indeferimento essa que, nos termos dos n.os 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, ocorre passados quatro meses da sua apresentação).
Requerente e Requerida gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3. Matéria de Facto Relevante para a Decisão
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se dão como assentes e provados:
a. A Requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo de sociedades, auto-liquidou, na Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 referente a 2022, a título de tributação autónoma, à taxa de 45%, o valor de € 202.549,62, decorrente de uma compensação atribuída em 2022 por cessação de funções antecipada do mandato de uma administradora do Grupo C..., no valor bruto global de € 450.110,26.
b. Tal montante foi restituído em 2023, na sequência do relatório emitido pela Autoridade de Auditoria - Inspeção-Geral de Finanças (IGF) que considerou nulo o acordo de cessação de funções entre a então administradora e o Grupo C... .
c. Em 17 de Abril de 2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de auto-liquidação referido em a., que veio a ser indeferida em 11 de Julho de 2024.
d. Em 2 de Setembro de 2024, a Requerente apresentou recurso hierárquico de tal decisão.
e. Em 3 de Fevereiro de 2024, a Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral.
f. Em 7 de Fevereiro de 2025, a AT foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, conforme registo no Sistema de Gestão Processual do CAAD.
g. Por despacho de 15 de Maio de 2025 da Senhora Subdirectora-Geral com competência delegada, foi revogado o acto recorrido, conforme documento junto aos autos pela AT em 17 de Junho.
4. Questão de Direito
A questão decidenda circunscreve-se à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com a consequente repercussão no pagamento das custas arbitrais.
Resulta da factualidade exposta que o pedido arbitral tinha por objecto o acto de auto-liquidação de tributação autónoma referente a 2022 no valor de € 202.549,62 (duzentos e dois mil e quinhentos e quarenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), acto esse que a AT veio a revogar integralmente na pendência dos presentes autos, mas para lá do prazo de 30 dias que o n.º 1 do artigo 13.º do RJAT prevê para a “revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada”.
Como se escreveu na decisão do processo n.º 30/2023-T,
“Coloca-se em primeiro lugar a questão de saber se o ato de revogação é tempestivo, se a AT procedeu em tempo na pendência de processo arbitral, à anulação administrativa do ato tributário (vis-à-vis o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT).
Os Tribunais Arbitrais constituídos junto do CAAD têm-se pronunciado no sentido afirmativo (cfr. Decisão Arbitral de 16.11.2018, no processo n.º 215/2018-T; Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T; Decisão Arbitral de 7.10.2019, no processo n.º 268/2019-T).
Sendo certo que não está vedada à AT a anulação administrativa de ato de liquidação já na pendência de processo arbitral, tal anulação “só pode ter lugar até ao encerramento da discussão” (cfr. 168.º, n.º 3, do CPA), o que se entende, no processo arbitral, ser até ao momento em que as partes produzam alegações orais, ou ao termo do prazo para alegações escritas, ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais (cfr. Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T).”
Uma vez que no caso dos autos a revogação do acto ocorreu em fase processual anterior ao encerramento da discussão – aliás, anterior ao seu início, uma vez que antecedeu/substituiu a Resposta da AT – o decurso do processo arbitral não constitui entrave à revogação. Ora, operada esta, dá-se a inutilidade superveniente da lide, se é que não a sua impossibilidade.
Escreveu-se no Acórdão do STA de 8 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 02321/17.4BEPRT:
“De acordo com a doutrina e a jurisprudência a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr. ac. S.T.A.-2ª. Secção, 9/01/2013, rec.1208/12; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 27/11/2019, rec. 873/07.6BELSB; José Lebre de Freitas e Outro, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág. 561 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.307 e seg.).
Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.”.
É esse o caso dos autos porque as consequências indemnizatórias do indevido pagamento do montante de imposto exigido pela AT à Requerente estão previstas na lei – e, de resto, foram contempladas na Informação que serviu de suporte à revogação do acto nos seguintes termos:
“Devendo ser anulada a tributação autónoma no valor de € 202.549,26 declarada na autoliquidação do IRC do Grupo tributado pelo RETGS com referência ao período de tributação de 2022, acrescida dos juros indemnizatórios devidos, ao abrigo e nos termos do art.º 43.º da LGT.”
Quanto à responsabilidade pelas custas:
Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.
Dado que a AT apenas comunicou aos autos a revogação do acto de liquidação objecto do presente processo arbitral após a data de constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), e uma vez que tal revogação deu satisfação à pretensão que o Requerente deduziu em juízo, conclui-se que é sobre ela que recai a responsabilidade pelas custas.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acorda o presente Tribunal Arbitral em:
a) Julgar extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, por a anulação do acto de auto-liquidação da tributação autónoma de 2022 ser já impossível e, em qualquer caso, destituída de efeitos úteis.
b) Condenar a Requerida ao pagamento integral das custas, nos termos fixados infra.
6. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 202.549,62 (duzentos e dois mil e quinhentos e quarenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), correspondente ao valor da auto-liquidação da tributação autónoma impugnada e do pagamento efectuado.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4 284.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 9 de Julho de 2025
O Árbitro presidente e relator
Victor Calvete
O Árbitro Adjunto
Francisco Nicolau Domingos
A Árbitro Adjunta
Maria Alexandra Mesquita