SUMÁRIO
I – A interpretação do TJUE sobre a aplicação do Direito Europeu é vinculativa para os Tribunais portugueses, com a correspondente não aplicação do direito interno quando se verifique desconformidade com aquela.
II – Do artigo 22.º do EBF, resulta uma diferença de tratamento dos OIC, consoante sejam residentes ou não em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não estão sujeitos a retenção na fonte nem são tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte a uma taxa liberatória.
III – Assim, sendo este regime que veio impôr a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuidos a um OIC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, incompativel com as regras do Direito Europeu, impõe-se concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pela Requerente.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Presidente), Dra. Rita Guerra Alves (Vogal) e Dr. João Marques Pinto (Vogal e Relator), designados, em 22.04.2025, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14.05.2025, acordam no seguinte:
1. Relatório
A...– Organismo de Investimento Colectivo, constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português..., doravante designado apenas por “Requerente”, veio, no dia 3 de Março de 2025, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º e no artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante identificado apenas pelas iniciais RJAT), requerer a constituição de TRIBUNAL TRIBUTÁRIO para Pronúncia Arbitral, solicitando em concreto:
a) A Anulação do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada em 10.04.2024, com o número ...2024..., proferido em 19.11.2024 e notificado à Requerente em 02.12.2024;
b) A Anulação dos actos de retenção na fonte que incidiram sobre dividendos pagos à Requerente em 28.04.2022, no montante total de € 456.000,00 (quatrocentos e cinquenta e seis mil euros);
c) A restituição da quantia de € 456.000,00 (quatrocentos e cinquenta e seis mil euros), acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT)
d) A condenação da Autotidade Tributária no pagamento das custas da Arbitragem.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, quando for caso, identificada apenas pelas iniciais AT).
A Requerente optou por não designar Árbitros, ficando essa designação a cargo do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 05.03.2025.
Em 05.03.2025, a AT, na qualidade de entidade Requerida, foi notificada da apresentação do pedido.
Em 22.04.2025, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 7 do Artigo 11º do RJAT.
Desta forma, em face do disposto no nº 8 do artigo 11º do RJAT, decorrido o prazo estabelecido no nº 11 do mesmo artigo 11º, e sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal ficou devida e formalmente constituído em 14.05.2025, tendo, na mesma data, sido proferido despacho a notificar a Requerida para apresentar resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral formulado pela Requerente e juntar aos autos o correspondente processo administrativo.
A AT apresentou a sua resposta em 18 de Junho de 2025, requerendo em particular, a improcedência do pedido formulado pela Requerente, com as devidas e legais consequências.
Na sequência da resposta apresentada pela Requerida, foi proferido, dia 20 de Junho de 2025, pelo Senhor Presidente do Tribunal Arbitral, com a concordância dos restantes Juizes Árbitros, um despacho arbitral, com o seguinte teor:
Processo n.º 208/2025-T
Não sendo requerida produção de prova testemunhal, não se vê utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Por outro lado, as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes, pelo que, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, não há necessidade de alegações.
Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais [artigos 16.º, alínea c), 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT] dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º e a produção de alegações.
Indica-se o dia 14-07-2025 para prolação da decisão arbitral.
Até essa data a Requerente deverá pagar a taxa arbitral subsequente.
1.2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
1.3. Factos considerados provados:
1º - A Requerente, é um Organismo de Investimento Colectivo (OIC), constituído de acordo com o direito alemão, e, para efeitos fiscais, considerado como não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo gerido por uma entidade igualmente residente na Alemanha, denominada B... mbH.
2º - No âmbito da sua actividade, em 28.04.2022, a Requerente recebeu dividendos de uma fonte residente no território português (a C... SA ISIN: PT...) no montante bruto de € 3.040.000,00 (três milhões e quarenta mil euros).
3º - Sobre este valor foi efectuada retenção na fonte, a título de IRC, à taxa liberatória de 15%, de que resultou um imposto retido no valor de € 456.000,00 (quatrocentos e cinquenta e seis mil euros).
4º - Em 10.04.2024, a Requerente, não concordando com esta retenção na fonte, apresentou, nos termos do disposto no artigo 132º, nºs 2, 3 e 4 do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), uma reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos actos de retenção.
5º - A essa reclamação graciosa foi atribuído o número ...2024... .
6º - Em 19.11.2024, foi proferido despacho de indeferimento desta reclamação graciosa, o qual foi notificado à Requerente em 02.12.2024.
7º - A reclamação graciosa foi indeferida pela AT, com fundamento em que “não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.” (cf. ponto 11. da decisão de indeferimento).
1.4. Fundamentação da decisão sobre matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e no que consta do processo administrativo enviado pela Requerida.
1.5. Factos não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que releve para a decisão.
2. Matéria de Direito
2.1. Fundamentos das posições das Partes
De uma forma resumida, as Partes vêm, no pedido de pronúncia arbitral da Requerente e na subsequente resposta da Requerida, sustentar as suas posições nos seguintes argumentos:
2.1.1. Posição do Requerente
1. Refere a Requerente que, em sede do Processo Arbitral nº 93/2019-T, foi decidido pelo Tribunal Arbitral, o reenvio de questões prejudiciais para análise do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante identificado apenas pelas iniciais TJUE), questões essas que, considera a Requerente, são em tudo semelhantes às que são por ela colocadas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
2. Esse processo de reenvio correu os seus termos junto do TJUE, sob o nº C-545/19, tendo este Tribunal, no âmbito deste processo, proferido um Acordão, com o seguinte teor:
“O artigo 63º do TFUE (relativo à liberdade de circulação de capitais) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força do qual os dividendos distribuidos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuidos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
3. Daqui resulta, para a Requerente, que o regime previsto nos artigos 94º nº 1 al. c), 94º nº 3 alinea b), 94º nº 4 e 87º nº 4, todos Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), ao estabelecer que os dividendos obtidos em Portugal por um OIC não residente estão sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, através do mecanismo da retenção na fonte, a uma taxa liberatória, não é compativel com o principio da livre circulação de capitais que resulta expressa e inequivocamente da decisão do TJUE acima parcialmente transcrita, na medida em que consagra uma isenção de tributação sobre os dividendos pagos a um OIC residente em território português.
4. Assim, deve o regime que resulta dos preceitos indicados no número anterior, ser afastado por força do princípio do primado do Direito Europeu consagrado no artigo 8º nº 4 da Constituição da Republica Portuguesa.
5. Primado esse plenamente reconhecido em diversas decisões jurisprudencias (cfr. o Acordão de 14 de Julho de 1964, Proc. C-65/64 “Costa vs Ensel ou o Acordão do STA de 03.02.2016, Proc. nº 01172/14).
6. A consequência jurídica deste primado é a não aplicação, em caso de conflito de normas, das disposições internas que sejam contrárias à regra comunitária, bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária.
7. Desta forma, entende a Requerente que, tendo o regime interno que veio impôr a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, sido julgado incompativel com as regras do Direito Europeu, se impõe a anulação dos actos de retenção na fonte sindicados.
2.1.2. Posição da Requerida
Na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida não invocou qualquer excepção, tendo apenas aprresentado defesa por impugnação, reproduzindo os fundamentos constantes do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, e que foram basicamente os seguintes:
1. Entende a Requerida que, sendo a Requerente um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável neste território, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
2. Assim, decorre do Acórdão Schumacker (processo C-279/03), que o direito internacional considera que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, na medida em que apresentam diferenças objetivas, quer do ponto de vista do rendimento, quer da capacidade contributiva, quer mesmo da situação familiar ou pessoal.
3. Neste sentido, deve-se referir que a discriminação só se verifica quando se está perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
4. O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal.
5. Esta decisão do legislador de diminuir a carga tributária dos OIC em sede de imposto sobre o rendimento, foi “compensada” com a criação de uma taxa em sede de Imposto do Selo, no valor de 0.0125% e incidente sobre o ativo global líquido dos OIC, valor este que pode incluir dividendos distribuídos a estes organismos.
6. Refira-se que esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
7. Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela ora Requerente.
8. E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos seus investidores.
9. Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, no entendimento da Requerida, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois, como se viu, não está afastada a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos,
10. Donde, não ser possivel afirmar que as situações em que se encontram os OIC constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
11. Não sendo, pois, as situações comparáveis, parece difícil de aceitar o argumento da Requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
12. Assim, não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
13. A AT encontra-se, dessa forma, e face ao disposto no artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), vinculada ao cumprimento da lei, estando obrigada a aplicar o disposto nos códigos fiscais que estejam em vigor, no caso concreto, as normas constantes do Código do IRC e do EBF.
14. Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos seus investidores.
15. A verdade é que a Requerente não demonstra se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos seus investidores.
16. Assim, considera a Requerida, contrariamente ao afirmado pela Requerente no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, não se poder afirmar que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
3. Apreciação da questão
3.1. Do Mérito
Importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões acima enunciadas.
Como vimos, no caso em apreço o Requerente sofreu retenções na fonte, a título definitivo, à taxa de 15%, as quais ocorreram no cumprimento das disposições legais mencionadas, muito embora a Requerente tenha vindo a alegar que esses actos tributários são manifestamente ilegais, dada a sua desconformidade com o Direito Europeu.
O que deveria, no seu entendimento, implicar a sua anulação e consequente reembolso do montante indevidamente retido acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
Neste contexto, como salienta a Requerente, o TJUE já produziu jurisprudência a concluir pela ilegalidade das diferenças desfavoráveis de tratamento, fiscais ou outras, a OIC não residentes, comparativamente com o tratamento dado a OIC residentes, tendo essa posição ficado clara e evidente no Acórdão AllianzGIFonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19).
Com efeito, do artigo 22.º do EBF, resulta uma diferença de tratamento dos OIC, consoante sejam residentes ou não em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não estão sujeitos a retenção na fonte nem são tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte a uma taxa liberatória.
Como se refere acima, a questão em apreciação foi respondida pelo TJUE no referido Acórdão proferido no âmbito do Processo C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN.
Ora, as questões prejudiciais colocadas ao TJUE no Processo n.º 93/2019-T, de 9 de Julho de 2019, que deu origem ao pedido de reenvio ao TJUE e à produção do citado Acórdão, são suscitadas de forma idêntica neste Pedido de Pronúncia Arbitral.
No citado Processo, o TJUE começou por salientar que, “Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.° TFUE como do artigo 63.° TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afectar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.”
Ora, como o TJUE já decidiu, “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Com efeito, como o TJUE conclui, “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes,” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 38).
Resulta, pois, da decisão do TJUE, que o regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.º 4 e 87.º n.º 4, do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 15% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes), não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais.
Cabe ainda salientar que a análise da forma como os proveitos gerados na esfera do OIC são posteriormente tributados na esfera dos seus investidores não deve relevar para efeitos de apreciação da legislação portuguesa, dado que esta consagra um tratamento fiscal diferenciado para os OIC (residentes e não residentes) e os respetivos detentores de participações nestes organismos.
Acresce que, tal como concluiu o TJUE, “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc-545/19, parágrafo 57).
O TJUE considerou ainda que, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 93)” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 79).
Para, de seguida, concluir que, “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso suscitada nos presentes autos arbitrais (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 81).
Ora, o OIC “A...” é um OIC constituído e a operar ao abrigo das Directivas 2009/65/CE e 2011/61/EU, com sede noutro Estado-Membro da União Europeia, mais concretamente na Alemanha, que auferiu rendimentos de capitais de uma fonte portuguesa, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), 3, alínea B), e 87.º, n.º 4, do CIRC, e que, em consequência, não aproveitou o regime previsto no artigo 22.º, nºs 1, 3 e 10, do EBF.
Veja-se, a este propósito e apenas a título de exemplo, as Decisões Arbitrais proferidas nos Processos nº 528/2019-T de 27 de Dezembro de 2019, nº 68/2020-T de 25 de Janeiro de 2021, nº 32/2021-T de 5 de Novembro de 2021, ou mais recentemente, as decisões proferidas nos Processos nº 1093/2024-T de 24 de Março de 2025 e nº 1391/2024-Tde 5 de Maio de 2025.
Para além destas Decisões Arbitrais, refira-se ainda que o próprio Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) emitiu um Acórdão uniformizador no sentido acima referido, ao considerar que “a interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2024, de 26 de Fevereiro).
Desta forma, verificando-se que as questões prejudiciais objecto de reenvio para o TJUE no referido processo são em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, e tendo em vista o princípio do primado do Direito da União Europeia, conclui-se pela total procedência do presente pedido.
3.2. Do pedido de juros indemnizatórios
O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que permite concluir pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito de um processo arbitral.
No entanto, como se refere neste n.º 23 do acórdão do TJUE de 18-04-2013, processo n.º C-565/11, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, para o que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador de jurisprudência de 22-03-2023, relativo ao Processo n.º 79/22.4BALSB, «em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT».
Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, desde a data em que se formou indeferimento tácito, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Para este efeito, deve considerar-se como data do indeferimento tácito o dia 10.08.2024 (4 meses após a entrega da reclamação graciosa, que ocorreu em 10.04.2024 – cfr. Artigo 57º nºs 1 e 5 da Lei Geral Tributária)
4. Decisão
Termos em que se decide, julgar, parcialmente, procedente o pedido arbitral, e em consequência:
(i) Anular o acto de indeferimento da reclamação graciosa a que foi atribuído o nº ...2024...;
(ii) A Anulação dos actos de retenção na fonte que incidiram sobre dividendos pagos à Requerente em 28.04.2022, no montante agregado de € 456.000,00 (quatrocentos e cinquenta e seis mil euros);
(iii) Condenar a Requerida a restituir ao Requerente o imposto pago em excesso, no montante de € 456.000,00 (quatrocentos e cinquenta e seis mil euros);
(iv) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, desde a data de 10 de Agosto de 2024;
(v) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
5. Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 456.000,00 (quatrocentos e cinquenta e seis mil euros), que não foi contestado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
6. Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em 7.344.00 €, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 8 de Julho de 2025
O Tribunal Arbitral
(Jorge Lopes de Sousa)
Arbitro-Presidente
(Rita Guerra Alves)
Arbitro Vogal
(João Marques Pinto)
Arbitro Vogal (relator)