Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1257/2024-T
Data da decisão: 2025-06-21  IRS  
Valor do pedido: € 66.906,45
Tema: IRS – Residente não Habitual (RNH) – Inscrição no Registo dos Contribuintes – artigo 16.º, n.ºs 8, 9, 10 e 11, do CIRS – Atividades de Elevado Valor Acrescentado – artigo 72.º, n.º 10, do CIRS –
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SUMÁRIO:

 

 

I   – No domínio do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais, a inscrição como residente não habitual a que se refere o n.º 10, do artigo 16.º, do CIRS assume natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado nos termos de tal regime.

 

II  – Do cotejo dos n.ºs 8 a 11, do artigo 16.º, do CIRS resulta manifesto que os pressupostos para a aplicação doaludido regime são, unicamente, os seguintes: (i) O Sujeito Passivo se torne fiscalmente residente em Portugal e;(ii) O Sujeito Passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos imediatamente anteriores.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Senhor Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dra. Maria da Graça Martins e Professor Doutor Júlio Tormenta, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 10.02.2025, decidem o seguinte:

I.   RELATÓRIO

 

1.                           A..., NIF ..., e, B..., NIF..., casados entre si e, ambos residentes na ..., n...., R/C Esquerdo, ...-... Sintra, (doravante “os Requerentes”), vieram, em 25.10.2023, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que

 

 aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”), n.º 2024..., referente ao ano de 2023, do qual resultou o valor total a pagar de €66.906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos), (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios e (3) a emissão, em consequência dessa anulação, de novo ato tributário de liquidação de IRS, apurado com base no entendimento supra  vertido, aplicando-se a taxa especial de 20% sobre os rendimentos de trabalho dependente obtidos pelos Requerentes.

 

2.                           Os Requerentes juntaram 14 (catorze) documentos.

 

3.                           O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 02.12.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

4.                           Os Requerentes não exerceram o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, e da alínea a) n.º1 do artigo 11.º, ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável.

 

5.                           A 21.01.2025 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados da alínea b) n.º1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

6.                           Em conformidade com o preceituado na alínea c) n.º1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído a 10.02.2025.

 

 

 

 

7.                           Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 12.02.2025 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (doravante “PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional.

 

8.                           No dia 18.03.2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defendeu por exceção invocando: (i) a incompetência material do CAAD para conhecer os vícios suscitados e/ou reconhecer o estatuto de residente não habitual (RNH); (ii) Caso julgado /Ininpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo) e (iii) Impropriedade do meio processual, e por impugnação. Igualmente foi junto o Processo Administrativo (PA).

 

9.                           Por despacho de 19.03.2025, o Tribunal Arbitral notificou os Requerentes para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, sobre as exceções aduzidas pela Requerida, o que estes fizeram, em 02.04.2025, mediante requerimento, no qual pugnaram pela sua improcedência.

 

10.                         Em 04.04.2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) dispensou as alegações, uma vez que as Requerentes já se pronunciaram sobre as exceções suscitadas pela Requerida; (iii)   notificou as Requerentes para procederem ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo.  

 

I.1.  ARGUMENTOS DAS PARTES

 

Posição dos Requerentes

 

11.                      A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequenteanulação do ato de liquidação de IRS aqui em crise, invocam os Requerentes, de entre o mais, o seguinte:

 

I.               Dos pressupostos para a qualificação enquanto RNH

 

a)    Ao analisar os pressupostos legais para se ser considerado como RNH, em conformidade com o dispostono n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, retira-se que os requisitos para que se possa ser considerado RNHsão os seguintes: (i) o sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos do n.º 1 oun.º 2 do artigo 16.º do Código de IRS; (ii) o sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição

como residente, não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

 

b)    Verificadas estas condições, o “(...) residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.” – Cfr. n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS –, direito este que “(...) depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.” – Cfr. n.º 11 do artigo 16.º do Código do IRS.

 

c)    A Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, passou, sem margem para quaisquer dúvidas de interpretação, a estabelecer, no então n.º 7 do artigo 16.º do CIRS, uma redação substancialmente diferente (da redação original, prévia àquela Lei), deixando cair a obrigação de inscrição enquanto residente não habitual para se adquirir o direito a ser tributado enquanto tal, para uma formulação em que o direito a ser tributado enquanto residente não habitual ocorre por força do mero registo enquanto residente fiscal, cumprindo, claro, os requisitos materiais para ser considerado residente não habitual.

 

d)    Com a referida alteração, o direito a ser tributado como RNH deixou de depender “da inscrição dessaqualidade no registo de contribuintes da DGCI”, para depender, apenas de acordo com a lei, da “inscrição como residente em território português”.

 

e)    Verificados os requisitos materiais previstos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, a atribuição do direito a ser tributado como RNH opera ope legis da inscrição como residente em território português, não dependendo, nos termos da lei, de qualquer ato posterior nem de reconhecimento ou registo pela Administração Tributária.

 

II.             Do RNH enquanto benefício fiscal de reconhecimento automático

 

f)     Sendo um regime fiscal especial, os seus contornos e caraterísticas enquadram o regime dos residentes não habituais no âmbito do conceito legal de benefício fiscal, constante do artigo 2.º do EBF. 

 

g)    Apesar da necessidade de solicitação de inscrição no regime, o benefício em causa consiste num benefícioautomático, visto que, nos termos da lei, o mesmo não depende já de prévio reconhecimento por parte da Administração Tributária.

 

h)    A qualificação do benefício fiscal em apreço resulta direta e claramente da lei.

 

i)     Por um lado, é manifestamente evidente que o direito a ser tributado como RNH constitui-se no momento em que, nos termos do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, o contribuinte interessado reúne ambas as condições materiais nele previstas: (i) registar-se como residente em Portugal e (ii) não ter sido residente em Portugal em nenhum dos cinco anos anteriores.

 

j)     Por outro lado, a natureza automática, ope legis, do benefício em causa resulta do disposto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que determina que o sujeito passivo tem o ónus de solicitar a sua inscrição como RNH, mas não o dever de requerer qualquer reconhecimento desse benefício. Não dependendo, assim, de prévio reconhecimento formal, por parte da Administração Tributária, para que tal direito produza efeitos.

 

k)    Na sequência da entrada em vigor do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, que alterou a redação do n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, o pedido de registo passou a ter lugar exclusivamente por via eletrónica, através da funcionalidade denominada “Inscrição como Residente Não Habitual”, disponível no Portal das Finanças, conforme o Ofício-Circulado n.º 90023, emitido em simultâneo com a publicação no Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto.

 

l)     A Circular n.º 4/2019, relativa ao exercício de atividades de elevado valor acrescentado, segue no sentido da progressiva automatização dos procedimentos burocráticos associados aos RNH, reconhecendo que os procedimentos até então adotados se revelavam excessivamente morosos e não obviavam a necessidade de controlo a posteriori.

 

m)  É a própria Administração Tributária que reconhece, de forma expressa, no ponto 1, daquela Circular, que os benefícios fiscais inerentes ao regime dos RNH – quer os referentes à tributação das atividades de valoracrescentado previstos no n.º 10 do artigo

72.º do Código do IRS, quer os referentes à tributação dos rendimentos das Categorias B, E, F e G defonte estrangeira, previstos no n.º 5 do artigo 81.º do Código do CIRS – decorrem automaticamente da lei e que não estão sujeitos a qualquer tipo de reconhecimento constitutivo.

 

n)    Atualmente, a inscrição enquanto RNH no Portal das Finanças não é sequer objeto de qualquer instruçãonem é sequer solicitado qualquer documento ao requerente do mesmo, sendo somente obrigatório que o requerente preste uma declaração de honra na qual afirma cumprir “os requisitos para ser considerado não residente nos cinco anos anteriores ao ano pretendido para o início do estatuto não habitual”.

 

o)    Ou seja, resulta do Portal das Finanças, e do modo como o pedido de inscrição enquanto RNH éapresentado no mesmo, que é a própria Administração Tributária que reconhece que o único requisito é a não residência fiscal em Portugal nos 5 anos anteriores e não qualquer outro, não sendo sequer solicitado qualquer documento ou comprovativo da situação para controlo e fiscalização da AdministraçãoTributária, bastando tão-somente uma declaração de honra.

 

p)    Por não se tratar de um ato administrativo, mas, sim, de um ato de mero expediente, a inscrição como RNH não obedece aos requisitos legais previstos no Código do Procedimento Administrativo (CPA), não carecendo de indicação da autoridade que procedeu à inscrição, nem de enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, nem de fundamentação específica, nem de qualquer assinatura – elementos estes que, corretamente e em linha com o que se expôs, não são informados os sujeitos passivos subsequentemente à sua inscrição como RNH.

 

q)    O regime do RNH será, assim, (funcionalmente) similar a outros benefícios que, embora de natureza automática, são, por razões de operacionalidade, de publicidade e outras, sujeitos a inscrição ou a qualquer outra forma de comunicação à Administração Tributária ou a outras entidades competentes.

 

 

III.           Do registo como RNH enquanto obrigação acessória

 

r)     As obrigações de inscrição em registo (também referidas como deveres especiais de informação), onde se inclui o dever de solicitar a inscrição como RNH em cadastro, correspondem, nesta aceção, a uma das modalidades de obrigações acessórias, a par, por exemplo, do dever de declarar o início, alteração e cessação de atividade – Cfr. artigos 112.º do Código do IRS e artigos 31.º a 33.º do Código do Impostosobre o Valor Acrescentado –, de proceder à inscrição de prédios na matriz e de proceder à sua atualização – Cfr. artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – ou de inscrever heranças indivisas e comunicar deficiências fiscalmente relevantes.

 

s)     Sendo o direito a ser tributado como RNH atribuído ope legis – verificados os requisitos materiais do regime e a inscrição do sujeito passivo como residente em território português (Cfr. n.º 8 e n.º 9 do artigo16.º do Código do IRS) –, a solicitação da inscrição dessa qualidade em cadastro mais não consiste que umdever acessório do contribuinte, o qual deverá por este ser cumprido de forma a possibilitar ab initio um correto processamento do IRS aplicável.

 

t)     Concluindo-se que a inscrição em cadastro corresponde a um mero dever acessório e de naturezainstrumental, a ausência daquela inscrição não pode determinar o afastamento do direito de vir a ser tributado, nem de ser reconhecido como tal, nomeadamente promovendo-se a inerente atualização do cadastro fiscal de forma a serem os Requerentes considerados como residentes não habituais. E, é, exatamente, neste sentido que vai a jurisprudência arbitral.

 

IV.           Da ilegalidade da liquidação de IRS

 

u)    Os Requerentes preenchem os requisitos materiais necessários para serem considerados RNH em territórioportuguês desde 15 de novembro de 2019 – data a partir da qual

foram registados como residentes fiscais em Portugal –, sem prejuízo, de, formalmente, não teremrealizado o procedimento de inscrição nessa qualidade, até ao dia 31 de março de 2020, em conformidade com o disposto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS.

 

v)    De todo o modo, nos termos da própria lei, aquele pedido de inscrição em cadastro não constitui um requisito (constitutivo) necessário à tributação do sujeito passivo como residente não habitual, nem prejudica o reconhecimento desse direito pela própria lei, nem a inscrição do mesmo em cadastro.

 

w)   Estão, assim, verificados, desde 15 de novembro de 2019, os dois únicos pressupostos de que o n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS faz depender a qualificação do sujeito passivo como RNH e de que o n.º 9 e o n.º 11 do mesmo artigo fazem depender o direito a ser tributado nessa qualidade. 

 

x)    Resulta, também, claro o enquadramento das atividades exercidas pelos Requerentes, junto da C... (doravante designada por “C...”), como uma das atividades de elevado valor acrescentado, elencadas na lista constante da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro (em vigor à data da inscrição dos Requerentes como residentes fiscais), em concreto no código 802 correspondente a “Quadros superiores de empresa”.

 

y)    Estando os Requerentes, enquadrados no regime fiscal dos RNH, e exercendo as atividades de elevado valor acrescentado, será de aplicar aos seus rendimentos o disposto na norma prevista no n.º 10 do artigo 72.º[1] do CIRS, que visa a aplicação de uma taxa reduzida especial.

 

z)    Face ao exposto, é manifesto que a liquidação de IRS ora contestada enferma de erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual dos Requerentes.

 

Posição da Requerida

 

12.    Por sua vez, a AT defende-se por exceção e impugnação com base nos seguintes fundamentos:

a)    Os Requerentes peticionam a i) “(…) a anulação do acto de liquidação N.º 2024..., referente ao ano de 2023, (…) com as necessárias consequências legais, designadamente, o reembolso do imposto pago indevidamente (…) acrescido dos competentes juros indemnizatórios (…)” e ii) “A emissão (…) de novo acto tributário de liquidaçãode IRS, apurado com base no entendimento supra vertido, aplicando-se a taxa especial de 20% sobre os rendimentos de trabalho dependente obtidos pelos Requerentes” com o fundamento de que a liquidação impugnada é ilegal porque “(…) enferma de erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual dos Requerentes”.

aa)  Analisando a causa de pedir, verifica-se que a verdadeira pretensão dos Requerentes se circunscreve ao reconhecimento do estatuto de RNH e à aplicação do mesmo na liquidação em causa, defendendo que a questão controvertida não pode ser analisada pelo CAAD, e, admitindo-se que caso não seja assim, o ato impugnado não padece de qualquer ilegalidade.

 

Defesa por Exceção 

 

b)    Assim, defende-se por exceção invocando os seguintes vícios: 

 

(i)             Incompetência absoluta do CAAD para conhecer dos vícios suscitados e/ou reconhecer o estatuto de residente não habitual (RNH)

 

(ii)           Caso Julgado/Inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)

 

(iii)         Impropriedade do meio processual 

 

Assim, quanto às exceções suscitadas, a Requerida defende:

 

(i)            Incompetência absoluta do CAAD 

 

ü  Nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT decorre que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

ü  Ora, como taxativamente decorre do PPA, o que os Requerentes efetivamente pretendem com a presente lide é que lhes seja aplicado o estatuto de residente não habitual para efeitos de liquidação de imposto em 2023.

ü  Deste modo, só depois de ser reconhecido/aplicado o estatuto de RNH é que a liquidação impugnada poderia ser anulada e emitida nova liquidação de onde resultasse uma tributação de 20% sobre os rendimentos decorrentes do trabalho dependente, aplicando-se o regime/benefício fiscal pretendido.

ü  Parece, assim, não existirem dúvidas que o pedido dos Requerentes se circunscreve ao reconhecimento do estatuto de RNH e à sua consequente aplicação na liquidação em causa.

ü  os Requerentes admitem que pediram e foi-lhe negada a inscrição no regime de RNH, por não estarem reunidos os requisitos para aplicação desse estatuto, tendo os mesmos sido notificados da possibilidade de reação desta decisão (por via graciosa ou contenciosa - ação administrativa).

ü  A aplicação do estatuto de RNH, cujo indeferimento (ao qual se impunha que reagissem tempestivamente) constitui um ato administrativo em matéria tributária (ato tributário autónomo, destacável, mas não integrando o procedimento de liquidação de imposto) que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação, e, que por isso o CAAD não tem competência jurisdicional para julgar o peticionado nos presentes autos, conforme doutrina, jurisprudência arbitral, Tribunal Constitucional[2] e STA, estando-se por isso, perante uma incompetência material do CAAD.

ü  Conclui que, estando-se perante uma incompetência material, que se suscita, configurando a mesma uma exceção dilatória que determina uma absolvição de instância, nos termos de alínea a) do n.º4 do artigo 89.º do CPTA aplicável ex vi alínea c) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT. 

 

(ii)           Caso Julgado/Inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)

 

ü  Caso o Tribunal Arbitral se declare competente, verificar-se-á a inimpugnabilidade da liquidação controvertida face à verificação do caso resolvido, uma vez que os Requerentes não reagiram contenciosamente via ação administrativa) contra o indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual.

ü  Ora sendo a inscrição no regime de residentes não habituais, um ato tributário destacável autonomamente, conforme jurisprudência do STA, e, se esse ato estiver inquinado de algum vício contra o qual o sujeito passivo não reagiu em sede própria (ação administrativa), o Tribunal Arbitral está vinculado a não acolher, como fundamentos de anulação de liquidação de imposto, vícios imputáveis a atos antecedentes (indeferimento da não inscrição no regime de residentes não habituais), uma vez que esses vícios se consolidaram na ordem jurídica.

ü  A inimpugnabilidade do ato de liquidação configura uma exceção dilatória, que se suscita, configurando a mesma uma exceção dilatória que determina a absolvição de instância, nos termos de alínea i) do n.º4 do artigo 89.º do CPTA aplicável ex vi alínea c) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT.       

 

(iii)          Impropriedade do meio processual 

ü  Com os mesmos fundamentos que sustentam a incompetência absoluta do CAAD quanto ao peticionado pelos Requerentes, aplicam-se mutatis mutandis à impropriedade do meio processual.

ü  O reconhecimento da aplicação do regime dos residentes não habituais, que é o que é pretendido pelos Requerentes no PPA, só pode ser peticionado junto do tribunal tributário através da competente ação administrativa, prevista e regulada no CPTA, e, não, através de uma ação de impugnação, como os Requerentes fizeram, havendo por isso, erro na forma de processo.

ü  A impropriedade do meio processual usado, consubstancia uma exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

     Defesa por Impugnação

 

c)    Entende que não estão preenchidos os pressupostos consagrados no artigo 16.º do 

CIRS.

O regime jurídico do residente não habitual foi criado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, e densificado nos artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, que, por sua vez, alterou os artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do CIRS, com vista a atrair não residentes em Portugal com elevado património, rendimentos ou qualificações, de modo a que estabelecessem o seu domínio fiscal em Portugal.

 

d)    Estatuindo o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, que se consideram residentes não habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do referido artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS, é, desde logo, percetível que a pretensão dos Requerentes não pode ser atendida – é que são ospróprios Requerentes que referem o estabelecimento da respetiva residência em Portugal, a 15 de novembro de 2019.

 

e)    A que acresce o facto de a inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal (n.º 10 artigo 16.º do CIRS), sendo que obtido este estatuto, o sujeito passivo adquire o direito a ser tributado em IRS como residente não habitual, pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, em que se tornou residente fiscal em Portugal (n.º 9 do artigo 16.º do CIRS).

 

f)     Estamos assim perante um benefício fiscal.

 

g)    A desconsideração da norma ínsita no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, como consagrada pelos Requerentes, retiraria qualquer sentido à citada disposição legal, ou seja, o legislador teria imposto naquele preceitouma obrigação absolutamente desnecessária e sem qualquer efeito legal.

 

h)    Assim sendo, não restam dúvidas de que, para a concessão do estatuto do RNH, deve o contribuinte solicitar a sua inscrição no prazo legal e, que o ato de inscrição do contribuinte como residente nãohabitual tem natureza prejudicial, de modo a beneficiar do correspondente regime.

 

i)     No caso do regime dos RNH, o artigo 16.º do CIRS, não prevê um processo de reconhecimento do benefício fiscal em concreto. O que o artigo 16.º do CIRS prevê, é um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais (ou condições necessárias): (i) que a pessoa singular se

tornou fiscalmente residente em território português, e; (ii) que a pessoa em causa não foi residente em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores –, para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito do regime dos RNH.

 

j)     Este procedimento de reconhecimento administrativo é, ele próprio, um dos pressupostos (acessório) dos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, o que significa que este pressuposto tem de se verificar, nos exatos termos previstos na lei, para que a pessoa singular possa usufruir dos diversos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, em qualquer um dos 10 anos a que tenha direito ao regime.

 

k)    Concomitantemente, é necessário que, em todos os anos em que se obtenha rendimentos elegíveis para o regime em causa, o RNH opte expressamente na modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance. Ou seja, o benefício fiscal só pode concretizar-se, anualmente, desde que exista facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e que o RNH declare os mesmos e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, caso o SP tenha obtido, a seu pedido, o reconhecimento administrativo da verificação dos dois outros pressupostos.

 

l)     É esta a contextualização autónoma, que define o enquadramento contencioso do reconhecimento da condição de residente não habitual.

 

m)  No caso controvertido, como os próprios reconhecem no PPA, os Requerentes efetuaram o pedido a que alude o n.º 10 do artigo 16.º do CIRS tardiamente, tendo o mesmo sido indeferido, não tendo os Requerentes utilizado os meios de reação que tinham ao seu dispor para impugnar tal decisão, o que não o fizeram, tendo a mesma consolidado na ordem jurídica.

 

n)    O pedido de inscrição no regime de residentes não habituais é obrigatório, sob pena de esvaziar o conteúdo da norma legal onde tal obrigatoriedade vem prevista - n.º 10 do artigo 16.º do CIRS – ao contrário do que defendem os Requerentes nos artigos 87.º e seguintes do PPA, tendo respaldo esta posição quer a nível da jurisprudência arbitral no âmbito do Processo 692/2024-T em que o Tribunal Arbitral se pronunciou relativamente ao pedido de inscrição no cadastro das finanças no sentido de “(…) não é irrelevante para efeitos de aplicação do respectivo regime (…)” quer a nível do STA[3] em que aquele Tribunal Superior se pronunciou “Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais” tendo sido referido no Sumário do aresto acima indicado “Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”, resultando que a alegação efetuada pelos Requerentes de que basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16.º do CIRS para automaticamente se beneficiar do regime de residente não habitual, ou que o mesmo opere ope legis, não tem acolhimento legal e normativo.

 

o)    Adicionalmente, os Requerentes não reúnem os pressupostos para poderem ser tributados, em 2023, como RNH, uma vez que era necessário e condição sine qua non, que não tivessem sido residentes fiscais nos cinco anos anteriores a 2023, tal como o previsto no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS. Ora tal não sucede no caso em apreço, tendo os Requerentes reconhecido isso mesmo, quando no PPA, nos artigos 5.º a 8.º, referem que residem em Portugal desde 2019.  

 

p)    Ora, sendo a inscrição no RNH um requisito prévio necessário à aplicação desse regime, não tendo o mesmo sido concedido e não estando preenchido o requisito previsto no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, vigente até 31/12/2023, não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação de IRS controvertida. 

 

q)    Por outro lado, mesmo que se pretenda, como defendem os Requerentes, que basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16.º do CIRS, para automaticamente beneficiar do estatuto de residente nãohabitual, estes obviamente não se verificam para o ano de 2023, visto que, desde 2019, que são residentes em Portugal e têm entregado declarações de rendimentos modelo 3 nessa qualidade. Afigura-se imprescindível que os Requerentes, não tenham sido residentes em Portugal nos cinco anos anteriores a2023 (artigo 16.º, n.º 8 do CIRS) – requisito este que os Requerentes contestam que não se verificou, no caso concreto.

 

r)     Pelo que se conclui pela improcedência da pretensão dos Requerentes.

 

s)     Quanto à Circular n.º 4/2019, aludida pelos Requerentes, é evidente que esta versa sobre o enquadramento fiscal das atividades de elevado valor acrescentado, sendo expressa, no que tange à inscrição prévia, comoresidente não habitual. A dita Circular esclarece, tão-somente, a desnecessidade de invocação prévia, àdeclaração modelo 3, da atividade de elevado valor acrescentado, nada dispõe sobre o regime, ou qualquer tipo de procedimento, respeitante à residência não habitual, pelo que se afigura desadequado, qualquer apelo à doutrina administrativa sindicada, para efeitos da aferição da residência não habitual.

 

t)     A Requerida refere que caso o Tribunal Arbitral entenda aferir da legalidade da liquidação controvertida, deverá aferir igualmente da qualificação da atividade profissional dos Requerentes no ano de 2023: Diretor da Escola (o requerente) e Diretora de Gestão de Matrículas & Marketing (a Requerente), da C..., nos termos e para os efeitos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na redação dada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.

 

u)    Segundo os Requerentes, as suas funções a nível profissional enquadrar-se-iam no código 802 correspondente a “Quadros superiores de empresa”, nos termos da Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, conforme consta no artigo 106.º do PPA. Assim sendo, admitindo-se a hipótese de os Requerentes estarem abrangidos pelo RNH, é imperativo verificar se as atividades profissionais em causa são elegíveis para serem consideradas como atividades de elevado valor acrescentado (AEVA), nos termos da legislação relevante, de forma a avaliar se em 2023, podem ou não beneficiar do disposto no n.º 10 do artigo 72.º (anterior n.º6), na redação então em vigor para aqueles rendimentos.  

 

v)    Foram apresentados documentos intitulados “Contrato de trabalho em regime de comissão de serviço”, cfr Dcs. 2 e 3 anexos ao PPA. Da análise aos mesmos, a Requerida entende que os Requerentes não conseguiram provar que os rendimentos auferidos provenham do exercício de AEVA, ónus que lhes competia provar com vista a ter o benefício fiscal traduzido numa tributação e rendimento de trabalho dependente à taxa de 20%. 

 

w)   Da análise ao Doc. 2, trata-se de um documento celebrado entre o Requerente e a C... em que no Anexo A do documento acima referido, estão descritas as funções a desempenhar pelo Requerente A... sem especificar se o mesmo tem qualquer poder de vinculação da empresa (C...) ou se está autorizado a assumir ou gerar qualquer obrigação ou responsabilidade, expressa ou implícita, a favor ou em nome da empresa (C...) ou que vincule a empresa (C...), informação que indiciasse o enquadramento como AEVA das funções desempenhadas  pelo Requerente. Da análise do Doc. 3 ao contrato da Requerente B..., a conclusão é a mesma da do seu marido quanto ao aspeto da não existência de qualquer poder de vinculação, com a particularidade de o Anexo I do seu contrato, onde viriam supostamente as funções da Requerente, não ter sido junto aos autos, desconhecendo-se assim as funções desempenhadas pela B..., e, se as mesmas reúnem os requisitos para serem consideradas como AEVA.

 

x)    A Requerida entende que nos termos do disposto no n.º1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova recaía sobre os Requerentes, não tendo os mesmos conseguido provar o que alegam quanto ao exercício de AEVA.  

 

y)    A Requerida defende que inexiste qualquer vício (ilegalidade) na liquidação controvertida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, e, consequentemente, não há lugar a juros indemnizatórios.

 

 

z)    Em face do exposto acima, o PPA deve ser considerado improcedente, e pugna por:

 

-  as exceções serem procedentes e a Requerida ser absolvida da instância;

- na eventualidade de as exceções serem consideradas improcedentes, o PPA deve ser julgado improcedente, a Requerida absolvida dos pedidos e o ato impugnado mantido na ordem jurídica.

                   

II.            SANEAMENTO

 

13.                      O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

14.                       As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

15.                       As exceções serão apreciadas após determinada a matéria de facto.

 

 

 

 

 

III.  MATÉRIA DE FACTO

 

III.1.  FACTOS PROVADOS

16.                      Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.            O Requerente A... é nacional do Canadá e a Requerente B... é nacional dos Estados Unidos da América (Cfr. Documento n.ºs 6 e 7 juntos ao PPA).

 

B.             Os Requerentes são casados entre si (Cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).

 

C.            Em 2019, os Requerentes aceitaram propostas de contrato de trabalho com a C... e estabeleceram a suaresidência em Portugal (Cfr. Documento n.ºs 2, 3, 10 e 11 juntos ao PPA).

D.            Após a aceitação das propostas de trabalho, os Requerentes encetaram diversas diligências para regularização da sua residência em território nacional, designadamente: (i) obtenção de uma autorização de residência para atividade de investimento (“ARI”), enquanto cidadãos extracomunitários; (ii) inscrição, inicialmente, a 27 de agosto de 2019, como não residentes fiscais em Portugal, nomeando, para o efeito, um representante fiscal perante a Administração Tributária; (iii) inscrição no sistema previdencial da Segurança Social como trabalhadores por contra de outrem; (iv) a alteração da sua inscrição inicial junto da AdministraçãoTributária, passando a ser residentes em Portugal, com efeitos reportados à data de 15 de novembro de 2019 (Cfr. Documentos n.º s 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 juntos ao PPA).

 

E.             Os Requerentes encontram-se registados, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, como residentes fiscais em Portugal, com efeitos a partir de 15 de novembro de 2019 (Cfr. Documento n.ºs 10 e 11 juntos ao PPA).

 

F.             Os Requerentes não foram residentes em Portugal nos cinco anos anteriores (Cfr. Documento n.ºs 6 e 7 juntos ao PPA).

 

G.            Nos termos do contrato de trabalho celebrado com a C... o Requerente desempenha, desde novembro de 2019, as funções de “Diretor” – “Headmaster” de estabelecimento de ensino (Cfr. Documento n.º 2, cláusula primeira, número 2 junto ao PPA).

 

H.            Ao abrigo do aludido contrato, o Requerente “será responsável pela gestão da C... e será o diretor executivo (Chief Executive Officer) da mesma. Reportará diretamente ao Presidente do Conselho de Administração da C... e será responsável pela execução, implementação e desenvolvimento das políticas administrativas e académicas estabelecidas por aquele Conselho de Administração” (Cfr. Documento n.º 2, cláusula primeira, número 3 junto ao PPA).

 

I.              O conteúdo funcional do cargo de “Diretor” do estabelecimento de ensino em causa inclui, também, por exemplo, a preparação e concretização de planos, a preparação de orçamentos anuais, a contratação decolaboradores, a supervisão das atividades académicas, o

acompanhamento de docentes, discentes e relação com a comunidade (Cfr. Documento n.º 2, Anexo I junto ao PPA).

 

J.              Nos termos do contrato de trabalho celebrado com a C..., a Requerente desempenha, desde novembro de 2019, as funções de “Diretora de Gestão de Matrículas e Marketing” – “Director of Enrollment Management & Marketing” – de estabelecimento de ensino (Cfr. Documento n.º 3, cláusula primeira, número 2 junto ao PPA).

 

K.            A Requerente assume, também, funções de “Diretora-Geral de Estratégias de Matrículas” – “Director of Enrollment Strategy” – no contexto do grupo empresarial C...(Cfr. Documento n.º 3, cláusula primeira, número 3 junto ao PPA).

 

L.             No exercício das suas funções, a Requerente reporta diretamente ao Diretor – “Headmaster” – (Cfr. Documento n.º 3, cláusula primeira, número 4 junto ao PPA).

 

M.           Os Requerentes exercem as suas atividades laborais, no campus da C..., sito em Sintra, em regime de comissão de serviço e sujeitos a isenção de horário de trabalho (Cfr. Documentos n.ºs 2 e 3 juntos ao PPA).

 

N.            Em 2020, os Requerentes apresentaram a declaração de Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, sem o respetivo Anexo L, respeitante aos rendimentos obtidos por contribuintes com estatuto de residentes não habituais(Cfr. artigo 10.º do PPA, não contestado pela Requerida) 

 

O.            Considerando a declaração indicada em N., a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação de IRS com apuramento de imposto a reembolsar, no montante de €2.065,52 (dois mil sessenta e cinco euros ecinquenta e dois cêntimos), por excesso de retenção na fonte (Cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).

 

P.             Em 2021, os Requerentes apresentaram a declaração de Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2020, com o respetivo Anexo L.

 

Q.            Após a submissão de tal declaração, os Requerentes receberam uma notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira a informar da existência de erros no preenchimento da dita declaração de IRS, tendo aquelesprocedido à respetiva correção, retirando, assim, o seu anexo L (Cfr. Documento artigo 14.º do PPA, facto não contestado pela Requerida). 

 

R.            Na impossibilidade de submeterem o pedido de inscrição como RNH através do Portal das Finanças, os Requerentes apresentarem, em 17 de fevereiro de 2022, dois requerimentos, junto da Direção de Serviços deRegisto de Contribuintes, através dos quais peticionaram pela sua inscrição como RNH para o período de 2019-2028 (Cfr. Documento n.ºs 13 e 14 constantes no PA).

 

S.             Através dos ofícios n.º ... de 2023-01-16 e n.º ... de 2023-01-16, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foram os Requerentes notificados das propostas de indeferimento de inscrição como residentes nãohabituais e para, querendo, exercerem o direito de audição por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, os quais nada disseram (Cfr. PA).

 

T.             Através dos ofícios n.º ... de 2023-03-14 e n.º ... de 2023-03-14, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foram os Requerentes notificados do despacho definitivo de indeferimento proferido pelo Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes e para, querendo, interporem recurso hierárquico do aludido despacho, noprazo de 30 (trinta) dias (Cfr. PA).

 

U.            À semelhança do sucedido nos anos anteriores, após procederem à entrega da respetiva declaração de IRSde 2023, na qual juntaram o Anexo L e fizeram menção ao exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, enquanto Diretores, com o código “802 – Quadro Superior de Empresas”, os Requerentes foram, mais uma vez, notificados pela Administração Tributária a dar nota de erros no preenchimento da mencionada declaração, tendo aqueles procedido à respetiva correção, retirando o seu anexo L (Cfr. artigos 18.º e 19.º do PPA, facto não contestado pela Requerida). 

 

V.            Nesta sequência foi emitida uma nota de liquidação IRS n.º 2023 2024..., referente ao ano de 2023, do qual resultou o valor total a pagar de €66.906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos...), a qual não reflete o estatuto de RNH (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).

 

W.           Apesar de não concordarem com o valor de imposto apurado, em virtude da não aplicação do regime de RNH – do qual entendem os Requerentes beneficiar –, estes, com o intuito de evitar a instauração de quaisquer processos de execução fiscal, procederam ao pagamento do imposto apurado, em 30 de agosto de 2024 (Cfr. Documento n.º 15 junto ao PPA).

X.            Os Requerentes apresentaram, em 3 de outubro de 2024 dois requerimentos, junto da Direção de Serviçosde Registo de Contribuintes, através dos quais peticionaram pela sua inscrição como RNH (reiterando os fundamentos apresentados nos requerimentos apresentados em 17 de fevereiro de 2022 – ponto R dos Factos Provados) para o período de 2019-2028 (Cfr. Documentos n.ºs 13 e 14 anexos ao PPA).

Y.            Os Requerentes apresentaram o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 28.11.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).

Z.             Através de requerimento enviado para o CAAD em 31 de março de 2025, os Requerentes pronunciaram-se sobre as exceções suscitadas pela Requerida, não concordando com as mesmas.

 

III.2.  FACTOS NÃO PROVADOS

17.                       Apesar de os Requerentes alegarem no artigo 21.º do PPA que, apesar de não concordarem com o valor de imposto apurado na liquidação controvertida n.º 2024..., referente ao ano de 2023, do qual resultou o valor total a pagar de €66.906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos), em virtude da não aplicação do regime de RNH – do qual entendem os Requerentes beneficiar –, não provaram ter procedido ao pagamento do imposto apurado na referida liquidação com vista a evitar a instauração de quaisquer processos de execução fiscal.

 

III.3.  FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

18.                      Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matériaque julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todosos elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do n.º 2 do artigo123.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do n.º 3 do artigo 607.º, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º1 do artigo 29.º, do RJAT.

 

19.                      Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do n.º1 do artigo 596.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e) n,º1 do artigo 29.º, do RJAT.

 

20.                       O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos 

acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luzdas regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

 

 

 

IV.  MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1  Exceções 

 

21.                      Por força do artigo 124.º do CPPT ex vi alínea a) n.º1 do artigo 29.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral deverá apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam assim à sua anulação. Assim, foram suscitadas as seguintes exceções pela Requerida:

a)    Incompetência do CAAD para reconhecer o Estatuto de Residente Não Habitual

b)    Caso Julgado/Inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)

c)    Impropriedade do meio processual

Assim

a)    Incompetência do CAAD para reconhecer o Estatuto de Residente Não Habitual

(i)   Os Requerentes alegam que não está em causa nos presentes autos, uma situação de incompetência do CAAD quanto ao reconhecimento do RNH;

(ii)  Os Requerentes alegam que a Requerida vem arguir a incompetência do CAAD para reconhecer o estatuto de residente não habitual por força do disposto no artigo 2.º do RJAT que dispõe que a competência do CAAD se circunscreve “ à  declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenções na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de aos de fixação de valores patrimoniais”; e

(iii)        Os Requerentes alegam que a Requerida argui igualmente que o pedido dos Requerentes ao “reconhecimento do estatuto de RNH e à sua aplicação à liquidação em causa, estando o mesmo excluído da competência deste Tribunal Arbitral” tendo respaldo esta posição quer na doutrina (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa transcrito na Resposta) quer em jurisprudência arbitral (Processos n.ºs 796/2022-T, 906/2023-T e 651/2024-T); e

(iv) Os Requerentes alegam igualmente que a Requerida argui que, de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 718/2017, proferido no âmbito do processo n.º 723/2016, de 15 de novembro de 2017, pronuncia-se no sentido de que o deferimento/indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto do residente não habitual não integra, como ato preparatório, mesmo que destacável, o procedimento de liquidação do imposto, mas, sim, constitui um ato tributário (administrativo) autónomo, um pressuposto autónomo, com efeitos próprios, que se estendem para além do ato de liquidação, concluindo quanto a este ponto quanto à natureza do deferimento/indeferimento do estatuto de residente não habitual que “Desta forma, tendo em conta que os únicos vícios ora imputados à liquidação se prendem com a apreciação do preenchimento dos pressupostos para que lhes sejam deferidos os pedidos de inscrição como residente não habitual, é por demais evidente a incompetência material, absoluta, do CAAD, para apreciar os alegados vícios/ilegalidades que, segundo invocam, ferem de ilegalidade a liquidação. “;

(v)  Por outro lado, os Requerentes alegam que não acompanham a posição da Requerida fundamentada no Acórdão do TC n.º 718/2017 que veio pronunciar-se pela não inconstitucionalidade do artigo n.º 54.º do CPPT quando interpretado no sentido de que

a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação de imposto com fundamento em vícios daqueles” 

uma vez que a jurisprudência citada pela Requerida dizia respeito a uma liquidação de imposto relativa a 2010, tendo por base legislação de 2009 - Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro - anterior às alterações ocorridas com a Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto; de facto antes das alterações ocorridas referidas anteriormente, o n.º 7 do artigo 16.º do Código do IRS previa: 

O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”  

ao passo que o n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS, aplicável ao caso concreto, prevê que

O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributados como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português

pelo que houve uma intenção do legislador retirar a menção à inscrição no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos, “bastando-se” com a inscrição como residente em território português, condição que no caso dos Requerentes se reporta ao ano de 2019.

(vi)  Adicionalmente, os Requerentes alegam que a previsão do n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRA, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto onde se estatui a inscrição como residente não habitual por via eletrónica, posteriormente ao ato de inscrição como residente em território português tendo como data limite o dia 31 de março do ano seguinte àquele em que se tornou residente, é um dever acessório ao abrigo do n.º 2 do artigo 31.º da LGT, é um procedimento interlocutório relativo ao reconhecimento do estatuto de RNH, sem o qual era impossível a aplicação do beneficio fiscal consubstanciado no RNH, tendo como respaldo deste entendimento a Circular 4/2019 onde se prevê a propósito do RNH:

“(…) consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.

(vii)                Os Requerentes alegam que os benefícios fiscais inerentes ao regime do RNH, os previstos quer no n.º 10 do artigo 72.º do CIRS quer os referentes às categorias B, e, F e G de fonte estrangeira previstos no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS, decorrem automaticamente da lei e não estão sujeitos a qualquer tipo de reconhecimento constitutivo.

(viii)              Os Requerentes concordam com a Requerida quanto ao facto do Tribunal Arbitral não ter competência para o reconhecimento do RNH, mas   o que está em causa nos presentes autos, é saber se existe ou não ilegalidade da liquidação de IRS, do ano de 2023, uma vez que no pedido de constituição de Tribunal Arbitral se pugna por:

“(..:) I) A PROCEDÊNCIA, POR PROVADO E FUNDADO, NOS TERMOS E FUNDAMENTOS EXPOSTOS, DO PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2024..., REFERENTE AO ANO DE 2023, QUE PREVÊS UM MONTANTE GLOBAL A PAGAR DE € 66.906,45 (SESSENTA E SEIS MIL, NOVECENTOS E SEIS EUROS E QUARENTA E CINCO CÊNTIMOS), TUDO COM AS NECESSÁRIAS ONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, O REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO INDEVIDAMENTE PELOS REQUERENTES, ACRESCIDO DOS COMPETENTES JUROS INDEMNIZATÓRIOS CALCULADOS À TAXA LEGAL; “

            

            Tendo em conta o acima exposto, é convicção deste Tribunal Arbitral que assiste razão aos Requerentes porque o que está em causa é a análise da existência ou não de ilegalidade da liquidação de IRS de 2023, sendo o Tribunal Arbitral  competente para efetuar essa análise ao abrigo do regime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e em conformidade com a previsão da alínea b) n.º1 do artigo 2.º  e da alínea a) n.º1 do artigo 10.º, do RJAT, bem como da alínea b) n.º1 do artigo 102.º, do CPPT,  e,  não, a análise do indeferimento da aplicação do regime dos RNH, pelo que improcede a exceção suscitada pela Requerida quanto à incompetência material do presente Tribunal Arbitral. 

 

b)    Caso Julgado/Inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)

(i)   Os Requerentes alegam que a Requerida suscita a exceção de caso julgado, fundamentando a sua posição 

Caso o Tribunal se declare competente, sempre se terá por verificada (aproveitando os argumentos supra expostos), a inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido, uma vez os Requerentes não reagiram contenciosamente contra o indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, conforme supradito.”

e

“(…) ainda que admitindo a competência do Tribunal para a declaração de ilegalidade de ato de liquidação de imposto, há que constatar a inviabilidade de isso se fazer com base em fundamentos que respeitam a atos destacáveis autonomamente impugnáveis (como é o caso, e tratando-se de ato obrigatório e condição de aplicação do regime, como demonstrado supra e acolhido pela jurisprudência do STA), os quais envolvem a consequência, na falta da sua impugnação tempestiva, de se consolidarem como caso resolvido,”

 

(ii)  Os Requerentes igualmente alegam que se está perante uma situação de caso julgado quando já existe uma decisão que adquire força obrigatória por dela não se poder reclamar ou não recorrer por a mesma não admitir recurso e ter-se consolidado na ordem jurídica, não havendo por isso, repetição da causa ou contradição entre decisões versando a mesma factualidade.

(iii) Os Requerentes reiteram que a decisão sobre o acesso ao regime dos RNH não é o objeto do presente PPA, mas sim, saber se a liquidação controvertida, liquidação de IRS de 2023, está inquinada de alguma ilegalidade ou não, sendo este o objeto do presente PPA. Trata-se de um pedido muito concreto e objetivo do presente PPA, diferente do que é pretendido pela Requerida.

            Tendo em conta o acima exposto, é convicção deste Tribunal Arbitral que assiste razão aos Requerentes quanto à não existência de caso julgado, pelo que improcede a exceção dilatória de caso julgado suscitada pela Requerida.

c)    Impropriedade do meio processual

(i)   Os Requerentes alegam que a Requerida defende que se está perante uma situação de impropriedade de meio processual, uma vez que o reconhecimento do regime do RNH só pode ser peticionado junto do tribunal tributário e através duma ação administrativa prevista e regulada pelo CPTA, e, não, através de uma ação de impugnação junto dum tribunal arbitral, havendo por isso, uma desconformidade entre a forma processual e a natureza do processo.

(ii)  Os Requerentes alegam que segundo a Requerida se está perante uma exceção dilatória inominada cuja procedência determina a absolvição de instância da mesma, nos termos do n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT.

(iii)        Convém referir que o erro na forma de processo, está previsto no artigo 193.º do CPC, consistindo o mesmo no facto de o autor ter usado uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na ação[4].   

(iv) A correção ou incorreção do meio processual empregue pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de ação por si escolhido para atingir o fim por si visado) afere-se pela pretensão de tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir; e a chamada inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste, precisamente, na discrepância ou desarmonia entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visava atingir.

(v)  Ora, para se saber se ocorre ou não erro na forma do processo, é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência.

(vi) Assim, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da ação (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.

(vii)     Deste modo, analisando o caso controvertido, lendo-se a petição inicial/PPA e o pedido que nela é formulado, verifica-se que o que os Requerentes pretendem obter, em primeira linha, é a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2024 ..., referente ao ano de 2023, do qual resultou o valor total a pagar de €66.906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos).

(viii)    Ora, o pedido de que seja anulada uma liquidação de imposto, é típico do processo de impugnação judicial. Nesta forma processual o pedido será de anulação, declaração de inexistência ou de nulidade de um ato de liquidação, ou de um ato administrativo que comporte a apreciação de um ato de liquidação (ato de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que aprecie reclamação graciosa, ato de apreciação do pedido de revisão oficiosa), ou ainda de um ato de outro tipo, mas para o qual a lei utilize o termo impugnação para aludir ao meio processual a utilizar na respetiva reação contenciosa (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 2 ao art. 99.º, págs. 107/108.).

(ix) No caso controvertido, o pedido apresentado pelos Requerentes não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual, mas a anulação da liquidação de IRS aqui em crise, em atenção à regulação jurídica aplicável; tal pedido – anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2024 ..., referente ao ano de 2023, do qual resultou o valor total a pagar de €66.906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos) – adequa-se perfeitamente ao processo de impugnação judicial de que se socorrem os Requerentes.

            Tendo em conta o acima exposto, é convicção deste Tribunal Arbitral que os Requerentes não incorreram em erro na forma de processo, pelo que improcede a exceção aduzida pela Requerida quanto à impropriedade do meio processual.

 

IV.2  DA QUESTÃO DE FUNDO

 

22.                      Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições dos Requerentes e daRequerida constantes das suas peças processuais, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar as seguintes questões:

 

a)    Se os Requerentes beneficiam do direito a ser tributados como residentes não habituais, desde 15 de novembro de 2019;

 

b)    Se as atividades exercidas pelos Requerentes se enquadram como atividades de elevado valor acrescentado;

 

c)    Se os Requerentes têm direito à restituição do imposto pago relativo a 2023 e a juros indemnizatórios;

 

d)    Se os Requerentes, em 2023, estão abrangidos pelo regime dos RNH.

 

IV.2.1  DO REGIME DOS RESIDENTES NÃO HABITUAIS

23.                      Surge, então, aqui, como questão a resolver, saber se a inscrição no registo da condição de residente não habitual possui, não uma natureza meramente declarativa, mas eficácia constitutiva, no sentido de que essainscrição cadastral é um pressuposto específico, sem o qual não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão dessa condição de RNH.

 

24.                      Esta questão foi já objeto de apreciação pela jurisprudência, que deve aqui ser considerada por forçada obrigação resultante do n.º3 do artigo 8.º, do Código Civil que determina que “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

 

25.                       Assim, atentemos, antes de mais, ao enquadramento legal de tal regime e, desde logo, ao preceituado no artigo 16.º do CIRS, em vigor à data dos factos, nos termos do qual: 

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9              - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10           - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)

11           - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

 

26.                      Do cotejo dos n.ºs 8 a 11, do artigo 16.º, do CIRS, é possível apreender que os pressupostos para a aplicação deste regime são os seguintes:

 

·      O Sujeito Passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2, do artigo 16.º, do CIRS;

 

·      O Sujeito Passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.

 

27.                      Dito isto, indelével resulta concluir que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação destebenefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 8 do artigo 16.º, do CIRS, e não, da inscrição formal como residente não habitual. 

 

28.                      Conforme já foi observado, a título de exemplo, no processo 777/2020-T e acolhido no processo n.º 550/2020-T, a redação aplicável dos n.ºs 8 e 9, do artigo 16.º, do CIRS, dispõe claramente no sentido de que setrata, essa inscrição no cadastro do contribuinte, de um registo declarativo, cuja não realização não obvia à aplicação, verificados os pressupostos materiais exigidos, dos benefícios fiscais em causa.

 

29.                      O teor da norma – n.º 11, do artigo 16.º, do CIRS – é, a este propósito, lapidar ao fazer depender para a aplicação de tal regime da circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado)como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.

 

30.                      Assim, para que o sujeito passivo seja “considerado residente não habitual” e adquira o direito a ser tributado como tal, a lei não inclui a inscrição no registo como residente não habitual, que surge no n.º 10 domesmo artigo apenas como um dever do sujeito passivo (“deve solicitar a inscrição”), como requisito constitutivodessa condição e do direito à correspondente situação tributária vantajosa.

 

31.                      Aliás, “esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire odireito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessaqualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo,que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral de Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo de contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não

habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmenteresidentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português emqualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.

(...)

O pedido de inscrição como residente não habitual imposto pelo n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se a um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT) que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do benefício fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder,solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, sendo, porém da verificação dessesrequisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual.” (Cfr. decisão arbitral proferida no processodo CAAD n.º 705/2022-T).

 

32.                      Efetivamente, a falta ou a intempestividade da inscrição como residente não habitual dificulta a gestão tributária e o correto processamento das liquidações de IRS pela AT, mas não determina a exclusão do regime correspondente (RNH).

 

 

33.                      Neste sentido, o presente Tribunal Arbitral, suportado pela ampla jurisprudência nesta matéria, considera, também, que o regime do RNH é um regime jurídico-fiscal cujo direito se verifica ope legis, sem depender do registo formal da qualidade de RNH.

 

34.                      Vistos os pressupostos dos quais o legislador faz depender a aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais e o efeito que o pedido de inscrição enquanto RNH reveste no ordenamento jurídico, importa aferir se no caso dos Requerentes, os mesmo reúnem os pressupostos para a aplicação de tal regime desde 15 de novembro de 2019.

 

 

35.                      Como resulta da matéria de facto dada como provada, os Requerentes passaram a ser residentes para efeitos fiscais em Portugal, com efeitos a partir de 15.11.2019 (Cfr. facto provado E.), sendo que igualmente se provou que os mesmos não estavam inscritos como residentes fiscais em Portugal nos cinco anos imediatamenteanteriores (Cfr. facto provado F.).

 

36.                      Em face dos factos dados como assentes e do respetivo direito aplicável supra explanado, torna-se necessário concluir no sentido de que os Requerentes cumpriram os necessários requisitos previstos no n.º 8, do artigo 16.º, do CIRS – os quais são os únicos requisitos exigidos por lei para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH –, pelo que devem ser sido tributados de acordo com aquele regime especial desde 2019 (inclusive), data a partir da qual foram registados como residentes fiscais em Portugal. 

 

              Tendo em conta ao cima exposto, os Requerentes devem, assim, beneficiar do regime dos RNH, embora formalmente não tenham tempestivamente efetuado os respetivos pedidos de inscrição nessa qualidade – o benefício é automático e a inscrição em cadastro não é constitutiva do direito ao mesmo.

 

IV.2.2        DA QUALIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES EXERCIDAS PELOS REQUERENTES E DA TRIBUTAÇÃO DOS SEUS RENDIMENTOS

37.                      Não obstante o supra exposto, impõe-se, ainda, verificar se aos Requerentes assiste o concreto direito a ser tributado nos termos do n.º 10, do artigo 72.º, do CIRS (em vigor à data dos factos), que estabelece oseguinte: “Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela áreadas finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”.

 

38.                      O citado artigo prevê, assim, que qualquer atividade de elevado valor acrescentado, que possa beneficiar desta taxa especial, deverá ser definida por portaria.

 

39.                      Concretizando a aludida disposição normativa, foi publicada, num primeiro momento, a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que aprovou a “tabela de atividades de elevado valor acrescentado”.

 

40.                      Tal portaria elencou através da aprovação desta tabela a identificação de cada atividade de elevado valor acrescentando, referindo no seu n.º 2 que: “Todas as dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e ao alcance das actividades constantes da presente tabela devem ser enquadradas nos códigos de actividadeeconómica (CAE) vigentes à data da entrada em vigor da presente portaria

 

41.                      Contudo, a portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, foi, entretanto, alterada pela portaria n.º 230/2019, de23 de julho, que procedeu à alteração das atividades anteriormente elencadas, tendo eliminado, para o que aqui interessa, o conceito de “quadro superior de empresa”.

 

42.                      Assim, relativamente às funções de direção, a tabela passou a incluir, designadamente, os códigos“112 – Diretor-Geral e gestor executivo, de empresas”, “12 – Diretores de serviços administrativos e comerciais”,“13 – Diretores de produção e de serviços especializados, “14 – Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços”, em conformidade com a Classificação Portuguesa de Profissões (doravante “CPP”).

 

43.                      Se antes os códigos listados pela portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, não tinham por referência aCPP, sendo as respetivas definições e conteúdos funcionais imprecisos, agora, por força das alterações introduzidas pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, os novos códigos são dotados, indiretamente, de conteúdoexplicativo, delimitando as profissões aí elencadas, por remissão para o disposto nos termos da CPP anexa à Deliberação n.º 967/2010 do Conselho Superior de Estatística (doravante “CSE”) de 5 de maio de 2010, publicada no Diário da República, 2ª série, n.º 106, de 1 de junho de 2010.

 

44.                      Ora, recordando os factos provados, o Requerente exerce funções de “Diretor” do estabelecimento de ensino e de “Diretor Executivo (Chief Executive Officer)” da C.... Por sua vez, a Requerente exerce funções de “Diretora de Gestão de Matrículas & Marketing” do estabelecimento de ensino e de “Diretora-Geral de Estratégia de Matrículas” do Grupo. Os Requerentes juntaram aos autos os contratos de trabalho, ao abrigo dos quais auferiram os rendimentos de trabalho dependente, em Portugal, pagos pela C... .

 

45.                      À data da inscrição como residentes fiscais em Portugal (15.11.2019), os Requerentes entendiam que as respetivas atividades laborais se enquadravam no código 802 – Quadros superiores de empresas”, atendendo àredação original da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.

 

46.                      Ora, in casu, e conforme concluiu a Decisão Arbitral, datada de 19.05.2023, processo n.º 581/2022-T, aplicável mutatis mutandis ao nosso PPA:

 

Da referida Classificação Portuguesa de Profissões, considerando as respetivas definições das profissões em causa, não decorre qualquer referência expressa a poderes de direção, e muito menos, a poderes de vinculação, ou de obrigatória integração em estrutura de órgão societário – nem da CPP, nem da lei, seja fiscal, laboral ou societária.

Por outro lado, não só gerentes e administradores dispõem de poderes de representação e vinculação da respetiva entidade empresarial. O artigo 115.º, n.º 3, do Código do Trabalho determina que “quando a natureza da atividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede aotrabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial”, não sendo necessária qualquerprocuração para o efeito. Sendo assim, dado que ambos os Requerentes exercem funções de direção de topo, nostermos expressados nos respetivos contratos de trabalho, poderiam, desde logo, reconduzir-se ao referido código “802 – Quadros superiores de empresas”.

Concomitantemente, considerando o objeto dos atuais códigos CPP das referidas profissões, as funções exercidas pelo Requerente e pela Requerida, respetivamente, poderiam ser reconduzidas, por exemplo, a“Diretor de serviços de educação” e a “Diretor de marketing”, assim como a outras categorias que incluem diretores não especificados.

Em particular, “Diretor de serviços de educação” corresponde ao código 1345, que integra o Código CPP 12 da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, compreendendo no geral, as tarefas e funções do diretor dos serviços de educação. Aliás, este código “inclui, nomeadamente, diretor de faculdade, de escola e reitor de universidade”, conforme Classificação Portuguesa de Profissões.

Ademais, os Requerentes prestam as suas atividades laborais em regime de comissão de serviço e com sujeição aisenção de horário de trabalho. Nos termos da legislação laboral, os regimes

da comissão de serviço e isenção de horário de trabalho são reservados a cargos de administração ou equivalente, direção ou chefia, o que assevera o carater funcional superior dos cargos exercidos pelos Requerentes no âmbito da organização em que se inserem.

Os poderes de direção, em menor ou maior grau, no seio da organização em que os Requerentes se inserem, decorrem, naturalmente, desde logo, da classificação contratual destes enquanto “diretores”, mas também dasfunções implícita ou explicitamente associadas, enquadráveis na CPP, considerando o teor dos contratos juntos, as categorias profissionais contratualizadas, o conteúdo funcional das funções e o regime de prestação detrabalho típico de quadros superiores e cargos de direção de empresas.

De resto, atendendo ao teor dos contratos, às categorias profissionais assumidas e aos factos alegados e provados, nada nos presentes autos faz o Tribunal Arbitral concluir que os Requerentes exercem atividades que não sejam enquadradas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, sendo que a argumentação da Requerida não merece, assim, acolhimento.

Veja-se, por fim, comparativamente, a decisão arbitral de 15-11-2022, no processo n.º 557/2021-T (acessível em www.caad.pt), através do qual se configura que “Um indivíduo contratado para exercer funções de Chief Operating Officer reportando diretamente ao Presidente do Conselho de Administração da empresa exerce a atividade de elevado valor acrescentado correspondente a Quadro Superior de Empresa”.

Considerando o exercício exposto acima, o presente Tribunal Arbitral considera que as atividades exercidas pelos Requerentes são enquadráveis na tabela da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na sua versão original ena versão alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.

47.                      Face ao exposto, conclui o Tribunal Arbitral que os Requerentes, sendo aplicável o regime RNH,beneficiam, em face das atividades que exercem, da taxa de tributação especial prevista no n.º10 do artigo 72.º, do CIRS.

            Nesta conformidade, a liquidação efetuada pela Autoridade Tributária ao IRS dos sujeitos passivos, referente ao ano de 2023, enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto nos n.ºs 8 a 11 do artigo 16.º e n.º 10 do artigo 72.º, todos do Código do IRS, o que implica a declaração de ilegalidade e subsequente anulação da liquidação de IRS em riste.

 

 

 

 

 

 

IV.3     DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

48.                      Peticionam, ainda, os Requerentes que lhes seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e a juros indemnizatórios.

 

49.                      Nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT), “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erroimputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

50.                      A Requerida não considerou o estatuto de RNH quando procedeu à liquidação de IRS relativamente aos Requerentes, em violação da lei fiscal aplicável.

 

51.                      É certo que o erro da Autoridade Tributária resulta, em primeiro lugar, da falta de pedido de inscrição dos Requerentes, enquanto RNH e, em segundo lugar, da apresentação intempestiva desse pedido (via requerimento) no cadastro dos Requerentes.

 

52.                      Sem prejuízo, dado que a Requerida emitiu a liquidação impugnada por sua iniciativa com a ilegalidade verificada – não aplicando aos Requerentes aquele estatuto especial (RNH) –, é-lhe imputável tal situação.

 

53.                      No entanto, não ficou provado, que os Requerentes tivessem relativamente à liquidação n.º 2024..., referente ao ano de 2023, do qual resultou o valor total a pagar de €66.906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos), pago aquele montante, pelo que improcede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do n.º1 do artigo 43.º da LGT.

 

Em conclusão, pelo acima exposto, é convicção deste Tribunal Arbitral pronunciar-se pela procedência parcial do PPA.

 

 

 

V.  DECISÃO

 

            Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

 

a)    Declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IRS n.º n.º 2024 ..., referente ao ano de 2023, do qual resultou o valor total a pagar de €66.906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos) com as devidas consequências legais;

 

b)    Emissão de uma nova liquidação de IRS aos Requerentes, referente ao ano de 2023, em que lhes seja aplicável o regime de RNH. 

 

c)    Absolver a Requerida do pedido acessório de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

VI.  VALOR DA CAUSA

 

Fixa-se ao processo o valor de €66 906,45 (sessenta seis mil novecentos e seis euros e quarenta cinco euros cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

VII.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oitos euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, em face do decaimento na presente ação.

 

 

Lisboa, 21 de junho de 2025

 

 

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

Carlos Alberto Ferreira Cadilha

Presidente

 

 

 

 

 

Maria da Graça Martins

 

 

 

 

 

Júlio Tormenta

Relator

 

 

 



[1] O n.º 10 do artigo 72.º do CIRS foi revogado pela Lei 82/2023, de 29 de dezembro (OE 2024) com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2024. 

[2] Acórdão n.º 718/2017, disponível em www.tribunalconstitucional.pt

 

[3] Acórdão, de 29/5/2024, proferido no âmbito do Processo 0842/23.9BESNET, disponível em www.dgsi.pt

 

[4] (Cfr., entre outros, RODRIGUES BASTOS, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; ANTUNES VARELA, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R.Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R.Évora de 12/11/98, in Col.Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R.Lisboa de 19/1/1995, in Col.Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R.Porto de 5/7/1990, in Col.Jur. Ano XV, T4, pág. 201.).