Sumário
I. Do facto do sujeito passivo não ter contabilizado a atribuição inicial de acções estabelecida nos LTIPs, nem ter contabilizado anualmente uma parte da remuneração variável que viria a ser atribuída, não se pode retirar como consequência que não tenham sido cumpridos os requisitos do nº13 do artigo 88º do Código do IRC.
II. O conceito de «desempenho positivo da sociedade» só pode, pois, assentar na referida geração de riqueza por parte da sociedade. E essa, apresenta-se, na demonstração de resultados e na sua conclusão - o resultado líquido do período.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora. Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dra. Susana Mercês de Carvalho (Adjunta) e Dra. Maria Antónia Torres (Adjunta), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., S.A. (adiante designada por "A..."), com número de Identificação de Pessoa Coletiva (NIPC)..., com sede social no..., ...-... Lisboa, sociedade dominada designada de grupo (o “Grupo B...” ou o “Grupo Fiscal B...”, doravante) sujeito em 2019 e 2020 ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto, nos termos dos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), e sociedade abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ..., e C..., S.A. (adiante designada por "C..."), com o NIPC..., com sede social no E..., ...-... Lisboa, sociedade que integra o Grupo Fiscal B..., e sociedade abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ... .
As Requerentes, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º1 e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requereram a constituição de Tribunal Arbitral.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.
Do pedido:
As Requerentes concretizam o seu pedido:
“Nestes termos, deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento parcial da reclamação graciosa e do indeferimento do recurso hierárquico supra melhor identificados e, bem assim, a ilegalidade das liquidações de tributação autónoma relativas aos exercícios de 2019 e 2020 do Grupo Fiscal B..., quanto aos montantes de € 77.507,71 (2019) e de € 169.664,98 (2020), num total de € 247.172,69, com a sua consequente anulação nestes montantes, por violação de lei e do princípio da legalidade, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso do montante total de € 247.172,69, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 27 de Setembro de 2022, inclusive, até integral reembolso deste montante.”
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral enviado a 25 de outubro de 2024, foi aceite em 29 de outubro de 2024 e automaticamente notificado à Requerida. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros signatários, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Regime, os quais comunicaram a respetiva aceitação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º já referido, no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do mesmo diploma, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 8 de janeiro de 2025. No mesmo dia foi proferido Despacho, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, determinando a notificação da Senhora Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.
A Resposta da AT foi apresentada em 10 de fevereiro de 2025 e o Processo Administrativo a 6 de março. No dia 4 de abril foi proferido Despacho em que se constata que não existe matéria de facto controvertida relevante para decisão da causa que possa ser esclarecida pela audição de testemunhas, pelo que se dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).
A Requerente apresentou alegações em 30 de abril de 2025 e a Requerida em 7 de maio de 2025.
Posição das partes
Em síntese, a Requerente A... procedeu, em 28 de Maio de 2020, à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao exercício de 2019 do Grupo Fiscal que encabeça, tendo subsequentemente apresentado declarações de substituição, a última das quais contém os valores finais da tributação autónoma, o imposto aqui em discussão (conforme documentos juntos à PPA).
Em 15 de junho de 2021, a Requerente A... procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao exercício de 2020 do mesmo Grupo Fiscal, tendo também apresentado declarações de substituição, a última das quais igualmente contém os valores finais da tributação autónoma (conforme documentos juntos à PPA).
Na sequência da apresentação de reclamação graciosa contra as autoliquidações de tributação autónoma sobre remunerações variáveis (artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do CIRC) dos referenciados exercícios de 2019 e 2020, e do indeferimento parcial da mesma no que respeita a tributação autónoma em sede de IRC sobre remunerações variáveis dos administradores da A... e da sociedade integrante do Grupo Fiscal D..., as ora Requerentes apresentaram recurso hierárquico, cuja decisão manteve o indeferimento parcial.
Assim, são precisamente os actos de indeferimento supra identificados e, consequentemente (e em termos finais), os actos tributários de liquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores do Grupo, relativos aos exercícios de 2019 e 2020, o objecto desta pronúncia arbitral, na medida em que estas liquidações enfermam, de acordo com as Requerentes, de ilegalidade parcial.
Continuam as Requerentes dizendo que a ilegalidade respeita especificamente a:
- tributação autónoma no montante de € 77.507,71, resultante de incidência à taxa de 35% (do artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC) sobre remunerações variáveis de 2019 em ações, de administradores da A..., remunerações variáveis essas no valor de € 221.450,60;
- tributação autónoma no montante de € 169.664,98, resultante de incidência à taxa de 45% (agravamento de 10 pontos percentuais do artigo 88.º, n.ºs 14 e 22 do CIRC) sobre parte das remunerações variáveis de 2020 em ações, de administradores da A... e da C..., parte essa no valor de € 377.033,28 [remunerações variáveis estas e respetiva tributação autónoma que nos montantes de € 231.379,20 e € 104.120,64 respetivamente (taxa de 45%) dizem respeito a administradores da A... e que nos montantes de € 145.654,08 e € 65.544,34 respetivamente (taxa de 45%) dizem respeito a administradores da C...].
Tributações autónomas que ascendem, por conseguinte, ao total de € 247.172,69, conforme síntese infra:
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A...
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C...
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Remuneração variável
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TA
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Remuneração variável
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TA
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2019
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221 450,60 €
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77 507,71 €
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2020
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231 379,20 €
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104 120,64 €
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145 654,08 €
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65 544,34 €
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Entendem as Requerentes que os factos que se seguem foram verificados e confirmados pela AT em sede de procedimento de reclamação graciosa e que não são controvertidos.
O Grupo B..., grupo internacional presente em Portugal a que pertencem as Requerentes, instituiu planos de atribuição de acções a colaboradores, incluindo administradores, dependentes do desempenho medido em ciclos de três anos, denominados de “Long Term Incentive Plan” (doravante abreviadamente designado por “LTIP”), tendo junto à PPA os regulamentos do LTIP para o ciclo 2016-19 (atribuição inicial, em 2016, e cuja atribuição final ficou sujeita a condições de desempenho de verificação futura para ser confirmada daí por três anos, com término em 2019) e do LTIP para o ciclo 2017-20 (atribuição inicial, em 2017, e cuja atribuição final ficou sujeita a condições de desempenho de verificação futura para ser confirmada daí por três anos, com término em 2020).
Mais concretamente sujeita, continuam as Requerentes, com um peso de 80%, à condição de ao longo dos três anos de permeio ter havido desempenho positivo, medido pelo rácio entre o retorno no capital empregue e a média ponderada do custo de capital (exigência de criação líquida de valor durante os ciclos de três anos), e sujeita, com um peso de 20%, à média nos três anos do retorno total dos accionistas do grupo comparado com a média nos três anos do retorno total dos accionistas do índice bolsista CAC 40. Critérios estes relativos à sociedade E..., cotada na Bolsa de Paris.
As remunerações variáveis em questão estão suportadas, para o que interessa neste pedido de pronúncia arbitral, pelas ora Requerentes, conforme facturas de débito, ou redébito, juntas ao PPA.
Entendem as Requerentes que a AT reconhece que a regulamentação dos LTIP aqui em causa (triénios 2016-19 e 2017-20) origina “remunerações variáveis, que dependem do desempenho positivo da empresa no futuro”, mais concretamente, nos três anos seguintes, cumprindo por conseguinte com a cláusula de exclusão de tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC.
E, assim, questionam com que fundamento pretende a AT manter a tributação autónoma sobre estas remunerações variáveis de administradores da A... e da C... .
Continuam as Requerentes dizendo que o fundamento utilizado pela AT é diferente num (A...) e noutro (C...) caso, pelo que importará separar as duas situações para efeitos de análise, da perspectiva do direito e dos eventuais factos adicionais específicos de cada um.
No que à A... respeita, estão nesta parte em causa, como se detalhou supra, tributação autónoma no montante de € 77.507,71, sobre remunerações variáveis de 2019, em acções, e tributação autónoma no montante de € 104.120,64, sobre parte das remunerações variáveis de 2020 em acções, de administradores da A..., num total de tributação autónoma indevidamente liquidada e mantida a este respeito com referência aos exercícios de 2019 e de 2020, de € 181.628,35.
O raciocínio da AT, segundo as Requerentes, baseia-se num vício de raciocínio e de metodologia de análise inaceitável: olha para o ponto de vista da contabilização desse gasto com remunerações variáveis e, porque este gasto só foi inscrito na contabilidade da A... aquando do fim do ciclo de três anos de avaliação do desempenho (2019 para o triénio do LTIP 2016-19, e 2020 para o triênio do LTIP 2017-20), daí retira, ilógica e contra-factualmente, que não teria existido diferimento e sujeição do pagamento da remuneração variável em acções aqui em causa à condição de verificação de desempenho positivo durante três anos.
De acordo com as Requerentes, alheia-se a AT da materialidade da realidade, designadamente o normativo do Grupo B... que rege este pagamento de remunerações variáveis em acções, assim como das cartas de atribuição de acções em 2016 e em 2017.
Continuam dizendo que alheia-se também a AT de que apenas em 2019 e 2020, isto é, só após decorridos que estavam os três anos de cada um dos dois triénios em causa, o Grupo B...facturou às suas subsidiárias portuguesas a remuneração variável em ações nesses anos finalmente adquirida pelos seus administradores, remuneração esta cuja atribuição inicial, com diferimento por três anos e sujeição a condições de desempenho positivo, havia ocorrido em 2016 e 2017 respectivamente (cfr. novamente supra as cartas de atribuição inicial e as regras instituídas no Grupo B... para as remunerações variáveis em acções).
Toda esta esmagadora realidade é pela AT relegada para a categoria da inexistência, com parca e manifestamente insuficiente explicação. Limita-se a AT, ao mesmo passo que se alheia de toda esta evidência e realidade material que dela flui, a dizer que só se a A... tivesse levado a gastos a remuneração variável em acções ao longo dos três anos de diferimento da mesma, aceitaria, só aí, reconhecer estar-se perante remunerações variáveis “com pagamento diferido por três anos sujeitas a condição de desempenho positivo ao longo desse período”.
Ora, argumentam as Requerentes que, como a A..., por desconhecimento até, porquanto, como explicou à AT, só em 2019 começou a ter informação quantitativa proveniente da E... em França, relativa às remunerações em acções dos administradores em Portugal da A... para os triénios dos LTIP de 2016-19 e 2017-20, só com a facturação em 2019 pela E... em França dos encargos com estas remunerações variáveis, procedeu a A... pela primeira vez ao registo das mesmas na sua contabilidade.
Entendem as Requerentes que jamais a AT se deverá ficar pela contabilização pelo contribuinte, que pode evidentemente estar incorrecta no tempo, no modo e na forma, por dolo, falta de capacidade técnica ou falta atempada da informação necessária como no caso. Corrigir eventuais incorrecções de contabilização, temporais ou outras, é coisa que a AT e seus serviços inspectivos fazem recorrentemente. Razão por que menos se aceita este colocar no altar do intocável, da contabilização como gasto pelo contribuinte A... apenas em 2019 e 2020, de remunerações variáveis em ações cuja alocação inicial/provisória – alocação definitiva sujeito a diferimento e confirmação de desempenho positivo nos três anos seguintes - ocorreu em 2016 e 2017 respectivamente.
Consideram assim que está pois cumprida a condição de exclusão de tributação erigida pelo artigo 88.º, n.º 13, alínea b), parte final, do CIRC, que nada mais exige, sendo grosseira ilegalidade a manutenção pela AT desta tributação sobre as remunerações em acções em causa, ao longo dos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico.
No que se refere à C..., está em causa, como se detalhou supra, tributação autónoma no montante de € 65.544,34.
Segundo as Requerentes, e em síntese, entendeu a AT que teria neste caso falhado a consumação do requisito (excludente da tributação autónoma) do desempenho positivo ao longo do triénio do LTIP aqui em causa (de 2017-20), porquanto esse desempenho positivo se há-de medir pelos resultados líquidos do exercício (“RLE”) da C... (cujos administradores estão aqui em causa), bastando que num deles ele seja negativo (como ocorreu em 2018), para automaticamente ter de haver tributação autónoma sobre as remunerações variáveis em questão.
Ora, entendem as Requerentes que o requisito deve ser entendido como desempenho positivo ao longo do período de três anos, não dividindo esse triénio em períodos estanques de um ano, mas tomá-lo, como a lei claramente quer, como o período plurianual que é. Donde a melhor interpretação da lei, entende, será olhar para o desempenho no período plurianual de três anos, e sendo positivo nenhuma razão há para aplicar tributação autónoma (acresce que ele não foi negativo sequer em qualquer dos três anos isoladamente considerado, como a seguir se expõe).
Continuam dizendo que, quer se olhe ao conjunto de três anos 2017-2019, quer se olhe ao conjunto de três anos 2018-20, o RLE (o indicador único a que se atém a AT) da C... tem um saldo positivo de € 2.056.262 (€ 21.617 - € 363.071 + € 2.397.716) e de € 3.778.234 (- € 363.071 + € 2.397.716 + € 1.743.589), respetivamente, conforme Relatórios e Contas para 2017, 2018, 2019 e 2020 que aqui se juntam ao PPA.
Entendem ainda que, no caso de um grupo de empresas, não faz qualquer sentido económico ou outro, olhar isoladamente para os resultados de uma qualquer subsidiária. Num grupo de empresas sob controlo comum, como é o caso, a gestão é coordenada globalmente, e pode dar-se o caso de esta ou aquela subsidiária ter uma função associada sobretudo a compras e pouco a vendas, donde resultados modestos ou até negativos, compensado pelas funções de venda para o exterior de outras subsidiárias do grupo. Mas tudo trabalha coordenadamente e em equipa para o mesmo, pelo que o que tem significado são os resultados conjuntos, em última análise consolidados na cabeça dominante do grupo. É, pois, redutor e artificial, entendem, a focagem da AT exclusivamente no RLE individual da C... .
E, por fim, entendem que mesmo no quadro do entendimento da AT, (a saber, desempenho medido exclusivamente pelo RLE individual da C..., e aferição do mesmo considerando isolada e separadamente cada um dos três exercícios individuais no conjunto do triénio relevante), a tributação autónoma não deveria ser excluída em virtude do significado subjacente à obtenção de um resultado líquido positivo do exercício de 2018.
Relatam as Requerentes que a C... só em 2017 passou a ser detida pelo Grupo B..., por aquisição à Novabase, realizada nesse ano, o que levou a alteração de políticas contabilísticas. Esse alinhamento da C... com as políticas contabilísticas do Grupo B... foi levado a cabo no exercício de 2018, e acarretou uma alteração profunda na forma de reconhecimento dos réditos, que por sua vez originou um impacto contabilístico negativo concentradamente reconhecido nesse exercício de 2018, o exercício em que se deu a transição.
Em síntese, enquanto a C... pertenceu ao grupo F..., reconhecia os réditos na sua atividade de sistemas de informação conforme a tipologia de projetos (“turn key”/”chave na mão”, “time and materials”/”tempo e materiais”, “manutenção”, entre outros), sendo que nos projetos de “turn key”/”chave na mão” o rédito era reconhecido de acordo com a taxa de acabamento do projeto com base na margem bruta estimada para o final do projeto, tomando em consideração os custos salariais de acordo com as horas alocadas a cada projeto, mas não os custos totais.
No Grupo B..., pelo contrário, todos os projetos têm reconhecimento de rédito de igual forma, pela taxa de acabamento do projeto mensalmente apurada face à duração total do projeto e estimativa de custos totais e proveitos de cada um, pelo que a partir de 1 de janeiro de 2018, todos os projetos na C... passaram a ser reconhecidos de acordo com a referida taxa de acabamento, sendo que a margem dos projetos passa então a ser apurada com base em full costs (custos totais) e não em margens brutas como antes (como se fazia quando a sociedade integrava o grupo Novabase). Isto significa que as taxas horárias dos colaboradores incorporam não só os salários, mas também todos os custos gerais e de estrutura da empresa (“overheads”, quer fixos ou variáveis, como rendas, custos de licenciamentos IT, de depreciação de computadores, viagens, entre outros).
Esta alteração no apuramento dos réditos dos projetos, cuja margem estimada passou a ser apurada com base em full costs, gerou o apuramento de perdas futuras em muitos projetos em curso transitados de anos anteriores para 2018, tendo-se reconhecido para o efeito uma provisão nos montantes de € 350.980 e € 1.533.566, respetivamente, contabilizados na conta de P&L[1]/Custos e Proveitos 7040415 e 6815167 (contas grupo, isto é, um plano de contas francesas próprio, com uma chave de correspondência com as contas SNC) por contrapartida das contas de balanço 4870425, 4181005, 1516100 e 1516103 (contas grupo), conforme balancete de janeiro de 2018 anexo ao PPA.
Sem esse registo da referida provisão, continuam as Requerentes, o RAI (Resultado Antes de Impostos) seria superior em € 1.884.546 (€ 350.980 + € 1.533.566). Donde que, expurgado do RAI de 2018 (negativo em € 177.172) o impacto desta mudança de critério contabilístico em 2018, que por definição nada tem que ver com o desempenho da empresa em 2018 (impacto negativo de € 1.884.546), temos um RAI positivo em 2018 de € 1.707.374 (€ 1.884.546 - € 177.172) e, consequentemente, um RLE (resultado líquido do exercício, isto é, após impostos) largamente positivo.
Dizia a AT no indeferimento do recurso hierárquico que lhe faltava o detalhe/evidência contabilística do impacto one-off desta transição contabilística em 2018 que nada tem que ver com o desempenho nesse ano, do mesmo passo em que retirava o direito de audição prévia que teria permitido o fornecimento dessa informação (Doc. n.º 11, parágrafo 21.1.; e capítulo V.).
Assim, junta-se ao presente pedido a evidência contabilística (ver o Doc. n.º 22 e o documento contabilístico aí anexo), pelo que se espera que a AT aja agora em conformidade.
Face a tudo isto, mais solicitam as Requerentes, não apenas o valor de tributações autónomas pagas em excesso mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, o pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago que relativamente à autoliquidação de IRC (incluindo tributações autónomas) de 2019 ascende a € € 77.507,71 e relativamente à de 2020 ascende a € 169.664,98, num total de € 247.172,69, contados, até ao integral reembolso do imposto indevido, a partir da data de indeferimento parcial da reclamação graciosa ocorrido em 26 de setembro de 2022, isto é, contados desde 27 de setembro de 2022 inclusive.
Por sua vez, também em síntese, a AT vem referir que em causa no presente PPA está uma divergência de entendimento entre a AT e as Requerentes quanto ao enquadramento fiscal dos gastos relativos à atribuição de ações a administradores, respeitantes ao incentivo denominado “Long Term Incentive Plan” (LTIP), isto é, da atribuição de ações da sociedade dominante do Grupo (G..., S.A.), sujeita a um período de “observation” de três anos e condicionada à permanência dos administradores no Grupo na data da atribuição final, bem como ao cumprimento de determinadas condições.
A AT, depois de analisados todos os documentos disponíveis, bem como a contabilidade da A... e da C... relativamente à matéria controvertida, defendeu, em sede de reclamação graciosa (RG) e de recurso hierárquico (RH), que não estão reunidas as condições para o afastamento da tributação autónoma prevista na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, com o fundamento de que não foi dado cumprimento ao estabelecido na International Financial Reporting Standards 2 (IFRS 2), no caso da A..., e que a C...não obteve o desempenho positivo exigido pela norma.
Começa por referir que, ao contrário do que as Requerentes reiteram ao longo da p.i., é falso que a AT tenha desconsiderado a «materialidade da realidade, designadamente o normativo do Grupo B... que rege este pagamento de remunerações variáveis em ações» ou as «cartas de atribuição de acções em 2016 (triénio do LTIP de 2016 19) e em 2017 (triénio do LTIP de 2017-20), cuja consolidação fica diferida por três anos de acordo com a regulamentação supra citada em cumprimento do diferimento por três anos, sujeito a condição de desempenho positivo, previsto no normativo que rege este pagamento de remunerações variáveis.
Entende a Requerida que, como se refere na informação que fundamentou o indeferimento do Recurso Hierárquico, esta é eminentemente uma questão de prova. E, na verdade, tanto a informação que suportou a decisão que incidiu sobre a Reclamação Graciosa, como a informação que suportou o indeferimento do Recurso Hierárquico, analisaram e apreciaram aquela documentação apresentada pelas Requerentes. Simplesmente, o que se constatou nessa análise, é que aqueles documentos não permitem alcançar o resultado probatório que as Requerentes lhes pretendem atribuir.
Designadamente, de acordo com a AT, não resulta dos Regulamentos aprovados pelo Conselho de Administração da E... que existisse, na esfera jurídica da A..., qualquer obrigação de pagamento diferido das remunerações pagas aos Administradores, anterior ao ano em que se verificou o seu pagamento (2019 e 2020).
E, bem-assim, também as cartas dirigidas pelo “Presidente Diretor-geral” da E... aos administradores da A... não permitem concluir, de acordo com a AT, que estivesse constituída qualquer obrigação prévia de pagamento diferido entre eles e a A... . Desde logo, continua, porque não resulta dos autos – nem sequer é alegado pelas Requerentes – que uma deliberação do Conselho de Administração da E... vinculasse diretamente a A... .
Aliás, à luz do Direito societário português, entende a AT, deliberações do conselho de administração da sociedade dominante não vinculam juridicamente a sociedade dominada por si só (cfr. a este respeito, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de março de 2014, no Processo n.º 9836/09.6TBMAI.P1.S1 ou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de maio de 2019, no Processo n.º 1669/14.4TBSTS.P1.S2).
Por outro lado, entende que também não resulta do facto de a G..., SA., na qualidade de sociedade dominante, ter dado instruções às sociedades Requerentes para que fossem atribuídas ações aos administradores em causa, que a atribuição foi efetuada por si. Até porque, os gastos inerentes à atribuição das ações em causa foram totalmente suportados pelas Requerentes e refletidos nas suas demonstrações financeiras, e não pela sociedade E... .
No entendimento da Requerida, se a sociedade G... S.A. tivesse atribuído as remunerações variáveis em causa, teria sido ela, naturalmente, a suportar o respetivo encargo, e, desse modo, não teria enviado à Requerente A... uma fatura referente aos custos das ações a atribuir aos administradores, como acabou por ocorrer.
Reitera ainda que, apesar de a Reclamante A... se encontrar numa relação de domínio face à G..., SA, é, no entanto, uma entidade jurídica e económica distinta, com obrigação de elaboração e apresentação de contas distintas.
Desta forma, de acordo com a AT, a existência de um regulamento do plano de atribuição de ações da E... ou as cartas dirigidas aos Administradores da A... da E... não permitem concluir que as remunerações que estes receberam em 2019 e 2020 da A... resultassem de uma obrigação de pagamento diferido por aqueles documentada – nem, certamente, têm a virtualidade de preencher a omissão de tal obrigação na contabilidade da A... . No caso concreto da A..., o que se verificou, e resulta da sua contabilidade, é que houve um pagamento da A... àqueles administradores em 2019 e em 2020.
Como afirmou a Requerida na informação que fundamentou a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, não existia na contabilidade da A... dos períodos de 2019 e 2020 qualquer evidência que permitisse legitimar a conclusão de que aqueles pagamentos de remunerações variáveis resultavam de uma obrigação prévia de pagamento diferido. Aliás, tão-pouco veio a A... corrigir a sua contabilidade em conformidade com a pretensão que vem agora apresentar junto do CAAD. Sendo que, reitera, esta é uma evidência contabilística que se impunha à AT com força presuntiva, que não pode ser ilidida pelos documentos apresentados pelas Requerentes, que apenas evidenciam, eventualmente, uma relação estabelecida entre a E... e os referidos Administradores.
Razão pela qual entende a Requerida que não deverá proceder a pretensão das Requerentes em relação a esta componente das liquidações, mantendo-se incólumes e em vigor os atos impugnados.
Relativamente à C... e à verificação da condição do desempenho positivo da sociedade ao longo do período de diferimento, prevista na al. b) n.º 13 do artigo 88.º CIRC, vem a AT dizer o seguinte.
Na declaração Modelo 22 individual da sociedade dominada C..., S.A. (C...), NIF: ..., no período de tributação de 2020, a sociedade apurou um lucro tributável de €1.743.589,30 e, no campo 424 - Gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes [art.º 88.º, n.º 13, al. b)], do quadro 13 Tributações Autónomas, inscreveu a importância de €145.654,08, a qual é objeto de contestação no presente PPA.
Uma vez que estamos na presença de um grupo de sociedades tributado pelo RETGS, o resultado fiscal do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, nos termos do art.º 70.º do CIRC.
E, conforme determina o n.º14 e n.º 21 (à data dos factos, atual n.º 22) do art.º 88.º do CIRC, as taxas de tributação autónoma previstas no artigo “são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC” e quando seja aplicável o RETGS “é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º”.
Assim, tal como é referido no art.º 13.º e art.º 73.º do PPA, o que está em causa neste segmento de contestação, é a tributação autónoma no montante de €65.544,34 resultante de incidência à taxa de 45% sobre parte das remunerações variáveis de 2020 de administradores da C..., parte essa do valor de €145.654,08, que a A... enquanto sociedade dominada designada, na declaração Mod. 22 do Grupo autoliquidou como tributação autónoma, nos termos do n.º14 e n.º 22 (anterior n.º21) do art.º 88.º do CIRC.
Recorda a AT também o que já foi dito em sede de reclamação graciosa, designadamente que o desempenho positivo deve ser aferido pelas sociedades individualmente consideradas, enquanto entidades jurídicas e económicas distintas com obrigação de elaboração e apresentação de contas distintas, não obstante estarem integradas num grupo económico e fiscal.
Por outro lado, entende a AT que o desempenho positivo deve ser medido por três períodos de duração anual cada um, cumprindo com os desígnios da “boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, (…)”. (cf. acórdão do STA, de 2020-12-09, no âmbito do Processo n.º 2/20.0BALSB).
No que concerne ao âmbito de aplicação e sentido da expressão “desempenho positivo da sociedade”, já foi objeto de análise por parte da AT e em 2011-03-17, por despacho (n.º 381/2011-XVIII) do SEAF, foi emitido o entendimento de que qualquer aferição do desempenho tem de ser fundamentada com base em informação e suporte documental contabilístico atendendo aos conceitos estabelecidos na Estrutura Conceptual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística.
Entende ainda que, atendendo às disposições da EC, a informação disponibilizada na demonstração de resultados (DR) parece satisfazer critérios fundamentais de objetividade e comparabilidade relativamente a uma entidade ao longo do tempo, sendo, o resultado líquido do exercício (RLE), o indicador que assegura melhor aderência à mensuração do desempenho da sociedade, enquanto grandeza representativa da Demonstração de Resultados (DR), sendo nessa medida o indicador adequado para o efeito. Assim, considera que a DR apresenta a informação suficiente para a tomada de decisões económicas e a apreciação da eficácia da gestão, sendo que o lucro se mostra o indicador adequado, frequentemente utilizado e universalmente aceite como uma medida de desempenho.
No caso concreto, continua a AT, verifica-se que a C... apresentou, no período de tributação de 2018, um resultado líquido negativo (- €363.071,11).
Expõe ainda que determina a NCRF 4 Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros, que, quando uma entidade altere uma política contabilística na aplicação inicial de uma Norma ou Norma Interpretativa que não inclua disposições transitórias específicas que se apliquem a essa alteração, ou quando altere uma política contabilística voluntariamente, como parece ter ocorrido no caso em análise atendendo à argumentação aduzida, ela deve aplicar a alteração retrospetivamente (vide b) do §17 da NCRF 17). Tal exigência tem subjacente o princípio de que as políticas contabilísticas aplicadas em cada período ou de um período para o outro, deverão manter-se apenas excetuando os casos em que estiverem reunidos os critérios previstos no §12 da NCRF 4: “a) For exigida por uma Norma ou Norma Interpretativa; ou b) Resultar no facto de as demonstrações financeiras proporcionarem informação fiável e mais relevante sobre os efeitos das transações, outros acontecimentos ou condições, na posição financeira, desempenho financeiro ou fluxos de caixa da entidade.” Pois, os utentes das demonstrações financeiras precisam de poder comparar as demonstrações financeiras de uma entidade ao longo do tempo para identificar tendências na sua posição financeira, desempenho financeiro e fluxos de caixa. (§13 NCRF 4).
Acrescenta o § 19 da NCRF 4 que, sem prejuízo do disposto no parágrafo 20, quando uma alteração na política contabilística é aplicada retrospetivamente de acordo com o parágrafo 17(a) ou 17(b) a entidade deve ajustar o saldo de abertura de cada componente do capital próprio afetado para o período anterior mais antigo apresentado e as outras quantias comparativas divulgadas para cada período anterior apresentado como se a nova política tivesse sido sempre aplicada. No §20 prevê-se que, quando a aplicação retrospetiva for exigida (conforme parágrafo 17(a) ou 17(b) da NCRF 4) uma alteração na política contabilística deve ser aplicada retrospetivamente exceto até ao ponto em que seja impraticável determinar quer os efeitos específicos de um período quer o efeito cumulativo da alteração.
Sendo que, quando for impraticável determinar os efeitos específicos num período da alteração duma política contabilística na informação comparativa para um ou mais períodos anteriores apresentados, a entidade deve aplicar a nova política contabilística às quantias escrituradas de ativos e passivos no início do período mais antigo para o qual seja praticável a aplicação retrospetiva, que pode ser o período corrente, e deve fazer um ajustamento correspondente no saldo de abertura de cada componente do capital próprio afetado desse período (§21 da NCRF 4).
Ou seja, entende a AT que, em obediência aos normativos contabilísticos vigentes, na contabilização de uma alteração de políticas contabilísticas, argumento utilizado pela Requerente para justificar o resultado líquido negativo de 2018, a norma aplicável obriga à sua aplicação retrospetiva em contas de capitais próprios e nunca em contas de resultados.
Relembra ainda que a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC tem como ponto de partida o resultado líquido do período apurado de acordo com a normalização contabilística aplicável. Destacando a importância da contabilidade no apuramento do lucro tributável, o próprio preâmbulo do CIRC refere: "Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável."
Ora, in casu, não se percebe, e as Requerentes não lograram comprovar, como é que uma alteração de política contabilística possa ter afetado o resultado líquido do período de tributação de 2018. A não ser que estejamos perante a prática de um erro contabilístico, o que, obviamente e atendendo ao suprarreferido, também fiscalmente nunca tal poderia relevar para efeitos da análise e decisão da matéria em apreço nos presentes autos.
Face ao exposto, entende a Requerida que deve improceder o pedido de anulação da tributação autónoma efetuado pela C... relativamente ao período 2020, porquanto não cumpriu com o requisito previsto na al. b), do n.º 13 do art.º 88.º do CIRC atinente ao desempenho positivo da sociedade em cada um dos três períodos de diferimento, uma vez que o resultado líquido apurado e publicado por esta Requerente, relativamente ao período de 2018, foi negativo. Por fim, não se verificando, nos presentes autos, no entender da Requerida, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido às Requerentes qualquer indemnização, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT e 61º do CPPT.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
III. Fundamentação
1. MATÉRIA DE FACTO
1.1. Factos provados
a. A..., S.A. e C..., S.A. fazem parte integrante e são, conjuntamente, tributadas ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), do qual a A..., S.A. é a sociedade dominante designada (documentos nº 2 e nº 5 juntos ao PPA);
b. O Grupo B..., grupo internacional presente em Portugal a que pertencem as Requerentes, instituiu planos de atribuição de acções a colaboradores, incluindo administradores, dependentes do desempenho medido em ciclos de três anos, denominados de “Long Term Incentive Plan” (doravante abreviadamente designado por “LTIP”) (conforme documento nº 15 junto à PI). Em causa estão os LTIP para o ciclo 2016-19 (atribuição inicial, em 2016, e cuja atribuição final esteve sujeita a um período de observation de três anos, com término em 2019) e para o ciclo 2017-20 (atribuição inicial, em 2017, e cuja atribuição final está sujeita a um período de observation de três anos, com término em 2020), cfr. Documentos nºs 12 a 15 juntos ao PPA;
c. Resulta da regulamentação destes LTIP que a atribuição incial de acções da G... S.A., sociedade residente para efeitos fiscais em França e última detentora da totalidade do capital das Requerentes, é uma atribuição sujeita a condições de desempenho de verificação futura para ser confirmada daí por três anos (na designada data de atribuição final), mais concretamente sujeita, com um peso de 80%, à condição de ao longo dos três anos de permeio ter havido desempenho positivo, medido pelo rácio entre o retorno no capital empregue e a média ponderada do custo de capital (exigência de criação líquida de valor durante o ciclos de três anos), e sujeita, com um peso de 20%, à média nos três anos do retorno total dos accionistas do grupo comparado com a média nos três anos do retorno total dos accionistas do índice bolsista CAC 40, cfr. Documentos nºs 12 a 15 juntos ao PPA;
d. O Grupo B... emitiu em 2016 e em 2017 cartas de atribuição de acções aos colaboradores, nomeadamente aos das Requerentes, anunciando a decisão de conceder-lhes uma Atribuição Inicial de ações por desempenho da empresa E..., em que se refere, a título exemplificativo: “O objetivo desta atribuição é associá-lo ao desempenho do nosso Grupo. A atribuição de ações por desempenho rege-se pelo "Regulamento do Plano de Atribuição de Ações por Desempenho de 19 de abril de 2016". Esta atribuição está sujeita à verificação, no dia 19 de abril de 2019, das condições de presença e de desempenho interno e externo previstas no Regulamento. As ações de desempenho, uma vez definitivamente concedidas no dia 19 de abril de 2019, não estarão sujeitas a qualquer obrigação de conservação e poderão ser imediatamente transferíveis a partir dessa data”, cfr documentos nºs 16 e 17 juntos ao PPA;
e. Posteriormente, em 2019 e em 2020, o Grupo emitiu cartas a confirmar a atribuição das referidas acções nos seguintes termos: “Tenho o prazer de informar que as 2431 ações por desempenho da E... que lhe foram atribuídas no âmbito do Plano de Atribuição de Ações por Desempenho de 19 de abril de 2016 foram afetadas definitivamente em 19 de abril de 2019. O Conselho de Administração da empresa, na sua reunião de 5 de fevereiro de 2019, determinou que o critério de desempenho previsto no plano do regulamento foi alcançado em 97,27%, pelo que ajustou em conformidade o número de ações inicialmente atribuídas.” cfr documentos nºs 16 e 17 juntos ao PPA;
f. A atribuição das referidas acções foi posteriormente facturada pela H... (França) à A... em 2019 e 2020, conforme documentos nºs 18 a 21 juntos ao PPA;
g. De igual forma, foram emitidas três faturas em 2020 pela I... (França) à J... (Portugal), tendo esta última emitido uma fatura de redébito à C..., junta também ao PPA, conforme documentos nºs 18 a 21;
h. Apenas em 2019 e 2020, com o recebimento das facturas, é que as empresas procederam ao reconhecimento contabilistico das remunerações variáveis em questão, não tendo por isso contabilizado nada em 2016, nem em 2017, anos da atribuição inicial das acções, nem durante os anos de diferimento previstos no plano, conforme documento nº 22 junto ao PPA;
i. A Requerida não questionou o custo objecto de reconhecimento contabilistico nesses anos pelas Requerentes, nem a sua aceitação para efeitos fiscais, conforme Processo Administrativo e Resposta da Requerida.
j. Mais, a C... no período correspondente ao LTIP que cobriu o período de 2017 a 2020 teve resultado líquido negativo no exercício de 2018 e resultado líquido positivo nos demais exercícios, de acordo com os Relatórios e Contas em anexo ao PPA (documentos nº 26 a 29).
k. E, por fim, no exercício de 2020, o grupo fiscal do qual faz parte a C... gerou prejuízo fiscal, de acordo com a Modelo 22 do RETGS junta ao PPA, conforme documentos 23 a 25 anexos ao PPA.
l. A Requerente apresentou Reclamação graciosa em 26 de Abril de 2022.
m. Por despacho de 26 de Setembro de 2022 foi a Requerente notificada do indeferimento parcial da reclamação graciosa.
n. De tal indeferimento parcial veio a Requerente apresentar recurso hierárquico, tendo sido notificada por despacho datado de 25 de julho de 2024 que a decisão foi no sentido de manter o indeferimento parcial.
1.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão.
1.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.
2 MATÉRIA DE DIREITO
(i) No que concerne à A...
Na perspetiva da Requerente existiu, através dos LTIPs estabelecidos para o triénio de 2016-2019 e para o triénio 2017-2020 pela sociedade mãe em França (E...), e melhor descritos na matéria de facto, o diferimento por três anos, e condicionado ao desempenho positivo da empresa, das remunerações variáveis que acabaram por ser pagas aos seus administradores em 2019 e 2020.
A AT refuta dizendo que a Requerente não contabilizou nada relativamente aos LTIPs durante os referidos triénios, mas apenas em 2019 e 2020, respectivamente, e considera que a documentação apresentada relativamente aos LTIPs não é suficiente para provar que ocorreu efectivamente, em 2016 e 2017, uma atribuição inicial de acções que foi deferida pelo referido triénio, acabando por ser pagas em 2019 e 2020. Ou seja, a AT questiona a existência efectiva de um diferimento e entende que só terá existido o pagamento, sem mais, de remunerações variáveis em 2019 e 2020. Não existindo, assim, razão para a exclusão de TA.
Então vejamos.
De acordo com o nº 13 do artigo 88º do IRC:
“São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:
(...)
b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”
Sendo esta a norma aplicável, a questão levantada pela Requerida concerne, como acima se refere, à própria existência de um diferimento. Ou seja, a Requerida considera que a prova junta pelas Requerentes relativamente aos LTIPs para os dois triénios referidos não é suficiente para provar a sua existência e, consequentemente, o diferimento da remuneração variável inicialmente atribuída em 2016 e 2017.
Pois, em que suporta a Requerida essa desconsideração da prova?
- Entende a Requerida que não resulta dos Regulamentos, aprovados pelo Conselho de Administração da E..., que existisse, na esfera jurídica da A..., qualquer obrigação de pagamento diferido das remunerações pagas aos Administradores;
- Que as cartas dirigidas pelo “Presidente Diretor-geral” da E... aos administradores da A... não permitem concluir que estivesse constituída qualquer obrigação prévia de pagamento diferido entre eles e a A...;
- Que uma deliberação do Conselho de Administração da E... não vincula diretamente a A...;
- Que não fica provado que a G..., SA., na qualidade de sociedade dominante, tenha atribuído as acções em questão, até porque os gastos inerentes à atribuição das ações em causa foram totalmente suportados pelas Requerentes e refletidos nas suas demonstrações financeiras, e não pela sociedade E.... Se a sociedade G... S.A. tivesse atribuído as remunerações variáveis em causa, teria sido ela, naturalmente, a suportar o respetivo encargo, e, desse modo, não teria enviado à Requerente A... uma fatura referente aos custos das ações a atribuir aos administradores, como acabou por ocorrer;
- Conclui dizendo que o que se verificou, e resulta da sua contabilidade, é que houve um pagamento da A... àqueles administradores em 2019 e em 2020 e que não existia na contabilidade da A... nesses períodos qualquer evidência que permitisse legitimar a conclusão de que aqueles pagamentos de remunerações variáveis resultavam de uma obrigação prévia de pagamento diferido, pagamento esse que deveria ser reflectido na contabilidade em cada um dos anos do triénio, à medida da sua concretização. Se assim fosse, a A... teria refletido na sua contabilidade o que resulta do parágrafo 15 da NCRF 2:
«[s]e os instrumentos de capital próprio concedidos não forem adquiridos enquanto a contraparte não completar o período de serviço especificado, a entidade deve presumir que os serviços a serem prestados pela contraparte como retribuição por esses instrumentos de capital próprio serão recebidos no futuro. durante o período de aquisição. A entidade deve contabilizar esses serviços à medida que forem prestados pela contraparte durante o período de aquisição, com o correspondente aumento no capital próprio ( ... )»
Então vejamos.
Os LTIPs (documentos em anexo ao PPA) para os dois triénios em questão estabelecem um programa de atribuição de acções da empresa francesa E..., cotada na Bolsa de Paris, para gestores e funcionários assalariados das empresas do Grupo B..., mediante o desempenho económico da empresa durante esses triénios, apurado de acordo com fórmula estabelecida nesses mesmos LTIPs.
No mesmo regulamento, que diz visar “associar os gestores e funcionários assalariados do Grupo B... ao seu desempenho futuro”, estabelece-se precisamente um mecanismo de atribuição inicial das acções, com um subsequente período de diferimento por três anos (e total) para apuramento do desempenho acima referido, culminando com a atribuição efectiva das acções, sendo o caso, com base nas regras estabelecidas.
A AT não coloca directamente a veracidade dos documentos em questão, mas parece considerar que não fará sentido ligar estes LTIPs com os pagamentos efectuados pela A... em 2019 e 2020, por considerar que essa ligação só poderia existir se fosse a própria A... a decidir atribuir e a efectivamente atribuir as acções em questão. Não aceita a AT que os LTIPs em questão possam ter sido estabelecidos, e as acções atribuídas pela empresa mãe do grupo a que pertence a A... . Entende que essa decisão do Grupo não vincula a A... e questiona porque é que foi o custo suportado pelas Requerentes se a atribuição foi feita efectivamente pela E... .
Ora, e em tudo isto discordamos da Requerida. É usual nos grupos de sociedades, sobretudo naqueles em que existe uma sociedade cotada, o estabelecimento deste tipo de planos de acções, como forma de comprometimento de funcionários e gestores com o desempenho do Grupo. E, é usual o estabelecimento de um plano para todo o Grupo. Nesses planos, é também usual que as acções sejam de uma única sociedade (a habitualmente cotada, a existir).
A estranheza que causa à Requerida que a atribuição não seja feita pela A..., não se reflecte por exemplo no Código do IRS. No n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, onde no seu n.º 7 se estabelece a tributação dos rendimentos dos planos de acções, claramente se define que: “Considera-se entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que, nos termos deste artigo, constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respetiva localização geográfica.”(sublinhado nosso).
Ora, não se vê assim que sejam válidos os argumentos da AT quanto às consequências de não ter sido a A... a atribuir directamente as acções. Como também não procede o argumento de que “não fica provado que a G..., SA., na qualidade de sociedade dominante, atribuiu as acções em questão, até porque os gastos inerentes à atribuição das ações em causa foram totalmente suportados pelas Requerentes e refletidos nas suas demonstrações financeiras, e não pela sociedade E... .”
Considerando que tais rendimentos são, ainda que atribuídos por uma entidade não-residente, nomeadamente de acordo com a lei portuguesa, remuneração tributável das pessoas singulares que as receberam, não há razão para questionar que o valor das mesmas tenha sido facturado às empresas cujos empregados ou gestores as receberam.
Por último, quanto ao tema da Requerente não ter reflectido nada na sua contabilidade durante o triénio respectivo dos LTIPs em questão.
Entendemos que resulta da prova [cuja veracidade em si mesma (dos documentos apresentados) não foi contestada pela Requerida] que o direito aos LTIPs, constituídos em 2016 e em 2017, foram atribuídos aos administradores nesses anos, tendo ficado sujeitos a condição suspensiva, por mais de 3 anos (desempenho positivo da Sociedade), período correspondente à duração de cada um dos LTIPs em questão.
Conforme referido, os LTIPs estabelecem os critérios de desempenho para a sua atribuição e, verificados que foram tais critérios, num determinado percentual, as acções foram atribuídas efectivamente, no montante apurado nos anos de 2019 e 2020.
Neste contexto, seguimos a jurisprudência constante do processo do CAAD 602/2022 de 28 de julho de 2023:
“Na verdade, repare-se que o legislador tem o cuidado de falar em “(…) período mínimo de três anos condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.” Daqui decorre, desde logo, que estamos perante requisitos que a lei estabelece não apenas como cumulativos, mas também como indissociáveis (desempenho positivo durante período mínimo de três anos). Por outro lado, não oferece dúvida que o direito emerge com a nomeação dos administradores (nota nossa: in casu com a atribuição incial do LTIP) ficando a sua eficácia (produção de efeitos, ou seja, a receção da remuneração) sujeita à verificação da condição suspensiva traduzida no desempenho positivo. Terminado o mandato (nota nossa: in casu no final do período de diferimento estabelecido no LTIP) se o desempenho da sociedade for positivo (verificação da condição), o direito produz efeitos desde a origem, ou seja, desde 2014 (nota nossa: in casu, 2016 e 2017).
Neste sentido, Francisco Velasco Caballero (Las cláusulas acessórias del acto administrativo, Tecnos, Madrid, 1996, p. 86) refere que “O cumprimento da condição determina o início da eficácia do acto”, com efeitos automáticos e ex tunc.
Esta interpretação é, em primeiro lugar, a que melhor corresponde à letra da lei.
Nas palavras de J. Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994), “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei” (ob. cit., p. 182).
Aplicando o exposto ao caso em análise, a tese da Requerida não tem o mínimo apoio na letra da lei quando defende que o direito à remuneração vai sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período mínimo de 3 anos. O que a letra da lei difere no tempo, para o fim do período de três anos, é o pagamento da remuneração. Por outro lado, esta tese conduz à separação no tempo da verificação dos requisitos que a lei quis indissociáveis. Na verdade, na tese da Requerida uma parte do rendimento variável ficaria condicionado ao desempenho positivo da sociedade após o mandato desse administrador (e sem estar condicionado ao empenho desse administrador, mas dos seguintes).
A tese da Requerente é a que melhor se adequa à letra da lei, à natureza jurídico-civil (comercial) da RVLP: constituição do direito em 2014 (o administrador, quando é nomeado, sabe e conhece esse direito), direito sujeito a condição suspensiva, por 3 anos (período normal mínimo da administração), que só se vence e paga após o terceiro ano. Por sua vez, a condição afere-se com o desempenho positivo da administração nesse período de 3 anos: para que saibam e conheçam – e alinhem a sua gestão – a uma perspetiva de médio prazo, pelo prazo da sua administração, procurando o desempenho positivo da sociedade, nesses três anos e não numa lógica anual e de curto prazo.
Em segundo lugar, a tese da Requerente é a que melhor se adequada à interpretação conjugada da letra do preceito e da razão de ser do mesmo. É também a que melhor se adequa ao contratualmente estabelecido, em concreto; e às regras gerais de funcionamento das remunerações variáveis de longo prazo.”
O objetivo dos LTIPs e similares é, alinhar a administração e colaboradores com objectivos de mais médio/longo prazo das empresas e grupos de empresas. Daí que prevejam que uma parte significativa da remuneração ou até a totalidade (como no caso em apreço) seja diferida por um período determinado e condicionada ao desempenho positivo da sociedade nesse período.
Relativamente ao facto das Requerentes não haverem contabilizado nada no decorrer do período dos LTIPs, mas apenas no final de cada triénio, mantemos o acordo com o entendimento do processo do CAAD 602/2022:
“Finalmente, a ligação com a contabilidade não faz qualquer sentido: a contabilização anual (via IFRS 2) justifica-se por razões contabilísticas de prudência e especialização de exercícios, sem qualquer relevância fiscal em IRC: só é gasto fiscal do A... em 2017; e, por conseguinte, o mesmo tem de suceder com o tema das tributações autónomas associadas, até por uma regra de unidade sistemática das leis fiscais”.
Mais ainda: a solução da AT pressuporia uma dualidade de regime fiscal consoante a base contabilística das empresas: se aplicassem as IFRS, então a tributação autónoma teria uma configuração temporal, em face do disposto na IFRS 2; se empregassem as NCRF do SNC, então teriam outro regime fiscal, em face da diferença de tratamento contabilístico dessa realidade, sob o padrão nacional. Não faz sentido; haveria violação da igualdade, face ao regime fiscal escolhido, quando materialmente, a RVLP seria exatamente idêntica.”
Ou seja, do facto da A... não ter contabilizado a atribuição inicial de acções estabelecida nos LTIPs, nem ter contabilizado anualmente uma parte remuneração variável que viria a ser atribuída efectivamente em 2019 e 2020, não se pode retirar como consequência que não tenham sido cumpridos os requisitos do nº13 do artigo 88º do Código do IRC.
Entendemos que fica provado que existiu de facto uma atribuição inicial de acções dentro dos LTIPs, atribuição essa que se viu na totalidade diferida pelo período de três anos e sujeita ao desempenho positivo da entidade. Desempenho positivo esse, que neste caso concreto, a Requerida não questionou.
E assim, consideramos que quanto à A... procede o pedido sub judice.
(ii) No que concerne à C...
A Requerente vem defender que, não obstante ter tido resultado líquido negativo no ano de 2018, que isso se deveu a uma alteração na política contabilística e que se deverá considerar na mesma que a sociedade, expurgado esse efeito, teve um desempenho positivo e, consequentemente, o bem jurídico tutelado (inconsistência da remuneração variável com a performance económica da sociedade ao longo desse prazo) não foi violado. E dessa forma ficando cumprido o requisito “desempenho positivo” previsto no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC.
A utilização do conceito indeterminado “desempenho positivo” tem gerado alguma controvérsia e já foi objecto de algumas decisões.
Para a AT, para efeitos fiscais, desempenho económico da sociedade tem de ser, forçosamente, aferido com base na contabilidade, por ser nesta que assenta a determinação do lucro fiscal, e ainda que a lei fiscal contenha divergências parciais e pontuais, para salvaguarda do interesse fiscal, o apuramento do lucro tributável parte do resultado líquido do exercício, extraído da contabilidade.
Ora, sendo a norma aqui aplicável uma norma de direito fiscal haverá que atender ao elemento sistemático e à dependência do apuramento de prejuízo ou de lucro em sede de IRC da contabilidade e, por conseguinte, ao resultado líquido do exercício.
Quanto ao cumprimento da condição «desempenho positivo da sociedade ao longo desse período» seguimos de perto a jurisprudência do CAAD, Processo 545/2016 de 12 de outubro de 2017:
“A norma de que vimos tratando é uma norma jurídica (com tudo o que isso significa) de exclusão fiscal, sendo, desde logo, de afastar a possibilidade de, como pretende o Requerente, a previsão da mesma poder ser construída casuisticamente por cada sujeito passivo de acordo com as suas regulamentações internas e «as suas idiossincrasias» (artigos 133.º e 134.º da PI).
Nos exercícios em análise, o referido RCO traduziu-se na prática em expurgar do resultado líquido uma imparidade relativa a uma participação no capital de outra instituição de crédito. É sabido que as empresas são obrigadas a reconhecer contabilisticamente «uma perda por imparidade na demonstração de resultados», nestes casos, pelo excedente da quantia escriturada de um activo, em relação à melhor estimativa de justo valor do referido activo (v. NCRF-27).
Expurgar, para efeitos do cômputo do desempenho anual de uma empresa, factos negativos, por se tratarem de - como concretiza a Requerente no artigo 167.º da PI - «acontecimentos que escapam ao controlo dos administradores da sociedade» levaria a apagar dos resultados anuais das empresas uma importante quantidade de factos da sua vida normal (desvalorizações de títulos detidos ou insolvência dos emitentes, insolvência de clientes, indemnizações fixadas judicialmente, subidas de preços de combustíveis, energia ou de matérias primas, etc.).
É possível que um resultado assim obtido pudesse ser relevante para aferir do empenhamento dos administradores naquilo que estaria ao seu alcance, mas não servirá para aferir do desempenho da sociedade que, como se sabe, é coisa diferente. E foi este último desempenho que a lei escolheu como parâmetro para a dita exclusão da tributação autónoma.
(…)
Reverter perdas por imparidade sem que à luz das regras da normalização contabilística em vigor (v. artigo17.º, n.º 1 e n.º 3, al. a), do CIRC) tal se justifique pode, em certas circunstâncias, corporizar a criação artificiosa de condições de pagamento dos referidos bónus. (…) Aí se estipula que na parte que concerne ao desempenho da instituição a componente variável deve considerar entre outros «o real crescimento da instituição e a riqueza efectivamente criada para os accionistas». Ora a riqueza efectivamente criada para os accionistas resulta dos lucros das empresas, disponibilizados para o efeito em sede de aplicação de resultados.
É de meridiana clareza que, na ausência de disposição em contrário, a classificação do desempenho de uma sociedade se faça tendo em vista os seus resultados. E esses resultados, têm na lei uma expressão –o resultado líquido do exercício (…).O qual, resultado líquido, é também a medida base em que assenta a determinação do lucro tributável das sociedades e a sua tributação (artigo 17.º, n.º 1, do CIRC).
De todo o processo que antecedeu a aprovação da norma em análise, ressalta também, com clareza, a intenção de tributar fortemente os bónus sem correspondência na geração de lucros das empresas que sejam precisamente o substrato e justificação de tais pagamentos, a que, recorde-se, a empresa não estava obrigada ab initio, antes os pagando, ou não, em função dos seus resultados. Visa-se, assim, neutralizar a dedução fiscal, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos bónus sem correspondência na geração de lucros da sociedade e desincentiva-se o pagamento de remunerações variáveis quando não se tenha gerado na empresa a riqueza que os justifique. Como esclarecedoramente se pode ler no Acórdão n.º 197/2016 do Tribunal Constitucional «(…) No caso da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade»
Uma outra evidência da expressiva ligação deste tipo de remunerações variáveis aos lucros das sociedades pode ainda encontrar-se no artigo 399.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o qual dispõe consistirem aquelas remunerações «numa percentagem dos lucros do exercício», a que acrescenta uma cuidada ponderação da situação económica da sociedade e do equilíbrio entre os interesses de accionistas e administradores. Também o n.º 3 do mesmo preceito proíbe o pagamento de remunerações variáveis sobre reservas (lucros retidos) ou «sobre qualquer parte do lucro do exercício» que não pudesse, por lei ser distribuída aos accionistas.
O conceito de «desempenho positivo da sociedade» só pode, pois, assentar na referida geração de riqueza por parte da sociedade. E essa, apresenta-se, paradigmaticamente, na demonstração de resultados e na sua conclusão - o resultado líquido do período.”
No mesmo sentido, o Processo do CAAD 107/2021 de 29 de dezembro de 2021:
“A condição material para a atribuição de bónus aos administradores está dependente do desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos. Sem a verificação desta condição não há qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que se efectua o respectivo pagamento. Portanto, é só no final do período de três anos que se pode concluir se está verificada a condição de exclusão de tributação autónoma traduzida naquele desempenho positivo (cfr. processo n.º545/2016-T).
Este conceito de «desempenho positivo da sociedade» assenta na demonstração de resultados, em concreto no resultado líquido do período.”
E, como se comprovou, no triénio de 2027-2020 a C..., teve RLE negativo em 2018, pelo que, para efeito da questão controvertida, não apresentou um “desempenho positivo” ao longo de todo o período de diferimento da remuneração variável.
Assim, verifica-se que a Requerente incumpriu aquele requisito, não tendo, assim, direito à exclusão de tributação autónoma que pretende.
Acresce que dispõe o n.º 14 do artigo 88.º:
“As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC. (Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).
Mais, dispunha à data o n.º 20 do mesmo artigo:
“Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º”.
A norma agora em causa, prevê o agravamento em 10 pontos percentuais da taxa de tributação autónoma quando os sujeitos passivos apresentem prejuízo fiscal no período em que ocorram os factos tributários que originam a tributação.
A mesma questão de direito foi já decidida nos Processos n.ºs 659/2014-T, 545/2016-T e 630/2017-T em termos que não merecem qualquer discordância.
“Destarte, a norma não suscita nenhuma especial dificuldade interpretativa. Prevê-se um agravamento da taxa de tributação quanto às empresas que, tendo incorrido nos gastos sujeitos a tributação autónoma, apresentem prejuízo fiscal no período de tributação. A lei refere-se ao prejuízo fiscal e não ao resultado económico, financeiro ou contabilístico, e, por conseguinte, o prejuízo fiscal será apurado de acordo com as regras de determinação do lucro tributável que constam dos artigos 15.º a 17.º do CIRC, sendo que o prejuízo fiscal ocorre quando a quantia residual resultante da contabilização dos gastos e dos rendimentos é negativa.
Releva, pois, para efeitos do agravamento da taxa de tributação autónoma o prejuízo fiscal, expressão utilizada na lei, e não desempenho económico, ou outros.
No que tange às empresas tributadas no âmbito do RETGS, é igualmente entendimento consolidado na jurisprudência que ocorrendo esta tributação por opção do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passivo de IRC, e se deste regime resultar uma tributação final mais gravosa, tal consequência apenas é imputável ao Contribuinte.”
Importa trazer à colação também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, que esclarece “não haver aqui qualquer discriminação arbitrária: a diferenciação de tratamento baseia-se numa distinção objetiva de situações. A lei, através da tributação autónoma, e especialmente em relação à tributação prevista no n.º 13 do artigo 88.º, pretende estimular os contribuintes a evitar a realização de despesas excessivas que, injustificadamente, possam afetar os resultados económicos e provocar uma diminuição da receita fiscal. O n.º 14 o que prevê é o agravamento da taxa quando a empresa incorre nesse tipo de despesas apesar de vir a apresentar, no respetivo período de tributação, um prejuízo fiscal.
A diferenciação encontra-se suficientemente justificada, visto que, se é censurável, do ponto de vista fiscal, a realização de despesas que determinam desnecessariamente uma redução do rendimento tributável, mais o será se a empresa realiza essas despesas apesar de não conseguir sequer apurar um resultado económico positivo.”
No caso em apreço, como já se mencionou, na Modelo 22 do RETGS para o exercício de 2020, foi apurado um prejuízo fiscal (quadro 07 do Modelo 22), que foi transportado para o apuramento da matéria coletável (quadro 09). Ora, basta a existência deste prejuízo fiscal num dos exercícios do período a que respeitam os factos tributários para se despoletar a aplicação do agravamento da taxa estabelecido no n.º 14 do artigo 88.º.
Termos em que, pelas razões acima expostas, deve improceder o pedido arbitral no que à C... concerne, com as legais consequências.
3.Do reembolso e dos juros indemnizatórios
As Requerentes pedem, ainda, a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica da Requerente A..., em resultado da anulação parcial do acto tributário, há assim lugar ao reembolso parcial do imposto indevidamente pago, correspondente ao valor de Tributação Autónoma da liquidação adicional relativa à A..., e aos anos de 2019 e 2020, no montante total de € 181.628,35.
Ainda nos termos do n.º 5, do artigo 24.º, do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento
da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade parcial dos actos de liquidação de tributação Autónoma, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente A... pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
De mencionar a nossa concordância com o decidido no Acórdão do STA de 14-10-2020, proferido no Proc. 01273/08.6BELRS 01364/17:
“De todo o modo, sempre se deixa expresso que, como a Recorrente bem sabe, nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária. Ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.
Ora, no caso concreto, verificado o erro e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Recorrida tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas comunitárias e não apenas de normas nacionais. Ou seja, não é o facto do erro de violação de lei resultar da desconformidade do ordenamento nacional com o Direito da União que sustenta o afastamento do direito a juros indemnizatórios uma vez que o que releva é a imputabilidade do seu cometimento à Administração Fiscal, como é o caso. As normas de direito comunitário porque vigoram directamente na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo ser afastadas pelos Estados Membros através de imposição de normas de direito interno, que, como se viu, foram aplicadas pela Administração Fiscal.”
O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”
Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada.
Considerando que o imposto autoliquidado foi objeto de reclamação graciosa apresentada pela Requerente A..., verifica-se que a partir da data de indeferimento, o erro que inquinou as liquidações contestadas passou a ser imputável à AT, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contados a partir da data do indeferimento.
Conforme dado como provado, a Requerente A... apresentou Reclamação graciosa em 26 de Abril de 2022, a qual foi parcialmente indeferida por despacho de 26 de Setembro de 2022. Contudo, de acordo com o n.º 1 do artigo 57.º da LGT, o indeferimento tácito ocorreu a 26 de Agosto de 2022.
Assim, o termo inicial dos juros indemnizatórios é fixado em 27 de Agosto de 2022, data do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa.
4.Decisão
Face ao exposto, acordam os árbitros deste Tribunal no seguinte:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido, com a consequente anulação dos actos de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa com o n.º ...2022..., de indeferimento do Recurso hierárquico n.º ...2022... e a liquidação adicional de Tributação Autónoma, relativos à A..., e aos anos de 2019 e 2020, e o reembolso do imposto indevidamente pago no montante total de € 181.628,35;
b) Julgar parcialmente improcedente o pedido, no que concerne à anulação do acto de liquidação adicional de TA, relativo à C... e ao ano de 2020, no montante de €65.544,34.
c) Reconhecer o direito a juros indemnizatórios das Requerentes nos termos acima fixados;
Tudo com as legais consequências.
IV. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 247.172,69 (duzentos e quarenta e sete mil cento e setenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos) que corresponde à importância da TA liquidada adicionalmente pela AT, e juros compensatórios inerentes, conforme peticionado pelas Requerentes e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VI. Custas Arbitrais
Custas no montante de €4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), a suportar pelas Requerentes em €1.136,02 e pela Requerida em €3.147,98, correspondentes às percentagens de 26,52% e 73,48%, respectivamente, em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de julho de 2025
Os árbitros,
Regina de Almeida Monteiro
Susana Mercês de Carvalho
Maria Antónia Torres