Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1167/2024-T
Data da decisão: 2025-07-07  IVA  
Valor do pedido: € 49.673,60
Tema: IVA – Contrato de arrendamento; Aplicação do nº. 29 do art.º 9º. do CIVA; Obrigatoriedade de regularização prevista na alínea c) do art.º 24º. do CIVA do imposto deduzido na construção de um imóvel, respetivas benfeitorias e outras despesas de investimento.
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SUMÁRIO:

1.Um contrato de arrendamento de “paredes nuas”, está isento de IVA, nos termos do nº. 29º. do art.º 9º. do CIVA.

2.Não tendo o sujeito passivo renunciado à isenção, nos termos do art.º 12º. do CIVA, está obrigado a proceder à regularização de imposto IVA deduzido na construção de um imóvel, respetivas benfeitorias e outras despesas de investimento, nos termos da alínea c) do art.º 24º. do CIVA.    

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

1.       Em 29 de outubro de 2024, A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, tendo apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação de IVA, na sequência do indeferimento tácito, através da qual se pretendia a anulação da liquidação adicional n.º 2023... referente a IVA do período 2019/12, que determina um valor de imposto a pagar no montante de € 44.374,19 e correspondentes liquidações n.ºs 2023... e  ... referentes a juros compensatórios no valor total de € 5.299,41,  solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT),pretendendo obter a anulação das liquidações impugnadas (a de IVA do período 2019/12 e as de juros compensatórios e respetiva devolução, acrescida de juros compensatórios).

2.              A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, o Senhor Drº ..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) é representada pelos juristas Senhor Drº. ... e Drº. ....

3.              Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, não se tendo as partes oposto a tal nomeação. 

4.             O presente Tribunal foi constituído no dia 08 de janeiro de 2025, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular que se encontra junta aos presentes autos.

5.             No mesmo dia 08 de janeiro de 2025, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT. 

6.             Em 11 de fevereiro, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo igualmente procedido à junção do processo administrativo.

7.             Em 19 de fevereiro de 2025 o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

“1. Notifique-se as partes de que a reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18º, n. º1, do RJAT encontra-se agendada para o dia 26 de março, pelas 14:30, e que a declarações de partes e a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente terá lugar na mesma data.

2. Notifique-se as partes para, no prazo de 10 dias, informarem o CAAD sobre se as testemunhas serão apresentadas nas instalações do CAAD no Porto ou em Lisboa.

3. Notifique-se as partes para, no mesmo prazo, informarem o CAAD sobre a sua vontade em se deslocar às instalações do CAAD, no Porto ou em Lisboa, ou, em alternativa, participar na diligência on-line, via WEBEX.”

8.             Conforme agendado, no dia 26 de março decorreu a reunião prevista no art.º 18º. do RJAT e foi ouvido o sócio-gerente da empresa Requerente em Declarações de Parte e a testemunha arrolada.

9.               Nesse mesmo Despacho, o Tribunal notificou a Requerida para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos informação relativa ao estado do procedimento inspetivo referido no artigo 52.º da sua Resposta, tendo, igualmente, notificado a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerente começará a contar com o termo do prazo de 10 dias concedido à Requerida para prestar a informação solicitada e para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido.

 

10.           Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT,  o Tribunal determinou a prolação da decisão arbitral até 08 de julho de 2025, termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder, até ao termo do prazo concedido para apresentação de alegações escritas, ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD, tudo conforme ata que se encontra junta aos autos.

11.           A Requerida, por requerimento de 07 de abril de 2025 veio dar conta de que o procedimento inspetivo que aludia no art.º 52 da sua Resposta foi anulado, “…não tendo assim, ao contrário do inicialmente referido, vindo a aportar quaisquer esclarecimentos que se pudessem mostrar úteis para a boa decisão da causa”, mais requerendo o seguinte:

“Pelo que, na eventualidade de, apesar de tal não resultar verificado à Requerida, ser imputado qualquer vício formal às liquidações, se verificaria a caducidade do direito de acção relativamente a tal causa de pedir e, no demais, por não se verificar qualquer erro imputável aos serviços, de igual modo, deverá ser julgada a excepção de caducidade do direito de acção, que é de conhecimento oficioso e obsta ao conhecimento da causa, com a consequente absolvição da Requerida da instância, o que desde já se Requer.”

12.            A Requerente, procedeu em 30 de abril de 2025 ao pagamento da taxa arbitral subsequente e à junção das respetivas alegações, tendo a Requerida apresentado as suas alegações em 26 de maio.

13.           Nas suas alegações a Requerente toma posição quanto à questão da caducidade do direito à ação colocada pela Requerida nos moldes acima referidos, pugnando pela tempestividade do pedido de pronuncia arbitral.

 

 

II - A POSIÇÃO DAS PARTES

I). A Posição da Requerente

1.       A Requerente apresenta o seu PPA, que se destina a:

- Anular o ato de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado e recebido pela AT em 09 de maio de 2024;

- Anular a liquidação adicional n.º 2023 ...  referente a IVA do período 2019/12, que determina um valor de imposto a pagar no montante de € 44.374,19 e as correspondentes liquidações n.ºs 2023 ... e ... referentes a juros compensatórios no valor de € 5.299,41, tudo num total de 49.673,6.

2.Fá-lo com fundamento em erro na qualificação do facto tributário e violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

3.        Os atos tributários em apreço, decorreram das correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Aveiro, a coberto da ordem de serviço n.º OI2021..., extensiva ao ano de 2019, com base nos fundamentos constantes do respetivo relatório de inspeção tributária (RIT), que determinou:

A obrigação de a contribuinte proceder à regularização do IVA deduzido na construção de um imóvel, respetivas benfeitorias e outras despesas de investimento realizadas ao longo do tempo, por virtude de entender que tal imóvel foi afeto a uma atividade isenta (arrendamento) sem que tivesse havido renúncia à isenção de IVA.

4.       A Requerente contesta a liquidação de que foi alvo por entender que a locação do imóvel em causa, nos termos em que foi realizada, não é abrangida pelo regime de isenção, não se aplicando, no seu entender, a esta caso, a alínea c) do art.º 24º. do CIVA.

5.       Refere a Requerente que para esse efeito o RIT considerou o seguinte:

“a. Que o contrato intitulado “Contrato de Arrendamento para Fim Comercial & Industrial” celebrado em 10/janeiro/2019 entre a Contribuinte e a empresa B..., Lda, se traduziu numa mera e simples locação de imóvel (afetação a atividade isenta),  subordinada ex legis ao regime de isenção de IVA;

b. Que a Contribuinte liquidou indevidamente IVA nas faturas das rendas (devidas apenas a partir de 1/outubro 2019);

c.  Que, a Contribuinte está obrigada a proceder à regularização do IVA deduzido pela construção do imóvel, respetivas benfeitorias e outras despesas de investimentos pelo período que faltar para o decurso de 20 anos sobre a data de tal dedução, nos termos dos nº.s 5 e 6 do artigo 24º. Do CIVA.”

6.       Ora a Requerente entende que o dito “Contrato de Arrendamento” não determinou a afetação do imóvel a uma atividade isenta, porquanto “…se trata de um arrendamento de instalações preparadas para o exercício de uma atividade industrial, sem características de “arrendamento paredes nuas”, e associado a um conjunto de prestações de serviços.

7.       A Requerente enumera os factos que considera mais relevantes para análise da situação, os quais foram parcialmente levados ao probatório. 

8.        Sabido que posteriormente à outorga desse Contrato de Arrendamento (10 de janeiro de 2019), as partes assinaram um acordo de cessão (21 de dezembro de 2020), a Requerente considera que este segundo documento, constitui um aditamento ao primeiro, admitindo assim que logo desde 2019 foi “arrendado” um imóvel completamente preparado para exercer uma atividade industrial, com prestações de serviços complementares da uma empresa (senhoria) à sua inquilina, a aqui Requerente.

9.       Trata-se, diz a Requerente, da locação de um conjunto de bens e serviços organizados e a funcionar, que incluíam um imóvel.

10.    O modo como decorreu a boa execução do contrato inicial (2019), as partes acordaram na sua alteração, com a alteração do preço e também das contrapartidas para a Requerente.

11.    Na relação entre as partes a Requerente, contrariamente à AT, defende que o imóvel em si tem constitui um elemento secundário, por contraposição com todas as demais contrapartidas colocadas à disposição da Requerente.

12.     Concluindo a Requerente pela aplicação ao seu caso concreto do disposto na parte final do nº. 29º. do art.º 9º. do CIVA, quando aí se consagra que a isenção de IVA aí consagrada não abrange “… Qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento… industrial.”

13.    De referir ainda que sobre todos os montantes em causa foi liquidado IVA.

14.    A Requerente abona em seu favor diversas Fichas Doutrinárias emitidas pela AT, bem como Acórdão do STJ.

15.    Conclui assim a Requerente que o “Contrato” não constitui uma locação isenta de IVA, não podendo desse modo aplicar-se o disposto na alínea c), do nº. 6 do artigo 24º. do CIVA, pelo que a liquidação impugnada padece de vício de violação de lei, tendo violado o disposto na alínea c) do nº. 6 do art.º 24º. do CIVA (pois o imóvel não foi afeto a nenhuma locação isenta), por via da errada interpretação da alínea c) do nº. 29º do artigo 9º. do mesmo CIVA (pois não estamos perante um arrendamento paredes nuas).

16.    A Requerente invoca igualmente que não estão preenchidos os pressupostos de liquidação de juros compensatórios e para além de solicitar a anulação da liquidação em casa, pede o pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

II). A Posição da Requerida

1.             A Requerida que na sua Resposta se reporta à factualidade e argumentação utilizada no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), começa por contestar a posição da Requerente quando esta alega que o identificado contrato de cedência de exploração, constitui, conjuntamente com o referido contrato de arrendamento, uma realidade única e incindível.

2.             E di-lo, por variadíssimas razões, que são as seguintes:

i). Nenhum dos contratos faz referência à interdependência com o outro;

ii). Não mencionam que a resolução de um implica a resolução do outro;

iii). O segundo contrato (cedência de exploração) não pode ser uma adenda ao primeiro (arrendamento), porquanto ele não faz qualquer referência ao contrato que pretende alterar;

iv). No segundo contrato não se faz qualquer referência ao imóvel, mas aos vários equipamentos e mobiliário que compõem os diversos espaços do imóvel;

v). Se o segundo contrato “… integra uma generalidade de bens corpóreos e incorpóreos e, correspondem à cedência da exploração de um negócio, sem incluir qualquer imóvel”, então é porque esse imóvel é objeto do primeiro contrato.

3.             A Requerida conclui assim que estamos perante dois contratos distintos e independentes.

4.             Face ao enquadramento na legislação nacional e comunitária a Requerida a aborda o tema do conceito de “locação de bens imóveis”, do seguinte modo:

“Nesta senda, o conceito de «locação de bens imóveis», constante do artigo 135.º, n.º 1, alínea l), da Diretiva IVA foi definido pelo TJUE como sendo o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (Acórdão de 2 de julho de 2020, A Oy, processo C215/19, n.º 40 e jurisprudência aí referida).”

5.             Seguindo o mesmo Acórdão do TJUE acima referenciado, aí se pode ler que a isenção em causa “se explica pelo facto de a locação de bens imóveis, embora sendo uma atividade económica, constituir habitualmente uma atividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo. Essa atividade deve assim distinguir-se de outras atividades que têm quer natureza industrial ou comercial quer um objeto que se caracteriza melhor pela realização de uma prestação do que pela simples colocação à disposição de um bem (…)” (Acórdão de 2 de julho de 2020, A Oy, processo C215/19, n.º 41, e jurisprudência aí referida).”

6.             Diz a Requerida que a jurisprudência comunitária conclui que a natureza passiva de um bem imóvel, que justifica a isenção de IVA, se prende mais com a natureza da própria operação e não com a forma como o locatário utiliza o bem em causa.

7.             E mais adiante, que essa mesma jurisprudência “…considera que a isenção em apreço apenas abrange a mera colocação do imóvel à disposição do locatário, em contrapartida de uma retribuição, não sendo acompanhada da prestação de serviços que extravase a locação. Para efeitos da isenção, esta operação deve consubstanciar-se, essencialmente, na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário ligada ao mero decurso do tempo e que não gere valor acrescentado significativo (Informação Vinculativa n.º 16664, com despacho de 2020-01-24, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação).”

8.              “Nesta conformidade…”, continua a Requerida “… a colocação passiva de um imóvel à disposição do locatário ("paredes nuas"), sem equipamentos e/ou serviços associados passíveis de proporcionar ao locatário vantagens acrescidas, ainda que aí venha a ser exercida uma atividade comercial ou industrial pelo inquilino (locatário), beneficia da isenção a que se refere a alínea 29) do artigo 9.º do CIVA, sem prejuízo das exceções aí previstas (Informação Vinculativa n.º 15050, com despacho de 02-09-2019, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação).”

9.             “A este respeito, encontra-se esclarecido que, o que extravasa o conceito de "paredes nuas" ou locação passiva não é o facto de ser acompanhada de móveis e equipamentos, mas sim de ser destinada ao exercício de outras atividades tributáveis que vão para além da mera cedência do gozo do local arrendado, ou incluir outras prestações de serviços, tais como serviços de limpeza e de manutenção de interiores ou exteriores, o fornecimento de água, luz, internet, comunicações, não estando estas operações abrangidas pela isenção (Informações Vinculativas n.ºs 15479 e 19426, com despachos de, respetivamente, 2019-06-06 e 2021-01- 28, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação).”

10.           Esta leitura é complementada com diversas referências jurisprudenciais.

11.           A Requerida saliente que, em sede de direito de audição, a requerente referenciou dois contratos para suporte desta transação, celebrados em simultâneo e pelo mesmo prazo de vigência”, que posteriormente não apresentou, e que não se referem aos contratos juntos aos autos como Docºs. nºs. 3 e 4, porquanto esses têm, como já se viu, datas diferentes, não tendo sido celebrados em simultâneo.

12.           Em anterior ação de inspeção a AT descreveu no respetivo Relatório os termos e condições do identificado “Contrato de Arrendamento” do seguinte modo:

“Pelos representantes da empresa foi exibido o contrato de arrendamento celebrado relativamente ao Imóvel onde labora o Sujeito passivo, cuja cópia se junta em Anexo 1, sendo de destacar do mesmo as seguintes cláusulas:

1)Tipo de contrato 

O contrato exibido tem a designação de “Contrato de Arrendamento para Fim Comercial & Industrial”, sendo referido que, foi celebrado e reciprocamente aceite o referido “contrato de arrendamento relativo ao Pavilhão sito na Zona Industrial de ..., devidamente infraestruturado para a prática da atividade industrial, nomeadamente metalomecânica”. No ponto 1 do contrato, referente ao objeto do mesmo, é referido que “Pelo presente contrato, o Senhorio dá de arrendamento o imóvel sito na Zona Industrial de  ... (…)”

O ponto 2 do contrato refere-se “Finalidade do Contrato de Arrendamento”, sendo referido neste ponto que “A A..., SA na qualidade de senhoria dá de arrendamento à arrendatária e esta aceita, o referido pavilhão, destinando-se o locado à atividade industrial exclusiva da arrendatária, não podendo esta sublocar ou ceder, por qualquer outra forma, onerosa ou gratuita, os direitos deste arrendamento sem o prévio consentimento por escrito da senhoria.”

2) Condições contratuais

Além do que já foi referido no ponto anterior relativamente ao contrato de arrendamento exibido, refira-se que nos pontos 5 e 6 do mesmo constam as “obrigações do senhorio” e “Obrigações da Arrendatária” respetivamente, sendo de destacar que, relativamente Às obrigações da arrendatária as mesmas se referem, além do pagamento da renda, à manutenção e devolução no termo do contrato, do Imóvel em “bom estado de conservação”. Do ponto 7 do referido contrato, referente a “obras a realizar pela arrendatária”, consta o seguinte:

“Não estando o edifício completamente atualizado para a atividade industrial a desenvolver pela arrendatária, a Senhoria autoriza a Arrendatária a realizar as obras necessárias para o efeito onde se resume:

 - Substituição dos telhados;

 - Dotar as instalações com iluminação em led;

 - Proceder ao reforço da instalação elétrica para poder utilizar equipamentos de maior consumo energético;

 - Reparação de fachadas interiores e exteriores;

 - Reparação do piso das naves industriais, onde será necessário retificar e aplicar pintura epoxy;

 - Reparação de muros, gradeamentos e pavimentos exteriores ao edifício; - Substituir portões;

 - Outras melhorias.

13.           Assim sendo, face ao teor deste contrato, que a Requerida salienta ter sido o único que sempre foi apresentado à AT, “…o que resulta demonstrado é o mero arrendamento das antigas instalações da Requerente que, comprovadamente, não se encontravam preparadas para a atividade a prosseguir pela C...”

14.           Na leitura que faz deste contrato, a Requerida entende que estamos perante um imóvel, que embora estivesse licenciado para fins comerciais ou industriais, se encontrava obsoleto e degradado, carecendo tais instalações de remodelações profundas, as quais foram feitas pela sociedade  inquilina.

15.            Instalações essas que a aqui Requerente abandonou, não se compreendendo, por isso, a sua alegação de que  “… “[t]udo o demais, necessário à atividade, se encontrava instalado e em pleno funcionamento e produção” (cfr. ponto 20.º do presente PPA)”

16.           E continua a Requerida:

“Ademais, não faz sentido que seja a C... a suportar as obras de remodelação se o imóvel em causa integra um estabelecimento industrial apto à produção e, relativamente ao qual apenas lhe foi concedida a sua exploração.”,salientando ainda que, para além dessas obras a C... teve que adquirir vários equipamentos  para a sua atividade, sendo opinião da Requerida que o negócio desta passou a ser diferente do negócio que a impugnante desenvolvia anteriormente nessas mesmas instalações, tratando-se mais de uma atividade complementar, anteriormente desenvolvida pelos fornecedores da aqui Requerente, tanto mais que a grande parte da sua produção se destina precisamente à Requerente.

17.           A Requerida conclui do seguinte modo:

“Destarte, não só, não se comprova a cessão de exploração de estabelecimento comercial e/ou industrial, como também, a componente fixa da renda devida (exclusivamente) pelo arrendamento do imóvel, que não tem associada a prestação de outros serviços que acrescentem valor significativo, como a que aqui se demonstra estar em causa, no ano de 2019, beneficia de isenção, ao abrigo da alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA, sendo, portanto, devida a regularização de IVA em apreço.”

18.            Contudo:

“…, ainda que se conclua ter efectivamente existido uma cedência de exploração, tal como resulta da prova documental junta aos autos e, das declarações da Requerente aos SIT, são dois contratos, distintos, um de arrendamento (que está em apreço nos presentes autos) e outro, de cedência de exploração de 3 setores de negócio, que não está em apreço nos presentes autos e, em nada influencia as conclusões dos SIT, sobre as implicações em sede de regularização de imposto, decorrentes da celebração do contrato de arrendamento.”, termina considerando não serem devidos os juros indemnizatórios peticionados pela Requerente e mesmo que esta obtenha ganho de causa nunca o tribunal estaria em condições de os arbitrar por carência de elementos, devendo isso sim remeter tal questão para execução de sentença.

19.           A Requerida termina negando o direito a juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, pugnando para que a presente ação seja julgada improcedente por não provada e a Requerida absolvida de todos os pedidos com todas as consequências legais.

 

 

III - SANEAMENTO 

1.O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades e não se verifica a caducidade do direito à ação.

 

 

IV - MATÉRIA DE FACTO

1.             Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. 

2.             Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

3.             Tanto as Declarações de Parte do administrador da Requerente, como o depoimento da testemunha inquirida, se revelaram credíveis e coerentes, sem contudo abalarem a força da prova documental junta aos autos e o Relatório da Inspeção Tributária.

 

4.             Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral dos Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, às Declarações de Parte do administrador da Requerente e ao depoimento da testemunha inquirida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.       Factos dados como Provados 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A.             A Requerente dedica-se à fabricação de máquinas para a indústria de panificação e alimentar, com uma atividade essencialmente dedicada à exportação e atualmente exerce a sua atividade num pavilhão industrial situado no.. . (Facto não controvertido e constante do RIT);

B.             Anteriormente, a Requerente exercia a sua atividade num outro lote (o lote 59) que se situa precisamente em frente, do outro lado da rua, nas mesma Zona Industrial (Facto não controvertido e constante do RIT);

C.             A Requerente tinha anteriormente uma atividade mais extensa, mas passou  a dedicar-se, praticamente em exclusivo, à fabricação de máquinas para a indústria da panificação e procedeu fazer um spin off da atividade, de construção de equipamentos de frio industrial (que incluem equipamentos combinados de produção de frio, calor e humidade), pintura electroestática, decapagem, fabrico de ganchos, pás, pinhas e outras ferramentas e peças de tornearia e serralharia, constituindo para tal uma nova sociedade. (Facto não controvertido e constante do RIT); 

D.             Essa nova sociedade designa-se atualmente por “C...” (anteriormente “B...”) na qual a Requerente participa em 99% do capital social. (Facto não controvertido e constante do RIT);

E.               A Requerente abandonou as instalações do Lote 59, pela construção de uma nova unidade, especializada, no Lote 101.

F.              A atividade que deixou de ser exercida pela Requerente foi continuada pela ”B..., Lda.”, NIF..., que depois mudou a designação social para C..., LDA. (Facto não controvertido e constante do RIT);

G.             O pavilhão industrial onde a Requerente exercera primitivamente a sua atividade encontrava-se em estado de degradação e não estava preparado para que a atividade industrial da C... fosse desenvolvida com continuidade, carecendo de obras (Doc. n. 3 e RIT), que consistiam em:

 · Substituir telhados;

 · Aplicar iluminações em led e reforçar a instalação elétrica para poder utilizar equipamentos de maior consumo energético.

· Reparar fachadas interiores e exteriores; · Reparar os pisos das naves industriais e aplicar pintura epoxy;

 · Reparar muros, gradeamentos e pavimentos exteriores, reparar portões e realizar outras melhorias não especificadas. (Doc. n. 3, RIT e facto que não foi infirmado pelas testemunhas inquiridas);

H.             O melhoramento das instalações foi pago pela C..., LDA (facto não controvertido, constante do RIT e validado pelas testemunhas inquiridas).

I.               Em 10/01/2019 foi outorgado entre a Requerente e a C... (nessa altura ainda designada B..., Lda.) um contrato designado “Contrato de Arrendamento para Fim Comercial & Industrial” (Doc. nº. 3); 

J.              Pelo Contrato, e mediante o pagamento de uma contrapartida, a Requerente cedeu à C... a utilização temporária do .... (Doc. nº. 3);

K.             O Contrato previa a utilização do pavilhão em regime de “comodato” – ou seja, gratuitamente – até 30/09/2019 e duraria por 25 anos a partir dessa data, com uma renda mensal, no primeiro ano, de € 1.000,00. (Doc. nº. 3);

L.              O Contrato previa que a renda seria “acrescida de IVA à taxa legal em vigor”. (Doc. nº. 3);

M.           Com data de 21/12/2020, a Requerente e a mesma ... (ainda designada “B..., Lda.”) outorgaram um documento que intitularam “Acordo para Cedência de Exploração”. (Doc. nº. 4);

N.             Por esse Acordo foi considerado que a Requerente cedera à C... três negócios, precisamente os acima mencionados:

· fabrico de ganchos, pás, pinhas e outras ferramentas e peças de tornearia e serralharia;

· pintura electroestática e decapagens;

· fabrico de equipamentos combinados de frio, calor e humidade. (Doc. nº. 4);

O.             Consta desse mesmo  contrato que a Requerente forneceria, em relação aos 3 negócios: todo o know-how, desenhos, alguma mão de obra técnica especializada e qualificada no arranque e estabilização do processo, disponibilização de carteira de clientes, assunção de custos de energia, telefones e internet durante o período de 2019/2020, e um conjunto de equipamentos, ferramentas e moldes, e acesso a salas de reuniões, balneários, cantina, showroom, iluminação, alarme, vigilância, e outras utilidades ali descritas. (Doc. nº. 4);

P.             O mesmo segundo Contrato estabelece que a renda manter-se-á em € 3.000,00 (IVA não incluído) para todo o ano de 2019; (Doc. nº. 4);

Q.            Passando a ser de € 60.000,00 anuais (IVA não incluído) no ano de 2020 e seguintes. (Doc. nº. 4);

R.             Todos estes valores com IVA acrescido. (Doc. nº. 4);

S.              E, a partir de janeiro de 2021 passaria a haver uma remuneração anual variável de 1% da faturação da C... no ano anterior. (Doc. nº. 4);

T.              Mais ficou acordado que aos valores estipulados para 2019 e 2020, e seguintes, se deduziriam todos os montantes já faturados e liquidados “decorrentes do contrato de arrendamento celebrado em 2019”. (Doc. nº. 4);

U.             Os valores mencionados foram efetivamente faturados pela Requerente à C..., com liquidação de IVA, que esta deduziu nas suas declarações periódicas (facto não controvertido).

V.             A Requerente faturou à C...:

 · Em 31/12/2019, o valor de € 3.000,00 + IVA, correspondente ao último trimestre de 2019; (Doc. nº. 5);

· Em 31/03/2020 (1.º trimestre) o valor de € 3.000,00 + IVA. (Doc. nº. 6);  

· Em 30/06/2020 (2.º trimestre) o valor de € 3.000,00 + IVA. (Doc. nº. 7);

· Em 30/09/2020 (3.º trimestre) o valor de € 3.000,00 + IVA. (Doc. nº. 8);

· Em 28/12/2020 (4.º trimestre) o valor de € 3.000,00 + IVA. (Doc. nº. 9);

· Em 30/12/2020, o valor de € 48.000,00 + IVA relativamente ao acerto de renda para 60.000 euros anuais resultante do Acordo de 2/12/2020. (Doc. nº. 10);

 · Em 29/01/2021, o valor de € 5.246,48 + IVA relativamente ao montante de 1% do volume de negócios da C... de 2020. (Doc. nº. 11);

W.           Nos anos subsequentes, foi sempre feita uma fatura anual de € 12.000,00, outra fatura de € 48.000,00 e uma fatura, também anual, de 1% sobre a faturação do ano anterior, valores estes acrescidos de IVA. (facto não controvertido);

X.             A C... foi alvo de uma ação inspetiva externa promovida pela AT, com início em 09/09/2020 e com o âmbito de incidência sobre o IVA de 2020, a qual foi concluída em 21/12/2020 e da qual não resultaram quaisquer atos tributários desfavoráveis à referida sociedade (vide documentos juntos aos autos pela Requerente em 13/04/2025).

Y.             A AT procedeu à liquidação adicional nº. 2023... referente a IVA do período 2019/12, que determina um valor de imposto a pagar no montante de € 44.374,19. (Facto não controvertido e RIT);

Z.               A AT procedeu às liquidações n.ºs 2023 ... e ... referentes a juros compensatórios no valor total de € 5.299,41. (Facto não controvertido e RIT);

AA.          A Requerente pagou as liquidações impugnadas em 02/06/2023. (Doc. nº. 1);

BB.          A Requerente apresentou em 8 de maio de 2024 um pedido de revisão oficiosa, tendo em vista a anulação dos atos tributários de liquidação de IVA acima identificados. (Processo administrativo);

CC.          A Requerente apresentou em 29 de outubro de 2024 o presente pedido e pronuncia arbitral.

 

b.      Factos dados como não Provados

A.      Não se encontram factos relevantes que devam se considerados como não provados.

 

THEMA DECIDENDUM – 

Importa apurar se estamos ou não perante um arrendamento “paredes nuas” e consequentemente isento ou sujeito a IVA, nos termos do nº. 29º. do art.º 9º. do CIVA.

E caso se conclua pela isenção de IVA, não tendo o sujeito passivo renunciado à isenção, nos termos do art.º 12º. do CIVA, se está obrigado a proceder à regularização de imposto IVA deduzido na construção de um imóvel, respetivas benfeitorias e outras despesas de investimento, nos termos da alínea c) do art.º 24º. do CIVA.    

 

 

 

 

 

V – LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Artigo 9º. nº. 29 do CIVA

“Isenções nas operações internas”

“Estão isentas do imposto:

… … … 

29) A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange:

.. .. ..

c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;”

 

Artigo 24.º, nº. 5 do CIVA

“Regularizações das deduções relativas a bens do ativo imobilizado”

… … … 

 “5 - Nos casos de transmissões de bens do ativo imobilizado durante o período de regularização, esta é efetuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afetos a uma atividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.ºs 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afetos a uma atividade não tributada, devendo no primeiro caso efetuar-se a regularização respetiva”. 

 

Artigo 24.º, nº. 6 do CIVA

“6 - A regularização prevista no número anterior é também aplicável, considerando-se que os bens estão afetos a uma atividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respetiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando:

… … …

 c) O imóvel passe a ser objeto de uma locação isenta nos termos do n.º 29) do artigo 9.º.”

 

 

 

VI – PRESSUPOSTOS DA DECISÃO.

1.             Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, importa decidir, começando por uma questão prévia.

2.             Recorde-se que a Requerida, por requerimento de 07 de abril de 2025, na sequência de notificação para esse efeito por parte do Tribunal, veio dar conta de que o procedimento inspetivo que aludia no art.º 52 da sua Resposta foi anulado, “…não tendo assim, ao contrário do inicialmente referido, vindo a aportar quaisquer esclarecimentos que se pudessem mostrar úteis para a boa decisão da causa”, mais requerendo o seguinte:

“Por outro lado, apesar de não resultar evidente à Requerida que, do PPA apresentado resulte que às liquidações controvertidas não é apontado qualquer vício formal, sempre se mostraria verificada a caducidade do direito de acção, para efeitos de apreciação de qualquer vício formal das liquidações, uma vez que, como admitido pela Requerente, após o terminus do prazo para o pagamento voluntário da liquidações, não foi apresentado, no prazo de 90 dias, qualquer impugnação judicial das liquidações, nem no prazo de 120 dias, a competente Reclamação Graciosa.

 

Pelo que, na eventualidade de, apesar de tal não resultar verificado à Requerida, ser imputado qualquer vício formal às liquidações, se verificaria a caducidade do direito de acção relativamente a tal causa de pedir e, no demais, por não se verificar qualquer erro imputável aos serviços, de igual modo, deverá ser julgada a excepção de caducidade do direito de acção, que é de conhecimento oficioso e obsta ao conhecimento da causa, com a consequente absolvição da Requerida da instância, o que desde já se Requer.”

3.       Em resposta, e em sede de alegações, quanto a este aspeto, a Requerente alegando que este incidente não deve ser conhecido pelo Tribunal, afirma que o presente processo é tempestivo, porquanto o mesmo visa não a impugnação direta das liquidações em crise, mas a anulação do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa.

4.       Tal realidade foi abordada no PPA e a Requerente remete para o decidido no Proc. nº. 16/2023 -T do CAAD, que na situação em causa, determinou que:

“…estavam reunidos os três requisitos para aplicação do artigo 78.º. n.º 4 da LGT, designadamente: (1) se o pedido de revisão foi apresentado no prazo de 3 anos a contar da produção do ato tributário; (2) se o pedido teve como fundamento que do ato de liquidação resultou uma injustiça grave ou notória e (3) se o erro que fundamentou o pedido não foi imputável a um comportamento negligente do contribuinte.”

5.       A Requerente alega que, na situação em causa, também se encontra verificado, concluindo a identificado Acórdão, como a Requerente pretende que seja decidido neste, que:

“(…) se encontram preenchidos todos os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, sendo que, em consequência desse facto, os atos de liquidação do (…), são suscetíveis de ser impugnados (…) “.

6.       E na nossa opinião estão efetivamente reunidos no caso concreto os pressupostos para aplicação do disposto no número 4 do artigo 78 da LGT.

7.       O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em maio de 2024, relativamente a impostos liquidados em 2023, consequentemente há menos de 3 anos.

8.       Por outro lado, nada NOS impede de considerar que a requerente entenda as liquidações adicionais de que foi alvo no sentido de considerar que as mesmas representam uma injustiça grave e notória, já que, ao ter feito incidir o IVA sob o preço do contrato inicial, seria suposto admitir que não havia lugar a regularização que veio posteriormente a ser exigida pela AT.

9.       Por fim, Não podemos considerar que o comportamento da requerente, relativamente a esta matéria tenha sido negligente.

10.    Donde se conclui pela tempestividade e legitimidade de apresentação do pedido de revisão oficiosa, cujo indeferimento tácito está na origem da apresentação deste PPA, igualmente tempestivo.

11.    O que nos permite passar a apreciação do mérito da causa. 

12.    Assim, e em resumo, a Requerente alega que a liquidação de IVA nas rendas, a que ela própria procedeu, não é indevida, porquanto o arrendamento, feito nos termos contratados, não está sujeito ao regime de isenção de IVA.

13.    Antes pelo contrário, estando sujeito a IVA, cai fora da alçada do regime previsto no art.º 24º. do CIVA e consequentemente põe em causa a regularização imposta pela AT, que está na origem da presente liquidação, aqui contestada.

14.    Pois a Requerente entende que:

“O que foi “arrendado” em 2019 foi um imóvel completamente preparado para exercer uma atividade industrial, que a senhoria entregou muito mais serviços do que a disponibilização da mera utilização de um espaço vazio, e que – inclusivamente – havia serviços de apoio técnico e disponibilização de mão de obra. “

15.    Daqui resulta, no entender da Requerente, porquanto a AT já recebeu o pagamento da regularização de IVA, uma profunda injustiça, originando uma dupla tributação em IVA sobre os mesmos bens.

16.    A Requerente entende que, no caso concreto, o imóvel é o elemento mais secundário de todas as componentes disponibilizadas, dando especial ênfase aos equipamentos devidamente organizados e estruturados entre si, “… que permitem fabricar os produtos a que a sua atividade industrial se propõe.”

17.    A Requerente apela à melhor interpretação e aplicação do disposto na subalínea c) da al. 29) do artigo 9.º do CIVA.

18.    Recorda a Requerente nas suas alegações que:

“A alínea 29) determina no seu corpo que a locação de bens imóveis está isenta de IVA. Porém, também refere que a isenção não abrange: … c) …. Qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento… industrial.”

19.    Ora, conclui a Requerente que:

“É evidente que a locação em causa é uma locação de bem imóvel de que resulta a transferência onerosa da exploração de um estabelecimento industrial.

20.    Como o “contrato” não constitui uma locação isenta de IVA, consequentemente, não se pode aplicar o disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 24.º do CIVA, como pretende a AT, pois a regularização de IVA só é devida no caso de o imóvel passar a ser objeto de uma locação isenta nos termos do n.º 29) do artigo 9.º - o que, entende a Requerente, não é o caso.     

21.    Por seu turno, a Requerida faz uma leitura diferente dos factos, da realidade contratual subjacente e uma diversa análise e interpretação das disposições legais aplicáveis.

22.    Ou seja, a entidade Requerida dá maior importância ao primeiro contrato de celebrado entre as partes (arrendamento), que começou por ser um contrato de comodato, e só posteriormente de arrendamento com pagamento de renda (de referir que consta do contrato, que a mesma está sujeita a IVA).

23.    A Requerida entende que a intenção das partes ao celebrarem esse contrato foi apenas a de procederem à disponibilização das antigas instalações da Requerente, a favor de uma sociedade por si controlada, que nela passaria a exercer uma atividade industrial.

24.    Mas entende a Requerida que nesse contrato nada se consagre quanto à realização, ou melhor, a inclusão no mesmo, de diversas prestações de serviços, bem como da disponibilização de equipamentos afetos a uma atividade industrial.

25.    Dito de outro modo, o contrato tinha como elemento principal, o imóvel, nada se consagrando expressamente relativamente a uma realidade diferente dessa.

26.    Ou seja, estaríamos perante um arrendamento “paredes nuas” e, como tal, nos termos da legislação aplicável, isento de IVA.

27.    Esta realidade só vem a ser alterada, por via da celebração de um segundo contrato (acordo para cedência de exploração), em momento posterior, o qual não constitui um aditamento ao primeiro, mas antes um novo contrato, que não abrangendo o imóvel, refere toda uma nova realidade que vai para além do imóvel.

28.    A Requerida põe a tónica na inexistência de qualquer tipo de interdependência entre os dois contratos outorgados pelas partes.

29.    Tal resulta das diversas obrigações contratuais ali estabelecidas, não sendo de admitir que o contrato de cessão de exploração, constituísse um aditamento ao inicial contrato de arrendamento, não lhe tendo introduzido qualquer alteração, mais ou menos significativa, não o podendo fazer com caráter retroativo.

30.    A ausência no texto do segundo contrato, de qualquer referência ao primeiro, afasta a possibilidade de um constituir uma adenda do outro.

31.    Importa decidir.

32.    Apesar da prova testemunhal produzida, incluindo as declarações do administrador da empresa aqui Requerente, a prova documental e sua análise, apenas permite extrair a conclusão de que, pelo menos inicialmente, as partes apenas pretenderam celebrar um contrato de arrendamento das instalações em causa, sem qualquer outro tipo de envolvimento, quer no domínio das prestações de serviços, quer da utilização de diversos equipamentos que ali estivessem instalados ou o viessem a ser.

33.    Tanto mais que a intenção das partes se faz sentir, no início, por uma disponibilizou gratuita do bem, própria do contrato de comodato, a que se faz desde logo referência no primeiro contrato em causa, para o período de 10 de janeiro a 30 de setembro de 2019.

34.    Complementarmente, o valor da renda fixado (€ 1.000,00), contrastando com o valor atribuído ao segundo contrato (€ 3.000,00 em 2019 e € 4.000,00 a seguir), obriga a concluir que a renda inicial se destinava apenas a pagar o preço da utilização das instalações industriais “paredes nuas”.

35.    Por outro lado, é reconhecido pelas partes que o imóvel carecia de profundas alterações e melhorias, que se fossem concretizadas pela sociedade senhoria, aqui Requerente, conduziriam à necessidade de cobrança de uma outra renda.

36.    O Tribunal não nega que veio a funcionar mais tare nas identificadas instalações uma unidade fabril, a qual foi alvo de obras de melhoramento e benfeitorias diversas e foi devidamente equipada para o efeito.

37.    O que não pode esquecer, é que tal intenção só vem mais tarde a ser contratualmente materializada, e após um ano de vigência do inicial contrato de arrendamento.

38.    E é, no entendimento do Tribunal, o momento da celebração do contrato de arrendamento, os seus termos e condições, que fixam e determinam o seu regime fiscal, aqui e agora, evidentemente, em sede de IVA.

39.    Ora, tratando-se de um arrendamento do imóvel, que constitui não só o elemento essencial do contrato, mas o único, não pode o mesmo considerar-se sujeito a IVA, “beneficiando” pelo contrário do regime de isenção, consagrado no número 29, do artigo 9º., do CIVA.

40.     Não tendo a Requerente renunciado a essa isenção, faculdade prevista na lei e que poderia ter utilizado, dúvidas não restam que se trata de uma locação de bens imóveis isenta de IVA.

41.    E, nessa decorrência, a regularização efetuada pela AT quanto ao imposto suportado e consequentemente deduzido, com as obras de construção do imóvel, melhoramentos e benfeitorias e outro tipo de investimentos, afigura-se nos como perfeitamente legal.

42.    Contrariamente ao que entende a Requerente, não está em causa a interpretação e aplicação da alínea c) do número 29 do artigo 9º. do CIVA, já que o Tribunal considera que não estamos perante uma locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial.

43.     Tal poderia apenas considerar-se como plausível, se as partes tivessem pretendido, e desde o início, a celebração de um contrato de cessão de exploração, que incluísse a cedência do imóvel, e que tivessem assumido contratualmente tal situação.

44.    O que, como se sabe, não aconteceu.

45.           Apelando à jurisprudência comunitária, sempre podemos referir que a isenção de IVA, nestas circunstâncias, se fica um pouco a dever ao facto de considerar a mera atividade de locação como “relativamente passiva” que não gera um valor acrescentado significativo.

46.           “ Essa atividade deve assim distinguir-se de outras atividades que têm quer natureza industrial ou comercial quer um objeto que se caracteriza melhor pela realização de uma prestação do que pela simples colocação à disposição de um bem (…)” (Acórdão de 2 de julho de 2020, A Oy, processo C215/19, n.º 41, e jurisprudência aí referida).”

47.    Ora, num primeiro momento, determinante para os efeitos em causa, o que as partes pretenderam e assumiram contratualmente, foi a mera colocação de um imóvel à disposição da sociedade inquilina, tendo como contrapartida uma remuneração baixa, sem qualquer outro tipo de serviços ou equipamentos.

48.    Tal, só veio a acontecer num momento posterior, mas por intermedio da outorga de outro contrato, de natureza diversa do primeiro, e oposto sob o ponto de vista de enquadramento em IVA.

49.    O primeiro isento de IVA e o segundo a ele sujeito e de não isento.

50.    Termos em que se decide, do seguinte modo:

 

 

VII - DECISÃO

A.             Face ao exposto, improcede assim o pedido formulado pela Requerente no sentido de ser declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA impugnadas no montante de imposto de € 44.374,19 e respetivos juros compensatórios no montante de € de € 5.299,41, tudo num total de € 49.673,60 (quarenta e nove mil seiscentos e setenta e três euros e sessenta cêntimos), cuja liquidação assim se deve manter na ordem jurídica.

 

B.             Prejudicado fica o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º. da LGT relativamente aos pagamentos efetuados pela Requerente das quantias acima referidas.

 

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 49.673,60 (quarenta e nove mil seiscentos e setenta e três euros e sessenta cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VIII - CUSTAS

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de julho de 2025

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O Árbitro

 

 

(Jorge Carita)